sexta-feira, maio 15, 2020

GO GO TALES

Abel Ferrara sempre foi um cineasta complicado para agradar tanto aos exibidores e estúdios americanos. Assim, ele começou a contar com a ajuda financeira de países que valorizam mais o seu trabalho, principalmente a Itália e a França. GO GO TALES (2007) é outro de seus filmes que conta com coprodução europeia, desta vez italiana. Inclusive, parte das cenas foram rodadas na lendária Cinecittà, estúdio situado na periferia de Roma e que foi espaço para inúmeras produções do país da bota e também de outros países que quiseram lá rodar.

E quanto ao prestígio de Ferrara com a crítica, é impressionante que, em um mesmo ano, dois filmes do realizador estiveram presentes no tão aguardado top 10 da Cahiers du Cinéma. Como GO GO TALES só foi lançado comercialmente na França em 2012, foi só neste ano que o filme apareceu na lista, junto com outro do realizador, o ainda inédito por mim 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011). Claro que não é só questão de ser um filme que vá agradar apenas aos críticos. Sabemos de todas as histórias envolvendo sabotagens dos próprios estúdios que financiaram produções dirigidas pelo realizador.

Confesso que GO GO TALES não está entre os meus filmes mais queridos de Ferrara. Talvez eu quisesse algo continuando a linha de MARIA (2005), já que achei tão interessantes as discussões teológicas e o modo como ele fez cinema inventivo com isso tudo. Em vez disso, o diretor resolveu voltar ao mundo de pessoas um tanto marginalizadas, no caso, a de um clube de striptease, universo que já havia sido abordado em CIDADE DO MEDO (1984).

Mas engana-se quem pensa que o diretor iria fazer um filme numa linha mais exploitation. As cenas de striptease não são lá tão animadoras e por vários momentos eu vi aqueles homens colocando dinheiro nas calcinhas das moças que dançavam para eles como seres um tanto bobos. Pode ser coisa da idade, não sei. De todo modo, não acho mesmo que o diretor quisesse fazer um filme com cenas de sexo ou sequências sensuais. O foco aqui é no dia de cão pelo que passa o personagem de Willem Dafoe, Ray, administrador e apresentador da boate Ruby's Paradise, que leva o seu sobrenome, inclusive, mas que é bancada pelo seu irmão, Johnie, vivido por Matthew Modine.

Ray está passando por uma situação delicada, já que é um jogador viciado e fez uma aposta na loteria com o dinheiro arrecadado da noite. A boa notícia é que ele ganhou; a má é que ele não consegue encontrar o bilhete. No mesmo dia, as dançarinas reclamam do atraso no pagamento, a dona do imóvel quer ele de volta, e o irmão veio dizer que vai "desligar a tomada" do lugar, que está dando prejuízo.

No que se refere à ideia do ambiente e das pessoas como algo próximo a uma família, eu prefiro muito mais PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg, mas isso se dá por motivos variados, e sei o quanto os dois filmes são distintos, inclusive em suas propostas. No mais, não dá para dizer que Ferrara trai sua proposta de cinema. Ele continua lidando com criaturas da noite, só que agora parece querer dar-lhes uma trégua, fazer com que a sua passagem pelo nosso plano seja por um inferno mais tranquilo.

Soube que Ferrara baseou GO GO TALES em uma obra de John Cassavetes, A MORTE DE UM BOOKMAKER CHINÊS, justamente um filme que eu ainda não vi, mas que pretendo ver em breve.

GO GO TALES traz de volta pelo menos quatro atores que já trabalharam com o realizador: Willem Dafoe, Matthew Modine, Asia Argento e Shanyn Leigh.

+ TRÊS FILMES

ESPÍRITO JOVEM (Teen Spirit)

Bonito e simples este drama musical em que Elle Fanning faz uma aspirante a estrela da música, em um desses programas de reality shows para novos cantores. Gosto do andamento do filme e é difícil não gostar de ver a beleza de Elle o tempo inteiro. Quanto às suas habilidades como cantora, não é tão impressionante assim. Não sei se por causa das músicas, que também não ajudaram. Mas o filme se sustenta em seu sentimento e em seu relacionamento com um senhor alcoólatra que se candidatou a ser seu empresário e principal auxiliador. Direção: Max Minghella. Ano: 2018.

VERÃO (Leto)

Que beleza de filme! Que surpresa mais linda no final do ano de 2018! Quem gosta de rock vai se deliciar ainda mais com tudo, mas talvez mesmo quem não goste possa amar a história envolvendo o triângulo amoroso entre uma bela mulher e dois líderes de bandas de rock da União Soviética do início dos anos 80. Rola também identificação com o cenário brasileiro oitentista. Direção: Kirill Serebrennikov. Ano: 2018.

NICO, 1988

Como não conhecia a história de Nico, ainda mais seus momentos de decadência, o filme já tem um aspecto de curiosidade que já chama a atenção. Trine Dyrholm está bem, mas seu rosto muito familiar (dos filmes suecos) acabou me deixando um pouco sem comprar tão bem a personagem. Mas é sem dúvida um belo filme sobre a decadência de uma pessoa/artista. Direção: Susanna Nicchiarelli. Ano: 2017.

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