sábado, novembro 29, 2008

DELÍRIOS DE UM ANORMAL



Tem sido dureza ver esses filmes decadentes de José Mojica Marins da década de 70. Nunca pensei que, depois de ter visto o horrível A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES (1976), tivesse tanta repulsa a outro filme dele – no pior sentido do termo – quanto tive vendo este DELÍRIOS DE UM ANORMAL (1978). Tudo bem que a intenção era mesmo perturbar o espectador, trazendo um apanhado de cenas de tortura, mutilação e canibalismo, mas além do fato de eu não ser muito fã dessas cenas de delírio, de Mojica no inferno ou povoando a mente das pessoas, como as mostradas em ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967), RITUAL DOS SÁDICOS (1969) e EXORCISMO NEGRO (1974), ver um filme só com sobras dessas cenas não me pareceu nada agradável ou interessante. Muito pelo contrário: foram 83 minutos de tortura pra mim. Por mais que o filme possa ser visto como uma vingança contra a censura, eu vejo mais como pura picaretagem.

Se a criatividade para gerar filmes que rendam um longa-metragem estava escassa, por que não chamar o colega R.F.Luchetti para fazer um filme em segmentos, como nos moldes de O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968)? Vejo Mojica, nesses anos 70, como uma banda de rock que de uma hora para outra deixa de ser genial e passa a fazer apenas canções medíocres, como se a criatividade tivesse ido para o espaço e tudo o que resta é reciclar, no caso, roubar cenas de seus próprios filmes para compor um "novo" filme. O que há de novo em DELÍRIOS DE UM ANORMAL são apenas cerca de 20 minutos. Tudo o mais foi editado pela sua então companheira Nilcemar Leyart. Senti-me incomodado com o fato de Mojica ter se aproveitado de suas pérolas sessentistas para fazer esse trabalho tão degradante. Se bem que o filme foi até bem recebido e teve uma bilheteria até razoável. Mojica estava passando por um momento de retorno à popularidade, graças aos prêmios que ganhara na Europa, mas continuava na pindaíba, pagando ainda as dívidas do filme censurado de 69, cuja boa parte das cenas, então inéditas na época, pôde ser vista nesse filme, já que no final dos anos 70, a censura estava muito menos rigorosa com cenas de sexo, nudez e violência.

Antes de DELÍRIOS DE UM ANORMAL, Mojica vinha de experiências não muito agradáveis para ele, como a pornochanchada COMO CONSOLAR VIÚVAS (1976) e o terror INFERNO CARNAL (1977), filmes que eu não tive a chance de conferir, mas acredito que não sejam tão ruins quanto os últimos que eu vi do cineasta. Na época, a namorada do produtor Augusto de Cervantes, Georgina Duarte, havia sido diagnostica com câncer, e como ela própria escreveu o roteiro de COMO CONSOLAR VIÚVAS e, sabendo que ela não tinha muito tempo de vida, Augusto pediu para Mojica apressar as filmagens, que demoraram apenas 16 dias. INFERNO CARNAL também não foi um filme que Mojica dirigiu com afinco, já que estava tão desinteressado que pediu para Marcelo Motta dirigir umas cenas. Mas o pior aconteceu depois: pressionado pelos credores, Mojica teve um enfarto – fumava quatro maços de cigarro por dia e se entupia de torresmos e frituras. Depois de sobreviver a esse incidente, ele até iniciou um documentário para faturar em cima disso, que permaneceu inédito no Brasil até ser lançado como extra da coleção Zé do Caixão. Trata-se de DEMÔNIOS E MARAVILHAS (1976-1987). E como Mojica não se contenta com poucos problemas, depois da cirurgia, ele ainda arranjou outra namorada.

O fiapo de roteiro de DELÍROS DE UM ANORMAL mostra um paciente de um hospital psiquiátrico, com um quadro estranho: ele tem pesadelos constantes que mostram o Zé do Caixão querendo tomar a esposa dele. O quadro é tão agravante que os médicos do hospital recorrem a ninguém menos que José Mojica Marins, o criador do Zé do Caixão. E pela terceira vez, Mojica interpreta Mojica num filme. Mas não o Mojica que ele é na verdade, mas o que ele gostaria de ser. Alguém rico, classudo e com inteligência para lidar com problemas graves. Algo já mostrado em EXORCISMO NEGRO.

Entre os extras, na seção de textos, o grande destaque é o artigo de Carlos Primati sobre as mulheres de Mojica e do Zé do Caixão. Tem também o roteiro do filme, mas é material mais indicado para pesquisadores que desejam se aprofundar de verdade na obra. É preciso um pouco de sacrifício e muita boa vontade para ler esse roteiro na televisão. As fotos nunca foram minha parte favorita dos DVDs mas gosto de ver os lobby cards e os cartazes. No caso de DELÍRIOS DE UM ANORMAL, já se nota o forte apelo erótico, ao vender o filme mostrando as mulheres nuas nas fotos.

No "Especial", tem cenas do corte das unhas do Zé do Caixão num show do Sepultura; em "Sons da Noite", há a vinheta de abertura do programa Noise 89 FM; uma estória hilária e nojenta sobre um homem que pediu uma sopa de ervilhas num restaurante; a tradicional praga do dia do programa Noise e a canção-tema do Cine Trash. Na seção "Quem tem medo de Zé do Caixão", um sujeito, perguntado se conhecia Zé do Caixão, fala que é um modelo de automóvel. Esse realmente vive em outro mundo. Nos trailers incluídos, não há muitas novidades.

Nas entrevistas, que é a primeira coisa que eu vejo nesses DVDs, os convidados são: Igor Cavalera, baterista do Sepultura, que conta sobre sua relação com Mojica, do orgulho de ter sido um dos ganhadores de uma das unhas do Zé do Caixão e do quanto o Sepultura e o "Coffin Joe" são constantemente relacionados nas entrevistas que ele dá na imprensa americana; Jairo Ferreira, o famoso crítico e cineasta, é entrevistado numa mesa de bar e já parecia não estar muito bem - não sei se foi depois que eu li sobre o estado deprimente em que ele se encontrou pouco antes de sua morte, de saber disso que me deu essa impressão. Na entrevista ele fala um pouco sobre o documentário experimental que ele dirigiu sobre o Mojica: HORROR PALACE HOTEL OU O GÊNIO TOTAL (1978), que vem como extra do DVD; Nilcemar Leyarte, mais conhecida como Nilce, parceira e mulher de Mojica nos anos 70, fala da admiração pelo artista e do carinho pelo homem, que, segundo ela, apesar de ser uma pessoa difícil de lidar, é ao mesmo tempo muito generosa; Devon Morf, vocalista da banda What Happen Next: na verdade, sua entrevista é mais uma oportunidade de ouvirmos a famosa história do batateiro, que Mojica conta para o músico. Para quem não lembra, o batateiro é aquele sujeito que teve catalepsia e acordou em pleno velório e com o tempo foi se tornando rejeitado pela família e pelos amigos. Não se sabe o quanto disso é verdade ou se Mojica inventou, o que não é algo a se descartar; Andrea Busic, da banda de heavy metal Doctor Sin, em entrevista relâmpago: ele ia passando na rua e a equipe o entrevistou, mas a entrevista não tem muito valor; Gracielle Libório (atriz): não entendi muito bem o que representou essa menina. Jovem e bonita, conheceu o Mojica em 1994 nas filmagens de um filme sobre crianças, e diz que vem seguindo ele desde então. Achei muito esquisito e não sei que filme sobre crianças era esse que Mojica estava fazendo. Deve ser ADOLESCÊNCIA EM TRANSE (1996), que consta em sua filmografia no Wikipedia, mas não consta no IMDB nem no livro MALDITO; e finalmente, R.F. Lucchetti, que fala sobre os projetos inéditos, como "Sapos" e outros projetos e argumentos que estão encadernados e bem guardados em sua biblioteca particular. Há tanto roteiros quanto argumentos, idéias que ele tinha e não realizou. Já a mini-entrevista de Mojica é um fiasco: ele não fala coisa com coisa e enrola para responder a pergunta sobre criatividade.

O curta-metragem HORROR PALACE HOTEL, OU O GÊNIO TOTAL (1978), de Jairo Ferreira, é a melhor coisa do DVD. Trata-se de um documentário experimental que conta com participação especial de Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Ivan Cardoso. Pena que se estende mais do que deveria. Uns dez minutos a menos (são 40 minutos no total) faria bem ao filme. Legal ver o quanto Mojica se sente vaidoso quando o chamam de gênio e o filme o flagra meio bêbado num quarto de hotel, durante o festival de Brasília, junto com a turma do cinema marginal. No mais, há cenas de ESTUPRO/PERVERSÃO (1979), 24 HORAS DE SEXO EXPLÍCITO (1985) e de 48 HORAS DE SEXO ALUCINANTE (1987). Como esse filme é difícil de encontrar, não deixa de ser curioso e divertido ver a seqüência da mulher entrando numa vaca mecânica para ser comida por um touro, como realização de uma fantasia erótica.

sexta-feira, novembro 28, 2008

BEIJO NA BOCA, NÃO! (Pas sur la Bouche)



Este ano, justo quando eu achava que teria tempo e condições para ver uma boa quantidade de filmes do Festival Varilux do Cinema Francês, eis que o meu saldo foi de apenas um único filme. Poderia ao menos ter sido dois, se a transportadora não atrasasse a cópia de A BELA JUNIE, de Christophe Honoré, e eu não me fizesse de idiota vendo os trailers da sessão de HIGH SCHOOL MUSICAL 3. Resultado: o saldo da mini-mostra foi de apenas um filme: o musical BEIJO NA BOCA, NÃO! (2003), de Alain Resnais.

Não costumo gostar de musicais, mas como um dos melhores filmes que eu vi neste ano foi desse gênero - CANÇÕES DE AMOR, de Honoré -, estava até disposto, ainda que com um pé atrás, para a apreciação dessa obra de Resnais, cineasta importante na história do cinema francês cujo trabalho conheço muito pouco e que tem feito filmes com um espaçamento maior de tempo nos últimos anos. BEIJO NA BOCA, NÃO! é o trabalho imediatamente anterior a MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS (2006) e posterior a outro musical, AMORES PARISIENSES (1997).

Infelizmente, apesar de ter gostado de alguns momentos do filme, aquele estilo de cantar à moda antiga, com um jeitão todo anacrônico, como se estivéssemos nos transportado para os anos 60, não me agrada. O que eu mais gostei foi do último ato, na garçoniere de um dos personagens, onde todos se encontram e onde a confusão está formada. A trama gira em torno de uma mulher - Sabine Azéma, a mulher que toma conta do senhor idoso em MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS -, que descobre que o futuro sócio de seu marido é o americano com quem ela havia se casado e cujo casamento era um segredo não contado para o marido. Quem faz o papel do tal americano é Lambert Wilson, o merovíngio de THE MATRIX RELOADED e THE MATRIX REVOLUTIONS. Audrey Tatou é a moça que é apaixonada pelo rapaz que está mais interessado na personagem de Sabine Azéma. Há os outros personagens, mas não vou ficar aqui contando a situação de cada um, nem o porquê do título.

Entre prós e contras, o que mais me aborreceu no filme foram mesmo as cantorias, por mais que a última cena musical tenha sido até interessante, reunindo todo o elenco. E um dos trunfos do filme é o tom de deboche e brincadeira em torno dos vários estilos de época que pipocavam na década de 20, como o cubismo, dadaísmo, futurismo, entre outros ismos. O filme foi baseado no libreto de uma opereta que já havia sido adaptado para o cinema em 1931.

quinta-feira, novembro 27, 2008

ENTOURAGE - A QUINTA TEMPORADA COMPLETA (Entourage - The Complete Fifth Season)



Talvez a mais irregular das temporadas de ENTOURAGE. Nessa quinta (2008), apesar dos altos e baixos e de ser mais curta do que o esperado (apenas 12 episódios), seus melhores momentos e o clima quase sempre festivo ajudaram a compensar os episódios fracos. Aliás, o 'quase' cabe bem na frase: se nas temporadas anteriores era só festa, nessa, Vince Chase teve que provar o gosto amargo da derrota e da diminuição dos luxos, depois do fracasso retumbante de "Medellin" em Cannes e nas bilheterias, além de o filme ter sido incluído no top 10 de piores do ano dos principais críticos.

Assim, depois dessa falta de sorte, Vince passa um longo período sem fazer filmes, sem ser chamado para trabalhar em outros projetos e com nome queimado o suficiente nos estúdios para ter que cortar os gastos e se submeter a coisas como participar de aniversários de filhas de milionários para ganhar uns "trocados". Aliás, um dos melhores e mais divertidos episódios da série é "Down & Out in Beverly Hills", aquele que termina com Vince e Drama cantando "Can't take my eyes off of you" e Drama fechando o episódio com chave de ouro - ou seja lá que bebida ele tomou na festa. Esse mesmo episódio, inclusive, foi um dos melhores e que mais deram destaque para Ari e sua batalha com um cara de outra agência. Top 3 da temporada, com certeza.

A temporada começa com os amigos de Vince, inclusive Ari, tentando resgatá-lo de uma ilha paradisíaca, onde ele se esconde, com a barba crescendo e fazendo sexo com um monte de mulheres bonitas. Ele não estava nada mal ali, tão bem acompanhado e longe do estresse do show business, mas ele precisava voltar à ativa, batalhar por um novo papel, de preferência num filme de destaque. Seu irmão, Johnny Drama, está relativamente estável profissionalmente, depois de ter feito sucesso numa série de tv, mas se torna alvo de chacota depois de ter demonstrado o seu lado, digamos, mais sensível num programa de entrevistas, a que ele foi justo no dia em que estava com dor de cotovelo. Ele havia recebido um pé na bunda da francesinha que conhecera em Cannes e com quem estava mantendo um complicado relacionamento à distância, via internet. Quem acaba se dando bem nessa temporada é Turtle, que tem a sorte de sentar próximo à bela atriz Jamie Lynn-Sigler (a filha de Tony Soprano em A FAMÍLIA SOPRANO) num vôo de primeira classe. O que acontece entre os dois é de surpreender a todos. E Turtle deixa de ser, nessa temporada, apenas o sangue-suga maconheiro que pega as "sobras" deixadas por Vinnie nas festas onde rola muita mulher e mostra um lado mais agradável.

Depois de uns episódios um pouco fracos, a série vai se reerguendo perto do final, quando Vince finalmente consegue um papel numa produção dirigida por um cineasta estrangeiro (Stellan Skarsgård) que não vai com a sua cara. O resultado é catastrófico, mas os episódios que o focalizam no set de filmagens está entre os melhores da série. E., o melhor amigo e empresário de Vince, tem pouco destaque nessa temporada, apesar de estar sempre presente e de ter sido objeto de desejo de uma mulher mais alta que ele num episódio. Depois do fim do relacionamento com Sloan (a bela Emmanuelle Chriqui, que aparece apenas uma vez, no episódio "Seth Green Day"), ele se dedica mais ao trabalho, esforçando-se para ajudar Vince a conseguir um papel num filme de sucesso.

O ótimo episódio final até poderia ser um bom final definitivo para a série, mas ficamos torcendo para que não seja, já que isso pode garantir a participação especial de um dos cineastas mais queridos de todos os tempos em pelo menos mais um episódio - eu não vou revelar quem é o cineasta para não estragar a surpresa final. No mais, como nas temporadas anteriores, tirando os dois diretores famosos que aparecem na season finale, Stellan Skarsgård, Seth Green, Martin Landau e Jamie Lynn-Sigler, essa temporada seguiu o mesmo esquema mais modesto das duas temporadas anteriores, sem muitos astros de Hollywood em participações especiais.

quarta-feira, novembro 26, 2008

24: REDEMPTION



Para saciar a sede dos fãs de 24 HORAS, por causa da greve dos roteiristas que impossibilitou que houvesse uma temporada da série esse ano, adiando a sétima temporada para 2009, foi produzido um especial de duas horas (incluindo os intervalos comerciais) para a televisão, que foi exibido no último domingo na Fox americana, apresentando Jack Bauer no exílio, ajudando um grupo de vítimas de um líder rebelde africano, ao mesmo tempo em que nos Estados Unidos, um novo presidente, dessa vez uma mulher, assume o poder.

24: REDEMPTION (2008), dirigido pelo mais assíduo dos diretores da série, Jon Cassar, até tem os seus momentos, mais se for para servir de prólogo para a sétima temporada, trata-se de um banho de água fria para os fãs ou para aqueles que ainda assistem à série só por assistir, sem muito entusiasmo. Eu, pelo menos, depois de metade da sexta temporada, eu já estava torcendo para que acabasse. E a sexta tinha começado tão bem. Mas quem sabe com o retorno da CTU, a série recupere o interesse, embora eu aposte mesmo é no cansaço e no desgaste da fórmula.

24: REDEMPTION é justamente uma tentativa de trazer Jack Bauer para um novo ambiente, trazer uma mudança nos ares. No entanto, o que vemos, é uma versão piorada de Rambo, onde as cenas de ação, por mais que sejam razoáveis já foram melhores nas temporadas anteriores, principalmente as duas primeiras. A estória se passa num país da África - acredito que fictício - onde um grupo de rebeldes malvados recruta crianças para fazer um exército e derrubar o governo. Lá, Jack Bauer (Kiefer Sutherland) se esconde, depois de ter passado uma temporada na Índia. Ele tem um amigo, vivido por Robert Carlyle, que mantém um trabalho voluntário na comunidade e abriga Bauer até ele ser novamente perseguido pelo Governo americano.

O filme até tem alguns momentos movimentados e que valem a espiada, mas sofre com algumas cenas piegas e constrangedores lá pelo final. No entanto, apesar de mal conduzido, não deixa de ser um final coerente com a trajetória de Jack Bauer, um homem que sempre sacrificou a sua vida em prol de algo, chegando a salvar o seu país e continua sendo incompreendido. Não é uma idéia original, que o diga Sylvester Stallone, mas que ganhou status de mito nos melhores momentos da série.

terça-feira, novembro 25, 2008

OS ESTRANHOS (The Strangers)



Tenho a teoria de que um bom filme de horror é capaz de espantar qualquer sono. Eu mesmo já fui cobaia desse tipo de experimento várias vezes. Infelizmente isso não ocorreu com OS ESTRANHOS (2008), filme de estréia de Bryan Bertino, que tem um início até interessante, mas que vai aborrecendo à medida que os clichês vão se tornando mais óbvios e as ações dos protagonistas vão se tornando mais idiotas e previsíveis. Se bem que em certo momento, já não agüentando mais de sono e minhas pálpebras se fechando, tomei um susto, mas foi por causa do grito da Liv Tyler.

Ainda assim, pode-se dizer que OS ESTRANHOS tem os seus acertos. O filme acerta, por exemplo, em não utilizar trilha sonora óbvia de susto em momentos apavorantes, como na aparição do sujeito com a máscara dentro da casa, sem que a personagem de Liv Tyler perceba a sua presença. Esse é um daqueles momentos típicos de filmes de terror, especialmente os da década de 80, em que o espectador sabe que o monstro ou o assassino está perto e tenta de alguma maneira avisar ao personagem que ele está correndo perigo. Isso ocorreu na sessão desse filme, inclusive.

Na trama, bem simples, Liv Tyler e Scott Speedman é um casal passando por uma situação desconfortável. Na noite em que ele decide propô-la em casamento, ela não aceita, mas os dois, mesmo assim, vão parar, depois de uma festa, num chalé abandonado no meio do nada, onde passariam, segundo os planos iniciais do rapaz, uma noite de amor. A edição do filme, no início, fugindo um pouco da linear, é acertada. A certa hora da madrugada, alguém bate à porta. É uma mulher cujo rosto não se vê na escuridão. Apenas seus cabelos, loiros. Ela pergunta por alguém que eles não conhecem e depois vai embora, deixando no ar algo de sinistro. Essa seqüência em especial é uma das melhores de OS ESTRANHOS. O não mostrar o rosto da moça passa um ar de mistério ao filme.

Pena que OS ESTRANHOS vai se rendendo ao lugar comum rapidinho. E nem precisaria de um grande diretor para segurar um filme que se passa o tempo inteiro dentro ou ao redor de uma casa. Um bom exemplo disso é o subestimado QUANDO UM ESTRANHO CHAMA, que nem precisou de sangue e violência para se utilizar de uma boa tortura psicológica. E apesar de o final ser ruim, pelo menos deixa um gancho que promete render o início de uma nova franquia. Quem sabe na continuação, a coisa melhora. Tudo é possível.

segunda-feira, novembro 24, 2008

A DUQUESA (The Duchess)



Georgiana Cavendish (1757-1806), a Duquesa de Devonshire, com seu carisma e sua popularidade, bem como o fato de ter vindo de família plebéia e de não ser exatamente adorada pela nobreza, faz com que identifiquemos imediatamente semelhanças entre ela e a Princesa Diana, morta em 1997. E diria que sua história, bem conduzida pelo diretor Saul Dibb, é um dos grandes trunfos de A DUQUESA (2008), estrelado por Keira Knightley, que tem se especializado em papéis em filmes de época. A duquesa vivida por Keira nessa produção inglesa dirigida por Saul Dibb, do drama de gangues BULLET BOY - SEM PERDÃO (2004, lançado direto nas locadoras), se mostra tão deslocada no ambiente nobre quanto a Maria Antonieta do filme de Sofia Coppola.

Porém, no que se refere aos seus deveres conjugais, enquanto Maria Antonieta até que tinha boa vontade para fazer sexo com o marido travado, Georgiana sofre em ser tratada apenas como a mulher que será mãe do herdeiro do Duque, em interpretação inspirada de Ralph Fieness. Ele é um sujeito bruto e que tem dificuldade em expressar seus sentimentos. Tampouco se esforça para agradar a duquesa, nem demonstra sentir atração física por ela, preferindo fazer sexo por prazer com outras mulheres. Georgiana, sendo uma jovem de mente voltada para o moderno, o que desperta logo uma identificação com o público, quer direitos iguais. Se o marido fica transando com outras mulheres por aí, ela quer também ter o direito de ficar com o homem que ama (Dominic Cooper). Acontece que as regras da sociedade da época não admitem esse tipo de comportamento.

O filme também traz certo interesse histórico, pois flagra um momento em que movimentos de libertação, como a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, estavam se formando. O tempo era de mudanças. E a Inglaterra, apesar de tudo, tem resistido com a monarquia, ainda que apenas simbólica, até os dias de hoje. Se algumas obras preferem mostrar essa época, em que os nobres mandavam no mundo, como uma era de ouro, A DUQUESA é um filme que, mesmo em pequenos detalhes, como no tratamento desumano dado aos soldados que servem à nobreza e passam o dia inteiro em pé feito estátuas, adota um posicionamento contra-monárquico. O filme mostra também o aspecto de negociação, o dinheiro que é dado à mulher depois que ela consegue ter o tão esperado herdeiro do sexo masculino.

O filme tem um tratamento bem tradicional, sem praticamente nenhuma ousadia estética, mas ainda assim, trata-se de um trabalho correto e bem conduzido, com momentos de emoção. Sem falar que a interpretação de Ralph Fiennes se destaca. Quem sabe ele até ganhe uma indicação de melhor coadjuvante no Oscar do próximo ano.

P.S.: A Mostra Varilux do Cinema Francês começou mal aqui em Fortaleza. Na sexta-feira, saí do trabalho com a boa vontade para ver LA BELLE PERSONNE, de Christophe Honoré. Paguei o ingresso, entrei na sala e fiquei vendo os trailers. Já estava estranhando quando vi que todos os trailers eram de filmes infantis. Quando o filme começa (HIGH SCHOOL MUSICAL 3!) eu me levantei indignado. A gerente estava conversando com os poucos gatos pingados que foram até a sessão para prestigiar o filme e contou que as cópias não haviam chegado e que o filme agorá só terá uma única sessão hoje às 21 horas, horário bem inconveniente para mim. Parece que vou ver o filme só quando entrar no circuito comercial mesmo. :(

domingo, novembro 23, 2008

TOP 20 ANOS 40

1. DIAS DE IRA, de Carl Theodor Dreyer
2. RIO VERMELHO, de Howard Hawks
3. FÚRIA SANGUINÁRIA, de Raoul Walsh
4. FESTIM DIABÓLICO, de Alfred Hitchcock

5. O TESOURO DE SIERRA MADRE, de John Huston
6. OS SINOS DE SANTA MARIA, de Leo McCarey
7. A SÉTIMA VÍTIMA, de Mark Robson
8. SOBERBA, de Orson Welles

9. CONSCIÊNCIAS MORTAS, de William A. Wellman
10. MATEI JESSE JAMES, de Samuel Fuller
11. A MORTA-VIVA, de Jacques Tourneur
12. AS VINHAS DA IRA, de John Ford

13. LAURA, de Otto Preminger
14. PAIXÃO DOS FORTES, de John Ford
15. INTERLÚDIO, de Alfred Hitchcock
16. FOMOS OS SACRIFICADOS, de John Ford

17. À MEIA-LUZ, de George Cukor
18. LADRÕES DE BICICLETA, de Vittorio De Sicca
19. A FORÇA DO MAL, de Abraham Polonsky
20. DESENCANTO, de David Lean

Assim como aconteceu no meu ranking da década de 50, ofereci o primeiro lugar dos anos 40 para uma obra do grande Carl T. Dreyer. DIAS DE IRA é um retrato mágico dos tempos de intolerância e caça às bruxas, mas dizer isso é pouco diante das imagens e do impacto do filme. Só vendo para acreditar. O que se pode lamentar é o fato de Dreyer ter feito tão poucos filmes em sua carreira.

No entanto, o que predomina nesse top 20, feito com um empurrãozinho da Liga dos Blogues Cinematográficos, é mesmo o cinema americano. Até porque eu sou um analfabeto em Roberto Rossellini e em filmes de outras cinematografias dessa época. O outro representante não americano da lista é o excepcional melodrama LADRÕES DE BICICLETA, de Vittorio De Sicca, belo exemplar do neo-realismo italiano e que flagra um momento particularmente triste da história de seu país mas que retirou da pobreza e da falta de recursos criatividade e sensibilidade para realizar uma das obras mais elogiadas em todo o mundo.

Com a Europa e o Japão em ruínas, os Estados Unidos estavam numa situação privilegiada e o cinema americano estava passando por uma de suas melhores fases. Depois de ter superado a dificuldade de adaptação ao som nos anos 30 e as dificuldades econômicas da Grande Depressão, o cinema americano estava em seu perfeito estado. Acontece que os anos 40 eram anos sombrios para os americanos também. A primeira metade presenciou a maior das guerras da história da humanidade - pelo menos até onde a História registra - e a segunda metade não foi assim tão alegre. Por isso, nada mais natural que o clima fosse negro e nada mais natural que o cinema fosse noir. O film noir, termo criado pelos teóricos franceses, predominou nessa década. Até diretores que aparentemente não tinham muito a ver com o gênero se aventuraram por esse caminho, já que nessa década não havia muito espaço para a comédia. No máximo, víamos uma ou outra comédia um pouco ácida de Howard Hawks - ou os filmes dos irmãos Marx, que eu infelizmente não conheço (ainda).

E falando em Hawks, ele cometeria uma de suas grandes obras nessa década, com uma parceria marcante com John Wayne em RIO VERMELHO. O gênero americano por excelência também aparece em obras magníficas como CONSCIÊNCIAS MORTAS (outro filme sobre intolerância) e MATEI JESSE JAMES, este último talvez a maior estréia de um grande diretor até hoje, por mais exagerada que seja essa afirmação.

Os anos 40 também representam a década em que Alfred Hitchcock migrou para os Estados Unidos. E desse período destaco duas obras: FESTIM DIABÓLICO, sua experimentação radical com o plano-seqüência, e INTERLÚDIO, um de seus mais bem acabados trabalhos. E se Hitchcock aparece em dois filmes, Ford aparece em três: o drama sobre a Grande Depressão AS VINHAS DA IRA; o western PAIXÃO DOS FORTES; e o drama de guerra FOMOS OS SACRIFICADOS. Três filmes poderosos que atestam a grande forma daquele que é conhecido como o Homero do cinema americano, testamentos da grandeza de um artista, que se fazia de durão, mas que tinha uma sensibilidade única.

E falando em sensibilidade, o título que mais provoca choros da lista vai para o belo OS SINOS DE SANTA MARIA, de Leo McCarey, filme que pode ter múltiplos significados e que pode até ser visto como uma sutil estória de amor de um homem por uma freira. Mas o filme transcende isso e todos os sentimentos que ele provoca são de extrema pureza. DESENCANTO, de David Lean, talvez seja incluído também nesse rol de obras sensíveis e românticas que sobreviveram a essa época, ao mesmo tempo gloriosa e triste.

O cinema de horror também foi beneficiado com o clima noir e um produtor genial chamado Val Lewton marcou essa década com força. Filmes como A SÉTIMA VÍTIMA e A MORTA-VIVA são dois exemplares do que de maravilhoso esse homem produziu para a RKO, com poucos recursos e muita criatividade. Enquanto a Universal enfrentava o seu declínio criativo, fazendo continuações e mais continuações caça-níqueis de seus monstros célebres, Lewton fazia um horror sofisticado, influenciado pelo expressionismo alemão e entrando em sintonia com o film noir americano.

E falando no gênero, especificamente, ele aparece de forma explícita numa das obras mais importantes desse estilo: LAURA, de Otto Preminger. E embora não tenha uma definição precisa do termo film noir, quem sabe poderia incluir também o suspense À MEIA-LUZ, de Cukor, e A FORÇA DO MAL, de Polonsky, ainda que ambos sejam obras que ultrapassam as barreiras desse subgênero. Principalmente o segundo, um trabalho complexo, político, de um homem que talvez já previsse que seria alvo do macarthismo.

Falando em ambição, em vez de colocar CIDADÃO KANE, preferi pôr SOBERBA, o trabalho que o próprio Welles rejeita por conta dos cortes dos produtores. Ainda assim, é um filme que me agrada mais que o "melhor filme de todos os tempos". Um belo estudo sobre a ambição é O TESOURO DE SIERRA MADRE, de John Huston, talvez a obra-prima máxima do cineasta. Quem sabe FÚRIA SANGUINÁRIA seja a obra máxima de Raoul Walsh também, e um representante tardio do "filme de gângster", um subgênero que alcançou o seu apogeu no início da década de 30, mas que ainda conta nesse filme com um de seus principais representantes: James Cagney, mais louco do que nunca, top of the world.

quinta-feira, novembro 20, 2008

B13 - 13º DISTRITO (Banlieue 13)



Como sou desses caras que quando se vê admirado pela obra de um cineasta vai à cata de sua filmografia pregressa - sou especialmente curioso quanto aos novos cineastas estrangeiros que estreiam de maneira brilhante em Hollywood -, lá fui eu em busca do filme que revelou Pierre Morel para o mundo: B13 - 13º DISTRITO (2004), que é muito mais popular do que eu imaginava. A molecada já conhecia e apreciava o filme. Depois que eu me lembrei que meu sobrinho tinha chegado com o DVD lá em casa uma vez e eu não dei muita bola por não saber do que se tratava.

Mas depois que soube que BUSCA IMPLACÁVEL (2008), o excelente thriller estrelado por Liam Neeson e que se tornou uma das melhores surpresas de 2008, era do mesmo diretor, tive que conferir esse B13. Assim, numa das cada vez mais raras idas à locadora, aproveitei pra perguntar se eles tinham B13 - 13º DISTRITO. E a moça da locadora nem precisou olhar no sistema. Disse logo que tinha e foi logo buscar. Acho que foi a primeira vez que isso aconteceu. Sinal de que o DVD deve ter sido muito locado.

B13 - 13º DISTRITO, assim como BUSCA IMPLACÁVEL, é produzido por Luc Besson e conta com uma estória passada no futuro como desculpa para as elétricas cenas de ação. Um tipo de cinema de ação que rivaliza com o que é produzido no gênero em Hong Kong e na Tailândia. E assim como acontece com os filmes de ação produzidos nesse dois países, os astros do filme são atletas, caras que não precisariam de meses ou anos de aprendizado para interpretar o papel de mestres da pancadaria nem de dublês. Claro que isso pode não agradar àqueles que se importam com interpretações, mas para esse tipo de filme, isso não chega a ser muito importante. No entanto, em BUSCA IMPLACÁVEL, Liam Neeson, que não é nenhum atleta, mandou muito bem nas cenas de ação e o resultado foi melhor, o cara é um grande ator. Portanto, isso é relativo.

A trama se passa no futuro, num bairro super-violento, onde a polícia sequer ousa penetrar. É mais ou menos o que acontece nos morros cariocas de hoje, embora aqui no Brasil ainda haja, vez ou outra, alguma resistência policial, e todos saibamos que o que existe em geral é uma grande trégua se alternando com uma guerra civil. B13 se inicia com um grupo de gângsters em busca de um rapaz que possui quilos de heroína para devolver para o chefão local. O cara, além de não devolver, estraga o material e corre saltando pelos prédios. Depois, tem a sua irmã raptada pelos bandidos como forma de fazer com que ele se entregue. O resultado é que ele acaba indo preso, pois a polícia é forçada a apoiar os bandidos e a trama dá um salto de seis meses, quando somos introduzidos ao personagem do policial honesto e que tem a missão de entrar no perigoso bairro e usar uma pessoa que está presa e que tem intimidade com o local para ajudá-lo. As coisas não saem como planejado, mas o sujeito, à sua maneira, acaba ajudando.

A trama, na verdade, nem importa muito. O que faz a alegria dos fãs do filme são as seqüências de ação, que considerei um pouco excessivas e prolongadas. A música eletrônica ao fundo também não me agradou muito. Mas quando as cenas são mais rápidas e cruas, elas me agradam mais. Os personagens não são facilmente gostáveis, já que não há uma intenção dos realizadores do filme de dar aos personagens um mínimo de aprofundamento, o que pelo menos acontece em BUSCA IMPLACÁVEL. Ainda assim, trat-se de um bom filme de ação, com 85 minutos que passam voando.

terça-feira, novembro 18, 2008

ROMANCE



Depois de cinco anos longe da direção de longas-metragens e se dedicando mais à produção, Guel Arraes retorna com um trabalho que se pretende dar uma guinada em sua carreira no cinema: ROMANCE (2008), uma obra bem diferente das comédias de estética televisiva que o tornaram famoso. Quando Arraes picotou a sua mini-série O AUTO DA COMPADECIDA (1999) para transformá-la em filme em 2000, muita gente reclamou. E com razão, já que, além de ter tirado seqüências bem divertidas, como a do gato que "descome" dinheiro, a versão condensada de O AUTO DA COMPADECIDA tomava o espaço de filmes inéditos, garantindo, ainda por cima, semanas em cartaz graças ao sucesso de bilheteria. Não feliz em efetuar esse tipo de ato, Arraes acabou repetindo o feito com a mini-série A INVENÇÃO DO BRASIL (2000), que tinha partes bem interessantes dirigidas por Jorge Furtado e que foram retiradas da versão para o cinema, que ganhou o título CARAMURU – A INVENÇÃO DO BRASIL (2001). Aí veio o realmente inédito LISBELA E O PRISIONEIRO (2003), cuja trilha sonora também foi destaque, em especial, a versão de Caetano Veloso para "Você não me ensinou a te esquecer", de Fernando Mendes. Sem dúvida, uma versão belíssima e que flerta com o brega de maneira elegante como poucos artistas conseguem fazer. Acontece que a canção tocava demais durante o filme, o que enchia o saco.

Felizmente, em ROMANCE, isso não ocorre. Caetano volta, dessa vez também como diretor musical numa produção de sua ex-esposa Paula Lavigne, com a bela canção "Nosso estranho amor", usada uma única vez durante o filme e num dos momentos mais belos: o da separação do casal vivido por Wagner Moura e Letícia Sabatella. Outro nome bem vindo ao filme é o de Jorge Furtado, que assina a quatro mãos o roteiro com Arraes. É talvez de Furtado que tenha saído as melhores tiradas, os melhores diálogos do filme. Posso até estar errado e estar subestimando a capacidade de Arraes, mas de uma coisa eu posso dizer com convicção: por mais que ele procure se afastar da estética televisiva e valorizar dessa vez os planos-seqüência, falta a ele uma maior sensibilidade na direção ou uma maior capacidade de manipular os sentimentos do espectador de maneira sutil. Seus filmes, por mais românticos que tentem ser, não conseguem sair dos racionalismos. E racionalizar, em alguns momentos do filme é interessante, como nas cenas em que os dois amantes discutem no palco a natureza da paixão como sofrimento, o amor recíproco infeliz, como em "Tristão e Isolda", a estória do século XII que serviu de modelo para "Romeu e Julieta", de Shakespeare, e para tantas outras estórias de amor. Essas discussões são os pontos altos do filme. No entanto, quando Guel Arraes, pretende fazer algo mais emotivo, simplesmente o filme não funciona.

O que acaba sendo o forte de ROMANCE são as interpretações. As de Moura e Sabatella são quase teatrais, causando às vezes uma agradável sensação de artificialismo e estranheza. Mas não se pode deixar de mencionar a ótima performance de Andréa Beltrão e o talento cômico de Vladimir Brichta, o segundo casal de amantes do filme. Andréa é impressionante. Ela já tinha me emocionado numa cena de interpretação explícita e metalingüística em JOGO DE CENA, de Eduardo Coutinho, e dessa vez ela volta ao estilo que a consagrou: a comédia. Acho que eu já era fã do trabalho dela desde criança, quando a via na televisão no divertido seriado ARMAÇÃO ILIMITADA. E tem também as participações sempre bem vindas de Marco Nanini e José Wilker. No mais, o filme é tão morno quanto a idéia requentada do protagonista de refilmar "Tristão e Isolda" no sertão da Paraíba.

segunda-feira, novembro 17, 2008

A MORTA-VIVA (I Walked with a Zombie)



Desde que vi no documentário de Martin Scorsese sobre a história do cinema americano a ênfase e o entusiasmo que ele manifestou com os filmes de horror produzidos por Val Lewton, em especial o pioneiro SANGUE DE PANTERA (1942), fiquei interessado nos filmes desse ciclo. Acontece que não sou exatamente um fã de SANGUE DE PANTERA, embora o considere um ótimo filme. O que me entusiasmou para ver os demais trabalhos de Lewton foi a descoberta da obra-prima A SÉTIMA VÍTIMA (1943), de Mark Robson. Daí veio a vontade de ver mais filmes dessa safra.

A MORTA-VIVA (1943), cuja edição foi feita por Robson, é impressionante. Bem superior a SANGUE DE PANTERA, o filme traz o diretor Jacques Tourneur provavelmente no auge de suas habilidades. É prazeroso ver como ele constrói tão bem um clima de horror a partir do jogo de luz e sombras. Perto desse filme, as obras produzidas pela Universal, os chamados "filmes de monstro", tornam-se até um pouco vulgares. A MORTA-VIVA tem uma sofisticação e uma ambigüidade que o faz especial. Sem falar que o filme possui seqüências de arrepiar, brilhantemente construídas.

Na trama, uma enfermeira canadense (Frances Dee) é chamada para cuidar de uma mulher doente na ilha de San Sebastian, no Caribe. No barco, a caminho da ilha, ela fica fascinada pelas belezas naturais, mas vai tendo logo esse encanto quebrado por um homem que puxa conversa com ela e tenta convencê-la de que aquilo que lhe parece belo é na verdade apenas natureza em estado de putrefação, cheirando à morte. Esse homem, dono de plantações de cana-de-açúcar e um dos mais ricos da região, é esposo da mulher de quem ela vai cuidar. Sua mulher está em estado zumbiesco. Não demonstra vontade própria, não fala e parece viver em outro mundo. Às vezes anda sozinha pela noite, como uma sonâmbula.

Depois de uma cena atmosférica e envolvente na qual somos apresentados a essa mulher, o filme sofre uma reviravolta no momento em que a enfermeira aceita os conselhos de uma serva do patrão e tenta buscar uma cura para a doença da mulher através de cerimônias de magia. A cena em que a enfermeira leva a "zumbi" para esse lugar é o ápice do filme, o momento mais mágico, tanto no sentido cinematográfico, quanto no sentido de que é nessa hora que o coração mais palpita de ansiedade diante do que pode acontecer.

A figura do guardião negro de aspecto assustador e olhos esbugalhados que fica parado na encruzilhada no meio da plantação de cana, a bela fotografia que ressalta o horizonte noturno como em noites de lua cheia e o fato de a enfermeira estar fazendo algo às escondidas, tudo isso forma, num conjunto, um dos momentos mais mágicos da história do cinema. Não é à toa que esse ciclo de Val Lewton é tão admirado pelos especialistas em cinema de horror, cinéfilos de bom gosto e críticos de cinema em geral. É que se trata de algo excepcional mesmo. E pensar que esses filmes foram elaborados a partir de um título ou de um cartaz e não originalmente a partir de uma estória ou de uma obra literária... Isso me deixa ainda mais admirado com esses realizadores cujo talento era inversamente proporcional aos recursos de que eles dispunham.

sábado, novembro 15, 2008

VICKY CRISTINA BARCELONA



Se o cinéfilo fã de Woody Allen já se sente um privilegiado só por ter a certeza de que o seu mestre fará um filme a cada ano, e que seus filmes tardam mas não falham em nossos cinemas, o que dizer de um ano em que não só um mas dois filmes do diretor estréiam nas telas brasileiras? E dois filmes do mais alto nível, como se Allen, ao optar por essa temporada na Europa, tivesse assimilado um pouco da sabedoria e do talento de mestres como Manoel de Oliveira e Claude Chabrol, que, à medida que o tempo passa, vão se tornando mais e mais interessantes. A festa dessa nova fase começou com PONTO FINAL – MATCH POINT (2005), que Allen filmou na Inglaterra e com a presença deslumbrante de Scarlett Johansson. A câmera de Allen – e talvez não só a câmera – se enamorou de Scarlett e ela reapareceu depois na comédia SCOOP – O GRANDE FURO (2006) e pela terceira vez, nesta obra-prima filmada em Barcelona.

A ida de Allen para a Espanha e a presença extra de astros como Javier Barden – o ator mais versátil da atualidade – e Penélope Cruz só ajudaram a enriquecer ainda mais a mistura que gerou VICKY CRISTINA BARCELONA (2008). Depois do hitchcockiano O SONHO DE CASSANDRA (2007), Allen presta um novo tributo ao mestre do suspense numa cena em que uma das personagens é convidada para ir ao cinema e o filme que está passando é À SOMBRA DE UMA DÚVIDA, de Alfred Hitchcock, cujo título caiu como uma luva para a personagem cheia de dúvidas e de dilemas de Rebecca Hall: Vicky, a morena americana que aporta com sua amiga loira Cristina em Barcelona, com objetivos diferentes, mas dispostas a fazer com que a viagem valha a pena.

Vicky é uma mulher prática. Já tem um noivo bem sucedido financeiramente esperando por ela nos Estados Unidos e não quer saber de muitas aventuras. Ela vai a Barcelona com o objetivo de estudar a cultura catalã. Já Cristina (Scarlett Johansson) está aberta a tudo o que vier pela frente, principalmente se for algo excitante e diferente. Por isso ela não pensa duas vezes em aceitar o convite que Juan Antonio (Javier Bardem), um estranho espanhol, faz a elas: um fim de semana numa cidade da Espanha. Ele ainda tem a cara de pau de dizer de imediato que deseja fazer amor com as belas jovens. Enquanto uma não quer, a outra quer, mas as duas acabam indo. O que sucede nessa viagem é uma surpresa para ambas e afetará suas vidas de maneira impactante.

Juan Antonio tem uma filosofia de vida na qual devemos aproveitar ao máximo o nosso tempo na Terra e só o fato de estarmos vivos é motivo de celebração. E já que só vivemos uma vez, aproveitemos, portanto. Essa filosofia e esse prazer de viver de Juan Antonio conquistam Cristina de imediato e aos poucos acaba conquistando também Vicky. Inclusive, um dos momentos mais belos do filme, que me chegou a lembrar a cena de Caetano Veloso em FALE COM ELA, de Pedro Almodóvar, é a cena em que Vicky e Juan Antonio estão escutando a música de um violonista. O som que sai do violão é arrebatador, de uma melancolia tocante, e isso amacia o coração de Vicky. E por razões que o espectador deverá sentir, à medida que a trama vai se desenrolando, a química Vicky-Juan Antonio chega a ser tão ou mais interessante quanto a de Juan Antonio com Cristina e posteriormente com a entrada em cena da personagem perturbada de Penélope Cruz. A cena que tornou o filme famoso na internet é justamente a do beijo na boca de Penélope com Scarlett, feita com uma delicadeza e uma beleza que faz calar a boca de quem duvidava do talento de Woody Allen e tinha profetizado sua decadência, anos atrás.

Apesar de ser um trabalho leve, uma comédia, VICKY CRISTINA BARCELONA é desses filmes que tocam o espectador pelo coração. Não que O SONHO DE CASSANDRA também não toque, mas enquanto esse toca de uma maneira diferente, fazendo-nos cúmplices de um crime, desta vez Allen nos faz cúmplices de um vendaval de sentimentos passionais que não encontrariam lugar melhor do que a Espanha. Parece uma comédia dirigida por Eric Rohmer com toques de Almodóvar, mas com os momentos tipicamente allenianos, como nas cenas em que as personagens de Vicky e Cristina se alternam como alter-egos do cineasta.

Os sentimentos são por natureza conflitantes com a razão, mas por isso mesmo eles acabam por nos fazer refletir sobre a natureza da vida, a razão de se viver, a intensidade e a importância que a vida passa a ter quando se vive um grande amor, ainda que ele só dure um fim de semana ou alguns meses. É Woody Allen deixando um pouco de lado o pessimismo e a acidez usuais e olhando a vida com outros olhos. Um filme de celebração.

quinta-feira, novembro 13, 2008

SARGENTO YORK (Sergeant York)



O filme mais caro e mais premiado de Howard Hawks é talvez o que menos tem a cara de seu diretor. SARGENTO YORK (1941), apesar de ser emocionante e importante dentro do contexto histórico - servindo para levantar a moral e elevar o senso patriótico do povo americano em tempos de guerra –, não me pareceu uma obra tipicamente hawksiana. Isto é, não há no filme os arquétipos e a metade da graça que fazem a alegria dos fãs do diretor. Analisado como um filme isolado, é um trabalho brilhante, mas acho que Hawks não tinha uma veia tão patriota quanto John Ford, que fez filmes com elevado grau de patriotismo sem parecerem bobos, como A MOCIDADE DE LINCOLN, AO RUFAR DOS TAMBORES e FOMOS OS SACRIFICADOS, que deixavam o espectador contagiado. Sem falar que FOMOS OS SACRIFICADOS era sobre a guerra em questão, ainda quentinha na memória dos americanos e que o próprio diretor havia vivenciado, enquanto que SARGENTO YORK é sobre a 1ª Guerra Mundial, baseado numa história real de um homem caipira das montanhas do Tenessee que se torna um herói de guerra, muito bem interpretado por Gary Cooper.

Acontece que depois de GLÓRIA FEITA DE SANGUE, de Stanley Kubrick, qualquer cena que mostre os flancos, a guerra contra os alemães nas trincheiras, fica parecendo ensaio. Mas deixando de lado a comparação com a obra-prima de Kubrick, as cenas de SARGENTO YORK são bem boas, ainda que em certo momento eu tenha achado absurdas algumas situações, por mais próxima do real que ela tenha se inspirado. Alvin York, um homem religioso e que não queria entrar na guerra por acreditar na Bíblia, pois é contra a lei de Deus matar qualquer ser humano, demora um pouco para criar gosto para matar pessoas como se estivesse matando perus com o seu velho rifle na montanha. Mas ainda bem que o filme mostra isso, embora tudo seja muito suavizado e York, com o seu jeito todo inocente, faz com que o cenário da guerra, que acabou com a rendição de dezenas de alemães por apenas sete soldados americanos, se torne apenas divertido e não cruel e violento, como deveria ser. Mas, novamente, é preciso levar em consideração a época e a situação. Provavelmente os pais dos soldados que partiram para a sacrificar suas vidas na Europa não quisessem ver algo muito violento para não ficarem impressionados. Sem falar que o aspecto familiar é muito valorizado, sendo a personagem da mãe de York um dos mais ternos do filme.

O meu problema com o filme, além do fato de não ser um Hawks típico, embora tenha alguns elementos de sua obra, é que soa estranho demais para um filme do diretor, que sempre optou por ser mais pessimista e cruel com seus personagens. Ele mesmo já havia feito um filme sobre a 1ª Guerra – CAMINHO DA GLÓRIA (1936), que tinha muito mais a cara dele, embora não seja tão bom quanto. Como SARGENTO YORK é uma superprodução, com muito dinheiro envolvido, e é feito com o objetivo de elevar os ânimos do povo americano, passa a impressão de que Hawks pensou duas vezes antes de fazer qualquer cena mais forte ou que provocasse um pouco de desencanto no povo. O final feliz é tão estranho quanto ver Zé do Caixão se convertendo ao Cristianismo na conclusão imposta pela censura de ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER.

No mais, é um belo filme, mas que eu não colocaria entre os meus favoritos do diretor. O filme foi indicado a onze Oscar, incluindo melhor filme e melhor diretor, perdendo os dois prêmios para COMO ERA VERDE O MEU VALE, do amigo John Ford. Mas naquele ano a premiação estava concorridíssima. Havia entre os concorrentes CIDADÃO KANE, de Orson Welles, SUSPEITA, de Alfred Hitchcock e O FALCÃO MALTÊS, de John Huston. Aliás, Huston foi o verdadeiro roteirista de SARGENTO YORK. Nos créditos aparecem quatro nomes, mas segundo Hawks, Huston fez todo o trabalho. No fim, o filme ganhou os prêmios de melhor ator para Cooper e de melhor edição para William Holmes. Walter Brennan quase ganha o seu segundo Oscar num filme de Hawks. Mas Hawks não ligava muito pra esse negócio de Oscar. Em suas próprias palavras: "acho que alguns dos filmes premiados não são grande coisa, por isso, acho que o Oscar não significa muito para mim. Vi muitos filmes dos quais não gostei, mas eles foram indicados e receberam o Oscar.".

quarta-feira, novembro 12, 2008

UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS (Une Fille Coupée em Deux)



Hoje em dia, os filmes de Claude Chabrol se tornaram tão obrigatórios de se ver no cinema pra mim quanto os filmes de Woody Allen. Infelizmente eu só tomei consciência disso muito recentemente, a partir de A DAMA DE HONRA (2004), quando eu pude sentir, pela primeira vez, o prazer que é ver um filme do diretor na tela gigante. E como Chabrol tem uma obra extensa, tendo iniciado seu primeiro longa-metragem em 1959 com NAS GARRAS DO VÍCIO, marco da nouvelle vague, correr atrás dos filmes não vistos é uma tarefa ao mesmo tempo prazerosa e árdua.

Assim como A DAMA DE HONRA e demais filmes do diretor, UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS (2007) trata novamente de questões familiares, elemento bastante comum no cinema de Chabrol. Dessa vez, o ciúme reaparece com força, tendo sido abordado mais explicitamente no perturbador CIÚME – O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO (1994), que contava com uma Emmanuelle Béart no auge da beleza. E falando em mulher bonita, um dos maiores trunfos de UMA GAROTA DIVIDIDA EM DOIS é justamente a presença sempre sensual e resplandecente de Ludivine Sagnier, que tem deixado de ser apenas a musa de François Ozon para se tornar também uma atriz querida e disputada por cineastas do porte de Chabrol e Christophe Honoré, que a utilizou no maravilhoso CANÇÕES DE AMOR. No filme de Chabrol ela interpreta a moça da meteorologia de um telejornal. Com sua beleza, seu sorriso e seu carisma, ela tem todas as chances de subir no terreno profissional, até porque ela é abordada constantemente por seus superiores, muito provavelmente para "tirarem uma casquinha" da moça.

Sua vida muda quando ela encontra o escritor de best-sellers Charles Saint-Denis (François Berléand), homem bem mais velho que ela, mas cujo charme desperta na moça uma atração fatal. Ao mesmo tempo, ela é desejada pelo jovem "emo" Paul (Benoît Magimel), milionário que não faz nada da vida a não ser usufruir da fortuna herdada pelo seu pai. Como ele tem um temperamento instável, é constantemente seguido de perto por outro rapaz, que o filme não deixa claro, mas parece se tratar de uma espécie de guarda-costas contratado pela família. Paul se ressente da mãe, que não lhe deu a devida atenção quando criança, e por isso vive revoltado com tudo e com todos. Mais detalhes sobre a infância de Paul serão relatados no final do filme. Paul nutre um ódio especial por Charles Saint-Denis, especialmente quando ele tem bem mais chances que ele de conquistar a garota por quem ele se apaixona.

E como se trata de um filme de Chabrol é natural que as coisas se encaminhem para algum crime ou algo próximo do suspense, apesar de os filmes do diretor terem um andamento todo próprio, mais lento, o que os diferencia bastante dos trabalhos de Hitchcock, com quem ele é freqüentemente comparado. Há quem diga que Chabrol, nessa sua fase mais tardia, está no auge de seu talento e criatividade. Assim como o personagem de François Berleand, o diretor tem a experiência e a sabedoria ao seu lado para compensar a velhice. Se o filme não me conquistou tanto quanto os dois trabalhos anteriores do diretor – A DAMA DE HONRA e A COMÉDIA DO PODER (2006) - talvez tenha sido, em parte, culpa da péssima cópia digital distribuída nos cinemas brasileiros. Sei que o sistema digital veio para ficar mas é sempre bom dar uma alfinetada nos responsáveis pelas cópias, para que haja pelo menos uma melhoria na qualidade das exibições.

terça-feira, novembro 11, 2008

O ÚLTIMO METRÔ (Le Dernier Métro)



Interessante como as nossas impressões em relação a um filme – isso também pode ser estendido a outras formas de arte – podem se modificar com uma revisão. Cheguei a ver O ÚLTIMO METRÔ (1980) no cinema, o lugar supostamente ideal para se ver um filme. Acontece que pode até ser o lugar ideal, mas nem sempre o tempo para se ver determinado filme é o ideal ou o mais propício. Só assim para explicar o porquê de eu não ter gostado de um filme tão bem cuidado e tão belo quanto esse trabalho da fase tardia de François Truffaut.

Trata-se de mais um filme de época do cineasta e novamente com o auxílio de uma bem cuidada fotografia de Nestor Almendros. Com 18 filmes no currículo, ele já se considerava um diretor veterano e com grandes possibilidades de se repetir nos temas. Não vejo nada de errado com isso. Pelo contrário, acho que a gente cria de fato uma intimidade com o autor a partir do acompanhamento de seus filmes. Só assim passamos a entender o seu trabalho, podendo entender, por tabela, o homem por trás das câmeras. A cena em que um dos personagens diz que deixar Catherine Deneuve subir as escadas antes dele não é um gesto de cavalheirismo, mas para poder apreciar melhor as suas pernas é uma espécie de piscadela de olho do diretor para o espectador. E quem tem o mínimo de intimidade com Truffaut sabe o quanto ele ama as pernas femininas – basta lembrar de Claude Jade em BEIJOS ROUBADOS (1968) e DOMICÍLIO CONJUGAL (1970) e a temática explícita empregada em O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (1977).

Foi a segunda vez que Truffaut trabalhou com Catherine Deneuve – a primeira havia sido no subestimado A SEREIA DO MISSISSIPI (1969) – mas é impressionante como nesse filme em que ela aparece numa fase mais madura a atriz parece estar ainda mais bela. Talvez o fato de ela interpretar uma mulher misteriosa e forte em O ÚLTIMO METRÔ contribua para o fato de nos apaixonarmos mais facilmente por ela. Essa distância também é sentida pelo personagem de Gerard Depardieu, que interpreta um judeu que passou despercebido pelos nazistas na França ocupada em 1942, e que consegue o papel principal de uma peça escrita pelo marido da personagem de Deneuve, um judeu que está desaparecido por causa do novo regime. O que ninguém sabe é que a nova diretora do teatro (Deneuve) abriga o marido judeu na adega, onde ele fica escondido e sentindo-se angustiado e louco para sair, o que é normal para alguém que fica preso tempo demais num local, por mais bem cuidado que ele seja - e por mais que seja visitado por uma mulher tão bela e fascinante quanto Catherine Deneuve.

O que me conquistou no filme foi o modo como Truffaut me deixou apreensivo com o clima de subversão e perigo naquele momento tão delicado que foi o da ocupação nazista. E detalhes importantes como o crítico de teatro e locutor de rádio falando do quanto era importante impedir que os judeus desempenhassem funções importantes na sociedade são sabiamente mostrados no filme. Na época, metade da França estava tomada pelos nazistas e a outra metade resistia. Na metade tomada, os judeus não podiam ficar até tarde nas ruas e nem entrar em lugares públicos como teatros, muito menos atuar, dirigir ou escrever peças. E havia um toque de recolher e um último horário do metrô, que coincidia com o horário em que a peça terminava.

Tanto o personagem de Depardieu, que começa o filme levando um fora de uma mulher na rua, antes de se apresentar no teatro para a peça, quanto a personagem de Deneuve, são misteriosos à sua maneira. E para mim, chegou a ser surpreendente o final, já que eu não conseguia perceber nas entrelinhas os reais sentimentos de Deneuve, embora o fato de ela conseguir enganar a todos, de ser uma atriz até mesmo na dura vida real, tendo que tolerar críticos anti-semitas e oficiais nazistas para evitar que seu teatro fechasse, já indicasse uma pista de que tudo era possível para aquela mulher. Uma das cenas que descreve o quanto ela era capaz de fingir chegou a me comover: era noite de estréia da peça e o marido estava na adega, doente de ansiedade, enquanto ela comia algo e parecia agir com calma, como se nada de importante estivesse acontecendo. Ele dizia: "como você consegue comer numa hora dessas? Como você consegue ficar tão calma?". Ela fazia aquilo para deixá-lo mais tranqüilo, já que logo em seguida, no banheiro, ela vomitaria tudo, demonstrando estar tão apreensiva com o resultado da noite de estréia quanto ele.

O ÚLTIMO METRÔ é um dos trabalhos mais belos e sutis de Truffaut. Seus personagens são muito pouco aprofundados, dando ao espectador uma aura de mistério, ao mesmo tempo em que podem provocar indiferença naqueles que não entram no espírito do filme, como aconteceu comigo na primeira vez em que o vi. Talvez porque eu ainda não estivesse preparado para o filme. Por isso, foi mais do que feliz a minha decisão de revê-lo e pretendo fazer o mesmo com a obra-testamento de Truffaut – DE REPENTE NUM DOMINGO (1983) -, que me despertou reações semelhantes e que eu pretendo rever em breve.

segunda-feira, novembro 10, 2008

007 - QUANTUM OF SOLACE (Quantum of Solace)



Gostei da idéia de fazer uma renovação nos filmes de James Bond, iniciada a partir de 007 - CASSINO ROYALE (2006), dando sentimentos e motivações a um personagem que parecia imbatível e cínico demais, sem falar que James Bond dificilmente se sujava e mal assanhava o cabelo nos filmes anteriores, que se preocupavam mais em mostrar as novas engrenagens eletrônicas que ele utilizaria contra seus inimigos. 007 – QUANTUM OF SOLACE (2008) traz uma premissa que me agradou desde o começo, como o fato de ser uma continuação direta do filme anterior, e não mais um episódio solto e sem cronologia como os demais exemplares da série. Há quem não goste de Daniel Craig, considere-o com pouca classe e muita truculência, o que não deixa de ser verdade, mas isso faz parte das inovações e com certeza essa nova fase será marcante, mesmo que um dia seja deixada de lado em nome dos velhos tempos.

O problema desse novo filme, além da falta de um título em português – o que eu considero uma ridícula imposição do estúdio que acaba por afastar o espectador médio, que nem mesmo vai saber pronunciar o título -, é que Marc Forster, diretor sem nenhuma experiência com filmes de ação, acaba tentando enganar o espectador com o velho truque da montagem picotada, que torna as cenas de ação incompreensíveis. Diria que a cena de ação que abre o filme é uma das piores da história da série. Uma pena, pois uma perseguição de carros seguida de muitas batidas, se bem dirigida, é algo de deixar o espectador com o coração na boca. Mas a canção de abertura, dessa vez a cargo de Alicia Keys e Jack White, restabelece o prazer e a esperança pelo filme. Inclusive, a guitarra de White me fez balançar a cabeça no cinema.

QUANTUM OF SOLACE vai se tornando mais interessante nas cenas de espionagem e nos diálogos, que é o forte de Forster. As Bond-girls, dessa vez - parece até de propósito - não têm a mesma força e o mesmo sex appeal de Eva Green em CASSINO ROYALE, já que o fantasma de Vésper está presente no filme inteiro, pois é o que motiva James Bond a ir à caça dos responsáveis pela morte de sua amada. Como um filme de vingança, QUANTUM OF SOLACE tem uma brutalidade às vezes empolgante e nunca James Bond pareceu tão raivoso e matador. Ele mata até mesmo os informantes que aparecem pelo caminho, a ponto de em certo momento o MI-6 ter que intervir e mandá-lo de volta para Londres.

No mais, o filme apresenta um bom vilão (Mathieu Amalric), uma trama razoável, duas Bond-girls interessantes (Olga Kurylenko e Gemma Arterton), muitas locações – o que acaba sendo um dos pontos mais divertidos do filme –, o retorno de um personagem simpático do filme anterior (Giancarlo Giannini) e um clímax no deserto bem interessante. É bem mais divertido que qualquer filme estrelado por Pierce Brosnan, o que já é motivo de comemoração. Acredito que a renovação da franquia tenha funcionado, embora peque nas cenas de ação nesse exemplar, que para um filme de James Bond, era esperado que fossem no mínimo boas.

sexta-feira, novembro 07, 2008

JOSEY WALES - O FORA-DA-LEI (The Outlaw Josey Wales)



Para festejar mais uma dobradinha de Clint Eastwood que teremos nos cinemas brasileiros no início do próximo ano – os novos CHANGELING (com roteiro do roteirista de quadrinhos J. Michael Straczynski) e GRAN TORINO – resolvi assistir um dos westerns mais elogiados da carreira do astro e diretor: JOSEY WALES - O FORA-DA-LEI (1976). O filme me deixou quase tão empolgado quanto O ESTRANHO SEM NOME (1973), primeiro western realizado por Eastwood e ainda à sombra de Sergio Leone. Em JOSEY WALES ainda há fortes elementos de Leone, mas o classicismo à John Ford começa a se notar mais forte. E diferente de O ESTRANHO SEM NOME, que parecia se passar num universo fantasioso e mitológico, como, em geral, aparentam a grande maioria dos westerns spaghetti, JOSEY WALES situa a ação no final da Guerra Civil Americana. E mais uma vez, Eastwood aponta sua câmera para os marginais, os incompreendidos pela sociedade, como os índios e os sulistas, que perderam a guerra para a União.

No início de JOSEY WALES, Clint aparece arando a terra junto com seu filho pequeno, quando é chamado para o almoço pela esposa. Um exemplo de utopia de felicidade dentro da simplicidade. A simplicidade tão valorizada pelo cinema do diretor. Essa felicidade é brutalmente interrompida quando um grupo de soldados da União mata sua esposa e seu filho e o deixa ferido e com uma cicatriz que ele carregará até a morte. Um grupo de rebeldes aparece depois e ele toma a decisão de se juntar aos Confederados, já que sua vida não tinha mais sentido e para ele tanto faria se vivesse ou morresse na guerra. Sem falar que ele teria a chance de se vingar dos soldados que assassinaram sua família. Finda a guerra, e com a rendição dos rebeldes sulistas, Josey Wales recusa-se a se render. Para ele, a guerra ainda não havia acabado. E por isso ele acaba se tornando um fora-da-lei, procurado tanto pelos soldados fardados de azul quanto pelos caçadores de recompensa, que se multiplicaram numa América falida pela guerra.

A exemplo do que o cineasta faria com MENINA DE OURO (2004), em JOSEY WALES, ele nos oferece um pouco de esperança no rumo de seus personagens para depois nos deixar compartilhando a amarga solidão ou a morte, como acontece também em UM MUNDO PERFEITO (1993). Em JOSEY WALES, a esperança acontece especialmente quando o protagonista consegue juntar uma trupe de indivíduos marginais e os leva para uma casa, aparentemente protegida o suficiente para que ele consiga viver ao lado do casal de índios, de uns poucos aliados e da mãe e filha que ele encontrara durante uma emboscada dos comancheros, um grupo que ataca pessoas para roubar dinheiro e objetos valiosos para negociar com os comanches. Quando Josey Wales - ao menos aos olhos daqueles que o seguem e o admiram - parece ter encontrado a felicidade perdida, no fundo ele sabe que o perigo está à espreita e que ele precisa encerrar os assuntos pendentes e acabar na solidão ou na morte, como a maioria dos heróis eastwoodianos. Alguns enquadramentos lembram de cara John Ford, como aquele em que Clint entra num saloon e dois homens estão se aproveitando de uma índia, sem que o covarde dono do estabelecimento possa fazer nada. Ele aparece na porta, como John Wayne, com a luz forte ao fundo, e a escuridão do interior. Vai ver a luz exterior e a escuridão interior é uma metáfora do modo como ele enxerga o país em que vive ou a própria vida.

P.S.: Já que eu citei J. Michael Straczinski, quem leu o arco “Um Dia a Mais”, do Homem-Aranha? O que acharam? Será que isso não prejudicará a relação do herói com o restante do Universo Marvel, já que ele está intimamente ligado aos Novos Vingadores? Será que Brian Michael Bendis está se lixando pra isso, como ele pareceu estar com Planeta Hulk, quando ele simplesmente ignorou os acontecimentos? Será que a Marvel está perdendo o rumo e o senso de organização que sempre foi o seu forte?

quinta-feira, novembro 06, 2008

O ESTRANHO SEGREDO DO BOSQUE DOS SONHOS / O SEGREDO DO BOSQUE DOS SONHOS (Non si Sevizia un Paperino / Don't Torture a Duckling)



Fazia tempo que não via um filme de Lucio Fulci. Percebi que o mais marginal dos grandes diretores de filmes de gênero italianos estava sendo marginalizado até por mim, em detrimento de Bava e Argento. E nada como retomar a sua obra com um de seus mais festejados títulos: DON'T TORTURE A DUCKLING (1972), que aqui no Brasil ganhou um título estranho quando lançado em poucas salas do país nos anos 70. Ainda assim, procurando na internet sobre qual o exato título nacional, acabei encontrando essas duas variações. Logo, além de o título não ser muito adequado ao filme, melhor mesmo é tratar a obra pelo seu título mais conhecido: o internacional.

DON'T TORTURE A DUCKLING é estrelado pela cearense Florinda Bolkan, que durante os anos 60 e 70 trabalhou em diversas produções italianas, tendo sido, inclusive, dirigida por cineastas de renome, como Luchino Visconti - que foi quem a descobriu -, Vittorio de Sica e Elio Petri. Mas os fãs do cinema de gênero lembram da atriz principalmente pela dobradinha que ela fez com Lucio Fulci: UMA LAGARTIXA EM PELE DE MULHER (1971) e o mais polêmico e famoso DON'T TORTURE A DUCKLING, que rendeu ao diretor até mesmo a fama de excomungado pela Igreja Católica, por colocar o padre do filme como vilão e ainda por cima mostrar o seu castigo numa cena de violência gráfica impressionante e, para mim, inédita na forma como foi orquestrada.

O filme lida com o assassinato de diversas crianças, justamente as crianças que zombam da personagem de Bolkan no início e que têm o hábito de espiar o encontro dos adultos com as prostitutas. Bolkan aparece praticando magia negra, enquanto as crianças vão aparecendo mortas misteriosamente. As crianças são aparentemente bem cuidadas pelo padre da cidadezinha, localizada no sul da Itália. Outra personagem de destaque é vivida pela belíssima Barbara Bouchet, cuja primeira aparição no filme é memorável: ela aparece nua, recebendo uma bebida de um garoto, que fica constrangido com sua nudez e o modo desavergonhado e sensual com que ela o trata. O menino fica com um misto de insegurança e tesão pela mulher. Ela também é uma personagem misteriosa e uma das possíveis suspeitas do assassinato das crianças.

Considerado um giallo pelos especialistas, o filme se mostra mais do que um terror ou suspense sanguinolento, mexendo também com magia negra. Como é comum no trabalho de Fulci, a utilização do vulgar mesclado com o sofisticado é encontrada em plena forma. A cena da tortura da personagem de Bulkan pelos pais das crianças está entre os momentos mais belos do filme, pois conta também com o auxílio de uma belíssima canção – "Quei Giorni Insieme a Te", interpretada por Ornella Vanoni. Como acontece em muitos trabalhos de Argento e do próprio Fulci, o belo e o grotesco andam de mãos dadas de forma genial. Pra completar, a trilha sonora do filme é de Riz Ortolani, o mesmo compositor da trilha de CANNIBAL HOLOCAUST.

Agradecimentos especiais a Carlão Reichenbach, que foi quem me forneceu a cópia dessa maravilha.

P.S.: Finalmente vi a entrevista de David Lynch para o Roda Viva. Um pouco decepcionante, no geral, mas como não é todo dia que vemos Mr. Lynch passeando pelo Brasil e dando entrevistas a torto e a direito, ainda que falando principalmente sobre meditação transcendental, foi uma oportunidade de ouro poder assistir a esse mais do que especial Roda Viva. Houve alguns momentos constrangedores, como aquele em que a Lilian Witte Fibe diz que ele não gostou de TWIN PEAKS - OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER e ele deixou bem claro que adorou ter feito o filme. Agradeço de coração à Bia, que muito gentilmente fez a cópia da entrevista pra mim.

terça-feira, novembro 04, 2008

A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES



Depois do luxo que foi a produção de EXORCISMO NEGRO (1974), José Mojica Marins volta à bagaceira com essa produção picareta intitulada A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES (1976), filme que não foi dirigido por ele, já que um de seus discípulos, Marcello Motta, ficava perturbando Mojica pela direção. E como Mojica andava exausto de tanto trabalhar e ainda resolvendo sua complicada situação com Nilce, fez a besteira de dar a direção à Motta e apenas produzir esse filme feito com parcos recursos e com um preto e branco em tons sépia. A cópia que eu consegui da internet é ripada de um VHS surrado lançado pela Something Weird, selo que lançou os trabalhos de Coffin Joe nos Estados Unidos em fita, sem necessariamente se importar muito com a qualidade das cópias. Se a cópia original já não era grande coisa, ver essa cópia em divx fez com que as imagens sujas fizessem eu me lembrar dos tempos em que alugava aquelas fitas mofadas de locadoras empoeiradas, do tipo que sujavam os cabeçotes e eu precisava abrir o videocassete pra limpá-lo. Mas se ao menos o problema de ver o filme estivesse apenas na péssima qualidade da cópia eu não me importaria. Não. A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES é talvez o filme que mais suja a reputação e a filmografia de Mojica, que já não andava muito bem na década de 70, embora EXORCISMO NEGRO tenha feito relativo sucesso comercial.

Também pudera, foi um trabalho feito com uma equipe quase que totalmente amadora. Os únicos profissionais na produção eram Mojica, Nilce e o diretor de fotografia. O restante - do diretor ao contra-regra - não tinha experiência nenhuma em cinema. O elenco também era todo amador e Mojica usou o velho esquema das cotas, talvez com a esperança de voltar aos bons tempos dos primeiros filmes do Zé do Caixão. Ou talvez por não ter outra saída mesmo. Talvez a melhor coisa do filme seja mesmo a performance de Mojica, como o recepcionista que, ao ser perguntado qual o seu nome, responde que é melhor não despertar a besta que existe dentro dele. A estória creditada a Rubens Lucchetti até renderia um bom curta de meia hora de duração ou até um bom filme de maior duração se bem conduzido, mas a direção é tão ruim e a produção tão pobre que em instante algum dá pra se acreditar que existe de fato uma tempestade lá fora, que faz com que várias pessoas se abriguem na tal hospedaria do título. Não tiveram o cuidado nem mesmo de filmar uma chuvinha que fosse no exterior, preferindo usar aqueles "efeitos especiais" de animação mostrando um raio e o som de trovoadas.

Alguns diálogos foram retirados de filmes anteriores de Mojica, como FINIS HOMINIS (1971), como na cena em que é mostrado o grupo de hippies cantando "tá todo mundo nu, oba!". Para transformar o filme num longa-metragem, várias cenas são esticadas e repetidas, causando logo um cansaço e uma tristeza de ver a decadência de um gênio. O fundo do poço. Por mais que Mojica possa dizer que não foi ele quem dirigiu o filme, sabe-se que ele teve que consertar muita cagada feita por Motta e acabou editando esse que talvez seja a pior coisa que ele já realizou em sua carreira. E pensar que ele tinha medo de sujar o nome com as pornochanchadas que dirigiu na época...

segunda-feira, novembro 03, 2008

GUNGA DIN



Dentro de minha peregrinação pela obra de Howard Hawks, acabei tropeçando nesta aventura que o cineasta quase dirigiu e que se trata de um marco na História dos filmes de aventura. GUNGA DIN (1939) é praticamente um avô de Indiana Jones, principalmente de INDIANA JONES E O TEMPLO DA PERDIÇÃO, com direito a cenas cômicas, seita perigosa, ambiente exótico (a Índia do final do século XIX) e um covil de cobras. Ainda diria que o filme de Spielberg é melhor, mas vendo GUNGA DIN notei o quanto o cineasta não foi tão original assim na construção daquele que eu considero um de seus melhores trabalhos. Mas tudo bem. Nada se cria; tudo se copia. E encaremos como uma homenagem.

No livro de Todd McCarthy, "Howard Hawks: The Grey Fox of Hollywood", há detalhes sobre o interesse do diretor por essa produção, as negociações que ele fez com a RKO e o entusiasmo em contatar logo uma dupla de roteiristas nota 10 – Ben Hetch e Charles McArthur – para fazer o script, baseado num poema de Rudyard Kipling. Então, quando ele teve que passar a bola para outro diretor, no caso, George Stevens, o caldo já estava praticamente pronto e só tiveram que juntar a estória feita e transformá-la em roteiro, sem nem menos creditar o trabalho da dupla, ou do trio. Enquanto isso, a vida pessoal de Hawks estava passando por uma tempestade de eventos que ele preferia fugir a ter que lidar com eles. Talvez por causa de sua fuga dos problemas ele não tenha gostado nada quando sua esposa lhe fez uma surpresa, indo visitá-lo em Nova York, quando o que ele mais queria era fugir dos problemas familiares. O gesto agressivo de Hawks para com ela acabou deixando a mulher, que já sofria de esquizofrenia, ainda mais abalada, passando, a partir de então, uns tempos num sanatório, tomando eletrochoque.

Quanto a George Stevens, ele é um bom diretor e ainda teria no currículo grandes obras como UM LUGAR AO SOL (1951), OS BRUTOS TAMBÉM AMAM (1953), ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE (1956) e O DIÁRIO DE ANNE FRANK (1959), mas talvez na época de GUNGA DIN ele ainda estivesse um pouco verde. E como o próprio Hawks disse em entrevista a Peter Bogdanovich, Stevens não tinha o mesmo ritmo alucinado de Hawks. Seu ritmo de trabalho e conseqüentemente seus filmes eram mais lentos, o que não combinou muito bem para uma aventura como GUNGA DIN, que necessitaria de um diretor mais frenético. Por isso, GUNGA DIN, apesar de ter os seus bons momentos, parece uma daquelas sessões da tarde de outrora, em que a gente assistia até o final, mas sem grande entusiasmo.

Na estória, Cary Grant, Victor McLaglen, Douglas Fairbanks Jr. são oficiais da coroa britânica na época em que a Índia era dominada pelos ingleses. O personagem de Grant tem uma fixação por um tesouro em ouro que um dos escravos, o Gunga Din do título, havia lhe contado que havia numa espécie de santuário. O ápice do filme acontece justamente no momento em que o personagem de Grant e Gunga Din vão parar nesse lugar e flagram uma cerimônia religiosa que lida com sacrifícios humanos. Mas antes dessa parte do filme chegar, muita coisa acontece, coisas que cairiam bem num filme de Hawks: há até a figura simpática de um elefante que anteciparia os filhotes de elefante de HATARI!, mas há principalmente a questão da amizade dentro de um ambiente hostil e os momentos em que os amigos têm de lidar com a separação do trio, gerada pelo futuro casamento de um deles (Joan Fontaine aparece jovem e bonita como a noiva de Fairbanks Jr.). No meio de tudo isso, alguns bons momentos de humor, sendo o melhor deles, a cena do ponche na festa.

domingo, novembro 02, 2008

MARCELO CAMELO: SHOW DA TURNÊ 'SOU/NÓS'



Já estava até conformado que não iria para o show. Perguntara aos amigos se alguém estaria interessado em ir comigo, mas a resposta foi negativa - é, diferente de cinema, eu não estou acostumado a ir a show sozinho. Um dos amigos, inclusive, quando eu falei o nome de Marcelo Camelo, respondeu com uma pergunta: "quem?". Mas como minha irmã, também fã de Los Hermanos, resolveu de última hora ir, aí eu aproveitei a oportunidade. Chegamos lá no Dragão do Mar em cima da hora mas conseguimos comprar ingresso com cambista pelo mesmo preço da bilheteria e só perdemos o comecinho do show, uma canção. A minha constatação ao chegar lá e ver tantos carros e tanta movimentação no local é saber que um disco de tão difícil degustação como esse primeiro álbum solo de Camelo não foi motivo suficiente para espantar os fãs do Los Hermanos, que continuam sedentos de material produzido pelos membros mais ativos da banda (Camelo e Rodrigo Amarante).

Quanto ao show, eu fiquei positivamente surpreso. As canções do álbum crescem muito ao vivo, valorizam-se mais. Mesmo momentos em que Camelo e sua banda fazem uma experimentação sonora longa, corajosa e barulhenta que deixa a todos em estado quase hipnótico, mesmo nesses momentos, o público, constituído, acredito eu, de órfãos do Los Hermanos, pareceu interessado e reagiu com respeito à vontade do cantor/compositor. Não deixa de ser corajoso também o fato de Camelo encerrar a primeira parte do seu show com "Despedida", que nem havia sido gravada por ele, mas composta para Maria Rita. É uma canção que nem me agrada tanto, fala de mar, me lembra os cultos afro-brasileiros da Bahia, o que não deixa de ser uma aproximação maior com Dorival Caymmi, que é o nome a que mais se imagina ao ouvir o álbum de Camelo, que tem uma preguiça, uma falta de pressa, característica desse baiano tão respeitado por muitos e tão pouco conhecido por mim.

No meio de tantas canções lentas e letárgicas ("Téo e a gaivota", "Passeando"), mas cuja delicadeza e calor humano do público se tornaram animadas e mais interessantes, um dos momentos mais animados da noite foi na hora em que ele tocou "Copacabana", a marchinha de carnaval que diz que o "bairro do Peixoto é um barato e os velhinhos são bons de papo", que demonstra um respeito e uma vontade de estar junto com os mais velhos. "Janta", que foi composta com participação especial de Mallu Magalhães, sofreu com a falta da moça, mas como se trata de uma das canções mais acessíveis do disco, acredito que foi um dos momentos mais alegres. Claro que em termos de animação, o que mais deixava o público feliz era as poucas vezes em que Camelo enxertava composições suas para o Los Hermanos dentro do show, quando o povo parecia cantar em uníssono. A primeira delas foi "Pois é", do álbum 4, o disco que mostra mais explicitamente a forte cisão e diferença bem aparente entre os estilos e os caminhos que Camelo e Amarante trilhariam. Lembrou-me os últimos álbuns dos Beatles, que já deixavam claro que Paul e John estavam cada vez mais individualizados e menos unidos como banda.

As outras canções dos Los Hermanos que ele cantou foram: "Morena", "A outra", "Além do que se vê" e, encerrando o show, a canção que abria a turnê do álbum 4, "Dois barcos". Uma canção bem sombria para encerrar um show. Na verdade, o show foi encerrado no segundo bis. Camelo, sem conseguir fazer com que o povo arredasse o pé da Praça Verde, voltou para tocar apenas mais uma no violão e acabou tocando duas. Um dos momentos mais bonitos da noite foi quando ele cantou "Santa Chuva", canção que talvez se não tivesse passado pelo primeiro disco da Maria Rita, seria recebida talvez tão friamente quanto as demais do álbum solo. Mas como ele prometeu que voltaria aqui em breve, acredito que no seu retorno o disco já vai estar azeitado e muita gente já vai saber de cor as canções. Eu, pelo menos, voltei do show valorizando mais o disco novo, que pretendo ouvir com mais carinho e atenção a partir de agora.

P.S.: A foto acima foi tirada pela minha querida irmã Adaila, que fez a gentileza de ir lá pertinho do palco para poder resultar numa foto mais decente. Eu achei que ficou ótima.