Quando perguntado o motivo de eu não ter visto até então CLUBE DOS CINCO (1985), de John Hughes, falei que a década de 1980 foi uma espécie de Idade Média para mim. A religião evangélica desempenhou um forte elemento em minha vida, que só foi recebendo as cores do Iluminismo a partir do momento em que passei a ser oficialmente um cinéfilo. Isso ocorreu, mais exatamente, em 1989, que considero o ano de início da minha cinefilia, o ano em que comecei a ler críticas de cinema em revistas e jornais e a ir ao cinema pelo menos uma vez por semana.
Não quer dizer que eu não gostasse de filmes antes. Tirando os filmes dos Trapalhões, que eu não conto e nem sei dizer qual seria o primeiro que eu tenha ido ver com minha mãe e minha irmã mais velha, antes da cinefilia, cheguei a ir ao cinema com alguns amigos ver filmes como GREYSTOKE - A LENDA DE TARZAN, O REI DA SELVA (que é de 1984), ALIENS, O RESGATE (esse é de 1986), e uma reexibição de RAMBO - PROGRAMADO PARA MATAR, no Cine Diogo, aproveitando a estrema popularidade dos filmes de brucutus, talvez em 1987 ou 1988, com um amigo entusiasta de Stallone.
Mas e a televisão? Você não via filmes na televisão na infância, meu caro? Sim, mas só aqueles que me ganhavam de imediato. Tinha um especial interesse por filmes de horror (aliás, o horror já me fascinava desde o assustador episódio do Minotauro na série infantil SÍTIO DO PICA-PAU-AMARELO), adorava quando exibiam as comédias de Jerry Lewis na Sessão da Tarde, e também as aventuras de Simbad. Além do mais, já sabia que curtia filmes de prisão, especialmente por causa de FUGINDO DO INFERNO, de John Sturges.
Nunca entendi o motivo de eu não me interessar muito por filmes da juventude, a não ser aqueles que tinham algum conteúdo mais erótico, como A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN, O ÚLTIMO AMERICANO VIRGEM e PORKY'S - A CASA DO AMOR E DO RISO. Aliás, alguns filmes brasileiros com conteúdo sensual e gráfico também muito me interessavam, como alguns do Khouri, DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS e outros que não vou lembrar aqui e que ficam numa fronteira um tanto nebulosa da memória.
E eis que, no meio da quarentena, com um pequeno empurrão dos amigos, lá fui eu ver finalmente o clássico CLUBE DOS CINCO, que eu até tinha visto um trecho numa das madrugadas na televisão, mas nunca havia terminado de ver. E é realmente uma beleza. E acho admirável que seja um filme que não tem muita ação. Seus personagens se mantêm dentro das dependências da escola. Naquele sábado, por algum delito que cometeram, eles terão que escrever uma redação. É o que fazem? Na verdade, não. Apesar das enormes diferenças existentes entre cada um deles, eles começam a travar algum diálogo, que no início é agressivo, já que cada um pertencia a uma turma diferente.
Emilio Estevez era o atleta certinho; Molly Ringwald, a mocinha rica que mais sofre bullying do rebelde vivido por Judd Nelson. Há Anthony Michael Hall como o nerd e Ally Sheedy como a esquisitona de roupa preta e muito rímel preto nos olhos. O filme estabelece as diferenças e um pouco dos arquétipos de cada um já no momento em que eles chegam e se sentam. Seja pela distância entre um e outro, seja pelo modo como se mexem.
A partir da apresentação dos cinco, eu já fui logo brincando de saber com quem eu mais me identificava. Acho que era com o nerd, embora eu fosse tão retraído quanto a personagem de Ally. Durante a conversa, que é brilhantemente orquestrada por Hughes, mas que também ganha com um pouco de improviso por parte dos atores, em especial na cena em que os alunos falam de suas histórias de castigo, quando estão mais à vontade um com o outro e já se consideram quase amigos.
Assim, verdades são reveladas, sentimentos são verbalizados, e momentos tocantes surgem. Posso destacar uma cena do jovem nerd como a mais emocionante, quando ele pergunta sobre a possibilidade de continuidade da amizade entre eles. É bom ver as máscaras caindo e eles se tornando cada vez mais nus diante de cada um, mesmo que através de palavras agressivas ou algo do tipo. Há também reflexões sobre a juventude e a diferença com a vida adulta a partir do reflexo que eles têm dos pais, sobre como serão quando crescerem, se repetirão a história daqueles que os precederam. É uma ótima sessão de terapia em grupo.
O clima eighties saudosista já começa de cara, com a canção "Don't you (forget about me)", dos Simple Minds. Deliciosa.
+ TRÊS FILMES
PARIS 8 (Mes Provinciales)
Ao final do filme eu fiquei achando que ficou faltando algum momento de arrebatamento, que o filme ficou devendo. Mas depois cheguei à conclusão de que o tom sóbrio e quase monocórdico do filme podia mesmo ter sido escolha do diretor. O filme, assim, se aproxima mais da vida. Gosto das mudanças de rumos e até das barrigas. Bela surpresa. Direção: Jean-Paul Civeyrac. Ano: 2018.
INVISÍVEL (Invisible)
Filme tenso e incômodo sobre uma garota que procura soluções para seu problema. O tema do aborto não é fácil e o filme também não procura soluções fáceis. Se bem que o que mais importa é a atmosfera, mais do que a história. A atriz é ótima, compramos a personagem como real. Direção: Pablo Giorgelli. Ano: 2017.
NOCTURAMA
Uma pena mesmo não ter passado nos cinemas brasileiros. Tudo que falaram de bom se justifica neste thriller sobre jovens que se revoltam contra o sistema e cometem atos de destruição em certos lugares. Os motivos nem importam muito e são poucos explorados. Às vezes os flashbacks nem são muito bem-vindos, pois o que mais importa é o agora, a ação, os vai-véns temporais de pontos de vista que o diretor usa e que em muitos momentos lembra ELEFANTE, de Gus Van Sant. Direção: Bertrand Bonello. Ano: 2016.
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