quarta-feira, março 30, 2016

PARA MINHA AMADA MORTA



A impressão que se tem ao ver uma breve sinopse de PARA MINHA AMADA MORTA (2015) é de que se trata de um filme que se arrastará em um fiapo de roteiro e que terminará de maneira previsível. Mas para a nossa sorte não é isso que Aly Muritiba oferece aos que saem de suas casas para prestigiar o seu primeiro longa-metragem. O que é preciso ter é disposição para enfrentar uma trama bem tensa, e que se mostra mais do que uma história de vingança.

O ponto de partida de PARA MINHA AMADA MORTA é bem simples e até um pouco desanimador a princípio. Na trama, Fernando Alves Pinto é Fernando, um homem que trabalha na polícia como fotógrafo e que sofre bastante a morte e a falta de sua esposa. Ele cheira as roupas dela diariamente, passa a ferro, guarda seus pertences com carinho, vê vídeos antigos para relembrá-la e contar histórias dela ao filho pequeno. E é num desses vídeos que ele encontra uma fita que denuncia que a esposa não lhe foi fiel. O vídeo a mostra transando com outro homem, alguém que ele não conhece.

Aproveitando que trabalha na polícia, consegue investigar e encontrar o tal homem, que para sua surpresa trabalha num ferro-velho. E é aí que o filme vai ficando mais interessante. Pois a partir do contato que ele tem com a família mais humilde desse homem que o enredo vai deixando de ser sobre uma simples história de vingança para se tornar também uma história sobre um homem bom que se embebeda de veneno ao mesmo tempo em que também envenena a vida daquela família de evangélicos.

E nisso o filme de Muritiba segue um caminho que passa a impressão de ser imprevisto até mesmo para o autor do roteiro (o próprio diretor). Como se o autor estivesse tateando e reconhecendo o novo e virgem território, envolvendo-se junto com o protagonista com aquela família que Fernando diz ser linda. Não sabemos, e talvez nem o personagem saiba de verdade, até que ponto, por exemplo, a aproximação dele em Raquel (Mayana Neiva), a esposa de seu inimigo Salvador (Lourinelson Vladmir) é movida por amor e desejo ou por vingança.

Os momentos de tensão do filme nos fazem pensar sempre no pior e o filme só não frustra o espectador porque ele entrega algo que vai além do óbvio, em um trabalho que intoxica o sangue. E podemos dizer isso como um baita elogio ao trabalho desse cineasta baiano radicado em Curitiba que trabalhou por sete anos em uma prisão no Paraná, o que o levou a fazer a chamada trilogia do cárcere, formada pelos curtas A FÁBRICA (2011), PÁTIO (2013) e A GENTE (2013).

E a prisão não é deixada de lado em PARA MINHA AMADA MORTA. Ela faz parte da vida de Salvador, um homem que já viveu uma vida de crime e que passou alguns anos atrás das grades. A relação que se estabelece entre ele e Fernando é um dos pontos altos do filme, rendendo algumas das cenas mais tensas do cinema brasileiro dos últimos anos. Além do mais, a prisão é uma espécie de metáfora do estado de espírito de Fernando, em sua busca por vingança e também por redenção – ainda que à sua maneira.

terça-feira, março 29, 2016

NOS PASSOS DO MESTRE



A onda de filmes espíritas, que começou até muito bem com obras como CHICO XAVIER e NOSSO LAR, com o tempo foi perdendo a força e cineastas sem muita inspiração começaram a liderar alguns projetos que só são vistos com bons olhos mesmo como manifestações dos ensinamentos da religião kardecista. É o caso de André Marouço, que codirigiu O FILME DOS ESPÍRITOS (2011) e dirigiu CAUSA & EFEITO (2014), possivelmente os dois piores exemplares dessa safra.

Mas, se Marouço não é bom diretor de atores e de filmes de ficção, até que não se saiu tão mal no gênero documentário com NOS PASSOS DO MESTRE (2016), que possui alguns momentos de dramaturgia, mas apenas como ilustradores da mensagem de Jesus à luz da doutrina espírita. E em uma das vezes, essa dramaturgia é interrompida para efeito de comparação da tradução segundo os espíritas da famosa oração ensinada por Jesus no Sermão da Montanha, o que não deixa de ser interessante.

Aliás, o que há de mais interessante em NOS PASSOS DO MESTRE é mostrar as passagens polêmicas, ou seja, o que o Espiritismo interpreta de maneira diferente da Bíblia, em especial o Novo Testamento, em comparação com o que é mais conhecido, através do Catolicismo e das religiões evangélicas. Discutir a questão da paternidade de José como necessidade para que Jesus seja descendente de Davi é mais do que interessante, e nisso discute-se também a questão da impureza com que o sexo é visto.

Apesar de as imagens em Israel com câmera na mão serem mal filmadas e do incômodo banner permanente do título do filme nas partes com depoimentos, é por seu teor curioso que o documentário ganha força. No começo, percebe-se um pouco de atropelamento nas partes que tratam do Antigo Testamento, dando a impressão de que faltou uma edição e roteiro melhores desenvolvidos, mas aos poucos o filme vai se formando, em especial quando chega nas partes que mais interessam: os evangelhos.

Inclusive, como bons estudiosos que são, os espíritas não renegam os evangelhos apócrifos, como os de Tomé ou de Pedro, e também citam trechos do Alcorão, o que conta pontos a favor. O que talvez conte pontos contra seja o desejo de ser uma ciência e com isso procurar explicar, diminuir ou negar certos milagres de Jesus, como o de transformar água em vinho (a água teria modificado o sabor a partir do contato com os vasos) ou o da ressurreição de Lázaro (teria sido um caso de catalepsia). Também parece faltar um melhor elo de ligação quando o filme salta para o momento em que introduz as experiências de Alan Kardec na França do século XIX.

Uma das coisas boas do filme é fazer com que nos sintamos mais humildes no sentido de que precisamos estudar mais História e religião, a fim de que certos eventos sejam melhor compreendidos, como a ascensão do Islamismo, as Cruzadas, a primeira cisão da Igreja Católica etc. No fim da contas, NOS PASSOS DO MESTRE acaba funcionando bem como um convite ao debate e à reflexão, embora não necessariamente vá trazer respostas e convicções definitivas para os espectadores não-espíritas.

segunda-feira, março 28, 2016

CONSPIRAÇÃO E PODER (Truth)



Estamos vivendo um momento em que o imediatismo e a vontade de estar sempre à frente do concorrente ou adversário supera até mesmo a ética profissional. Isso é muito comum ocorrer no jornalismo, pois conseguir chegar primeiro na notícia, obter o "furo", é tido como uma vitória e tanto. Em SPOTLIGHT – SEGREDOS REVELADOS, o vencedor do Oscar de melhor filme deste ano, vimos algo parecido, mas a diferença é que o trabalho daqueles jornalistas levou tempo e foi à fundo na matéria em questão, a fim de oferecer ao leitor um trabalho completo, responsável e respeitável.

CONSPIRAÇÃO E PODER (2015), estreia na direção do roteirista James Vanderbilt, mostra o que acontece quando a pressa para entregar uma matéria, bem como a falta de uma melhor autocrítica e maturação do objeto de pesquisa, pode acarretar. O caso, envolvendo o histórico de George W. Bush na Guarda Nacional, nem é tão interessante assim. O que importa na história é o quanto, da noite para o dia, uma das provas apresentadas passa a ser questionada primeiramente pelos blogs, e depois por outras redes de televisão.

O filme apresenta uma história real que ocorreu em 2004 no canal CBS, mais especificamente no programa 60 Minutes, apresentado, que contava com a presença de Dan Rather (Robert Redford), uma espécie de lenda nos telejornais dos Estados Unidos, tendo estando no ar desde os anos 1960. O caso apresentado no filme afetou profundamente sua carreira, bem como, também, a da produtora e principal responsável pela investigação, Mary Mapes, vivida brilhantemente por Cate Blanchett.

Há questões que podem ser levantadas inclusive à luz do nosso próprio jornalismo, embora a história apresentada no filme ajude a inocentar ou ao menos diminuir o peso que recaiu sobre as costas de Mary Mapes, por ter encabeçado uma matéria inverídica (ou ao menos sem provas de verdade), ainda que sem saber. Não indo a fundo, Mapes meteu os pés pelas mãos e acabou entregando um "jornalismo marrom".

Como vemos o filme pelo ponto de vista de Mary, é fácil entender que ela caiu numa cilada, mas também podemos perceber sua tendência em ir buscar uma informação que fosse do seu interesse, ou seja, uma informação que ajudaria a prejudicar o candidato republicano, poucos meses antes de sua reeleição. Por outro lado, sabemos que não existe jornalismo imparcial. Há sempre os jornais que tendem mais para a direita ou mais para a esquerda, mas a preocupação da rede CBS, na busca de um jornalismo sério, era a de que aquele erro fosse devidamente verificado e que alguém – e não a própria emissora – assumisse a culpa.

CONSPIRAÇÃO E PODER tem uma estrutura de filme de jornalismo tradicional, mas é um exemplar de dar gosto. Acabou sendo ofuscado por SPOTLIGHT, assim como a performance de Cate Blanchett foi ofuscada por seu próprio trabalho em CAROL. Passada a temporada do Oscar, é bom poder ver mais um filme de temática adulta entre o que é ofertado atualmente no circuito. Sem falar que um elenco desses não é todo dia que se vê, não.

E sobre a comparação com SPOTLIGHT, curioso como filmes sobre pessoas que vencem acabam tendo um apelo muito maior do que filmes sobre perdedores. Mas as histórias de perdedores merecem sim ser devidamente contadas e conhecidas.

sábado, março 26, 2016

NOVE CURTAS VISTOS NO 9º FOR RAINBOW



Nem faz tanto tempo assim, se imaginarmos que outubro já é próximo do fim do ano. Mas, na minha cabeça, é como se o 9º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual tivesse acontecido há séculos. A nossa memória nos prega truques e parece que quanto mais a gente tenta registrar nossas impressões sobre determinado filme, livro ou o que quer que seja, mais essa memória vai ficando viciada nisso. Pra que melhor exemplo do que esses tempos em que não podemos mais viver sem o Google? No futuro, acredito que teremos uma espécie de HD extra implantado no cérebro (ou na nuvem, sei lá), a fim de que possamos obter informações extras mais facilmente. Bom, mas vamos ver se sai alguma coisa a respeito desses curtas (nacionais e internacionais) dos quais me recordo tão pouco. De todo modo, vale dizer que o festival foi um belo exemplo de respeito às diferenças.

AMANHÃ (Tomorrow)

Um tanto previsível, ainda que simpático, AMANHÃ (2014), de Leandro Tadashi, tem a vantagem também de ser acessível e nada chato, embora não ofereça nada de novo nem de muito interessante. O filme nos apresenta aos amigos de longa data Clark e Trevor. Um deles sente uma atração física pelo outro e na véspera de ano novo, quando se imagina que Trevor vá dizer algo animador, ele só pede a Clark que ele saia com ele para lhe ajudar a ficar com uma garota que ele tem interesse.

1 MÊS E 2 DIAS (1 Mes y 2 Días) 

É até bem bonito, mas parece um desses filmes feitos para exibição em cerimônias de casamento, com direito a fotos de momentos especiais de um casal, no caso, formado por duas mulheres. 1 MÊS E 2 DIAS (2014), da argentina Silvana Lopa, tem o seu charme, tanto pela beleza das imagens, quanto pelo sentimento que transborda da alegria em comemorar esse tempo em que elas estão juntas.

DUDU ESTÁ SOLTEIRO 

Curioso eu ter destacado DUDU ESTÁ SOLTEIRO (2015), de Roberto Limberger, entre os melhores dos curtas que vi no festival. Talvez por ser um trabalho que é bastante carregado de (homo) sexualidade sem ter medo de passar do ponto. É um dos filmes mais explícitos no que se refere a pegações sem culpa e a cenas de sexo (ou ao menos preliminares) entre rapazes. Mostra de maneira bem humorada as aventuras sexuais de Dudu.

CHANSON D'AMOUR 

A única coisa que eu realmente gostei do filme foi de uma música que toca lá perto do final. Lembra a banda carioca Columbia. Devia ter anotado o nome para, quem sabe, conseguir ouvir agora, por exemplo. Mas é bom também o momento das duas meninas na cama, ainda que seja bem curto, dentro de uma trama fraca. Apesar do título em francês, CHANSON D'AMOUR (2015), de Renata Prado, é brasileiro. Na sinopse, Luiza se apaixona por Clara, a guitarrista da sua nova banda, e compõe uma canção de amor, mas é perseguida pelo ex-namorado de Clara.

NOTURNA 

Não consegui ver muita graça nesse curta sobre um dia na vida de uma travesti em Alagoas. Mas achei interessante a cena do telefonema. Tem que ter cota mesmo para filme sobre travestis e transexuais nesses festivais de diversidade. É uma questão política, como o curta deixa claro. NOTURNA (2014), de Nivaldo Vasconcelos, nos apresenta a uma pessoa que espera a noite, o único momento em que ela pode ser ela mesma, mesmo que nas sombras. Tem algo de bem melancólico nele.

ACORDA

Seis anos antes do longa-metragem RÂNIA (2011), Roberta Marques já ensaiava uma história sobre alguém com ânsia de ir embora da cidade, do país, enquanto também dialogava com a geografia de Fortaleza. Belo filme. Muito bom o festival ter nos dado a oportunidade de conhecer ACORDA (2005), este curta-metragem de Roberta, que dialoga tanto com sua obra posterior quanto com boa parte do público que sente essa vontade de partir.

A TROCA (Shift) 

Belíssima animação fantástica de Maria Cecilia Pugliesi e Yijun Liu, A TROCA (2015, foto) é uma produção americana sobre confrontação e autodescoberta. Somos apresentados a duas mulheres que são antagonistas. Uma é da cidade, recatada, que fica em seu lugar, com uma roupa preta de puritana, e a outra é uma mulher selvagem, que vive de maneira mais livre. Pena que dura apenas cinco minutos.

JAVAPORCO 

É daqueles filmes que precisam ser vistos mais de uma vez. Não entrei na viagem e acabei não entendendo, o que dificulta algum julgamento ou melhor apreciação. É o caso de filme pouco palpável, etéreo, e que fica ainda mais distante com o tempo. JAVAPORCO (2015), de Will Domingos e Leandro das Neves, é um filme que trabalha com a natureza, seja o canavial descrito, seja o próprio sentimento do protagonista.

ARIANAS 

O único filme cearense da mostra oficial que eu vi (acho que era o único mesmo), ARIANAS (2014), de Hylnara Anny, me pareceu problemático no modo como sua narrativa se desenvolve e se conclui, mas as ideias parecem muito boas e a realizadora tem potencial para fazer coisas mais interessantes. Gostei da busca da alegria depois da tragédia, sem, no entanto, apagar o terrível crime.

sexta-feira, março 25, 2016

BATMAN VS SUPERMAN – A ORIGEM DA JUSTIÇA (Batman v Superman – Dawn of Justice)



O trailer que contava mais ou menos o resumo da história prometia algo pavoroso. Quanto ao resumo, digamos que é isso mesmo que é mostrado no filme. Mas o que parecia ridículo, passa longe de ser em BATMAN VS SUPERMAN – A ORIGEM DA JUSTIÇA (2016), de Zack Snyder, que dá início de verdade à proposta de criação de um universo DC no cinema como a Marvel vem fazendo desde o primeiro HOMEM DE FERRO.

Mas, afinal, o que há de tão fabuloso em BATMAN VS SUPERMAN? Antes de mais nada, há todo um cuidado em tecer a trama, primeiramente contando, junto com os créditos iniciais - esses elementos tão elegantes e em falta no cinema atualmente, quando reaparecem, é uma alegria -, uma rápida origem do Batman, de modo a reintroduzi-lo nesse universo, que se inicia a partir dos eventos mostrados no último ato de O HOMEM DE AÇO (2013), também de Snyder.

Ou seja, toda aquela destruição causada durante Superman (Henry Cavill) e o kryptoniano Zod causou milhares de mortes, algo que não é contado no filme-solo do Homem de Aço, mas que aqui fornece munição para que Bruce Wayne (Ben Affleck, muito bem no papel) passe a encarar o bom alienígena como uma ameaça para a humanidade.

Ao mesmo tempo, há toda uma maquinação por parte de Lex Luthor para que os dois se confrontem, por mais que suas motivações não sejam muito claras e talvez um calcanhar de Aquiles do filme. Ainda assim, Jesse Eisenberg fornece ao vilão uma imagem até simpática de menino mimado, fugindo dos estereótipos de supervilões chatos e histéricos. Só em determinado momento sentimos raiva dele de verdade.

O filme vem seguindo uma tradição marcante da DC/Warner dos últimos anos, que é privilegiar os aspectos mais sombrios e construir histórias mais dramáticas e épicas, ao contrário da leveza das aventuras da Marvel/Disney. E isso é bem marcado logo nos créditos, quando vemos as memórias do trauma de infância de Bruce Wayne, da noite em que ele perdeu seus pais no ato vil de um assaltante em uma rua mal iluminada.

Essa característica sombria também se manifesta em seus protagonistas. Bruce Wayne, em conversa com seu mordomo e parceiro Alfred (Jeremy Irons), afirma ser mesmo um criminoso. E esse seu aspecto vilanesco fica ainda mais marcante quando do embate entre ele e Superman, uma figura que quase é também contaminada pelo ódio generalizado. "Não há como escapar da maldade" (ou algo assim), ele afirma em uma sequência, em conversa rápida com Lois Lane (Amy Adams).

E Lois, como está encantadora! Ela é tão heroína na história quanto a Mulher Maravilha (Gal Gadot, deslumbrante), apesar de ser apenas uma jornalista que por acaso é namorada do sujeito mais poderoso da Terra. Quanto à mais querida amazona dos quadrinhos, sua aparição é relativamente pequena, embora seja motivo de euforia quando ela surge para ajudar nossos heróis a enfrentar o supervilão Apocalipse – isso só é spoiler para quem não viu o trailer, veiculado à exaustão desde o ano passado. E a música-tema da Mulher Maravilha é linda, hein!

Quem tem/teve um pouco de contato com os quadrinhos nas últimas décadas sabe que Apocalipse é um monstrengo marcante na história do Homem de Aço, e não apenas por ser praticamente indestrutível. E imaginava-se que ele seria o grande estraga-prazeres de BATMAN VS SUPERMAN. Felizmente, não é bem isso que acontece. Afinal, quem já acompanhou a pancadaria de Superman contra Zod no filme anterior sabe mais ou menos o que esperar agora, sendo que no novo filme tudo é mais épico e dramático.

Há quem vá reclamar da falta de diálogos mais bem trabalhados dos personagens, mas Snyder preferiu centrar o seu filme na ação, em especial no embate entre os dois heróis. E não dá para dizer que se saiu mal por isso. Inclusive, ver o filme em IMAX 3D torna a experiência ainda mais intensa, mal dando para perceber a passagem de suas duas horas e meia de duração. (Há várias cenas filmadas com câmeras IMAX, e dá para percebê-las com a mudança frequente da janela de aspecto.)

E por mais que Superman seja essa criatura extraordinária de bondade, um deus vivendo entre os homens e o coração da história, é Bruce Wayne/Batman quem fornece o veneno necessário para que o filme deixe de ser uma simples diversão apropriada para crianças pequenas. A inspiração, inclusive no uniforme de aspecto mais sujo do Batman, é de Cavaleiro das Trevas, a graphic novel de Frank Miller. E por isso mesmo esse amargo personagem ganha contornos bem interessantes.

Talvez seja justamente o morcego de Gotham o principal trunfo de BATMAN VS SUPERMAN, embora possamos atribuir o sucesso ao conjunto: boa condução narrativa (não esqueçamos de duas sequências de sonho fantásticas), excelente elenco de apoio, promessa de uma Liga da Justiça muito interessante para os próximos filmes, uma Mulher Maravilha linda, forte e enigmática, um trabalho de direção de arte e figurinos lindos, efeitos especiais de ponta (mesmo com o CGI do Apocalipse), cenas de ação muito boas – inclusive com uma maior agilidade do Batman, em comparação com os outros filmes do personagem etc. Ao fim da sessão, quem tem cisma com o Zack Snyder pode até pensar duas vezes agora.

quarta-feira, março 23, 2016

PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE



Uma das desvantagens de ver muitos filmes num curto espaço de tempo (como aconteceu nos dias da Mostra Expectativa/Retrospectiva, no mês de janeiro) é deixar para escrever sobre esses filmes muito tempo depois, sem ter feito anotações prévias. É claro que uma overdose dessas é uma delícia para cinéfilos, mas para quem quer escrever sobre os filmes como uma extensão da apreciação fílmica, como é o meu caso, muitas vezes se vê à mercê do pouco de memória que lhe resta. Afinal, com tantos filmes vistos, muita coisa se perde na cabeça, e escrever sobre esses filmes acaba sendo um exercício mental.

Falemos então de PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE (2014), segundo longa-metragem de Daniel Aragão, que permanece inédito no circuito comercial. Trata-se de um belo trabalho, que muitas vezes me remeteu a Walter Hugo Khouri, o que só por isso já é motivo mais que suficiente para me encantar. Nem sei se foi intenção de Aragão ter esse tipo de diálogo com a obra khouriana, mas há uma intenção em lidar com um mundo urbano de pessoas ricas próprio da obra do cineasta paulista, bem como trabalhar também com aspectos psicológicos de sua protagonista, aqui vivida pela excelente Bianca Joy Porte.

O cineasta pernambucano já havia feito um trabalho bastante cuidadoso e bonito em BOA SORTE, MEU AMOR (2012), também enfatizando uma personagem feminina em estado de rebeldia com o universo ao seu redor. No caso do novo trabalho, ser rebelde é um motivo ainda mais aceitável, já que Joli (Bianca) foi internada em uma clínica psiquiátrica contra sua vontade. Uma vez que aceita fazer um tratamento fora do lugar, ela retorna para a casa de seu pai, vivido pelo excelente Zécarlos Machado, de EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DOS SEUS LINDOS LÁBIOS, de Beto Brant e Renato Ciasca.

Machado encarna o homem corrupto e mentiroso que tenta manipular a filha, que aos poucos vai lembrando da provável culpa do pai na morte de sua mãe. Nesse sentido, PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE é um suspense psicológico muito interessante, que tem uma estrutura fragmentada, formada a partir do ponto de vista perturbado e cheio de variações de humor de Joli. Engraçado quando o pai tenta colocá-la como cabeça de uma associação de combate contra o crack e ela mostra total descrédito e repulsa pelas políticas (e atitudes hipócritas) do pai em frente a uma câmera de televisão.

PROMETO UM DIA DEIXAR ESSA CIDADE é o tipo de filme que nos deixa torcendo para que seja ótimo do início ao fim. E se em algum momento ele parece ser irregular em sua condução narrativa, não tem problema. Pode ser amado mesmo assim, embora seja pouco provável que os espectadores não percebam sua excelência nos aspectos técnicos, como o som caprichado e a bela fotografia em cores saturadas.

terça-feira, março 22, 2016

ZOOTOPIA – ESSA CIDADE É O BICHO (Zootopia)



Será que é mesmo uma boa ideia os estúdios de animação da Disney começarem a se modernizar a ponto de quererem confundir seus produtos com os da Pixar? A pergunta surge quando comparamos ZOOTOPIA – ESSA CIDADE É O BICHO (2016) e o trabalho anterior da companhia (OPERAÇÃO BIG HERO, 2014) com o fenômeno popular que foi FROZEN – UMA AVENTURA CONGELANTE (2013), um retorno aos contos de fadas com princesas e canções que fizeram a fama do estúdio do Mickey.

Claro que os executivos têm todo o direito de tentar mudar e experimentar. E devem mesmo para que não fiquem presos no tempo. O problema é que até o momento essa modernização não tem tido um resultado plenamente satisfatório. O que não quer dizer que ZOOTOPIA não seja uma animação bem interessante e ousada, que brinca com os filmes policiais hollywoodianos clássicos e até mesmo com os filmes de horror da produtora de Val Lewton, em determinado momento.

Isso é bom. Por outro lado, o que dizer de um filme cuja cena mais legal seja justamente a apresentada no trailer: a que mostra a coelhinha policial Judy e o raposo malandro Nick numa espécie de DETRAN, contracenando com o Flecha, o simpático bicho-preguiça? Pena que o Flecha aparece pouco. Mas falemos dos aspectos positivos de ZOOTOPIA.

Em primeiro lugar, é louvável o trabalho da produtora em estudar os bichos que são apresentados ao longo do filme para inseri-los na trama, transformando-os em animais antropomórficos, mas sem mexer com suas dimensões. Assim, quando vemos a policial Judy em meio a um bando de rinocerontes temos a ideia de quão pequenina ela é naquele espaço de brutamontes.

A trama principal no começo parece pouco interessante – envolvendo o desaparecimento de alguns habitantes da Zootopia –, mas quando somos levados à revelação do destino dos desaparecidos é que percebemos o aspecto ousado da trama. Pena que demora um pouco para que Judy e Nick, antes inimigos, depois amigos, cheguem a descobrir o tal segredo, e isso prejudica um pouco o andamento da narrativa, dando ao filme um aspecto um tanto preguiçoso – e sem a desculpa de ter o Flecha o tempo todo, o que é ruim.

De todo modo, há outros pontos positivos em meio a esses problemas: ainda que de maneira um tanto discreta, é bom acompanhar a aproximação da dupla de protagonistas, e o modo como o filme ainda consegue pensar em torná-los até mesmo mais do que simples amigos.

Há também uma questão política curiosa envolvendo o Prefeito, que é um leão, e a Vice-Prefeita, uma ovelha. Como estamos vivendo tempos um tanto delicados do ponto de vista político, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, o filme acaba passando uma mensagem que pode causar certa identificação.

ZOOTOPIA é, por isso, um filme que merece a atenção, sim. Não é uma obra qualquer dentro da filmografia das animações dos estúdios Disney, mas também não figurará no rol dos clássicos inesquecíveis e queridos. Se bem que, se formos olhar com atenção a lista recente do estúdio, com raras exceções, faz tempo que a Disney sobrevive da glória da Pixar, com quem eles estabeleceram uma parceria desde o começo.

segunda-feira, março 21, 2016

GOSTO DE SANGUE (Blood Simple.)



Em minha breve passagem por Los Angeles, passei numa Barnes & Noble e não resisti quando vi um livrinho chamado My First Movie, editado por um sujeito chamado Stephen Lowenstein. Trata-se de um livro contendo entrevistas com 20 cineastas (21, levando em conta que os irmãos Coen são dois) falando a respeito do processo de realização de seus primeiros longas-metragens. E como gosto de começar pelo começo, a primeira entrevista é justamente com os irmãos Joel e Ethan Coen, que falam sobre o quão difícil foi materializar o seu trabalho de estreia, a obra-prima GOSTO DE SANGUE (1984).

A entrevista é muito interessante. Vemos o quanto foi difícil juntar dinheiro para poder filmar. Falam como todos ali no set eram estreantes. E também contam das dificuldades de encontrar um distribuidor. Nem as grandes empresas queriam comprar o filme, pois achavam-no B demais (muito sangrento), e as empresas de filmes B achavam o filme arthouse demais (muito classudo). E GOSTO DE SANGUE é isso mesmo. Como naquela época ainda não havia um espaço mais delimitado para filmes independentes como esse, tudo era mais difícil mesmo. A Warner, que antes rejeitou o filme, acabou querendo, depois das críticas positivas recebidas nos festivais. E depois disso, tudo ficou mais fácil para os Coens.

E por mais que seja muito gostoso ler a entrevista, bom mesmo foi rever essa maravilha, que eu só lembro de ter visto uma vez, em VHS, e de não ter embarcado muito. Fico imaginando como isso pode ter acontecido. Como deixei de apreciar uma maravilha dessas, que hoje vendo eu já encaro como o melhor trabalho dos irmãos de Mineápolis. E olha que eles têm algumas outras obras maravilhosas no currículo.

Mas é que GOSTO DE SANGUE tem algo muito especial. É um neo-noir que não tem a cara dos outros subgêneros produzidos na década de 1980. O filme dos Coens é mais sujo, tanto na fotografia, quanto no modo como os personagens se vestem e se comportam. Não há aquele neon característico da década, que até tem o seu charme, mas que atrapalharia e poderia tornar este suspense levemente datado. E felizmente não é isto que acontece aqui. O filme ficou atemporal, de certa forma.

E há a história extremamente envolvente que traz a também estreante Frances McDormand como a bela e sensual Abby, mulher de um poderoso homem de uma cidadezinha. Acontece que esse homem está sendo corneado e não está gostando nada disso. A primeira cena do filme mostra os dois amantes (ela e John Getz) em um carro, sabendo que estão em uma situação perigosa e pensando se devem seguir adiante com o relacionamento.

Uma vez que o desejo sexual dos dois é mais forte, e o marido (Dan Hedaya) já estava desconfiando do ocorrido, tudo fica ainda mais doloroso quando o detetive particular contratado chega com as fotos dos amantes na cama. O próximo passo do homem com a honra ferida seria, então, contratar o mesmo detetive inescrupuloso (vivido pelo sensacional M. Emmet Walsh) para efetuar um assassinato.

Com uma história cheia de surpresas e de momentos bem tensos, além de uma montagem acertada (que deve ter ficado melhor ainda na versão dos diretores), GOSTO DE SANGUE é um exemplar raro de filme de estreia de dois cineastas que chegaram chutando a porta com os dois pés. E isso é algo que dá gosto de ver, enquanto o nosso sangue fica também intoxicado pela tensão das cenas de suspense e violência. Dessas obras que a gente quer ver, rever e mostrar para os amigos, a fim de compartilhar nosso entusiasmo.

domingo, março 20, 2016

RESSURREIÇÃO (Risen)



Levar às telas uma história tão fantástica quanto a de Jesus, especialmente a que envolve sua ressurreição, não é fácil. Aliás, as histórias bíblicas em geral raramente têm resultado em bons e impactantes filmes ultimamente. Há cineastas que preferem um território mais realista, dando o benefício da dúvida para os céticos, como Ridley Scott, em ÊXODO – DEUSES E REIS; e há aqueles que assumem de vez o universo fantasioso e aumentam ainda mais o aspecto mitológico da história, como Darren Aronofsky, em NOÉ, um filme controverso, mas que justamente por sua coragem acabou tendo um resultado melhor como cinema.

Mas a verdade é que desde A PAIXÃO DE CRISTO, de Mel Gibson, que não tivemos mais uma obra baseada na Bíblia tão poderosa e emocionante. Em seu inspirado trabalho, Gibson não abriu mão do fantástico, do sobrenatural, da fé, embora seja um filme centrado na carne arrancada e no sangue derramado.

E eis que chegamos a RESSURREIÇÃO (2016), de Kevin Reynolds, cineasta que entrou numa espécie de lista negra depois de sofrer o repúdio da crítica e o martírio nas filmagens de WATERWORLD – O SEGREDO DAS ÁGUAS (1995), um filme que não é tão feio como pintam. Aliás, é um belo trabalho, sim. O amigo Kevin Costner, inclusive, o convidou mais recentemente para dirigir uma minissérie para a televisão e o resultado foi muito satisfatório, o western HATFIELDS & McCOYS (2012).

É na posição de cineasta decadente (na verdade, nunca teve fama de cineasta de primeiro escalão) que Reynolds chega quase anônimo na direção de uma história envolvendo um tribuno que investiga o misterioso caso da ressurreição de Jesus, a mando de Pilatos, que, por sua vez, parece se sujeitar muito às vontades de Caifás, Sumo Sacerdote judaico mencionado nos evangelhos de Mateus e João como participante no julgamento do Messias.

Joseph Fiennes interpreta Clavius, um homem que parece não estar muito a par do que esteve acontecendo nos últimos dias, quando Jesus foi julgado e condenado à morte na cruz. Ele havia chegado de uma luta contra judeus rebeldes quando Pilatos o chama para ir até o local da crucificação de Jesus. Já é fim de tarde e as últimas palavras do Nazareno haviam sido ditas, enquanto os dois ladrões que estavam ao seu lado gritavam e agonizavam de dor. O fato de Jesus ter morrido tão rápido é algo surpreendente, levando em consideração que muitos desses homens passavam até três dias para morrer. Daí a necessidade de quebrar-lhes as pernas para acelerar o processo.

Se RESSURREIÇÃO não tem o mesmo impacto violento de A PAIXÃO DE CRISTO nessa sequência, é por escolha mesmo. Ainda assim, não deixam de ser perturbadores os gritos e a cruz caindo ao chão para jogar os corpos em um buraco cheio de cadáveres. O corpo de Jesus, no entanto, conseguiu ser salvo das pernas quebradas e foi reivindicado por José de Arimateia, homem que forneceu um sepulcro de sua família para acolher o corpo do Rei dos Judeus.

Toda essa sequência é muito bem desenvolvida por Reynolds, que também consegue criar uma situação bem interessante de investigação policial nos interrogatórios que Clavius faz a algumas pessoas, depois que se descobre que o corpo de Jesus desapareceu. O problema é que em determinado ponto o cineasta parece perder a mão e o timing é prejudicado, assim como há também alguns problemas envolvendo as falas de certas pessoas que o romano entrevista.

A partir de então é ladeira abaixo, por mais que se possa achar intrigante o encontro de Clavius com Jesus ressuscitado. Mas aí é que está o grande problema: é preciso criar uma atmosfera de magia, de ainda maior suspensão da descrença, a fim de que o ceticismo de Clavius seja também perturbado e transformado em crença pelo espectador. E nisso RESSURREIÇÃO perde ainda mais suas forças e se junta a outra série de filmes bíblicos ruins que existem por aí, ainda que se beneficie de uma maior suavidade no aspecto panfletário que tem caracterizado a grande maioria das obras cristãs recentes.

sábado, março 19, 2016

ABC DA GREVE



Muito bom poder ver ou rever ABC DA GREVE, documentário dirigido em 1979 e só finalizado em 1990, depois da morte de seu diretor, Leon Hirszman, neste momento em que o país está em convulsão social. Estamos vivemos um momento extremamente agitado. E por mais que o país já tenha presenciado situações muito graves, a situação é bem singular, com polarizações extremas que apontam até mesmo para uma espécie de guerra civil.

Por isso é importante poder voltar um pouco no tempo para um momento em que Luiz Inácio Lula da Silva ainda não era nem mesmo candidato a Presidente da República (isso pode ser visto no excelente ENTREATOS, de João Moreira Salles), mas um líder sindical extremamente carismático e com uma inteligência e uma sagacidade impressionantes. Claro que ver o filme "vindo do futuro" põe tudo em uma perspectiva diferente, uma vez que já sabemos boa parte do destino desse líder que comandou uma das maiores greves desse país, nas cidades do ABC paulista, local com a maior concentração de fábricas automobilísticas do Brasil.

E o curioso é que é possível fazer um paralelo entre aquele momento e este em que estamos vivendo. Em determinada cena de ABC DA GREVE, Lula é proibido de exercer sua função de líder sindical, embora isso não impeça que ele continue agindo pelos interesses daquele povo, que já o via com muita admiração, como um verdadeiro líder na condução das manifestações, sabendo inclusive a hora de recuar. Atualmente, ele também vem sendo impossibilitado de exercer a função de Ministro da Casa Civil, e a perseguição política e midiática é ainda maior.

ABC DA GREVE foi feito com a finalidade de auxiliar a criação de outro filme: a ficção ELES NÃO USAM BLACK-TIE (1981), baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri. Hirszman, que também já tinha uma carreira muito bem-sucedida no terreno do documentário, queria muito estudar aquela movimentação política e social que mexeu com o país, ao mesmo tempo em que também fazia mais uma obra de cunho social. Em determinada cena, ele passeia pelas casas dos operários, a maioria vivendo em condições precárias, em favelas muito mais desprovidas de qualquer luxo do que as mais pobres comunidades de hoje.

Em sua maioria, esses operários eram pessoas que saíam do interior em busca de trabalho nessas indústrias. Muitos deles, nordestinos. E aprenderam política na prática, lutando por seus direitos em encontros sindicais. Não é que a esquerda brasileira já não existisse, mas naquele momento pelo menos essa esquerda tomava um posicionamento muito mais prático, sem precisar se armar de teorias comunistas para tal. Se é que eles se autodenominassem "esquerda".

Há uma sequência arrepiante. Hirszman mostra Lula se preparando psicologicamente para falar a uma multidão. Ele fuma um cigarro enquanto alguns homens montam a aparelhagem de som. É nesse momento que o diretor, usando o poeta Ferreira Gullar como narrador, apresenta brevemente Lula, nascido em Garanhuns, estado de Pernambuco, pai de três filhos, fala de quando ele começou a trabalhar como diretor de um sindicado, entre outras informações. Mas é a força das imagens em preto e branco que impera. A expectativa tensa, o momento delicado e sério depois de dez dias consecutivos de greve, e em seguida o encontro com a multidão, em um discurso claro, curto e objetivo, é um dos pontos altos desse filme histórico. Em todos os sentidos do termo.

sexta-feira, março 18, 2016

MUNDO CÃO



Uma pena que o público não esteja dando muita importância a certos lançamentos brasileiros que aportam no circuito, principalmente em cinemas de shopping. São filmes que por não terem um apelo tão popular quanto as "globochanchadas" acabam ficando invisíveis: é um semana em cartaz e rua! Parece ser o caso de MUNDO CÃO (2015), o retorno à boa forma de Marcos Jorge, melhor lembrado pelo ótimo ESTÔMAGO (2007). No novo filme, Jorge retoma a parceria com Lusa Silvestre no bem construído roteiro.

Claro que quem for ver o filme esperando algo tão bom quanto ESTÔMAGO pode ficar um pouco desapontado, mas a força de MUNDO CÃO, sua eficiência como suspense e o espetacular desempenho dos atores são inegáveis. Outra coisa: como o filme traz algumas surpresas em sua trama, é importante que não vazem spoilers por aí, para não estragar a experiência do espectador.

O filme começa nos apresentando a Nenê, também conhecido como Paulinho, personagem de Lázaro Ramos. Nenê é um sociopata que agencia uma dessas máquinas eletrônicas de bingo de bar e que usa seus cachorros adestrados para meter medo em quem ele quer. E é por causa do que acontece com um de seus cães que Nenê acaba perpetrando uma vingança em um empregado de uma empresa que presta serviços de laçador no Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo, o Santana, vivido por Babu Santana. Nenê chega ao local poucos minutos antes que um de seus cães, capturado pela carrocinha, acabou de ser sacrificado.

Também somos apresentados à família de Santana, um homem simples casado com Dilza (Adriana Esteves), uma mulher evangélica que confecciona calcinhas para ajudar nas despesas da casa e que cuida de dois filhos, uma moça surda-muda e um garotinho que quer torcer pelo Palmeiras, para tristeza do pai, que é Corinthians de coração. Toda a família acabará sendo prejudicada pelo encontro fatídico entre Nenê e Santana. Saber isso da trama já é mais do que suficiente. Ah, e quanto ao fato de ela ser evangélica, MUNDO CÃO é mais um filme que toma a liberdade de mostrar esse povo de maneira caricata.

A construção do personagem de Lázaro Ramos é um dos pontos altos do filme, que em alguns momentos beira o grotesco, mas de vez em quando é possível perceber alguns tons de cinza no personagem, principalmente nos momentos em que ele contracena com o garotinho, o que permite que ele saia de uma posição meramente de antagonista. A moça que faz Isaura (Thainá Duarte) também vai ganhando força ao longo da narrativa.

No fim, fica a impressão de que o filme poderia ser melhor, apesar de haver pelo menos dois momentos que nos deixam paralisados. Mas fica também a certeza de que vimos um trabalho eficiente, redondo, até em pequenos detalhes que servirão para a conclusão da trama, o que dá a entender que se trata de uma obra que segue a cartilha convencional do roteiro. Seria, portanto, um belo filme de estrutura clássica, sem a menor intenção de cruzar essa fronteira.

quarta-feira, março 16, 2016

DO QUE VEM ANTES (Mula Sa Kung Ano Ang Noon)



31 de janeiro de 2016 foi um dia histórico para este cinéfilo aqui. No final do ano passado já havia experienciado a força e a duração de uma obra de Lav Diaz, com o maravilhoso NORTE, O FIM DA HISTÓRIA (2013) e suas gloriosas 4h10min de duração. Ver NORTE acabou sendo um ensaio para o que viria em seguida, quando o pessoal da organização da Mostra Cinema em Transe exibiu DO QUE VEM ANTES (2014), o trabalho seguinte do genial cineasta filipino, que conta com 5h30min de duração.

Podemos até deixar de lado essa questão da duração dos trabalhos do diretor, mas sabemos o quanto isso vem sempre à tona, até pela dificuldade de encaixar o filme em uma grade. Afinal, um filme como DO QUE VEM ANTES ocupa o espaço de três de duração normal. Exibir os filmes de Diaz é, portanto, um exemplo de coragem por parte de seus exibidores, e por isso eles acabem restritos a poucas praças do país. O que é uma pena, pois isso faz com que muitos interessados deixem de ter a experiência extraordinária de ver esses trabalhos na tela grande.

E, diferente do maior diálogo com o cinema ocidental que NORTE, O FIM DA HISTÓRIA apresenta, DO QUE VEM ANTES é mais desafiador, já que está bastante conectado com a história política das Filipinas. Inclusive, o filme se passa no início da década de 1970, quando o ditador Ferdinand Marcos estava no poder – seu governo durou de 1965 a 1986. E o que o filme mostra é o país vivendo esse momento de terror, através do que acontece com os moradores de um pequeno vilarejo litorâneo.

É lá que uma mulher deixa com frequência oferendas a uma deusa do mar, acreditando que ela pode lhe ajudar com a filha com deficiência mental. Como país pobre que é, as oferendas são roubadas por outros dois personagens. Além do mais, o padre não gosta nada desse tipo de crença alternativa, muito menos do que é mostrado no início do filme, uma espécie de ritual pagão (levando em consideração não ser de origem cristã).

Como Diaz opta pelos tempos longos, a história vai sendo construída aos poucos, mas há sim uma narrativa relativamente clássica por trás desse formato com mais respiros, embora a palavra "respiro" passe longe de ser usada para descrever qualquer momento que supostamente possa ser encarado como alívio para o espectador, já que tudo é muito sofrido na vida dos personagens.

Há uma cena excepcionalmente impactante, que é o choro dolorido de uma mãe diante da morte de uma criança. Lembro que, durante a sessão, havia pessoas que se sensibilizaram tanto com a cena que choraram bastante também. Diaz passa muita verdade nesta cena. E há o caso também do homem que é acusado de matar as vacas do patrão, e por isso acaba por perder o seu emprego.

Depois de mais de três horas de duração, entra em cena o exército e vemos a imposição da Lei Marcial e tornando aquele ambiente ainda mais hostil, até chegar o ponto em que vai se tornando uma cidade fantasma. E esse é um aspecto fantástico de uma história que, até por ter uma fotografia em preto e branco, parece imprimir sempre a impressão de que estamos vendo algo mais próximo de um registro documental, ainda que vez ou outra o filme entre num território do melodrama.

Nesse filme sobre crenças, mentiras, maldade, mistério, abuso sexual e crueldade, o mais celebrado cineasta filipino da atualidade mostra o quanto seus trabalhos possuem uma força descomunal, a ponto de não querermos nos distanciar desse universo. O circuito seria bem mais abençoado se nos oferecessem mais oportunidades como essa para que o público, ainda que muito restrito e corajoso, pudesse entrar em contato com um trabalho tão especial como esse, que ganha ainda mais força na tela grande do cinema.

segunda-feira, março 14, 2016

TRÊS FILMES VISTOS NA MOSTRA EDDIE SAETA



Recentemente a turma responsável pela Mostra Cinema em Transe trouxe mais uma leva de filmes bem interessantes, desta vez centrado na produtora espanhola Eddie Saeta, que se caracteriza por investir em filmes de alto risco comercial e de alto potencial artístico. Os três que eu pude ver foram os listados abaixo.

O MORTO E SER FELIZ (El Muerto y Ser Feliz)

Em O MORTO E SER FELIZ (2012), um homem espanhol que vive na Argentina passa seus últimos dias de vida à base de morfina, cedida por uma enfermeira amiga. Acompanhamos sua luta contra o câncer até com bom humor, apesar do tom trágico de sua trajetória em um road movie que ganha força quando entra em cena uma mulher sem rumo que pede carona ao protagonista e o acompanha em sua jornada. Entre dor e um pouco de prazer, o filme de Javier Rebollo traz beleza para essa história contada com o auxílio de uma paleta de cores suja e que penetra em regiões bem diferentes do interior da Argentina.

A SELVA INTERIOR (La Jungla Interior)

O meu favorito dos três, A SELVA INTERIOR (2013, foto), de Juan Barrero, tem uma beleza impressionante. É desses filmes que crescem muito à medida que pensamos nele. Há uma semelhança temática e formal com OLMO E A GAIVOTA, mas o filme de Barrero conseguiu me conquistar ainda mais. Isso porque é uma obra que vai mais fundo na exploração da transformação do corpo da mulher durante a gravidez. Na trama, um cientista faz uma viagem para uma floresta no Pacífico e deixa a namorada em casa. Apesar de ele não desejar um filho, ela dá um jeitinho de encomendar. Sensacional a sequência do parto e também os momentos particularmente estranhos que lidam com a metáfora do corpo feminino como uma selva.

HONRA DOS CAVALEIROS (Honor de Cavalleria)

Hoje um cineasta consagrado, Albert Serra, na época de HONRA DOS CAVALEIROS (2006) era quase um anônimo. Recebeu apoio da Eddie Saeta para compor o seu econômico (no sentido financeiro, principalmente) retrato do clássico de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha. Não é todo mundo que embarca na viagem. Aliás, é bom já ir esperando uma narrativa em que nada parece mesmo acontecer. Em determinado momento, alguém pergunta ao triste Sancho se ele teve muitas aventuras com o velho louco que ele segue já há algum tempo. Ele diz que sim. Mas é o oposto do que a gente chama de aventura o que nos é apresentado. É um filme no mínimo curioso justamente por isso.

domingo, março 13, 2016

A SÉRIE DIVERGENTE – CONVERGENTE (The Divergent Series – Allegiant)



Uma das características da série Divergente é que é a mais regular dessas franquias juvenis contemporâneas. Regular, tanto no sentido de manter a mesma qualidade a cada novo filme, e regular também no sentido de não conseguir ser suficientemente boa. A SÉRIE DIVERGENTE – CONVERGENTE (2016), dirigido pelo mesmo Robert Schwentke do segundo capítulo, não foge à regra, embora muitos estejam dizendo se tratar do pior da franquia até o momento.

É possível que com a mudança de direção – Schwentke saiu depois de uma discussão com a produção – a série termine melhor. Mas aí já não será tarde demais, levando em consideração que já será o quarto filme? De todo modo, o próximo diretor será Lee Toland Krieger, de filmes interessantes como CELESTE E JESSE PARA SEMPRE e A INCRÍVEL HISTÓRIA DE ADALINE. Mas falemos desse terceiro exemplar da série.

Uma das vantagens do terceiro filme é que pode ser visto tranquilamente por quem nunca viu nenhum dos outros justamente por não se focar muito naquela história toda das facções, da separação da população de Chicago em diferentes grupos organizados conforme suas capacidades ou dons. Isso é praticamente deixado de lado. CONVERGENTE começa no meio de uma ação importante: o julgamento e execução daqueles considerados inimigos da nova ordem.

Como o irmão de Tris (Shailene Woodley), Caleb, vivido por Ansel Egort, está preso e prestes a ter o mesmo fim dos demais, por tê-la traído, a série arranja um jeito de tirá-lo de lá e fazê-lo juntar-se ao grupo de jovens que atravessarão o muro para descobrir o que existe, embora a nova líder, Evelyn (Naomi Watts), tente impedi-los com seus soldados.

Nesse sentido, o filme se aproxima da alegoria da caverna de Platão, mas também de outro filme de uma franquia concorrente, MAZE RUNNER – PROVA DE FOGO, um exemplar, aliás, muito mais eficiente na construção da ação e do modo intrigante como apresenta o novo mundo para os personagens. Aqui o que vemos é uma tentativa de conquistar o espectador com uma arquitetura moderna e futurista que o dinheiro e os efeitos especiais de ponta podem comprar, mas que a direção deixa a desejar, pois a apresentação daquele novo mundo em nenhum momento causa encantamento ou mesmo temor.

E como o próprio trailer já apresentava uma cena em que Tris dizia para seus companheiros que eles deveriam fugir, desde o começo já sabemos que aquele novo ambiente se trata de uma cilada. Lá ficamos sabendo que Tris é a única pura (seja lá o que isso quer dizer, apesar de eles tentarem explicar) e merecedora de estar naquele lugar de elite. E ela quase cai no conto do chefão David, vivido por Jeff Daniels, mas logo os planos frágeis dos inimigos serão descobertos, primeiramente por Quatro (Theo James), o homem de ação e par romântico de Tris.

CONVERGENTE se torna ainda mais frágil em sua conclusão, com a incapacidade da direção em construir eficientes sequências de ação. Junte-se isso ao fato de que os diálogos são bem ruins e muito apegados a chavões como "não separem as pessoas" etc., além de os personagens serem mal desenvolvidos.

O resultado é um filme que parece ter uma duração maior do que a que tem por problemas de ritmo. E nem podemos botar a culpa no fato de que dividiram o terceiro romance em dois filmes a fim de capitalizar mais, já que o mesmo problema já acontece desde os primeiros filmes. Enfim, pelo menos está terminando a franquia. A curiosidade quanto ao quarto volume é saber se haverá alguma diferença positiva com a entrada do novo diretor.

sábado, março 12, 2016

PALÁCIO DE VÊNUS



Vamos combinar: um filme que conta no elenco com Helena Ramos, Matilde Mastrangi e Neide Ribeiro e ainda é escrito e dirigido por Ody Fraga não tem como ser ruim. Até por Fraga ser um ótimo roteirista de histórias eróticas, um provocador dos costumes sociais e também ter um excelente senso de humor – que o diga o antológico SENTA NO MEU QUE EU ENTRO NA TUA (1985), um de seus poucos filmes com conteúdo explícito, na época da decadência da Boca do Lixo.

PALÁCIO DE VÊNUS (1980) é de uma fase áurea do diretor e roteirista. Foi lançado um ano antes do ótimo A FÊMEA DO MAR (1981) e no mesmo ano de A NOITE DAS TARAS (1980). Com relação ao título, além do fato de a história se passar em um bordel de luxo, não há muitas semelhanças com o fino O PALÁCIO DOS ANJOS, de Walter Hugo Khouri. Fraga não é tão sofisticado assim. Mas sabe muito bem construir momentos eróticos memoráveis e valorizar o rico elenco feminino que tem.

A história, como já dito, se passa em um prostíbulo de luxo, e lá somos apresentados a algumas moças que trabalham para atender da melhor maneira possível os seus clientes. O legal é que cada uma delas tem um estilo diferente: Helena Ramos é a religiosa, ela tenta convencer as colegas que o que estão fazendo é pecado, mas ao mesmo tempo não consegue sair dali; Matilde Mastrangi é a mulher prática, que até tem um noivo que tem planos de usar o dinheiro dela para aplicar em projetos futuros; já Neide Ribeiro é a que gosta de confusão, a que clama as demais para uma greve de sexo justo numa noite dedicada a executivos.

Há também uma jovem que usa o físico de adolescente para se passar por colegial; a charmosa dona do bordel (vivida por Elizabeth Hartmann); e uma espécie de intrusa: a filha da mais antiga prostituta do lugar. Todas elas têm momentos de brilho na narrativa. E esses momentos envolvem desde um golden shower até uma sensacional cena de sexo em que uma família inteira (pai, mãe, filho e filha) chegam ao lugar em busca de diversão. É provavelmente a cena mais erótica do filme, lidando com tabus, fetiches e sexo grupal.

Alguns momentos são particularmente belos em sua composição, como a cena de Helena Ramos fazendo sexo com um sacristão e usando um sino. Aliás, é a cena que é usada para ilustrar o belo cartaz desenhado. A cena do sorteio de uma virgem também é um dos pontos altos, não apenas do ponto de vista erótico, mas também dramático da história.

Enfim, PALÁCIO DE VÊNUS é um belo trabalho sem grandes pretensões de grande arte, mas que é muito bem feito na costura das subtramas, da construção das personagens arquetípicas, e que é muito mais excitante do que muito pornô que é feito hoje em dia, embora não deva ser visto como tal, se a intenção é mesmo ver, sem segundas intenções, um bom filme dos tempos áureos da Boca.

sexta-feira, março 11, 2016

BOA NOITE, MAMÃE (Ich Seh Ich Seh)



Estamos em um momento particularmente interessante, em que certos filmes de horror que conquistaram boa parte do público e da crítica mundo afora e que fogem dos estereótipos mais tradicionais do gênero começam a aparecer em nosso circuito. No caso do austríaco BOA NOITE, MAMÃE (2014), o hype não se limitou à internet (como é comum acontecer) ou ao moribundo mercado de home video, mas teve como consequência uma distribuição, ainda que restrita, nos cinemas brasileiros.

O filme da dupla Severin Fiala e Veronika Franz tem dividido a crítica, mas como se trata de uma obra com um brilho próprio, é importante que seja visto, não interessando se vai agradar ou não às plateias. A recepção e o prazer ou o incômodo que proporciona a cada pessoa é diferente. Alguns espectadores, por exemplo, já sacam logo de cara um dos segredos do filme. E isso até pode ser considerado um problema, já que supostamente seria algo a ser uma surpresa no final.

De todo modo, o que conta mesmo é o clima tenso que se cria na relação entre os dois meninos gêmeos de nove anos de idade e a mulher que talvez não seja a mãe deles, que chega com o rosto enfaixado de uma cirurgia plástica. Como ela se comporta de maneira diferente e também um tanto cruel com as crianças, os meninos Lukas e Elias começam a suspeitar de que se trata de outra pessoa.

Um dos problemas do filme é o andamento um pouco arrastado e repetitivo da primeira metade da narrativa, quando as crianças são mostradas como vítimas. A partir do momento da virada, porém, BOA NOITE, MAMÃE ganha contornos mais interessantes, mas também mais explícitos nas cenas de violência e tortura, aproximando o filme do hoje mal visto subgênero torture porn. Mas acabo vendo isso como a salvação da lavoura, o modo como a obra explode em sangue e tensão.

Depois do final (um tanto precipitado, eu diria), restam também algumas perguntas, o que pode mostrar o filme tanto como um bom exemplar de cinema enigmático, como também como uma obra que possui alguns furos ou algo parecido. Por exemplo: o que é aquele túmulo cheio de ossos humanos em que os meninos encontraram um gato? Entrou na história apenas como um elemento gótico, por assim dizer? Também ficamos sem saber direito detalhes do acidente, mas provavelmente isso não é importante.

É bom que certas coisas permaneçam sem explicação, como a obsessão dos meninos por baratas, que ao menos serve como elemento de repulsa e gera alguns bons momentos, ou o aspecto mais sombrio de um dos gêmeos, em comparação com o outro. No mais, é um filme que cresce à medida que pensamos nele, mas não tanto a ponto de figurar entre os melhores exemplares do gênero dos últimos anos.

quinta-feira, março 10, 2016

TRÊS FILMES RUINS



Vamos lá. Sem muito tempo, pois a vida é curta, vamos logo matar três filmes com uma só marretada. São dois americanos e um brasileiro. Os três têm o seu grau e sua própria especificidade em matéria de ruindade, como veremos abaixo.

A 5ª ONDA (The 5th Wave)

Com essa onda de aventuras de ficção científica juvenis apresentando futuros distópicos, chegou mais este A 5ª ONDA (2016), de J Blakeson, da produção britânica O DESAPARECIMENTO DE ALICE CRED (2009), que pouca gente viu, inclusive eu. De toda forma, o filme britânico parece curioso e provavelmente foi o cartão de visitas do diretor para Hollywood. E lá eles gastaram cerca de 40 milhões com a produção da história de uma garota adolescente vivendo em um mundo dominado por alienígenas que já destruíram grande parte da população mundial e que hoje vivem entre nós. O filme é tão ruim que com 15 minutos a gente já está pedindo a Deus para que ele acabe logo. Mas dá até pra ficar bem se formos brincar de pensar que escolhas o roteirista poderia ter feito para que o filme ficasse menos ruim. Chloë Grace Moretz não teve a mesma sorte de suas colegas Jennifer Lawrence e Shailene Woodley.

UM HOMEM ENTRE GIGANTES (Concussion)

Eis um exemplo de filme que, além de muito ruim em sua construção dramática, é cheio de bobagens patrióticas que chegam a dar raiva no espectador. Em certo momento de UM HOMEM ENTRE GIGANTES (2015), alguém questiona a capacidade de determinado advogado porque ele se formou em Guadalajara, no México. O protagonista, o médico vivido por Will Smith, se sente um peixe fora d’água na Terra do Tio Sam, mas não quer largar o osso, pois ali é o lugar mais perfeito do mundo. E quando querem matar a jararaca, ou seja, a Liga de Futebol Americano, por causa dos problemas de saúde que provocam, trazem um discurso final que só serve para louvar a beleza desse esporte. Will Smith com cara de cachorro com fome já não engana mais ninguém e deveria voltar a fazer filmes de ação mesmo. Ou buscar trabalhar com diretores melhores. Esse Peter Landesman é ruim de doer.

APAIXONADOS - O FILME

É tanto filme brasileiro agora com o subtítulo "O Filme" que até fica parecendo uma piada. Mas tudo bem. Isso é só um detalhe. APAIXONADOS – O FILME (2016), de Paulo Fontenelle, é um caso bem clássico de comédia romântica brasileira que procura imitar a estrutura da comédia clássica tradicional hollywoodiana e inclui um tempero brasileiro saído de programas tipo Zorra Total – caso, principalmente, da história envolvendo o gringo assediado por duas mulheres. A história que ainda poderia render era a inicial, a que traz a porta-bandeira vivida por Nanda Costa, o que só faz nos lembrar o quanto ela poderia ser melhor aproveitada, quando pensamos nela em FEBRE DO RATO, de Cláudio Assis. A história dela com o médico deixa até muita gente interessada, pelos desencontros que acontecem, mas é praticamente inexistente, justamente por isso. E a história do rapaz rico e da moça pobre acaba sendo a mais interessante, mas também é só um fiapo. Até poderia ser visto como um trabalho simpático, quando se está de bom humor, mas é claramente uma perda de tempo que poderia muito bem ser exibida como um especial da Rede Globo e não nos importunar o circuito.

quarta-feira, março 09, 2016

WHITE GOD (Fehér Isten)



Apesar de ser também uma fábula sobre o racismo e a imigração, WHITE GOD (2014), de Kornél Mundruczó, funciona que é uma beleza como um envolvente misto de drama e horror envolvendo a maldade de uma sociedade em relação aos cães, especialmente aqueles que não são de raça. E é curioso o quanto é um filme que engana quem acha que vai encontrar apenas mais uma história sobre cão desaparecido passando por várias aventuras, como aqueles que costumavam passar na Sessão da Tarde. Aqui o bicho pega mesmo. Nos dois sentidos do termo.

O filme acompanha a jornada dura de Lili (Zsófia Psotta), que é deixada para passar três meses com o pai, com quem ela não tem muita intimidade. Como ela leva o cachorro consigo, começa a enfrentar uma série de dificuldades de aceitação: não é permitido cachorros no condomínio e no dia seguinte eles acordam com um fiscal da prefeitura informando que é preciso pagar uma taxa para mantê-lo, coisa que o pai não quer fazer de jeito nenhum. Para ele, o mais fácil é largar o cão em algum lugar. E é o que ele faz, para desespero de Lili.

E é tão fácil para o espectador se sentir nos sapatos da garota e também nas patas do cachorro naquele momento. E só em ter conseguido essa façanha, Mundruczó já merece o nosso respeito. Mas há muito mais por aí. Inclusive, cenas bem barra-pesada, que fazem alguns espectadores saírem antes de terminar a sessão, por não aguentarem ver os maus tratos, mesmo que eles não sejam mostrados de maneira explícita, embora bastante perturbadoras.

Assim, o filme segue durante um bom tempo em duas narrativas paralelas que se complementam: a de Hagen, o cão mestiço, tentando sobreviver a essa situação, encontrando, inclusive, outros cãezinhos que levam a vida fugindo da carrocinha e até mesmo de pessoas com intenções piores; e a de Lili, procurando pelo seu amiguinho e ao mesmo tempo também tentando levar uma vida mais ou menos normal, tocando em uma orquestra e experimentando também a maldade de jovens da sua idade.

Assisti WHITE GOD ao lado de um dos mais entusiastas e veteranos cinéfilos da cidade, Wilson Balthazar. E foi muito divertido vê-lo empolgado feito um garoto sempre que Hagen conseguia ir à forra na hora de se vingar de quem lhe fez mal. Mas ao mesmo tempo, não há como não sentir um gosto amargo na boca ao ver a transformação do animal de manso e adorável em uma máquina selvagem de matar. E nisso, o filme encontra similaridades com CÃO BRANCO, de Samuel Fuller, que também trata de racismo, mas de maneira menos alegórica.

Já Mundruczó, trata-se de um exemplo de cineasta que consegue criar imagens de uma beleza rara. E antecipa ao expectador logo no começo do filme, uma das mais impactantes sequências, quando vemos Lili andando de bicicleta em uma cidade abandonada e sendo perseguida por uma orda de cães de todas as raças e cores. A cena é impressionante e parece saída de um sonho. Mas adiante saberemos que essa sequência faz parte da trama deste filme que une a beleza e a agressividade de maneira extraordinária.

segunda-feira, março 07, 2016

MEU AMIGO HINDU (My Friend Hindu)



Asssitindo MEU AMIGO HINDU (2015) nos perguntamos o que aconteceu com Hector Babenco, aquele cineasta fantástico que já nos brindou com obras, brasileiras e internacionais, sempre muito inspiradas e com conteúdo relevante e rico? Isso porque a tão aguardada obra pessoal em que o cineasta lida com a sua experiência de quase morte na luta contra a leucemia acabou se tornando uma mancha em sua carreira. Claro que não deixa de ser curioso, já que, apesar de ser um filme cheio de falhas, é um trabalho feita por um cineasta talentoso e de muita experiência fílmica.

Mas o fato é que MEU AMIGO HINDU é uma obra cuja curiosidade está mais para o terreno do mórbido. Não porque trata de um filme sobre câncer - nem chega a ser um bom filme sobre câncer, na verdade -, mas porque há tantas sequências constrangedoras que é como se estivéssemos assistindo ao declínio de um cineasta. Por mais que saibamos que as filmagens foram conturbadas e o projeto todo teve que ser reencenado em inglês depois da entrada de Willem Dafoe como protagonista, essa estranheza mostra o quanto uma língua estranha contribui para criar um certo incômodo no filme. E por incômodo não nos referimos aqui ao bom sentido do termo.

No começo até parece curioso ver aquele monte de gente de rosto conhecido do cinema e da televisão brasileiros contracenando em inglês com um grande ator como Dafoe, mas depois que isso passa nos resta a vergonha de estar vendo uma obra que também tem um monte de problemas de ritmo. Como se Babenco, ao estar de saco cheio de tanto ter obras suas barradas em editais e não conseguir filmar nada desde O PASSADO (2007), acabou por abandonar o gosto pela condução narrativa.

Claro que aqui e ali vemos belas sequências encenadas de maneira muito bonitas e Dafoe, particularmente, está relativamente bem no papel, mas isso é pouco para o diretor de PIXOTE - A LEI DO MAIS FRACO (1981), BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR (1991) e CORAÇÃO ILUMINADO (1998). Aliás, CORAÇÃO ILUMINADO já servia muito bem como o filme que lidava com a sombra da morte, depois de o cineasta ter passado pelo que passou na luta contra a doença.

Aí ele vem e faz um filme chamado MEU AMIGO HINDU, cujo título mal se justifica dentro do conteúdo geral da obra, já que esse pequeno personagem, além de pouco aparecer na história, não tem uma contribuição afetiva quando aparece, nem quando o cineasta procura resgatá-lo para concluir sua história semiautobiográfica.

Mas isso é o de menos quando vemos uma cena tão equivocada, para usar de eufemismo, como a cena da dança na chuva da personagem de Bárbara Paz. Isso, levando em consideração que estamos falando de uma cena relativamente longa com uma mulher nua dançando, e que deveria ser  um dos pontos altos de qualquer filme. Será que se fosse com outra atriz a coisa funcionaria melhor? Bárbara não é das mais talentosas. E mais: o que é aquela citação horrível de O SÉTIMO SELO, de Bergman, com o Selton Mello fazendo o papel da morte e tentando criar um diálogo espirituoso e não conseguindo um resultado minimamente satisfatório?

Por outro lado, Maria Fernanda Cândido consegue passar uma dignidade em sua personagem que chega a ser admirável diante de tantos momentos embarassosos.Suas cenas íntimas com Dafoe acabam sendo os pontos altos do filme. Ao final, ficam as curiosidades sobre o que é biográfico e o que é fictício. Mas talvez isso não seja importante, já que o próprio cineasta tratou de afirmar que muito do filme é invenção. Talvez para resguardar a própria privacidade

sábado, março 05, 2016

MIA MADRE



Que o cinema italiano anda mal das pernas (em comparação com seu passado glorioso), isso a gente percebe já faz mais de uma ou duas décadas. Claro que há algumas exceções vez ou outra, e entre elas está o trabalho de Nanni Moretti, que com uma sensibilidade toda especial sabe tratar de assuntos tão pessoais e ao mesmo tempo tão universais, como questões políticas e familiares.

A questão política passa um pouco de leve em MIA MADRE (2015), mas as questões afetivas estão presentes com muita força na história de uma cineasta que precisa lidar com a rotina difícil de sua profissão em um momento particularmente complicado de sua vida, quando está passando por uma separação, e principalmente por ver a vida de sua mãe se esvaindo aos poucos, internada em um hospital.

Moretti já havia tratado a questão da perda de maneira até mais devastadora em O QUARTO DO FILHO (2001), e por isso é muito bom que ele não tenha se repetido e tenha abordado a perda de outro ente querido de forma um pouco mais distante – aqui, a protagonista é Margherita Buy e não o próprio cineasta, que interpreta um coadjuvante, o irmão da cineasta Margherita (Moretti deu à personagem o mesmo nome da atriz) .

MIA MADRE é autobiográfico. O cineasta escreveu o roteiro enquanto sua mãe estava doente e ele filmava HABEMUS PAPAM (2011). E foi um acerto e tanto ele oferecer o papel principal para uma atriz que trabalhou com ele em seus dois trabalhos anteriores e manter uma relativa distância. O seu personagem, o irmão companheiro Giovanni, talvez represente aquilo que ele gostaria de ter sido durante os últimos dias de vida da mãe: alguém que largou o emprego para ficar com ela.

Por isso MIA MADRE é também implacável, ainda que de maneira muito gentil, consigo mesmo, ou seja, com a protagonista, que é alguém que não dá a devida atenção às pessoas próximas a ela, embora a gente não consiga, ao longo do filme, também perceber isso. Afinal, é muita coisa para essa personagem processar e o ar sereno de Margherita passa sempre a impressão de que estamos vendo alguém quase isento de culpas.

O estado de confusão mental da protagonista durante esse período também é muito bem explorado por Moretti. Muitas vezes não sabemos o que é sonho e o que é realidade, como na cena em que o apartamento de Margherita fica cheio de água, como simbolizasse um transbordar de emoções que ela não está mais conseguindo lidar. Mas tudo é muito bem conduzido e o filme flui como um belo e tranquilo rio. A presença de uma canção do Leonard Cohen ("Famous blue raincoat") em uma dessas cenas de sonho da protagonista é especialmente bela.

E o final é tão delicadamente lindo, prestando tributo à personagem do título, que faz com que queiramos que todo o filme seja assim, embora em nenhum momento da projeção fiquemos aborrecidos. Ao contrário, é tudo muito gostoso de ver, desde a relação conturbada da diretora Margherita com um ator americano (John Turturro), passando pelas visitas ao hospital para ver a mãe e o relacionamento distante com a filha adolescente. MIA MADRE é dessas obras cheias de tanto amor e mansidão, que Moretti parece feito para perdoar a si mesmo. E isso faz muito bem ao coração do espectador, também.

sexta-feira, março 04, 2016

A BRUXA (The Witch: A New-England Folktale)



O que tem gerado tanta louvação em torno de A BRUXA (2015), longa-metragem de estreia de Robert Eggers, é justamente o fato de ser um filme de horror que, além de ter uma condução intrigante e muitas vezes aterrorizante, não se propõe à vulgarização dos sustos que costuma ocorrer na grande maioria dos filmes do gênero, principalmente os que conseguem chegar ao nosso circuito, já que muita coisa boa acaba ficando invisível e é necessário procurar por outros meios.

O filme se passa na Nova Inglaterra, nos anos 1630, algumas décadas antes do episódio terrível de Salem, que condenou 14 mulheres à morte por bruxaria, por causa de uma histeria coletiva gerada pela ignorância e o medo do desconhecido. E nesse sentido, A BRUXA também segue na contramão da maioria dos filmes do gênero, que são mais cristãos. Nesse sentido, o filme estaria mais próximo da tradição de O HOMEM DE PALHA, de Robin Hardy, do que de O EXORCISTA, de William Friedkin.

No filme de Eggers, nota-se uma saudável crítica a essa ideia de que nascemos com pecado e mostra o quanto isso mexe com a cabeça das pessoas, deixando-as à mercê de um sentimento de culpa que dilacera-lhes a alma. E por isso o filme pode ser taxado de satanista, pelo viés mais libertador que talvez pregue, ainda que de maneira relativamente sutil. Ao mesmo tempo, é possível ver o filme também como uma armadilha do diabo para destruir uma família, aproveitando-se da dúvida e da fragilidade humana em geral.

Na trama, essa família de ingleses puritanos que se muda para um lugar bonito e verde em frente a uma floresta por causa de uma divergência de ordem dogmática do grupo em que se congrega passa a ser alvo dos ataques de uma força estranha vinda dessa floresta. A tragédia começa a partir do desaparecimento do bebê, enquanto a filha mais velha da família, Thomasin (a bela Anya Taylor-Joy, excelente), brincava com a criança.

E o filme não esconde muito o fato de que existe uma bruxa, de que a criança foi mesmo sequestrada por ela. Mas o pouco que é mostrado dessa misteriosa mulher é suficiente para causar um clima macabro inicial impressionante, e que só cresce à medida que a história avança e o ataque à família aumenta.

Há uma tradição do cinema de horror em usar crianças em cenas particularmente perturbadoras. E A BRUXA não foge à regra. As duas crianças gêmeas que cantam e pulam alegremente, mesmo diante de uma tragédia familiar, costumam brincar com um bode preto. O bode, esse animal que costuma ser associado à figura do diabo em muitos filmes e livros. E sabemos que isso não é invenção do cinema ou mesmo da literatura.

O que é admirável nesse trabalho de Eggers é o quanto ele investe no macabro dessas associações satânicas para construir uma história sobre bruxaria e possessão, cheio de mistério e momentos sinistros, juntando-se a isso a paranoia que nasce a partir da ideia de que a jovem Thomasin teria feito um pacto demoníaco.

Além do excelente trabalho de condução dessa atmosfera, A BRUXA ainda tem o mérito de ser transgressor, já que a nossa simpatia inicial a essa família vai sendo diminuída à medida que somos apresentados ao modo como o patriarca e a esposa trazem esse pesado fardo aos jovens. Mas é sempre bom dizer que, embora a história seja muito boa, a direção (premiada em Sundance) e o modo como a trama é contada – lenta, mas com planos curtos e minimalistas – é que fazem a diferença nessa obra cuja beleza está tão associada ao tétrico.

quinta-feira, março 03, 2016

O HOMEM QUE CAIU NA TERRA (The Man Who Fell to Earth)



Um dos maiores artistas do século XX (e XXI) deixou o nosso plano no dia 10 de janeiro deste ano. Foi um impacto e tanto para os admiradores do trabalho de David Bowie, que durante cinco décadas permaneceu relevante e trazendo sempre novidade e frescor a cada novo álbum, embora possa se verificar, o que é normal, alguma irregularidade na discografia. Mas embora saibamos que sua maior contribuição foi na música, Bowie foi também um artista muito ligado ao cinema. O artista sempre deu muita importância ao aspecto visual, antecipando o que viria a ser uma tendência muito forte a partir dos anos 1980, quando os videoclipes se popularizaram.

Embora ele seja bastante lembrado por seus papéis em FOME DE VIVER (1983), FURYO - EM NOME DA HONRA (1983), LABIRINTO - A MAGIA DO TEMPO (1986), A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO (1988) e em TWIN PEAKS - OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER (1992), sua estreia como ator no cinema foi bastante representativa do que ele mesmo incorporava em personagens que ele criava no terreno da música. Ele viveu um alienígena que chegou ao planeta Terra em um filme do cineasta inglês Nicolas Roeg, O HOMEM QUE CAIU NA TERRA (1976).

Trata-se de uma ficção científica um tanto perturbadora e que ainda possui muitas das características daquela geração de novos cineastas modernos que ganharam força na década de 1970. Nicolas Roeg, que já havia trabalhado com Mick Jagger em PERFORMANCE (1970) já tinha uma boa experiência de como trabalhar com um grande astro da música no cinema. E Roeg fez um filme enigmático, com uma edição cheia de idas e vindas no tempo e imagens que só completariam o quebra-cabeças ao longo da metragem. Por isso é preciso um pouco de paciência para que o grau de envolvimento do filme alcance o espectador em cheio, lá perto da metade do filme.

Assim como muitas ficções científicas europeias (ou mesmo brasileiras ou de países sem muita tradição no gênero), percebemos em O HOMEM QUE CAIU NA TERRA uma economia de efeitos especiais que costumam caracterizar o gênero. Mas, como a trama se passa mesmo na Terra, isso não chega a incomodar - só em flashbacks vemos o personagem lembrando de sua tragédia familiar, da nave espacial, de seu planeta áspero etc.

Por isso, o filme é mais um drama sobre alguém se sentindo um peixe fora d'água em um mundo hostil, além de mostrar também, tanto a inteligência do protagonista em construir uma fortuna a partir de seu conhecimento científico, quanto sua delicada constituição física para se adaptar ao nosso planeta. A cena dele passando mal no elevador e o posterior socorro da moça do hotel é bem representativa disso e também uma das mais memóraveis.

Aliás, não é difícil para o espectador se sentir um pouco na pele do alienígena disfarçado de homem de negócios. Quantas vezes não nos sentimos estrangeiros no próprio mundo em que habitamos diariamente? Quantas vezes não nos sentimos também frágeis e impotentes diante da crueldade humana ou mesmo da própria inabilidade em lidar com a vida? E embora estejamos diante de uma obra mais complexa em sua estrutura, em comparação com o cinema mais pop exibido no circuito mainstream, ainda assim é possível nos solidarizarmos com o personagem.

quarta-feira, março 02, 2016

ORGULHO E PRECONCEITO E ZUMBIS (Pride and Prejudice and Zombies)



Segundo romance de Seth Grahame-Smith a ser adaptado para o cinema (o primeiro foi ABRAHAM LINCOLN: CAÇADOR DE VAMPIROS, 2012), a brincadeira ORGULHO E PRECONCEITO E ZUMBIS (2016) pareceu desde o início muito mais interessante e simpático do que o filme envolvendo o celebrado Presidente dos Estados Unidos. Pelo visto, Grahame-Smith não tem o menor problema em brincar com certas coisas consideradas quase sagradas.

O mash-up da obra de Jane Austen com o universo moderno dos zumbis criado por George Romero rende bons momentos. Alguns podem reclamar de que há pouco gore, outros, de que há pouco romance, mas percebe-se a intenção de ficar um pouco no meio, agradando a ambos os públicos: os fãs de Jane Austen que não consideram a brincadeira um sacrilégio e os fãs de filmes de zumbis. Não dá para dizer que o filme de Burr Steers (A ESTRANHA FAMÍLIA DE IGBY, 2002) não é divertido. A não ser, claro, as pessoas que não comprem a ideia desde o começo.

Curioso como há uma preocupação em manter alguns acontecimentos da obra de Austen e também muito da personalidade dos personagens na história. Também muito criativo dividirem aquela sociedade em dois grupos: o dos mais abastados, que conseguiram fazer seus treinamentos para combater os zumbis no Japão (caso da família de Mr. Darcy), e aqueles mais pobres, que fizeram seus treinamentos na China (caso da família de Elizabeth Bennet).

Lily James, no papel de Elizabeth, está ótima. Tanto quando mostra o que sente por Mr. Darcy (seja raiva, seja paixão) quanto, principalmente, quando demonstra suas incríveis habilidades com armas e artes marciais naquele mundo em que é necessário saber sobreviver à praga de zumbis. Curiosamente, Lily James está até mais bonita do que quando fez CINDERELA, talvez por combinar mais sendo morena ou porque seu comportamento mais agressivo lhe caia bem.

Tanto que Mr. Darcy (Sam Riley) a esnobara no começo. Ao vê-la em ação, foi quando ele se apaixonou pela moça de família pobre e muita coragem e amor pra dar. Como não poderia faltar, sendo desse universo de Jane Austen, há as questões envolvendo dinheiro, o preconceito com aqueles de famílias menos afortunadas e o orgulho, que é característica tanto da personalidade de Elizabeth quanto de Darcy.

Quanto aos zumbis, o filme começa bem, tanto na sequência que mostra de maneira dinâmica como se deu a epidemia e como se encontra a região da Inglaterra, quanto ao mostrar a primeira aparição de Mr. Darcy, que usa uma técnica toda própria para detectar zumbis que se encontram disfarçados entre os vivos.

No mais, o filme é feliz nas cenas de ação envolvendo os desmortos e também nas cenas em que os sentimentos daqueles jovens falam mais alto. Há momentos bem divertidos nesse aspecto, como quando Elizabeth passa a ser cortejada por outros dois homens. Por outro lado, rola um pouco de decepção quanto ao papel de Lena Headey, que tem forma mas pouca substância. Isso acontece porque esperamos mais da Cersei de GAME OF THRONES. Mas isso não chega a atrapalhar o produto final.