Lá vou eu adotar o mesmo tom de fim do mundo do texto anterior, cujo filme, coincidentemente, traz uma atriz em comum, desta vez em seu último papel: Anita Pallenberg. Na época de DILLINGER ESTÁ MORTO ela ainda era aquela modelo e namorada dos Rolling Stones, muito ligada à contracultura. Associar-se a Abel Ferrara no fim de sua vida - ela também esteve em GO GO TALES (2007) - não deixa de ser coerente, já que trata-se de um dos cineastas em atividade que mais sintoniza com o espírito rock'n'roll.
Pois bem, nada como ver um filme sobre o fim do mundo em clima de fim do mundo. Dá até um sabor especial, até pelo fato de a maior parte da ação de 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011) se passar dentro de uma casa e o contato exterior ser através de Skype, televisão, celulares. A situação é distinta, porém. Por mais que seja perigoso sair de casa, Nova York ainda parece estar bem viva quando faltam apenas algumas horas para o momento final da humanidade. Além do mais, Ferrara não tinha orçamento para mudar nada na sua cidade favorita. E isso não chega a ser um problema.
Há o elemento autobiográfico, que é o personagem de Willem Dafoe, um viciado em drogas que está há mais de dois anos abstêmio, que vive com sua namorada, a artista plástica interpretada por Shanyn Leigh, cujo trabalho no cinema, tirando um único filme, foi apenas em obras de Ferrara. Isso se deve ao fato de ela ser, na época, namorada do diretor. Uma pena que não tenha seguido carreira, já que 4:44 foi seu primeiro trabalho como protagonista, e ela se saiu muito bem.
Sua personagem representa algo de harmônico para a casa, já que o namorado, a princípio, é quem parece estar mais inquieto com aquela situação desesperadora de fim iminente. Enquanto isso, ela continua pintando seus quadros no chão, fazendo arte, o que não deixa de ser admirável, já que a arte tem muito uma relação com a posteridade, com o compartilhar com um certo público. No entanto, quando o personagem de Dafoe conversa com amigos via Skype, eles celebram o fim do mundo tocando um bom e velho rock'n'roll, usando arte. Parece clima de virada de ano.
Há debates filosóficos na televisão ou em telas de celulares com líderes religiosos (Dalai Lama, um mestre Hare Krishna etc.) e pontos de vista mais céticos em relação ao mundo espiritual também, o que aproxima o filme de MARIA (2005). Por outro lado, o tom de sci-fi torna 4:44 um primo de ENIGMA DO PODER (1998), com a tecnologia tão presente, mas aqui de maneira mais próxima de nossa realidade, como se aquilo fosse o momento atual ou um futuro muito próximo.
Como o fim do mundo se deve a uma irresponsabilidade do homem em não tratar bem o nosso planeta, lembrar do que avisou Al Gore também é algo citado. E, assim, podemos fazer novamente uma ligação com o nosso momento, o momento da chegada do Corona Vírus, quando algo que muda totalmente a vida dos habitantes da Terra e causa milhares de mortes, pode ser visto como um acontecimento positivo para a natureza, com a diminuição da poluição gerada pelos carros, por exemplo. Então, assim como 4:44 pode ser visto, apesar do tema, como um dos filmes mais leves de Ferrara, também podemos analisar o momento atual como um possível começo de uma novo e melhor momento para a humanidade.
+ TRÊS FILMES
FROZEN II
Posso dar um desconto pois 1) o problema de dormir em animações tem sido mais meu do que dos filmes (preciso aceitar) e 2) ver dublado é ruim, especialmente na parte das canções - as canções no original já devem ser cafonas, as versões em português não descem nada bem. No mais, eu poderia colocar pontos positivos no filme por trazer uma narrativa de pura aventura e autodescoberta. E há as brincadeiras com os videoclipes clássicos e o Olef fazendo graça enquanto as duas princesas são muito sérias. O 3D não serve pra nada neste segundo filme. Direção: Chris Buck e Jennifer Lee. Ano: 2019.
TINTA BRUTA
Mais um exemplar da excelente fase de nosso cinema, que tem feito sucesso no exterior também. O que se destaca em TINTA BRUTA, além de um protagonista muito interessante, com sua timidez e maneira original de ser e de tentar viver a vida, é o modo como é mostrada Porto Alegre, praticamente uma cidade fantasma. Direção: Marcio Reolon and Filipe Matzembacher. Ano: 2018.
O ÚLTIMO SUSPIRO (Dans la Brume)
Sempre bom ver um filme de gênero ganhando uma nova cara quando foge dos países de língua inglesa. Este angustiante drama de horror e ficção sobre uma bruma assassina parece ter sido inspirada na HQ O Eternauta. Há muita coisa em comum. Mas o filme traz coisas novas e deixa a gente sempre interessado no que está por vir e no destino dos personagens. Muito bom. Direção: Daniel Roby. Ano: 2018.
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