domingo, agosto 31, 2014

NO OLHO DO TORNADO (Into the Storm)























Como um personagem lembra em certo momento do filme, tornados deixaram de ser, principalmente nos Estados Unidos, eventos especiais. Quase se tornaram eventos anuais, graças a furacões do tipo Katrina ou Sandy, que provocaram uma onda de destruição imensa em cidades americanas. E como os americanos têm esse fascínio pelo elemento destruidor, ainda mais quando ele é fruto da natureza, sem falar no aspecto estético que o vórtice de um tornado apresenta como espetáculo, é natural que vez ou outra apareçam filmes sobre o tema. No ano passado, lembremos que um dos filmes mais bem-sucedidos foi SHARKNADO, telefilme assumidamente trash que mistura tornado com tubarão. Um absurdo, mas que até gerou uma continuação.

O último filme hollywoodiano de grande escala a abordar o assunto já tem quase 20 anos: TWISTER, de Jan De Bont. Porém, até mesmo esse filme que foi bem recebido pelo público e parte da crítica na época hoje se tornou quase esquecido. Passou a ser lembrado novamente por ocasião do lançamento de NO OLHO DO TORNADO (2014), de Steven Quale, mesmo diretor de PREMONIÇÃO 5 (2011). A principal semelhança com TWISTER está no fato de apresentar personagens obcecados por tornados, a ponto de tornarem a caça a eles em uma razão de viver.

Junte-se isso a uma obsessão contemporânea em registrar tudo em imagens, pela facilidade com que as novas tecnologias trouxeram em registrar em câmeras digitais qualquer coisa. E há também essa onda de filmes que utilizam a câmera na mão, a metalinguagem do filme dentro do filme, a importância de querer registrar o momento, seja para guardar como uma espécie de cápsula do tempo para ver daqui a 25 anos, seja para ficar famoso no youtube com um vídeo espetacular de um furação visto bem de perto. Isso está muito presente no filme. Há muitos personagens empunhando uma câmera na mão. Consequentemente, há muitas imagens tremidas.

Uma pena é que o filme não consiga ser minimamente interessante como TWISTER foi. Ao contrário, NO OLHO DO TORNADO chega a ser muito chato e tedioso. Mesmo tentando a todo custo ser dinâmico, apontando alguns personagens através de legendas no canto inferior da tela no início, já que não há tempo para apresentá-los de outra maneira. Parece um recurso de história em quadrinhos, inclusive. Outro problema do filme está em não saber utilizar o humor, na figura de dois sujeitos fanáticos por tornados que não andam tão equipados quanto os profissionais.

Entre os profissionais está Allison, personagem de Sarah Wayne Callies (séries PRISON BREAK e THE WALKING DEAD), que trabalha com um grupo de caçadores de tornados. A trama paralela envolve o executivo Gary (Richard Armitage, da trilogia O HOBBIT) e seus dois filhos. E há a subtrama do filho de Gary, que tenta ajudar o seu interesse amoroso a filmar uma antiga fábrica de tecidos para um trabalho da escola.

O mais interessante do filme, até por que esses elementos dramáticos também não são muito felizes em sua construção, é mesmo o espetáculo dos tornados. Ainda assim, eles acabam nem impressionando muito, tendo em vista já estarmos tão acostumados com efeitos especiais gerados em computador. E apesar de os efeitos serem eficientes, o NO OLHO DO TORNADO passa a impressão de ser uma produção de segunda categoria. Não necessariamente por causa de seu orçamento, mas por aquilo que é mais importante em um filme: dramaturgia, roteiro e direção.

sexta-feira, agosto 29, 2014

LUCY























Se Luc Besson não é o mais prestigiado dos diretores e nem sempre nos presenteia com um trabalho digno, não há muito do que reclamar de LUCY (2014), sua nova superprodução, dessa vez também assinada por ele, que nos últimos anos tem trabalhado mais como produtor de grande sucesso internacional do que como diretor. Inclusive, o uso da língua inglesa e de atores de Hollywood é uma ótima estratégia para chamar mais atenção do mercado.

A ideia do filme é, por si só, bem interessante, embora pareça excessivamente simples e boba quando vista no trailer. Não que as referências a 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO no início e as várias citações sobre os limites do cérebro pelo pesquisador científico vivido por Morgan Freeman sejam algo que vá elevar o filme a um novo patamar, mas pelo menos, com sua objetividade, LUCY consegue algo que o pretensioso TRANSCENDENCE – A REVOLUÇÃO, de Wally Pfister, não conseguiu. E justamente por querer ser menos cabeça e mais diversão.

Na trama, Scarlett Johansson é Lucy, uma moça simples que se encontra em uma situação difícil ao ter que lidar com o chefe de uma quadrilha de tráfico de drogas, que a usa como uma mula de uma nova droga sintética ainda em experimentos. Ela é dopada e colocam saquinhos da droga em sua região abdominal. Ao passar pela violência de estar presa em um país do Oriente, a droga se mistura à sua corrente sanguínea e acontece algo muito especial: ela começa a aumentar a sua capacidade de utilização do cérebro, que não passa de 10% nos seres humanos.

As cenas de ação e os efeitos especiais são admiráveis e por isso é recomendável ver o filme em uma sala em que se possa assistir, de preferência, numa boa projeção em 4K ou mesmo 2K para perceber a sua excelência técnica (em Fortaleza, a exibição na sala IMAX é de encher os olhos). Vale lembrar que não é só nos últimos anos que Besson tem caprichado na parte técnica de seus filmes. Na década de 1990, com a ficção científica O QUINTO ELEMENTO (1997), ele já caprichou nos efeitos visuais, assim como também caprichou em JOANA D’ARC (1999), filme costumeiramente subestimado por grande parte da crítica.

Aliás, nesses dois filmes já se encontra a figura da mulher forte, sobre-humana até. De maneira diferente, mas sem fugir desse rótulo, Lucy é também uma personagem extraordinária. Não exatamente pela profundidade do roteiro e da dramaturgia, mas pela invenção da personagem, pela ideia.

Não deixa de ser curioso o fato de ser justamente Scarlett Johansson a atriz escolhida para o papel, tendo em vista os seus recentes trabalhos, em que ela também está caracterizada como uma mulher sobre-humana ou inumana, como a heroína Viúva Negra dos filmes do Capitão América e dos Vingadores, dos estúdios Marvel; a alienígena misteriosa de SOB A PELE, de Jonathan Glazer; e a inteligência artificial adorável e que se expande em ELA, de Spike Jonze.

E se LUCY não consegue ser tão brilhante quanto os filmes de Glazer e Jonze, não deixa de ser uma bela surpresa deste segundo semestre de 2014. Bom ver que Besson está acertando novamente. Sem falar na violência quase gráfica que chega a empolgar nos momentos em que a personagem ou os vilões agem friamente para obter o que desejam.

quarta-feira, agosto 27, 2014

GERONIMO



Dentre os filmes exibidos na recente Mostra Imovision, um dos que eu mais fiz questão de ver foi GERONIMO (2014), de Tony Gatlif. Mas eu não sei o que se passa comigo, pois me apego à grife e à presença do nome do diretor nos festivais e acabo me esquecendo de que não gostei dos outros trabalhos que assisti do mesmo sujeito, EXÍLIOS (2004) e TRANSYLVANIA (2006), sendo que ambos trouxeram alguns momentos especialmente perturbadores, se não me falha a memória, mas que por isso mesmo eu ainda respeitava o diretor e acreditava que ainda seria possível gostar de alguns de seus filmes.

Mas aí ele me vem com um troço intragável como GERONIMO (2014), que é claramente desagradável por sua construção narrativa e dramatúrgica, mais do que pelas escolhas do realizador ou por sua tendência a temperar sempre os seus filmes com sangue cigano. Isso é, inclusive, um aspecto positivo, uma maneira de mostrar um panorama ainda mais amplo da já bastante diversificada cinematografia francesa no que se refere à pluralidade de etnias presentes no país.

No caso de GERONIMO, não são apenas os ciganos, mas também os turcos os protagonistas da história, que envolve um casamento proibido entre uma jovem de origem turca e um rapaz de família cigana. Como há uma rixa entre os grupos, o filme aproveita para dar uma de AMOR, SUBLIME AMOR, com cenas próximas do musical, privilegiando a dança e a cultura dos dois povos, mas ao mesmo tempo banalizando tudo com sua história fraca e personagens vazios. Ou pior: bem bobos.

Nem mesmo a protagonista, a educadora Geronimo (Céline Sallette), que tenta conciliar a situação, consegue fazer do filme um objeto realmente interessante. Claro que deve haver apreciadores, mas a violência "de mentirinha" e um jeito de musical que não chega a ser musical também acabaram deixando em mim uma sensação de que não verei outra obra de Gatlif tão cedo.

De bom, fica a lembrança da primeira imagem: a moça vestida de noiva fugindo do homem com quem não quer casar para encontrar o amado. Mas ambos acabam não sendo tão importantes para a trama, já que o motivo principal do enredo é mostrar a briga entre as gangues e suas diferenças culturais, principalmente em relação ao que se costuma ver no cinema francês tradicional, digamos assim.

O gosto do filme foi tão ruim que acabei ficando desanimado de ver os demais filmes da mostra. Exceto, claro, BEM-VINDO A NOVA YORK, de Abel Ferrara, que é imperdível e deve entrar em cartaz no início de setembro.

terça-feira, agosto 26, 2014

TRUE BLOOD – A SÉTIMA TEMPORADA COMPLETA (True Blood – The Complete Seventh Season)



Sentirei saudade dos créditos de abertura, ao som de "Bad Things", de Jace Everett. As imagens, junto com a bela canção, sintetiza muito bem o que há de belo e o que de feio naquela região dos Estados Unidos, no estado da Louisiana. Os pântanos, as igrejas protestantes negras, o passado (e o presente) de repressão racial, a figura do caipira e imagens da Ku Klux Klan, a noite suja e cheia de mistérios e desejos carnais. A edição dessas imagens constitui uma das mais felizes sequências de abertura de uma série de televisão. Só por isso TRUE BLOOD já merece crédito. Não apenas por sua primeira temporada brilhante.

Quanto ao trabalho de encerramento de uma história que durou sete temporadas, foi preciso sacrificar alguns personagens para que esta última temporada de TRUE BLOOD (2014) terminasse com dignidade. A mesma dignidade que a série tinha no início e que foi se perdendo ao longo dos anos, com a entrada de lobisomens, bruxas, fadas e mais um sem número de criaturas e principalmente de roteiros que levaram a série ao território do trash. Mas foi justamente assim que ela continuou a ser vista por seus fieis espectadores. Aquele samba do crioulo doido com história ruim, mas com personagens de que a gente gosta.

O foco inicial da série, a relação dos homens com os vampiros, e em especial o relacionamento do vampiro Bill (Stephen Moyer) com a humana (ainda que meia-fada e telepata) Sookie (Anna Paquin), pôde ser trazido novamente. Assim, chegou uma hora que não havia mais espaço mesmo para um personagem tão importante quanto Sam (Sam Trammel), o transmorfo, ou para Tara (Rutina Wesley), a melhor amiga de Sookie, que já havia deixado de ser relevante, que é descartada praticamente logo no primeiro episódio, sem dó nem piedade.

Tudo isso foi necessário para que o final da série fosse emocionante, com uma pitada de tragédia, mas com algo também de alegre, como em um final de telenovela. E é como esse tipo de show que essa sétima temporada leva muitos espectadores às lágrimas, em especial na cena do casamento de Jessica (Deborah Ann Woll) e Hoyt (Jim Parrack). Aliás, que bom terem trazido o Hoyt de volta. E Jessica se firmou como a personagem mais linda e adorável da série, desde sua primeira aparição, num dos últimos episódios da primeira temporada. Parabéns para essa ruiva linda que agora já está com os cabelos loiros para viver a namorada de Matt Murdock na série do Demolidor, que será disponibilizada via Netflix em 2015.

Felizmente, dois outros vampiros igualmente amados pela audiência, Eric (Alexander Skarsgård) e Pam (Kristin Bauer Van Straten), tiveram uma participação importante nesta temporada, com a trama envolvendo o antídoto New Blood e a caça a Sarah Newlin (Anna Camp), que acabou sendo a grande vilã da série, embora seja mais uma personagem digna de pena do que de raiva. Dos personagens humanos, quem mais ganhou o carinho da audiência graças a sua ingenuidade foi Jason (Kwanten), que até ganhou um novo interesse amoroso.

O último episódio reserva alguns momentos bem emocionantes. Além do casamento de Jessica e Hoyt, o ápice de toda a série talvez seja a cena de Bill e Sookie no cemitério, com uma dramaticidade exacerbada bela de se ver. O criador, Alan Ball (de A SETE PALMOS), ainda que tenha abandonado sua criação para se dedicar a outros projetos, talvez tenha ficado feliz com a conclusão.

Quanto ao elenco, conta-se que as últimas gravações foram de uma tristeza enorme para todos. Abandonar uma família assim depois de sete anos não deve ser fácil. Até porque, muitas vezes, durante os altos e baixos da série, eles se divertiam muito mais do que a gente.

Aliás, se alguém me dissesse dois anos atrás que eu ficaria com saudade de TRUE BLOOD eu não acreditaria. Mas o fim veio e foi justamente isso que aconteceu. E que título bonito que deram ao último episódio, hein? "Thank you". Serve tanto para a história em si quanto é uma forma de a série agradecer aos seus fieis espectadores. E ainda por cima termina com a linda canção homônima do Led Zeppelin. Arrepiei.

domingo, agosto 24, 2014

SEX TAPE – PERDIDO NA NUVEM (Sex Tape)



Relacionamentos amorosos são complicados. E ficam mais ainda quando a rotina chega para quebrar o encanto e o tesão que imperavam no início. Claro que há exceções e pessoas que se sentem muito mais felizes durante a fase do matrimônio do que na época do namoro. Mas talvez sejam pessoas nascidas para casar, ou pessoas mais pragmáticas, que sentem prazer com a rotina e curtem cada momento que passam com o cônjuge e os filhos. Porém, uma pergunta que costuma ser dita, até de maneira jocosa, é: "você acredita em sexo depois do casamento?". Essa é mais ou menos a questão inicial de SEX TAPE – PERDIDO NA NUVEM (2014), de Jake Kasdan. O próprio pai da noiva, no momento em que é anunciado o casamento da filha diz: "adeus, sexo".

Mas não entremos nesse mérito. Apenas aceitemos como um fato para o ponto de partida da história dos dois protagonistas do filme, Annie (Cameron Diaz) e Jay (Jason Segel). Annie escreve um blog sobre a vida conjugal e uma de suas postagens é bastante divertida: fala justamente do início do relacionamento: a primeira vez em que Jay viu seus seios, as primeiras transas, o gosto pelas aventuras em locais públicos, as constantes ereções de Jay etc. Tudo isso acaba se perdendo com as prioridades: as crianças e as preocupações relativas à vida profissional.

O filme até poderia se estender nessa questão da deterioração do casamento, como acontece em BEM-VINDO AOS 40, de Judd Apatow, mas o foco do filme é uma situação mais cômica. A falta de sexo na relação culmina numa noite especial em que o casal, sem conseguir entrar no clima como no passado, e usando o álcool para dar aquela animada, pensam numa ideia interessante e excitante: por que não fazerem eles mesmos um filme pornô caseiro? E assim acontece. O que Jay não previa é que seu iPad, graças a um novo aplicativo, enviaria automaticamente para todos os demais iPads "irmãos" o mesmo arquivo de vídeo contendo três horas de sexo nas mais diversas posições sexuais.

SEX TAPE foi vendido como o primeiro filme contendo a nudez de Cameron Diaz, essa moça linda que foi revelada em O MÁSKARA, em 1994, e deixou muita gente com o coração palpitando, tal a beleza. Depois, ainda se revelou uma comediante de mão cheia, tendo como um de seus papéis mais marcantes a comédia dos irmãos Farrelly QUEM VAI FICAR COM MARY?. Embora tenha se mostrado à vontade também em dramas, é para as comédias que ela parece ter nascido. Uma de suas características é nunca ter medo do ridículo.

Porém, quem for ao cinema só para ver a atriz pelada pode acabar se decepcionando um pouco, pois são apenas segundos na tela. E nada de nudez frontal. Mas creio que ninguém vai pedir o dinheiro de volta por causa disso, pois o filme compensa isso com uma série de situações bem divertidas, com Rob Lowe roubando a cena e uma participação bem especial de Jack Black. A cena na casa do personagem de Lowe é, provavelmente, o ponto alto do filme.

O diretor, Jake Kasdan, foi um dos responsáveis por uma das séries cômicas mais cultuadas dos últimos anos, FREAKS & GEEKS (1999-2000), e embora não esteja tão bem na fita quanto seus colegas Judd Apatow e Paul Feig, e de ainda se dedicar mais à televisão do que ao cinema, podemos ver SEX TAPE como um de seus filmes mais divertidos, tanto pela parceria com seu amigo de longa data Jason Segel (desde os tempos de FREAKS & GEEKS) quanto pela presença de Cameron Diaz, que trabalhou com ele em PROFESSORA SEM CLASSE (2011), que já tem uma sequência agendada.

sábado, agosto 23, 2014

HOTEL DA MORTE (The Innkeepers)



Ti West pode ser considerado um dos nomes mais importantes do cinema de horror contemporâneo. Fez um trabalho admirável em THE HOUSE OF THE DEVIL (2009) e contribuiu com um dos melhores segmentos de V/H/S (2012). Infelizmente, HOTEL DA MORTE (2011), seu longa-metragem seguinte não tem o requinte e nem a atmosfera assustadora de seu trabalho anterior. Talvez por isso tenha passado tão despercebido.

Inclusive, ao ver o filme, cheguei até a pensar em uma suposta crise no cinema de horror contemporâneo, agora que não temos mais a presença dos grandes cineastas do gênero que brilharam principalmente nas décadas de 70 e 80. Poucos novos talentos, ainda que tenham ganhado o apoio de alguns fãs, estão conseguindo chegar a um público maior e raramente tem se mostrado eficiente. Mas isso é apenas uma impressão pessimista vinda de uma experiência não muito satisfatória. Não posso tirar certas conclusões a partir de pouco conhecimento do cinema de horror independente.

HOTEL DA MORTE lembra em alguns momentos O ILUMINADO, de Stanley Kubrick. E talvez isso seja o que há de melhor: as cenas nos corredores do hotel, com travellings perseguindo a protagonista num enquadramento rigoroso e bonito, lembra um pouco que aquele diretor é o mesmo que gerou imagens lindas em THE HOUSE OF THE DEVIL.

Na trama, Claire (Sara Paxton) uma jovem entediada trabalha como recepcionista em um hotel decadente junto com Luke (Pat Healey), um sujeito meio nerd que está construindo um site a partir de lendas acerca do fantasma de uma mulher que foi assassinada naquele hotel. Segundo ele, o fantasma dela ainda está por lá. E eles, de tanto, procurar, acabam encontrando alguma coisa. Pena que os sustos são bobos e as assombrações pouco eficientes.

No elenco de apoio, destaque para a personagem de Kelly McGillis, aquela bela mulher que fez par romântico com Tom Cruise em TOP GUN - ASES INDOMÁVEIS, na década de 1980. Se ele parece não ter envelhecido, o efeito do tempo não foi generoso para ela. Até porque ela esteve distante de papéis de destaque nos últimos anos. O ideal era que seu papel fosse mais sinistro, já que ela tem o poder de entrar em contato com os mortos, mas acaba não contribuindo muito para o filme. Ainda sobre o elenco, em papel pequeno, Lena Dunham, a criadora da série GIRLS, está presente como uma atendente de café falastrona.

A melhor coisa do filme acaba sendo mesmo Sara Paxton, que é uma simpatia de moça e que esteve em papel pequeno em um dos melhores títulos do gênero dos últimos anos, A ÚLTIMA CASA, de Denis Iliadis, remake sangrento e pulsante de uma das obras mais aclamadas de Wes Craven. Em HOTEL DA MORTE, infelizmente, já que a direção não é suficientemente boa para construir uma eficiente atmosfera de medo a partir de um fiapo de roteiro, a beleza e a simpatia de Sara acabam não ajudando muito.

sexta-feira, agosto 22, 2014

OS MERCENÁRIOS 3 (The Expendables 3)



E mais uma vez o projeto de Sylvester Stallone em juntar alguns nomes importantes do cinema de ação da década de 1980 é feito com total desleixo. Tudo bem que há um clima oitentista que se via naquele tipo de filme que se encontrava nas fitas da América Vídeo, mas, muito provavelmente, isso só vai interessar aos aficionados pelo gênero. E talvez nem tanto a eles, já que OS MERCENÁRIOS 3 (2014), agora sob a direção do jovem Patrick Hughes, não está indo tão bem nas bilheterias americanas quanto seus antecessores.

E olha que o filme tinha um possível trunfo: Mel Gibson, o hoje astro rejeitado de Hollywood por suas posições e polêmicas, como o grande vilão. Sua presença poderia trazer um embate entre dois atores-autores em uma possível obra esquizofrênica: Gibson e Stallone. Ambos, mesmo quando não estão na posição de diretores ou roteiristas de seus trabalhos, fazem sempre filmes com a cara deles. Mas infelizmente não há espaço para um autorismo de Gibson em OS MERCENÁRIOS 3, embora possa se sentir um pouco disso nos olhos azuis e psicóticos do sujeito que fez MÁQUINA MORTÍFERA e UM NOVO DESPERTAR, para citar apenas dois trabalhos seus que apresentavam um sujeito que flertava com o suicídio.

Há pouco ou nada disso em OS MERCENÁRIOS 3, franquia cada vez mais de Stallone, que aqui, mais do que nos anteriores, aparece como o grande protagonista. Ele é o homem que dispensa uma equipe inteira de veteranos para sair em busca de novos. Ele é o cara adorado pelos colegas pela liderança do grupo, que se sentem como uma família e ficam perdidos se um dia resolverem se aposentar. Embora esse tipo de situação seja ótima para um filme mais dramático, as tentativas de soar dramático do filme não funcionam. Ou, mais provavelmente, nem era intenção de Stallone, o dono da história e do projeto, de fazer um filme mais sério do que os anteriores. Afinal, o segundo ganhou bastante com as piadas em torno de Chuck Norris.

No novo filme não faltam piadas por todos os lados. Há as piadas que se perderiam numa tradução (como a de Christmas, personagem de Jason Stathan, e aquela em que Stallone usa o termo "spook" e é logo repreendido por Wesley Snipes, por ser esse um termo que costumou ser usado em tom ofensivo com os negros americanos). E há as piadas internas, como a que envolve a prisão de Snipes por sonegação de impostos.

Aliás, pelo menos deram um bom espaço para Snipes brilhar no começo do filme, no bom prólogo que chega a enganar o espectador, pensando que estaria para ver um ótimo e divertido filme de ação. Infelizmente não é que o acontece e muitas vezes nos vemos entediados e sem dar a mínima para aqueles personagens. Sem falar que não há a menor sofisticação visual na direção de Hughes. Se ele se mostrou, porventura, mais talentoso em seu trabalho anterior na direção, isso se transforma em cinzas em OS MERCENÁRIOS 3.

Falando em não aproveitar o elenco, não existe exemplo mais gritante do que a presença ridícula de Jet Li. O filme não respeita o passado glorioso do ator e lhe oferece, mais uma vez, um papel minúsculo e idiota, brincando até mesmo com sua altura, quando na verdade ele era um gigante nos filmes de artes marciais de Hong Kong em seus bons tempos. Por isso fez bem Jackie Chan em ter recusado participar desse projeto, já que não lhe dariam um espaço digno. Outro que acaba recebendo um personagem bem ruim é Antonio Banderas, que recebe um estereótipo de espanhol chato e galanteador, com direito a música hispânica ao fundo para dar um ar de humor de mau gosto com o personagem.

OS MERCENÁRIOS 3 também é mais um exemplo de que quantidade não é qualidade. Ao contrário: cada vez que o filme aumenta a quantidade de astros (Harrison Ford) e sub-astros (Ronda Rousey, Victor Ortíz), o resultado é mais medíocre. Ainda assim, para quem acompanha a carreira de alguns desses atores, é uma diversão escapista que não fará mal. O problema é que esse negócio de não querer se levar a sério pode acabar prejudicando bastante até mesmo filmes que são feitos com essa intenção.

quinta-feira, agosto 21, 2014

RIOCORRENTE



Certamente não é um filme perfeito este primeiro trabalho na ficção de Paulo Sacramento, diretor do celebrado documentário O PRISIONEIRO DA GRADE DE FERRO (2003). RIOCORRENTE (2013) entra em sintonia com um momento de intenso fervilhar social, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Pudemos ver principalmente nos eventos de junho de 2013, embora o filme, muito provavelmente, não tenha uma relação direta com o ocorrido. Mas isso não quer dizer que o filme não dialogue com esse momento de convulsão social.

RIOCORRENTE trata de indivíduos e não de comunidades ou sociedades. Mas só aparentemente, já que cada personagem pode simbolizar determinado grupo. Temos o ladrão de carros que tem momentos de intensa violência, um jornalista que costuma renegar o novo, uma mulher misteriosa que transita sentimental e sexualmente na vida desses dois homens e um menino de rua de nome Exu.

É Exu quem abre o filme, riscando um carro com um prego e demonstrando todo o seu ódio à sociedade que o rejeita. A única pessoa que lhe dá abrigo e que mais se aproxima de uma figura paterna é o ladrão de carros, que de vez em quando o pega na rua e o leva para a sua casa. O garoto, porém, vive livre e de maneira selvagem.

RIOCORRENTE traz tantos simbolismos que muitas vezes se assemelha ao cinema surrealista, inclusive com uma cena rápida de uma cirurgia ocular, como que para lembrar a famosa cena da navalha no olho de UM CÃO ANDALUZ, de Luis Buñuel. Muitos desses simbolismos causam impacto e são responsáveis pela riqueza visual e de conteúdo do filme.

O forte caráter imediatista está presente desde uma das cenas iniciais, em que uma banda de rock/jazz se utiliza de palavras que foram também usadas numa canção da banda Rage against the Machine, que diz algo como "Tem que começar em algum lugar, tem que começar em alguma hora, que melhor lugar do que aqui?, que melhor tempo do que agora?".

Essa vontade de explodir de modo a se transformar ou renascer é também vista no comportamento dos personagens adultos mais intensos do filme, o ladrão de carro e sua namorada. Ela, inclusive, faz propostas ao jornalista para fugirem da monotonia, mas ao que parece ela escolheu a pessoa errada para aplacar a sua sede de aventuras. Essa vontade imensa de mudar, através de atos de violência, com o simbolismo do fogo, principalmente, se fará presente em uma das cenas mais bonitas do filme.

"As ideias vão voltar a ser perigosas", diz um personagem em determinado momento. Há uma imensa vontade de mudar, de quebrar as barreiras da opressão ou seja lá o que esteja incomodando os personagens. Mesmo a chamada ditadura do novo, que tanto incomoda o jornalista e que é objeto de reflexão em um momento que remete muito ao registro documental.

Esse apanhado de situações, citações e ideias que parecem tantas que passam a impressão de que o filme não sabe qual é o seu foco, juntamente com os inúmeros simbolismos e uma utilização de uma trilha sonora que flerta com o cinema de horror, fazem de RIOCORRENTE um dos filmes brasileiros mais interessantes dos últimos anos.

quarta-feira, agosto 20, 2014

CANDEIAS EM TRÊS FILMES
























A iminente estreia de um documentário sobre Ozualdo Candeias me deu um empurrãozinho para que finalmente eu pudesse ter o primeiro contato com sua obra. Ou, pelo menos, duas delas. No caso, as mais louvadas de sua carreira: A MARGEM (1967) e MEU NOME É...TONHO (1969). Candeias é considerado um dos nomes mais importantes do chamado Cinema Marginal, que surgiu na segunda metade dos anos 1960 com cineastas como Julio Bressane, Andrea Tonacci, Carlos Reichenbach, Rogério Sganzerla, entre outros. O Cinema Marginal levou o cinema brasileiro para um nível maior de sofisticação e risco, com bem mais experimentações que o Cinema Novo.

A MARGEM 

No caso de A MARGEM, a experimentação é bastante corajosa. Nota-se a falta de recursos, que fez com que a obra de estreia na direção de longas de ficção de Candeias fosse um filme quase mudo, pela dificuldade em trabalhar com o processo de dublagem. Assim, nas poucas vezes em que os personagens falam, já se percebe o problema de sincronia. Mas isso não chega a ser um grande problema. Afinal, tudo faz parte da estética do filme, que namora tanto o feio como o belo ao mostrar um grupo de pessoas que vivem em locais muito pobres e que entraram em contato com outros. Há também uma misteriosa mulher que atravessa um barco e cuja representação traz ainda mais poesia para a obra. Destaque para o trabalho de câmera subjetiva, feito de maneira admirável. Ainda assim, considero-o um filme irregular. Prefiro bem mais a primeira parte do que a segunda. Com a mudança de protagonista, a narrativa perde um pouco o interesse.

MEU NOME É…TONHO

O trabalho seguinte de Candeias, por outro lado, é de uma beleza admirável, além de ter um ritmo muito agradável. MEU NOME É...TONHO é uma espécie de western brasileiro, que se passa no interior do São Paulo, quando um grupo de bandoleiros toca o terror nas fazendas, matando os homens e deixando vivas as mulheres jovens e bonitas para serem suas escravas-noivas. Já o herói do título até aparece pouco. É um homem simples que foi criado por um grupo de ciganos e que resolve sair para conhecer o mundo. Acaba se tornando o salvador de muitos. O filme já conquista o espectador com os créditos de abertura, que apresentam, ao som da viola, os atores e atrizes. Há muitas cenas de tiroteios. Tanto que pode-se dizer que há mais tiros do que conversa. A fotografia em preto e branco está especialmente muito bonita nesta versão remasterizada. Um tratamento mais do que justo para um dos filmes mais importantes de nossa cinematografia.

OZUALDO CANDEIAS E O CINEMA

O documentário de Eugenio Puppo sobre Candeias é bem interessante e nos apresenta ao homem por trás dos filmes. Um homem humilde que fez de quase tudo na vida antes de se tornar um diretor de cinema, um sonho perseguido. Inclusive, o Candeias sofisticado de A MARGEM não nasceu da noite pro dia, já que ele dirigiu uma série de pequenos filmes e foi assim ensaiando sua entrada triunfal no cinema de arte. OZUALDO CANDEIAS E O CINEMA (2013) dá mais espaço aos três primeiros longas de ficção de Candeias, mas também nos apresenta seus primeiros trabalhos e os seguintes, até o momento da decadência da Boca do Lixo. Aliás, a chegada do sexo explícito no cinema da Boca ganha destaque no filme, com algumas cenas gráficas. É um documentário bem agradável e que serve até mesmo como iniciação àqueles que nunca viram nenhum trabalho de Candeias.

terça-feira, agosto 19, 2014

CHEF



Que delícia de filme é CHEF (2014), realização modesta de Jon Favreau feita com alguns dos amigos milionários que trabalharam com ele em HOMEM DE FERRO (2008) e HOMEM DE FERRO 2 (2010), como Scarlett Johansson e Robert Downey Jr, além de talentos como Dustin Hoffman, Oliver Platt, Sofía Vergara, Bobby Cannavale e John Leguizamo. Esses três últimos, inclusive, ajudam a conferir ao filme uma aura latina, que será de bastante utilidade na segunda metade da narrativa, com predomínio da influência dos hispânicos na cultura americana, especialmente em Miami.

Na trama, Favreau é Carl Casper, um chef de cozinha de um conceituado restaurante. Ele leva seu trabalho tão a sério que acaba esquecendo, de vez em quando, de suas responsabilidades para com Percy (Emjay Anthony), filho de dez anos fruto de um casamento que acabou, embora o relacionamento com a esposa (Vergara) continue amigável. Sua vida fica de pernas para o ar quando um crítico de restaurantes (Platt) faz uma crítica negativa de seus pratos e essa crítica se torna viral graças ao twitter.

Aliás, a importância que o filme dá a essa nova ferramenta como divulgação de algo, para o bem e para o mal, é fundamental para uma série de outras situações divertidas que acontecem. A primeira delas parece ser não muito boa, levando Carl a abandonar o emprego e, depois de muita relutância, abraçar a ideia que a sua ex-esposa tem de trabalhar fazendo comida de trêiler. Ou caminhão, no caso. Assim, o filme nos convida para uma viagem não apenas geográfica (por várias cidades dos Estados Unidos), mas principalmente nos convida a experimentar, ainda que à distância, os deliciosos pratos preparados por Carl, bem como os sanduíches cubanos experimentados inicialmente me Miami.

CHEF é desses filmes que nos deixam com água na boca, ao mesmo tempo que também trabalha de maneira muito bonita a relação de Carl com os amigos, a ex-esposa e principalmente com o pequeno Percy. É surpreendentemente um dos filmes mais "feel good" do ano, embora o título de melhor filme envolvendo gastronomia seja ainda do indiano LUNCHBOX.

Creio que fazer CHEF deve ter sido muito bom para Favreau, que se revelou um diretor sensível, longe das explosões e efeitos especiais, além de estar rodeado de amigos e de gente bonita, carismática e talentosa.

domingo, agosto 17, 2014

CINCO DOCUMENTÁRIOS BRASILEIROS



Sei que cada um destes filmes mereceria uma postagem exclusiva, mas nem sempre isso é possível e o passar dos dias faz com que a gente esqueça coisas que seriam fundamentais mesmo na mais simples das resenhas. Então, vamos de tentar resgatar da memória e do velho texto curto e grosso, mas com todo o respeito por esses trabalhos. Vale dizer que todos foram exibidos no Cinema do Dragão, lugar que tem valorizado e trazido obras que raramente outro traria. Não importando se esses filmes durariam apenas uma semana em cartaz, o serviço de utilidade pública da curadoria das salas tem sido feito com muito amor ao cinema e ao exercício de pensar e sentir. E muitas vezes com a presença do realizador para debate! Vamos aos filmes.

DOMINGUINHOS

Com o passar do tempo este documentário foi perdendo um pouco a força em minha memória afetiva, mas o trabalho realizado em seis mãos por Joaquim Castro, Eduardo Nazarian e a cantora Mariana Aydar funciona como um belo tributo a esse músico que, para muitos, ficou à sombra de seu mentor Luiz Gonzaga, já que, mesmo tendo optado muitas vezes pelo jazz em seu sofisticado trabalho, foi no baião que ele nasceu e se tornou mundialmente conhecido. DOMINGUINHOS (2014) traz algumas imagens de arquivo de arrepiar, com a parceria do músico com medalhões da música brasileira, além de nos contar de maneira bonita e clara sua trajetória desde criança.

EM BUSCA DE UM LUGAR COMUM 

Quem diria que visitar as comunidades pobres do Rio de Janeiro, que se tornaram conhecidas no mundo todo graças aos favela movies e aos noticiários de jornais, se tornaria um negócio lucrativo para várias empresas de turismo. EM BUSCA DE UM LUGAR COMUM (2012), de Felippe Schultz Mussel, aproveita esse fato curioso para acompanhar esses turistas, de modo que nós sejamos também turistas nessa viagem, ainda que com um tipo de distanciamento e proximidade bem diferentes, já que fazemos parte do país, ainda que não necessariamente das comunidades. O que mais chama a atenção no filme é uma sequência perto do final, quando um grupo de crianças cresce sendo ensinada a obedecer cegamente à polícia, parecendo um trabalho de lavagem cerebral. Talvez esse seja o grande achado do filme de Mussel.

JÁ VISTO JAMAIS VISTO 

Se não fosse o nome de Andrea Tonacci dificilmente eu veria este média-metragem em que o cineasta de BANG BANG (1971) faz uma colagem de vários filmes não finalizados e filmagens caseiras e de viagens, de modo a encontrar um ponto em comum. De certo modo, naquele quebra-cabeças de pedaços de filmes das mais diversas bitolas é possível sim sentir uma unidade, ainda que de maneira um tanto difícil de dizer em palavras. Há algo muito parecido com um sonho em JÁ VISTO JAMAIS VISTO (2013), como alguém chegou a dizer na palestra com o realizador, ocorrida no cinema após a exibição desta obra rara e inédita no circuito. O filme foi exibido na Mostra Cinema de Garagem.

HÉLIO OITICICA 

Ainda que eu não tenha embarcado na viagem de HÉLIO OITICICA (2012), a ideia é muito boa. E vale destacar que o diretor César Oiticica Filho soube não apenas honrar a memória do tio, um dos mais conceituados artistas plásticos do Brasil, como também procurou emular o trabalho dele através do cinema. Tudo isso através de imagens de arquivo e de áudio, sendo que não há praticamente nenhuma intervenção ou entrevista que não seja do próprio Hélio Oiticica. Há, inclusive, algumas imagens que seriam secretas, com o artista utilizando cocaína em fotografias icônicas, como a de Luis Buñuel. O filme de montagem experimental também presta um tributo a alguns heróis de Hélio, como Jimmi Hendrix, o amigo Neville D’Almeida, Caetano Veloso, entre outros. É um filme que interessa não apenas aos estudiosos das artes plásticas, mas também aos cinéfilos e quem se interessa por arte no sentido mais amplo. As ideias de Oiticica eram de fato revolucionárias e estavam em sintonia com as décadas de 1960-70. O filme ganhou o prêmio de melhor longa-metragem em documentário no Festival do Rio de 2012.

O MERCADO DE NOTÍCIAS 

Um pouco mais próximo da memória, já que é um filme que ainda está em cartaz, O MERCADO DE NOTÍCIAS (2014, foto), de Jorge Furtado, não deixa de ser um trabalho desafiador para quem se presta a escrever a respeito. Já confesso minha ignorância ao desconhecer a grande maioria dos jornalistas presentes para compor esse que é um dos mais interessantes estudos sobre o jornalismo feitos no Brasil em cinema e que se utiliza também de uma peça do dramaturgo inglês Ben Johnson para compor um trabalho que une espirituosidade e intelectualidade. Como o próprio Furtado disse em debate ocorrido após a sessão, seu trabalho já será de muita utilidade se for um objeto de pesquisa para as gerações futuras. Foi um trabalho que demandou muitos anos e que será visto por poucas pessoas, diferente do que ele tem feito na Rede Globo, por exemplo, mas é um documentário agradável e com momentos incrivelmente divertidos. Vale lembrar que o gosto de Furtado por uma linguagem diferente da ficção e próxima do jornalismo, de certa maneira, já se mostrava presente em obras tão diferentes como o curta-metragem ILHA DAS FLORES (1989) e a minissérie A INVENÇÃO DO BRASIL (2000).

sábado, agosto 16, 2014

THE KILLING – A QUARTA TEMPORADA COMPLETA (The Killing – The Complete Fourth Season)



Muito bom a Netflix ter assumido a quarta temporada de THE KILLING (2014) quando o canal AMC havia desistido. Assim, tivemos a oportunidade de ver uma conclusão para a história dos detetives de polícia Sarah Linden (Mireille Enos) e Stephen Holder (Joel Kinnaman). A quarta temporada é bastante dependente da terceira, e é justamente nos fatos da excelente terceira temporada que ela melhor se apoia, embora a nova trama de assassinato também seja digna de atenção.

A primeira imagem desse início de temporada é a de Linden tomando banho no chuveiro e enxugando o corpo sujo de sangue. Na temporada passada, ela havia matado o assassino de garotas James Skinner (Elias Koteas), com a cumplicidade do parceiro Holder. Ambos combinaram em não contar a verdade para a polícia, sob o risco de serem presos e desperdiçarem suas vidas por causa de um assassino cruel como Skinner.

Esses demônios interiores atormentam as vidas de Linden e Holder enquanto eles investigam um genocídio ocorrido em uma família rica. O único sobrevivente e aparentemente autor das mortes é um jovem que teria falhado em executar sua própria morte, acordando do incidente sem lembrar o ocorrido e voltando à rígida escola militar onde estuda e passa a maior parte de seu tempo.

Embora essa trama envolvendo o jovem e atormentado cadete Kyle e a Coronel Margaret Raynes (Joan Allen) seja a menos interessante das tramas da série, ela cabe muito bem nos temas de maternidade e paternidade, de busca e fuga da verdade. A temporada também é sobre o relacionamento entre Linden e Holder, sua amizade e companheirismo nos momentos mais difíceis, os obstáculos que precisam enfrentar no terreno familiar – Holder está prestes a ser pai, enquanto Linden recebe a visita do filho adolescente. Ambos carregam consigo um passado difícil que se junta agora a essa situação ainda mais perturbadora, que os enche de angústia e faz aquele ambiente chuvoso de Seattle ainda mais carregado.

A quarta temporada cola as pontas soltas da desesperadora terceira temporada com brilhantismo, e que ainda traz um epílogo de fazer chorar. Ainda assim, eu preferia que a série tivesse terminado um minuto antes de seu final definitivo. De todo modo, não dá pra reclamar de uma série criminal que prefere o caminho interior, da introversão, ao contrário da ação e do suspense, embora este elemento compareça sim.

Além do mais, difícil não amar o malandro Holder e a sisuda Linden, tão distintos um do outro, mas que acabam se complementando. Pelo visto, esse filão de séries com duplas de detetives ainda está longe de se esgotar, com tantas reinvenções que surgem de tempos em tempos.

sexta-feira, agosto 15, 2014

NÃO PARE NA PISTA – A MELHOR HISTÓRIA DE PAULO COELHO



Quando lemos O Mago, a biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Moraes, a imagem que criamos do escritor e letrista de algumas das melhores canções de Raul Seixas é de que se trata de um sujeito mesquinho, covarde, mentiroso, enganador, entre outros adjetivos ruins que surgem ao longo da leitura. O livro pode ter sido pensado para beneficiar o escritor de O Alquimista, mas foi um tiro no pé em sua imagem, já que Moraes, além de entrevistar outras pessoas, não comprou as histórias escabrosas envolvendo magia e que são contadas no livro de uma maneira que passam a impressão nítida de que o biógrafo estava fazendo questão de dizer que aquilo não era verdade.

Curiosamente, no filme chapa-branca NÃO PARE NA PISTA – A MELHOR HISTÓRIA DE PAULO COELHO (2014), de Daniel Augusto, em sua estreia como diretor de longas-metragens de ficção, toda essa questão mística é mostrada de maneira muito esquiva. É possível que a roteirista Carolina Kotscho tenha preferido esse caminho para dar ao espectador possibilidades de que muito do que é visto como místico seja fruto da imaginação e da paranoia de Coelho.

E é curioso como as cenas em que o protagonista se mostra cheio de verdades e palavras de autoajuda são constrangedoras, ao passo que sua fase mais louca, nos anos 1970, parecem tão mais interessantes. Não resta dúvida de que se isso se deve ao fato de Raul Seixas ter cruzado a sua vida. E o curioso é que o filme ainda tenta queimar o filme de Raul, ao mostrar uma cena em que o cantor apresenta "Gita" como sendo uma música que ele criou, não mencionando o parceiro em um programa da Rede Globo.

A estrutura de idas e vindas no tempo da narrativa até que funciona bem e não dá para culpar a montadora pelo insucesso do filme. Não dava mesmo para salvá-lo com o material gravado, mesmo com as canções sensacionais de Raul Seixas que às vezes nos fazem gostar do filme (a cena em que toca "Meu Amigo Pedro" no carro do pai de Paulo Coelho é especialmente emocionante). E olha que Júlio Andrade é um grande ator e não faz feio na pele do escritor, assim como havia feito um Gonzaguinha admirável em GONZAGA – DE PAI PRA FILHO, de Breno Silveira.

O problema está principalmente no roteiro, nas intenções em homenagear o protagonista, escondendo seus defeitos – ele aparece, por exemplo, como um sujeito esperto e inteligente, na cena em que é pego pelos militares para explicar o que é a tal Sociedade Alternativa, enquanto no livro de Moraes ele é visto como um covarde. A maquiagem também não ajuda em nada ao compor o Paulo Coelho velho. Fica ridícula, assim como todas as cenas que se passam em 2013.

Sem falar que ainda fica a sensação (o que é até natural, nesse caso) de que o filme é curto demais para descrever uma vida. Obviamente não é essa a intenção, e o recurso de hiatos e mudanças temporais serve muito bem a essa narrativa fragmentada, que ao menos consegue contar a história e entreter, embora não consiga agradar por completo.

NÃO PARE NA PISTA deve atrair não apenas os fãs do escritor, mas também os do "Maluco Beleza". Aliás, é ele quem salva boa parte do filme. Outra coisa: como se trata de uma coprodução Brasil/Espanha, a presença da bela Paz Vega como uma de suas namoradas dos anos 1970 é também bem-vinda, ainda que numa personagem mal aproveitada e mal escrita. 

quinta-feira, agosto 14, 2014

AMANTES ETERNOS (Only Lovers Left Alive)



A situação não está nada fácil para os cineastas americanos que insistem em fazer cinema de autor, mesmo com orçamentos baixos. É o caso de Jim Jarmusch, cujo filme anterior havia sido OS LIMITES DO CONTROLE (2009), que passou em branco no circuito e que pouca gente conhece. Aliás, esta tem sido uma realidade dos trabalhos do cineasta, que na década de 1980 dirigiu um dos filmes mais louvados e representativos de seu tempo, ESTRANHOS NO PARAÍSO (1984). AMANTES ETERNOS (2013), seu mais recente trabalho, além de ter custado apenas 7 milhões de dólares, mesmo tendo um elenco de famosos, não recebeu ajuda americana. Trata-se de uma coprodução Reino Unido/Alemanha/Grécia.

O filme dá continuidade à saga de heróis solitários, com crises existenciais e depressivos, como é o caso de FLORES PARTIDAS (2005). Aqui, porém, ao invés de um homem comum que não encontra mais sentido para a vida até receber uma notícia que o fará sair da inércia, temos o caso de Adam, um vampiro cansado da vida de séculos e séculos de tédio, interpretado por Tom Hiddleston, mais conhecido pelo papel do vilão Loki nos dois filmes de Thor e no filme dos Vingadores.

Aos poucos ficamos sabendo que ele teve contato com o poeta romântico Lord Byron e que é um fã de guitarras de rock, tendo como principal hobby colecionar instrumentos e discos. Sendo o rock um estilo de música também romântico à sua maneira, aliado ao fato de Adam ser uma pessoa saudosista, vide os inúmeros quadros de pessoas célebres em seu apartamento, torna-o susceptível à melancolia. Tanto que chega a encomendar a um fornecedor uma bala de madeira para um revólver calibre 38.

Quem chega para ajudá-lo a levantar o astral é a antiga amiga e amante Eve, interpretada por Tilda Swinton, que incorpora muito bem a figura de uma vampira. Talvez por já ter sido alguém que viveu muitos séculos em ORLANDO – A MULHER IMORTAL. Seu aspecto pálido é mais mórbido do que Hiddleston, que ganha um ar de modernidade com um penteado parecido com o de Robert Smith.

Ao contrário de Adam, Eve aprecia a vida. O fato de poder viver durante muitos anos e poder ler muitos e muitos livros em diversas línguas não deixa de ser uma dádiva, por mais que haja também entre eles uma maldição, que é ter que depender de sangue humano, um material cada vez mais raro em um futuro em que a maioria das pessoas está contaminada. O filme não entra em detalhes sobre o assunto, mas isso pouco importa. O que mais conta é a atmosfera carregada de melancolia que envolve os dois amantes. Tal atmosfera só sofre uma alteração com a chegada da irmã mais nova de Eve, vivida por Mia Wasikowska, excelente atriz que acaba não sendo bem aproveitada no roteiro.

Embora não esteja entre os melhores trabalhos de Jarmusch, é muito bom ter a chance de ver um trabalho seu nos cinemas novamente. Além do mais, o filme guarda algumas surpresas e brincadeiras para quem é apreciador de literatura e conhece um pouco de boatos envolvendo William Shakespeare e Christopher Marlowe.

quarta-feira, agosto 13, 2014

O MELHOR PAI DO MUNDO (World's Greatest Dad)



Robin Williams foi um dos meus grandes heróis do início de minha cinefilia. Culpa disso foi seu desempenho em SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS, o único filme que eu vi três vezes no cinema. E foi aplaudido de pé pela audiência emocionada nessas três vezes, no extinto Cine Fortaleza. Aquele final é covardia, de tanta emoção que gera. Williams interpreta um professor que muda a vida das pessoas através da poesia. Por causa de seus métodos pouco ortodoxos, acaba ganhando inimigos na tradicional escola e sua influência é vista como nociva para os alunos. Principalmente depois que um deles se suicida.

Em O MELHOR PAI DO MUNDO (2009), filme que só fui descobrir que existia recentemente, poucos dias antes de sua morte, ele interpreta novamente um professor. E novamente o suicídio está presente. Não deixa de ser uma coincidência mórbida, levando em consideração sua partida desse mundo através de autoenforcamento, depois de não aguentar os tormentos da depressão. Por isso O MELHOR PAI DO MUNDO é o filme que mais dialoga com os últimos momentos do ator, com seu último gesto.

No filme, não é ele quem se suicida, mas ele é alguém tipicamente deprimido. Se ser professor já é uma atividade solitária, imagina ser professor sem ser minimamente apreciado pelos alunos. Suas aulas de poesia estão cada vez mais esvaziadas, principalmente depois de ter chegado um professor novo e cheio de energia, mais parecido com um atleta e de mais fácil identificação com os jovens. Pra completar, o diretor da escola ainda faz pressão, falando da possibilidade de ter que encerrar sua disciplina.

Como se não bastasse, o seu filho é um tremendo de um pé no saco. Um adolescente estúpido que só fala de sexo sem ter transado com ninguém, que é pego se masturbando usando aquele "método" de enforcamento pelo próprio pai, que diz que odeia tudo, que odeia música, que acha que tudo é coisa de gay etc. É um garoto tão chato que possui apenas um único e devotado amigo, colega de escola.

Apesar de tudo, seu pai se esforça para agradá-lo, sendo recebido com patadas por ele todo o tempo. Enfim, o garoto é tão insuportável que quando ele se suicida acidentalmente enquanto se masturba nem chega a fazer falta ou causar comoção. A interpretação de Williams, aliás, nem está tão convincente assim ao mostrar sua dor no momento da morte. Mas esse é um grande momento para o filme, o momento em que seu personagem tem a ideia de, para diminuir a vergonha do filho, limpá-lo, esconder a verdade, e escrever uma nota de suicídio. Uma nota que faz muito sucesso na escola, de tão profunda que fica para um garoto tão superficial.

Entra então outra grande sacada do filme, que é trabalhar em cima da questão da necrofilia da arte. É mais ou menos como acontece quando algum artista morre e muitos passam a lamentar, quando na verdade não estavam nem aí para a pessoa quando ela era viva. Na escola, o garoto passa a ser visto como um rebelde incompreendido e seu pai, por tabela, acaba ganhando popularidade. E mais ainda quando tem a ideia de escrever um diário para o garoto.

O MELHOR PAI DO MUNDO trata isso tudo num registro agridoce misturado com uma dose de humor negro, já que as situações ocorrem como numa comédia, mas no fundo sabemos a dor e a solidão daquele professor, apesar de ter como parceira sexual uma professora bonita e simpática. Talvez o filme só não alcance a excelência por ter um final pouco impactante, apesar de libertador. É um belo e um tanto obscuro trabalho, que não passou nos cinemas brasileiros e foi direto para DVD sem muito alarde. Ainda assim, pode ser lembrado como um dos títulos mais importantes da carreira de Robin Williams.

Meus filmes favoritos com o ator: O MUNDO SEGUNDO GARP (1982), BOM DIA VIETNÃ (1987), SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS (1989), TEMPO DE DESPERTAR (1990), VOLTAR A MORRER (1991), O PESCADOR DE ILUSÕES (1991), JUMANJI (1995), HAMLET (1996), DESCONSTRUINDO HARRY (1997), GÊNIO INDOMÁVEL (1997), PATCH ADAMS – O AMOR É CONTAGIOSO (1998), O HOMEM BICENTENÁRIO (1999), A.I. – INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (2001), RETRATOS DE UMA OBSESSÃO (2002), INSÔNIA (2002) e agora O MELHOR PAI DO MUNDO.

terça-feira, agosto 12, 2014

VESTIDO PRA CASAR



Muitos reclamam das atuais comédias brasileiras, principalmente as patrocinadas pela Globo Filmes. No entanto, cada vez mais gente lota as salas e se diverte com esses comédias sem muita pretensão que não seja a de ganhar muito dinheiro. Que há filmes que deixam a gente com vontade de esconder a cabeça dentro de um saco, isso lá é verdade, mas é possível separar o joio do trigo, mesmo nas globochanchadas mais suspeitas. Podemos citar VAI QUE DÁ CERTO e HOMENS SÃO DE MARTE...E É PRA LÁ QUE EU VOU como dois bons exemplos.

E com muita boa vontade talvez possa ser o caso de VESTIDO PRA CASAR (2014), novo filme estrelado por Leandro Hassum, seguindo o rastro do sucesso comercial de ATÉ QUE A SORTE NOS SEPARE e sua continuação. VESTIDO PRA CASAR tem como mérito uma ingenuidade típica das antigas comédias de Mazzaropi (com a inclusão de personagens caipiras) e uma influência confessa de Jerry Lewis nos trejeitos de Hassum a cada enrascada que se mete e a cada mentira que ele conta.

A trama é simples, mas tem bons e divertidos momentos. Hassum é autor de um livro sobre como economizar em viagens e está prestes a encontrar a noiva (Fernanda Rodrigues) no aeroporto, mas, atrapalhado e desligado como é, acaba perdendo tempo discutindo com uma bela subcelebridade (Renata Dominguez), por causa da falta de visibilidade de seu livro na livraria e de um suposto preconceito que ele teria com a cidade-natal da moça.

Aliás, um achado essa Renata Dominguez. Devido a um acidente que rasga o seu vestido de grife, ela passa a maior parte do filme só de lingerie. Com os dotes físicos à mostra, não é de se espantar que ela tenha sido escolhida para fazer Bate-Seba, a mulher que virou do avesso a cabeça do Rei Davi, na minissérie produzida pela Rede Record. E no filme, ela está bem. Quer dizer, nada dissonante com o restante do elenco.

E um elenco de apoio que traga Eliezer Motta (lembram do personagem Batista, em quadro que ele fazia com o Jô Soares, muitos anos atrás?) e Tonico Pereira (queridíssimo desde os tempos da versão 1.0 de SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO) merece respeito. Quanto a André Mattos, ele tem se notabilizado por papéis bem caricatos (pastor corrupto, apresentador de programa sensacionalista etc.). Aqui ele é o pai da noiva e nem precisa decorar muito as falas, já que a que não sai da boca dele é "este casamento está acabado”, a cada vez que ele percebe as mancadas de Fernando, personagem de Leandro Hassum.

E elas são muitas, pelo bem do filme, que traz vários momentos para gargalhar. E aquele momento do "eu te amo", no fim das contas, acaba nem ficando assim tão constrangedor no meio de tudo. Afinal, é tanta situação absurda que acontece com Fernando, a noiva e seus parentes, além da moça do vestido rasgado, do estilista gay, do senador corno e dos sequestradores, que é possível apreciar toda essa bagunça com certo prazer.

domingo, agosto 10, 2014

BEM-VINDO A NOVA YORK (Welcome to New York)



Desde o final dos anos 1970 que Abel Ferrara vem construindo uma carreira de filmes notáveis. Porém, seus trabalhos foram cada vez se tornando menos acessíveis ao grande público, seja por certo hermetismo – ENIGMA DO PODER (1998) é um exemplo bem óbvio –, seja pela distribuição cada vez mais rara, não só no circuito brasileiro, mas em quase todo o mundo. Além do mais, existe também uma necessidade de conhecer um pouco mais de sua obra, de modo que determinados filmes sejam melhor compreendidos, como uma extensão de seu trabalho, de suas obsessões.

BEM-VINDO A NOVA YORK (2014) é uma ótima chance de ver uma obra sua no cinema. A primeira cena, pré-créditos, mostra Gérard Depardieu dizendo o quanto ele odeia atuar e como ele prefere, inclusive, personagens distantes de si, odiáveis até. Essa pequena sequência, que pode confundir Depardieu com um suposto personagem-ator numa brincadeira metalinguística, funciona também como um convite para que o espectador, sabendo que aquilo se trata de um filme baseado em fatos reais, também o pense como cinema, antes de encará-lo como uma fuga da realidade, como em geral acontece com obras de ficção mais convencionais.

Uma vez que sabemos disso, estamos preparados para conhecer esse tal personagem odioso, que na verdade nem é tão odioso assim. Os personagens de Ferrara cometem seus pecados como se estivessem atravessando uma espécie de via-crúcis rumo a uma redenção ou algo do tipo, como é o caso de Harvey Keitel em VÍCIO FRENÉTICO (1992), com seus excessos e seu vazio existencial.

O alto executivo Devereaux (Depardieu) também possui uma vida de excessos e de busca por prazer sem limites. No caso, ele é viciado em sexo e, como tem muito dinheiro para isso, faz, com frequência, maratonas sexuais com amigos e prostitutas em hotéis de luxo. O primeiro ato do filme apresenta-nos a esse homem muito grande e gordo que faz sexo urrando como um animal e que se mete numa encrenca ao tentar abusar sexualmente de uma senhora que trabalha como camareira.

Obviamente essa atitude do personagem pode ganhar a antipatia ou inimizade da plateia, mas, como a tendência de Ferrara é eliminar a presença do mal, como muito bem registra Marcelo Miranda em sua crítica na Revista Interlúdio, talvez seja um pouco difícil de o personagem ser encarado como um monstro ou algo do tipo. Tampouco como a vítima que ele acredita ser, principalmente ao vermos alguns flashbacks, um deles mostrando um quase estupro em uma jornalista que só queria entrevistá-lo. Interessante notar o quanto a dramaturgia de Ferrara, principalmente nesses flashbacks, se aproxima da de alguns cineastas europeus, especialmente franceses.

O filme ganha contornos existencialistas no terceiro ato, quando adentramos os pensamentos do personagem, que se confunde com o próprio pensar de Abel Ferrara. Caso do momento em que ele reflete sobre a existência e o cosmos, momento que aparentemente contrasta com o início e o desenvolvimento do filme, mas que é perfeitamente coerente com uma espécie de iluminação do personagem, ao dizer que não sente nada, primeiramente ao ser questionado por um psicanalista.

 BEM-VINDO A NOVA YORK é tão rico em significados e significantes que seria preciso não só de uma análise mais aprofundada, mas também de alguém que conhecesse mais a fundo a obra de Ferrara. Há pano pra manga para falar sobre uma crítica ao american way of life, sobre questões éticas, mas acredito que o que mais importa é o fator humano e filosófico que perpassa o filme, bem como a própria natureza do cinema ferrariano.

sábado, agosto 09, 2014

ILSA, A GUARDIÃ PERVERSA DA SS (Ilsa: She Wolf of the SS)



Alguns filmes exageram tanto na violência gráfica e no sadismo que acabam mesmo não sendo levados a sério. Mesmo assim, não dá para dizer que a produção canadense ILSA, A GUARDIÃ PERVERSA DA SS (1975) não tenha sido um tremendo sucesso, já que rendeu mais três continuações com a mesma atriz, Dyanne Thorne: duas "oficiais" e uma dirigida por Jesús Franco, em que a torturadora aparece morena e com o nome de Greta (embora o filme tenha sido vendido também com o título ILSA, THE WICKED WARDEN, de 1977).

Na década de 1970, com o apogeu dos exploitations, o cinema já podia brincar com as torturas nos campos de concentração em filmes como esse. O tempo ajuda a amenizar os traumas e fazer com que as coisas possam ser vistas até com senso de humor, embora ILSA, A GUARDIÃ PERVERSA DA SS seja um trabalho que tenha a força de acabar com o apetite de muitos ao mostrar experiências terríveis que essa torturadora de determinado campo de concentração faz com homens e mulheres.

Com homens, inclusive, ela adora levar para a cama alguns para depois cortar-lhes os pênis. No entanto, aparece um prisioneiro americano que é chamado lá e é capaz de levá-la a loucura. Numa espécie de variação da lenda de Sherazade, ele consegue se manter vivo e intacto ao oferecer sempre uma noite melhor do que a outra. Ajuda o fato de ele conseguir ficar duro durante uma noite inteira de muito sexo.

Entre as torturas apresentadas no filme, a pior talvez seja a que ela efetua em uma mulher que ousa desafiar a sua autoridade (e ainda incentiva uma fuga entre as prisioneiras). Porém, a que mais guarda requintes de crueldade é uma que acontece numa mesa de jantar, envolvendo uma pedra de gelo, uma mulher nua e uma forca. Essa é de doer o coração.

Mas tudo faz parte dos planos do filme de nos deixar bastante irados com a torturadora de grandes peitos e torcendo para que ela receba a pior punição. O problema é quando a história é finalizada, mas a bendita Ilsa aparece novamente – não se sabe como – em outro lugar do mundo, em outro filme, novamente para infernizar a vida de muitos. Afinal, a primeira produção deu muito certo e os monstros sempre reaparecem em continuações, como aprenderíamos tão bem na década seguinte.

quinta-feira, agosto 07, 2014

THE ROVER – A CAÇADA (The Rover)



O primeiro plano de THE ROVER – A CAÇADA (2014) ajuda a preparar o espectador para um thriller de narrativa um pouco mais lenta, trazendo o rosto ainda difícil de decifrar do personagem de Guy Pearce em close-up. Diferente do que dizem, que uma imagem vale mais do que mil palavras, no que se refere ao íntimo dos personagens, a literatura possui mais ferramentas que facilitam esse tipo de descrição. Mas o cinema escolhe ser assim. É bom que o protagonista seja misterioso e que só saibamos um pouco mais sobre o seu passado ao longo do filme.

Até então, esse momento de contemplação e também de apresentação inicial de um mundo desolado e destruído após dez anos de um colapso global não demora a ser interrompido quando surgem mais três personagens dentro de um carro, discutindo entre si. A discussão complica a partida deles no mesmo carro, e como eles já haviam cometido um crime antes, fogem no carro de Eric, o personagem de Pearce.

Em seguida, a busca frenética e aparentemente exagerada do próprio carro por Eric segue em um ritmo mais acelerado e tenso, o que só comprova o talento de David Michôd na construção narrativa, que acaba por se transformar numa espécie de road movie pós-apocalíptico quando entra em cena Rey, o personagem de Robert Pattinson, que aparece com um ferimento de bala na barriga.

A partir de então, THE ROVER passa a ser também um filme sobre a relação desses dois homens até o destino final. Talvez nem seja um exagero dizer que se trata de um filme sobre amizade, embora seja bem mais um filme sobre perda. Aos poucos, vamos conhecendo mais o passado de Eric, ao mesmo tempo em que também sentimos o remorso e a confusão mental de Rey. Isso, claro, se não analisarmos o filme de um ponto de vista mais global, como crítica da sociedade atual, como disse Michôd.

O fato de ambos os personagens carregarem consigo o peso das mortes de determinadas pessoas fazem do filme um drama cheio de dores, angústias e um sentimento de autodestruição. Há um diálogo especialmente brilhante que acontece entre Eric e um policial, e que dá a THE ROVER uma pesada aura niilista, que, junto com as cenas de violência gráfica, tornam a experiência de apreciação um misto de prazer e dor. Prazer por estar testemunhando um dos mais brilhantes filmes dos últimos anos de um cineasta em início de carreira. Isto é, ainda é possível que ele venha a fazer filmes melhores do que este. Um belo motivo para continuar vivo.

THE ROVER foi realizado em Super 35 mm, formato que dizem ser ideal para captar imagens de deserto e muito sol. A fotografia em scope é também um show à parte, valorizando tanto os corpos quanto a paisagem desolada, que também remete ao western. Há também uma espécie de circo de horrores no que se refere à aparência de boa parte dos coadjuvantes, especialmente os que são encontrados em casas e estabelecimentos comerciais ao longo da jornada do herói.

quarta-feira, agosto 06, 2014

REINO ANIMAL (Animal Kingdom)



A um dia da estreia nos cinemas brasileiros de THE ROVER – A CAÇADA (2014), eu me forço finalmente a escrever um pouco sobre o primeiro longa de ficção de David Michôd, REINO ANIMAL (2010), que só está ganhando maior repercussão agora, com a estreia do novo filme, com as boas críticas em festivais e com a declaração entusiasmada de Quentin Tarantino com relação ao trabalho desse novo diretor que tanto em comum tem com o seu cinema, como também com o dos filmes de gângster de Martin Scorsese.

Mas trata-se de um filme que tem uma pegada própria. Não exagera como Guy Ritchie, por exemplo. Michôd prefere o andamento lento, a estranheza. Pra começar, a primeira cena já é bem estranha, com o protagonista, o garoto J (James Frecheville), ligando com muita calma para a ambulância informando que sua mãe tinha acabado de morrer de overdose de heroína. Isso, sem nenhuma expressão de perturbação no rosto.

Seu abrigo, mas principalmente sua perdição, está em sua avó (Jackie Weaver) e seus filhos, todos envolvidos em situações criminosas e um deles procurado pela polícia. E é nesse novo mundo que J passará a viver. Chega até mesmo a levar a namorada para encontros com esses tios loucos e suas esposas/namoradas, mal sabendo ele o que poderia acontecer em pouco tempo.

REINO ANIMAL lembra também um filme de outro cineasta da nova geração, SHOTGUN STORIES, de Jeff Nichols. A diferença é que em REINO ANIMAL a guerra que ocasiona a morte de alguns desses irmãos (uma delas, surpreendente) não está relacionada a brigas entre famílias, mas entre eles e a polícia. O que até poderia diminuir o efeito "vingança" entre as partes, mas não chega a ser o caso, tendo em vista a ousadia desses irmãos em seguir desafiando a lei.

A conclusão da história de J com essa família até parece satisfatória, levando em consideração o que ele passou e o que perdeu. Logo, é um final, sim, amargo, mas que encerra de maneira perfeita esse filme tão pouco reconhecido e conhecido pelas audiências, coisa que deve mudar nos próximos anos.

terça-feira, agosto 05, 2014

EXTREMOS DO PRAZER



Ir à cata desses filmes raros de Carlos Reichenbach muitas vezes é questão de sorte. Sorte de encontrar a pessoa certa numa conversa mais ou menos casual sobre cinema em geral, por exemplo. Quem é interessado em cinema brasileiro, especialmente esse produzido em São Paulo, mais marginalizado, acaba tendo algum trabalho às vezes, mas o resultado é quase sempre muito gratificante.

Eu tive a sorte de conhecer, ainda que pouco, o Carlão como pessoa. Mas vendo esses filmes que parecem tão antigos (quando na verdade nem são tanto assim, a culpa é da imagem sofrida que serviu de base para a cópia), a impressão de que não o conheci quase nada só aumenta. Mesmo eu lendo os seus escritos desde o início dos anos 2000. Digo isso mais pelas diversas citações de filósofos que ele inclui em EXTREMOS DO PRAZER (1983), o que não é muito diferente do que ele fez em outros trabalhos.

Se Martin Scorsese o conhecesse talvez o chamasse de cineasta contrabandista. Isso porque ele discutia política de forma até muito aberta para aqueles tempos em que ainda havia censura e um resto de ditadura ainda perdurava. Para os filmes produzidos na Boca do Lixo, que visavam retorno financeiro, esse tipo de discurso político cabia, contanto que houvesse mulher pelada e cena de sexo. E isso nunca foi um problema para Carlão, que também gostava disso, apreciava a sensualidade no cinema e sabia fazer o público ficar bem animado. Basta lembrar de seu episódio para o sensacional AS SAFADAS (1982), feito um ano antes.

EXTREMOS DO PRAZER, por exemplo, utiliza esse título talvez mais para chamar a atenção da bilheteria. No fim das contas, o que era vendido como pornochanchada era também recheado de ideias contrárias à política dominante, ainda que mostrado através de personagens que possuem posturas contrárias. Isso diminui os riscos de a censura cair em cima e achar que o filme é obviamente libertário e simpatizante de outros ismos.

Assim, a trama que se passa inteiramente dentro de uma casa de campo com piscina mostra a chegada de dois casais: a intelectual recém-divorciada Marcela e o rude Ricardo; e Natércia e Felipe, dois burgueses progressistas. Na casa, para recebê-los está o pensador Luís, que cuida da casa e convive com o fantasma da falecida esposa. O filme contará com outros dois casais, mais jovens, sendo que a menina é vivida pela adorável Vanessa Alves. Pena que a cópia não faz jus à sua beleza, mal dando para apreciar o seu corpo.

Mas o mais importante é como a química dessas pessoas tão diferentes funcionará dentro deste ambiente fechado, apesar de agradável. O próprio Carlão dizia que a semelhança com o cinema de Eric Rohmer não é coincidência. O que pra mim é ótimo, já que aprecio o trabalho dos dois cineastas. E também vejo um erotismo bem forte no cineasta francês, ainda que bem menos gráfico do que nos filmes de Carlão. Basta lembrar de PAULINE NA PRAIA e de MINHA NOITE COM ELA.

EXTREMOS DO PRAZER pode não ser tão sofisticado e ao mesmo tempo tão excitante sexualmente quanto A ILHA DOS PRAZERES PROIBIDOS (1979), AMOR, PALAVRA PROSTITUTA (1981) ou trabalhos mais recentes, como GAROTAS DO ABC (2003) e FALSA LOURA (2007), mas é certamente fundamental para ajudar a compor uma obra tão singular de um diretor que ainda tinha muito a nos oferecer.

domingo, agosto 03, 2014

Q



Quantas vezes você viu um filme contendo cenas de sexo e desejou que aquilo fosse de verdade? Principalmente quando as tais cenas simuladas não são suficientemente convincentes? Para atender essa demanda e esse desejo de alguns espectadores, alguns filmes estão investindo na inclusão de cenas de sexo explícito de modo que não pareça enxerto e só contribua para que a obra se torne, além de excitante, também mais próxima da realidade. São filmes como AZUL É A COR MAIS QUENTE, CLIP e UM ESTRANHO NO LAGO, para citar casos mais recentes, já que isso não se constitui uma novidade: nos anos 1970 havia alguns exemplares, mas eles eram bem underground e mais direcionados principalmente ao sexo. Além do mais, suas tramas não eram suficientemente boas sem as tais cenas quentes.

Q (2011), de Laurent Bouhnik, é mais um belo exemplar que traz cenas de sexo explícito numa trama que envolve três casais cujas histórias se cruzam. Na primeira cena do filme, vemos Cécile (Déborah Révy) e Matt (Gowan Didi) dentro de um carro. Pela conversa, descobrimos que os dois acabaram de se conhecer, que ela quer jogar as cinzas do pai no mar e que Matt sente uma imensa atração física por ela. De fato, Débora Révy imprime à sua personagem um sex appeal impressionante. Coadjuvante em filmes estrelados por grandes astros do cinema francês, em Q, Déborah tem a chance de protagonizar e trabalhar em algumas ousadas cenas.

O que mais encanta em Cécile é seu prazer em provocar excitação sexual nos homens até deixá-los na mão, dando-lhes às vezes, como prêmio de consolação, sua calcinha. Sua sexualidade sempre exacerbada chega a perturbar o namorado, que fica bastante transtornado quando ela fala o quanto gostaria de fazer sexo com o namorado e o amigo dele ao mesmo tempo, por exemplo. Mas a melhor cena de sexo de Cécile acaba sendo a do encontro com Alice (Hélène Zimmer), a namorada de Matt.

Alice é quase o oposto de Cécile: ao invés de ter a sua liberdade sexual e seu poder de mexer com a cabeça de homens de todas as idades, Alice sofre opressão da família, que a castiga por tê-la flagrado beijando na boca de Matt na rua. Esse tipo de opressão faz com que ela reprima seus sentimentos e desejos, por mais que Matt queira levá-la para sua casa e fazê-la feliz. Há uma cena especialmente excitante, em que Matt a masturba dentro da casa dela, enquanto a mãe conversa com ela do outro lado da parede. Essas cenas de masturbação e de felação, inclusive, têm uma beleza impressionante, traduzindo imagem e som em voltagem erótica.

E o importante é que tais cenas funcionam de maneira orgânica à trama dos personagens. Principalmente dos dois casais citados. Mas há também um outro casal, que sofre com um problema: por causa de um trauma do passado, a mulher tem um bloqueio e não consegue fazer sexo com o marido. Há também um casal de lésbicas cuja história é pouco aprofundada, mas que contribui para pelo menos mais uma boa cena de sexo.

E pensar que descobri Q por acaso, fuçando o "catálogo" de filmes do site My Duck Is Dead. Que sirva de dica para os interessados em histórias bem contadas e dirigidas (há um momento em que a câmera transita por um café em um único plano-sequência, que é brilhante) e que traga erotismo de qualidade, com mulheres lindas e sensuais como Déborah Révy e Hélène Zimmer.

sábado, agosto 02, 2014

TRÊS FILMES SUL-AMERICANOS























Sei que ainda é muito pouca a quantidade de filmes latino-americanos que aportam em nosso circuito, mas pelo menos este ano estamos tendo alguns exemplares interessantes vindos de alguns países hermanos. Aqui falo muito rapidamente sobre filmes vindos do Chile, do Paraguai e da Argentina, respectivamente. Pouco tempo atrás escrevi sobre o ótimo PELO MALO, da Venezuela, por enquanto meu favorito do ano dentro dessa "categoria". Muito provavelmente por algum preconceito bobo, confesso que não sou o espectador mais entusiasmado pelo cinema produzido nos demais países da América Latina. Tenho muita boa vontade em relação aos filmes brasileiros, inclusive os ruins, mas os filmes dos nossos países vizinhos precisam me conquistar.

GLORIA 

Eis um filme que tem certa elegância, mas que justamente por essa característica, e pelo fato de tratar da história de uma mulher de meia-idade sozinha que tenta aproveitar a vida ao máximo que GLÓRIA (2013), de Sebastián Lelio, parece um tipo de produção muito específica a um tipo de espectador da "melhor idade" que costuma frequentar algumas salas de arte à procura de filmes agradáveis. Tudo bem que há uma certa amargura na história dessa mulher que está perdendo a visão mas não para de sorrir e que começa uma nova fase ao namorar um homem mais velho que ela, mas isso não é suficiente para torná-lo suficientemente bom. A ambientação do filme é bastante clean, destacando um tipo de sociedade economicamente mais abastada do Chile. O final pode parecer muito divertido para alguns, mas pra mim não passa de uma bobagem.

7 CAIXAS (7 Cajas) 

Ao contrário de GLÓRIA, o paraguaio 7 CAIXAS (2012), de Juan Carlos Maneglia e Tana Schembori, parece herdeiro de CIDADE DE DEUS e prefere apostar na pobreza do país, mais especificamente em um grupo de garotos que trabalham de carregar as compras para turistas em carrinhos de madeira. Aos poucos, vemos que o filme sai do registro do drama e passa para o thriller, usando uma câmera nervosa. Na trama, garoto recebe a chance de ganhar um bom dinheiro para carregar sete caixas. O que ele não sabe é que o conteúdo dessas caixas é bem sinistro, fruto de um assassinato cometido em um açougue. 7 CAIXAS é também divertido se visto com bom humor pelo espectador. Como o filme se situa num único ambiente e é cercado por personagens bem pobres, fica a impressão de que aquilo é um retrato abrangente do Paraguai, que assim como o Brasil deve também ter suas classes abastadas.

CORAÇÃO DE LEÃO - O AMOR NÃO TEM TAMANHO (Corazón de León) 

Esta comédia argentina (com coprodução brasileira) faz mais bonito que as nossas globochanchadas, mas ainda não é suficientemente boa, apostando na mesma piada o filme inteiro e quase não acertando em suas sequências dramáticas. CORAÇÃO DE LEÃO – O AMOR NÃO TEM TAMANHO (2013), de Marcos Carnevele, conta a história de uma mulher bonita e alta (Julieta Díaz) que se apaixona por um homem de estatura muito baixa (Guillermo Francella). O personagem não chega a ser exatamente um anão, mas teve problemas de crescimento e compensa isso com seu charme e sua lábia para levar as mulheres a lugares inusitados. É assim que ele conquista o coração de Ivana (Julieta), que, no entanto, se vê perturbada com sentimentos contraditórios, pois tem vergonha de apresentar aquele homem pequeno aos amigos e familiares. Há uma série de gags envolvendo a estatura de León (Francella), que até cansam um pouco, mas o filme melhora um pouco quando muda para o registro dramático. Mesmo assim, não chega a emocionar.

sexta-feira, agosto 01, 2014

GUARDIÕES DA GALÁXIA (Guardians of the Galaxy)



Décimo filme dos estúdios Marvel, GUARDIÕES DA GALÁXIA (2014), de James Gunn, representa um dos pontos mais altos desde a estreia do estúdio com HOMEM DE FERRO, em 2008. No ano passado, muitos começaram a desacreditar do futuro da Marvel no cinema (pelo menos em qualidade) devido a resultados não muito satisfatórios como HOMEM DE FERRO 3 e THOR - O MUNDO SOMBRIO.

Diferente dos demais filmes, que apostaram em heróis já bastante conhecidos da audiência, GUARDIÕES DA GALÁXIA traz uma equipe quase desconhecida, e que está sendo retomada com a mesma formação do filme na Nova Marvel, nos quadrinhos. Portanto, constitui-se na aposta mais arriscada da Marvel/Disney.

Porém, a escolha de um diretor talentoso como James Gunn (SERES RASTEJANTES, 2006; SUPER, 2010) fez a diferença, aliado a diversos outros fatores, como uma intenção clara de não se levar a sério, elenco e personagens carismáticos, uma trilha sonora saborosa e efeitos especiais de última geração. Além do mais, há muitas semelhanças com a franquia STAR WARS, já que a trama se passa em uma galáxia povoada por pessoas de diversos planetas que entram em guerra uns com os outros e há aqueles que ganham a vida de maneira pouco nobre. Caso dos nossos heróis.

Há que se dar um desconto para alguns momentos um tanto piegas, como quando os personagens passam a se sentir como uma família, ou com o discurso cheio de excessos dos vilões, especialmente Ronan (Lee Pace). O grande vilão Thanos, porém, aparece pouco e continua sendo um personagem temido e respeitado. Esses aparentes problemas do filme fazem parte do jogo. O fato de a produção pender mais para a comédia conta pontos a seu favor na hora de relevar esses problemas, ainda que nem sempre o humor seja tão engraçado.

A narrativa começa em 1988, sendo que a primeira imagem é a de uma fitinha cassete. Depois sabemos quem a está ouvindo: o menino Peter Quill, no corredor de um hospital, enquanto a mãe agoniza, vítima de câncer. É nesta mesma noite que ele é abduzido por nave alienígena. Saltamos no tempo e já vemos o personagem, vivido por Chris Pratt, em busca de um orbe que contém uma das joias do infinito, objetos já citados em filmes anteriores da Marvel. O começo do filme, inclusive, remete muito aos bons momentos de Indiana Jones, o herói arqueólogo. A diferença é que Quill pretende vender o objeto para lucrar.

Outros momentos deliciosos são justamente os que mostram como a turma toda se conhece: além de Quill, que se autodenomina Senhor das Estrelas, há a mulher verde Gamora (Zoe Saldana), o guaxinim Rocket (voz de Bradley Cooper), a criatura de madeira Groot (voz de Vin Diesel) e, mais adiante, o bombadão Drax (Dave Bautista). São todos personagens interessantes. Gamora por lutar bem e ter seu sex appeal, Rocket por ter uma das melhoras falas e Groot por ser o mais simpático do grupo, mesmo não sabendo falar outra coisa que não seja "I am Groot". O sorriso dele, inclusive, contamina a plateia.

Toda essa primeira parte, do encontro dos membros do grupo, é narrada com um dinamismo admirável. Assim, tanto a direção quanto o roteiro e a edição estão de parabéns. Assim como a colorida fotografia, a cargo de Ben Davis (KICK-ASS – QUEBRANDO TUDO) e todos os demais aspectos técnicos.

Uma das vantagens de GUARDIÕES DA GALÁXIA em relação aos demais filmes da Marvel é que ele pode ser visto em separado por um público, como se fosse independente dos demais, por mais que saibamos que há ligações, especialmente com os filmes dos Vingadores. Mas essa ligação é mostrada de maneira muito sutil e não faria muita diferença para um espectador que não é exatamente fã da Marvel acompanhá-lo e vê-lo como uma espécie de novo STAR WARS. E com a vantagem de ter um diretor mais talentoso que George Lucas no comando.

Curiosamente, entre os roteiristas está o nome de uma estreante, Nicole Pearlman, que já está praticamente confirmada para roteirizar um filme da Viúva Negra, aproveitando o sucesso dessas personagens femininas entre audiências de ambos os sexos, ainda que talvez por razões distintas. Isso, aliás, já deveria ter sido feito pela Marvel a essa altura do campeonato, já com o décimo filme do estúdio em cartaz e levando em consideração que os próximos serão OS VINGADORES 2 - A ERA DE ULTRON e HOMEM-FORMIGA. Assim, todos sabemos o quanto esse universo de super-heróis é machista. Principalmente a Marvel, já que a DC tem uma heroína icônica, a Mulher-Maravilha.