quinta-feira, abril 30, 2009

THE SPIRIT – O FILME (The Spirit)























Que desperdício de elenco, de tempo e de dinheiro é ver este THE SPIRIT – O FILME (2008), dirigido pelo mestre dos quadrinhos Frank Miller, provavelmente o artista que eu acompanho a carreira há mais tempo – desde a época de sua revolucionária entrada no título do Demolidor, publicada no Brasil na saudosa Superaventuras Marvel. Por mais que seu estilo nos quadrinhos fosse cinematográfico, suas incursões no cinema não foram muito felizes. A começar pelo fracasso de sua estreia como roteirista nas duas continuações de ROBOCOP e incluindo sua parceria com o amigo Robert Rodriguez em SIN CITY – A CIDADE DO PECADO (2005). Se bem que há uma boa parcela de fãs de SIN CITY. O mesmo não se pode dizer de THE SPIRIT, que é um filme que agrada a poucos. Fui ao cinema disposto a ser um desses poucos, mas infelizmente achei o trabalho intragável e soporífero.

O que há de bom são as beldades, ainda que mal aproveitadas. Eva Mendes, Scarlett Johansson, Jaime King e Paz Vega surgem na maior parte das vezes em trajes sensuais. Inclusive, eu diria que a melhor cena do filme é a da xerox da bunda de Eva Mendes. No mais, não embarquei na viagem humorística, no tom pastelão, no exagerado uso de computação gráfica e nas interpretações teatrais do filme. Não tive contato com os quadrinhos originais de Will Eisner, mas tenho certeza que mesmo que os quadrinhos adotem um tom cômico, diria que Miller errou a mão na composição de sequências engraçadas. Sabe quando a gente percebe quando alguém tenta ser engraçado e não consegue? Pois é esse esforço que eu senti, principalmente nas cenas com Samuel L. Jackson e suas piadas envolvendo ovos. Nem diria que o filme é um trabalho corajoso de Miller, afinal, ele está dando sequência a SIN CITY, que teve um bom sucesso de bilheteria. Tem até crítico que anda chamando THE SPIRIT de "Sin City 2". A propósito, no momento, a continuação do sucesso de Rodriguez e Miller parece estar passando por uma difícil negociação envolvendo direitos de produção.

O filme conta a história – se é que dá pra dizer que tem uma história - de um policial morto, uma espécie de fantasma, que combate o crime nas ruas de uma cidade cheia de criminosos. Seu arqui-inimigo é o Octupus, o personagem de Samuel L. Jackson, que tem como assistente a loira Johansson e vários clones de Louis Lombardi, que representa outra tentativa frustrada do filme de fazer rir. Encarando como algo bizarro, até que dá pra respeitar um pouco mais THE SPIRIT. Mesmo assim, por mais que uns poucos fãs elogiem o trabalho de Miller, tenho certeza que o boca-a-boca negativo deve tornar o filme fadado ao fracasso de bilheteria.

P.S.: Hoje os jornais trouxeram a boa notícia da abertura de mais seis salas de cinema em Fortaleza. Trata-se do Complexo de Cinema Via Sul Shopping, no bairro Seis Bocas. E a boa é que uma das salas trará finalmente a projeção em 3D à cidade. Até que enfim! O primeiro 3D que devo ver lá é MONSTROS VS. ALIENÍGENAS. Mas me tirem uma dúvida: é verdade que não existem filmes legendados nessa tecnologia?

quarta-feira, abril 29, 2009

O ILHÉU (The Manxman)
























E finalmente chego ao fim da fase muda de Alfred Hitchcock. Seu último trabalho mudo, antes da chegada definitiva do cinema falado à Inglaterra foi O ILHÉU (1929), um drama bem sério e de clima opressivo, que fecha bem o primeiro ciclo da filmografia do homem que viria a se tornar o mestre do suspense. O ILHÉU não é considerado pelo próprio cineasta "um filme de Hitchcock", mas já antecipa alguns temas que seriam abordados com mais força em clássicos como SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (1949) e A TORTURA DO SILÊNCIO (1952), como pessoas sendo atormentadas por um segredo.

O ILHÉU mostra um triângulo amoroso onde dois amigos de infância disputam o amor de uma mulher. Um deles é um advogado (Malcolm Keen); o outro, pescador (Carl Brisson). A mulher é Kate, interpretada por Anny Ondra, de CHANTAGEM E CONFISSÃO (1929). Ambos são apaixonados pela jovem, mas só o pescador manifesta o seu amor e até arrisca levar um 'não' do pai dela, o comerciante, que não quer que sua filha se case com alguém com poucas condições financeiras. Philip, o advogado, guarda para si o amor. E como o filme mostra principalmente o seu ponto de vista, podemos sentir o ciúme e a dor de ver a sua amada sendo cortejada por outro. Pete decide viajar para voltar endinheirado e pede a Kate que espere por ele e a seu amigo Philip que cuide de Kate enquanto ele estiver fora. Philip e Kate passam, então, a estreitar suas relações e a notícia que chega de que Pete havia falecido os torna livres para iniciarem um relacionamento amoroso, longe da culpa de estar traindo alguém. Acontece que Pete não morreu. E retorna para reivindicar o casamento.

Depois do fraquíssimo CHAMPAGNE (1928), Hitchcock surpreende com um de seus melhores trabalhos da fase inglesa, onde o peso da culpa e o fato de se esconder a verdade torna o filme bem interessante. O aspecto religioso da verdade que liberta mas que também pode destruir é enfatizado e a sequência final até antecipa o final de OS PÁSSAROS (1963). E Carl Brisson, de O RINGUE (1927), pareceu estar se especializando em fazer papel de corno. Outra coisa que merece ser destacada é o fato de o filme antecipar o cinema falado, com cenas em que é até possível ler os lábios dos personagens. Inclusive, como François Truffaut muito bem comentou, na cena em que Kate diz que está esperando um bebê, Hitchcock optou até mesmo por não usar nenhum letreiro.

Para encerrar a fase muda e comemorar o início da fase falada num futuro post, segue meu top 5 dos filmes silenciosos de Hitchcock:

1. O INQUILINO SINISTRO / O PENSIONISTA
2. O ILHÉU
3. A MULHER DO FAZENDEIRO
4. O RINGUE
5. THE PLEASURE GARDEN

terça-feira, abril 28, 2009

CALAFRIOS (Shivers)




















Agora sim. Depois de dois trabalhos underground experimentais, David Cronenberg faz um filme para o grande público – ou para um público maior, pelo menos. Tinha dúvidas se já tinha visto CALAFRIOS (1975) naquela cópia em VHS, se eu não me engano, da FJ Lucas. Mas o que eu devo ter visto foi o filme seguinte dele, ENRAIVECIDA – NA FÚRIA DO SEXO (1977), que reverei nas próximas semanas e que voltou aos holofotes recentemente por causa da morte de Marilyn Chambers. Quanto a CALAFRIOS, ele retoma alguns temas já mostrados nos dois trabalhos anteriores, especialmente em CRIMES OF THE FUTURE (1970). No arquivo que consegui do filme, vem junto uma pequena entrevista com o cineasta, onde ele conta as dificuldades enfrentadas durante a produção e como ele conseguiu driblá-las com pouca experiência e muita criatividade. E o engraçado é quando o diretor conta que uma de suas atrizes (Susan Petrie) não conseguia chorar nas cenas e ela pedia para que o cineasta a batesse no rosto com força, o que chegou a deixar algumas pessoas do elenco escandalizadas com esse "novo método" do diretor. É divertido ver Cronenberg falando desse incidente na entrevista.

Como se trata de um "bezão" assumido - foi filmado com baixo orçamento e em apenas quinze dias -, o filme não poupa sequências de gore nem de nudez. E o parasita, que lembra uma cobra ou um verme tamanho família, aparece várias vezes atacando algumas vítimas. Entre elas, a musa dos filmes de horror italianos Barbara Steele (de A MÁSCARA DE SATÃ, de Mario Bava). A sequência de Barbara Steele sendo atacada pelo parasita na banheira é antológica. Mas são tantas as cenas boas do filme que fica até difícil eleger uma. CALAFRIOS tem uma montagem tão acertada que seus 87 minutos passam voando, num filme que dá muito prazer ao espectador. Isto é, se ele não se incomodar com cenas que pode considerar "nojentas".

Uma das características da obra de Cronenberg, além das comumente citadas, é o pessimismo. Em geral, os personagens de seus filmes têm um fim trágico. Não há espaço para salvação. No caso de CALAFRIOS, o mal se manifesta na forma de um parasita que toma de assalto um grupo de pessoas que moram num condomínio. As primeiras vítimas desse parasita são mostradas logo no início do filme: um homem pega uma jovem à força, deixa-a inconsciente e abre o seu abdômen com uma faca. Depois do que vê em suas entranhas, ele mesmo se mata. Como o filme se concentra também num consultório médico e há também cenas envolvendo investigação policial, ficamos sabendo que a tal garota havia feito sexo com várias pessoas do lugar, havendo, portanto, uma contaminação. E todas essas pessoas passaram a apresentar um comportamento excessivamente erótico e violento. Em certo sentido, CALAFRIOS lembra os filmes de zumbi de George A. Romero, onde há os infectados e aqueles que fogem da doença. A diferença é que Cronenberg centra mais no sexo, no corpo, sua grande obsessão, seu objeto de estudo, bem como nos corpos estranhos, aqueles que interferem de forma monstruosa na estrutura do corpo e na psique de seus personagens. Um filme admirável e um dos melhores da filmografia do mestre.

segunda-feira, abril 27, 2009

CINCO CURTAS NACIONAIS

























Recentemente, resolvi apresentar para minha turma na escola, agora que assumi umas turmas na disciplina de Artes, três curtas-metragens, depois de ter dado uma pequena aula teórica sobre cinema. Os curtas que eu apresentei para eles foram: A SEMANA, de Buster Keaton, já comentado aqui no blog em julho do ano passado, ILHA DAS FLORES (1989), de Jorge Furtado, e VINIL VERDE (2004), de Kleber Mendonça Filho, em cópias encontradas na internet. Os demais curtas do post foram vistos no programa Curta Petrobrás, que aqui em Fortaleza é exibido no Espaço Unibanco Dragão do Mar. Aproveitemos o tempo escasso do dia para falar dos filmes de maneira objetiva.

ILHA DAS FLORES

Feito num momento em que se costumava dizer que o Brasil fazia excelentes curtas, mas deixava a desejar nos longas, ILHA DAS FLORES marcou época e se tornou um exemplo de qualidade. Jorge Furtado hoje é um dos cineastas mais famosos do Brasil e com uma filmografia sólida e autoral, independente de gostarem ou não de seu trabalho. Já fui mais fã de ILHA DAS FLORES. Talvez por ter visto diversas vezes, o curta foi perdendo um pouco do encanto inicial, ainda que a sequência final continue arrepiando e a linguagem pseudo-didática continue interessante, com um tipo de humor sarcástico, como que para esconder a revolta.

VINIL VERDE

Talvez o curta brasileiro que eu mais gosto. Costumo dizer sempre pras pessoas que na primeira vez que o vi, justamente numa dessas programações Curta Petrobrás, tive um pesadelo durante a noite, de tão impressionado que fiquei com o filme. Trata-se de uma adaptação de uma fábula russa sobre uma garotinha que ganha da mãe uma coleção de vinis coloridos. A mãe a pede que escute todos, exceto o vinil verde. Não vou dizer o que acontece pra não estragar a surpresa de quem ainda não viu o filme (disponível no site Porta Curtas). Um dos diferenciais formais do filme é o fato de ser narrado com fotografias. Uma das possíveis interpretações é estabelecer uma ligação com a tentação do fruto proibido no Jardim do Éden e a própria natureza humana, vista com pessimismo. O final, mais do que assustador, é de uma extrema beleza, com frases finais poderosas. Um filme que cada vez eu admiro mais.

NOITE DE SEXTA, MANHÃ DE SÁBADO

Quando vi que na programação do Curta Petrobrás desse mês estava um curta de Kleber Mendonça Filho, não ia ficar sem conferir no cinema mais um trabalho desse talentoso cineasta pernambucano. E NOITE DE SEXTA, MANHÃ DE SÁBADO (2006) não me decepcionou. O filme é totalmente diferente de VINIL VERDE, mas mostra uma força na condução dos atores, na escolha das tomadas e principalmente no sentimento que só me faz desejar ver o quanto antes um longa-metragem dirigido por KMF. Nesse belo curta, os temas são a solidão, o amor distante, as palavras que ficam entaladas na garganta. A fotografia em preto e branco aumenta o clima de angústia e a solidão, seja quando mostra as ruas desertas com suas árvores, seja quando mostra o mar. Um filme que fez valer o dia.

JONAS E A BALEIA

Já o curta de Felipe Bragança não me agradou nem um pouco. JONAS E A BALEIA (2006) parece que tem uma dificuldade em contar sua história através de imagens, necessitando o tempo todo de utilizar frases na tela para substituir as imagens, que desaparecem da narrativa com elipses. É um curta que parece ser feito com um orçamento apertadíssimo, já que dispõe até mesmo de sequências em animação. Não sei se houve aí uma intenção de emular o estilo de algum cineasta estrangeiro de vanguarda, só sei que o resultado final não me agradou nem no andamento nem na narrativa confusa.

TRÓPICO DAS CABRAS

Falado em espanhol e com locações entre Santos e o interior de São Paulo, TRÓPICO DAS CABRAS (foto acima, 2007) mostra um casal viajando a fim de resolver a relação. Ou acabá-la de uma vez por todas. O filme lida com a morte lenta dos sentimentos do casal, utilizando-se vez ou outra de cenas picantes. O curta de Fernando Coimbra tem uma direção firme, uma bela fotografia e uma narrativa envolvente. A escolha da língua espanhola para o filme se deve principalmente ao protagonista, interpretado pelo argentino Victor Hugo Carrizo. O filme foi o vencedor de sua categoria (curta em 35 mm) do Festival de Brasília de 2007.

sexta-feira, abril 24, 2009

DIABO A QUATRO (Duck Soup)
























Na época que fiz minha pequena peregrinação pela obra de Leo McCarey, queria muito ver este DIABO A QUATRO (1933), mas não encontrei pra locar na videolocadora, nem consegui barato pra comprar. Felizmente, graças às maravilhas da internet e dos fóruns de compartilhamento, finalmente tive a chance de dar uma conferida nesse que é considerado o melhor filme dos Irmãos Marx. E como a Liga dos Blogues Cinematográficos está promovendo o ranking da década de 30, juntei o útil ao agradável. Pena que eu tenha ficado um pouco decepcionado com o filme. Talvez porque o humor do grupo tenha envelhecido e perdido um pouco da graça. O que permanece mais engraçado é Harpo, o que não fala e de onde o filme mais explora o humor físico. É de Harpo que vem o aspecto mais anárquico do grupo. Ele puxa os bolsos da calça do povo e corta com uma tesoura que carrega consigo, entre outras presepadas, junto com seu parceiro Chico.

Mas o cérebro está em Groucho, o bigodudo, o líder intelectual do bando - eu achava que o bigode era de verdade, mas no filme eu vi que era tinta. Groucho foi o que mais fez sucesso com suas tiradas sarcásticas, tendo feito também filmes sem o grupo com igual sucesso. Ele até virou personagem em quadrinhos e se transformou no parceiro do detetive Dylan Dog nos quadrinhos italianos de mistério. Dos quatro, foi o que mais ficou no inconsciente coletivo da civilização ocidental. Um deles não tem muita graça, que é o Zeppo, que eu só fui saber que pertencia ao grupo lá pelo final do filme, na cena em que ele dança com os demais. Ele é muito normal para fazer parte do grupo e fica bem apagado durante o filme. Comparando com os Trapalhões, seria como o Dedé. Mas até o Dedé era mais engraçado, funcionando de "escada" para os outros. Por isso que pouca gente reclamou quando Zeppo deixou o grupo depois de DIABO A QUATRO. Quando o bando migrou para a MGM, fez filmes de sucesso como UMA NOITE NA ÓPERA (1935) e UM DIA NAS CORRIDAS (1937), cujos títulos originais foram homenageados em discos do Queen.

Um dos momentos mais memoráveis de DIABO A QUATRO é a cena do espelho, que com certeza serviu de inspiração para vários desenhos animados. Também muito legal o fato de o filme zombar dos ditadores, tanto que ele chegou a ser proibido na Itália por Mussolini. Quanto a Leo McCarey, perguntado sobre se havia gostado de trabalhar com os irmãos Marx, ele respondeu: "Não gostei. Eles eram muito irresponsáveis, e eu nunca conseguia reunir todos ao mesmo tempo – sempre faltava um.". Quer dizer, os caras eram anárquicos não apenas nas telas, mas na vida real também. Dá até pra imaginar os quatro tentando enlouquecer o diretor, como um bando de alunos pestinhas perturbando a cabeça de um esforçado professor que deseja manter ordem na sala.

DIABO A QUATRO não tem muitas cenas musicais, como aparentemente têm os demais trabalhos do grupo, e isso se deve muito a McCarey, que resolveu cortar esses números para dar mais ritmo ao filme. Pelo que eu li a respeito, quando eles saíram da Paramount e foram para a MGM, suas comédias se misturaram ainda mais com o musical e com o romance. Também fiquei sabendo que os irmãos eram bastante unidos, chegando a voltar a trabalhar no fim de suas carreiras para conseguir dinheiro a fim de quitar as dívidas de jogo de Chico.

quinta-feira, abril 23, 2009

EVOCANDO ESPÍRITOS (The Haunting in Connecticut)























Quem me conhece sabe que eu costumo encarar com boa vontade os filmes de terror mais malhados que aparecem nos cinemas. Isso porque o gênero em si me atrai. Claro que nem sempre eu saio satisfeito da sala, mas dificilmente eu me arrependo de ter ido ver o tal filme. No caso de EVOCANDO ESPÍRITOS (2009), o que mais me interessou, além da trama de casa mal assombrada que a gente está acostumado a ver, foi a abordagem dos chamados ectoplasmas. Lembro que um amigo espírita da época do colégio, em tempos de descoberta da doutrina kardecista, me mostrou algumas fotos desse fenômeno de materialização que me deixaram curioso. E eu nunca tinha visto um filme de terror tratar desse assunto com seriedade antes. Por isso, por mais que EVOCANDO ESPÍRITOS não seja tão eficiente como construtor de uma atmosfera de horror, ele traz algumas novidades. O caso da retirada da pálpebra dos mortos é especialmente interessante, além de causar certo mal estar.

Na trama, Virginia Madsen é a mãe de família que está lidando com o difícil tratamento de seu filho adolescente contra um câncer. Como eles moram numa casa que fica distante do hospital, eles resolvem se mudar para uma mais próxima, como uma maneira de dirimir os gastos. A casa que eles alugam é uma pechincha. Um detalhe é que ela já havia sido uma funerária e uma espécie de centro espírita também. O que eles não sabiam é que o histórico da casa é mais pesado do que se podia imaginar. O jovem com câncer passa a ter visões de um outro adolescente morto que passa a atormentá-lo. Como é de esperar nesse tipo de filme, logo surge alguém para esclarecer o caso. No filme, esse alguém é Elias Koteas.

A sessão em que fui, no North Shopping, estava lotada de adolescentes, que pareceram bem entusiasmados com o filme, assustando-se e rindo dos próprios sustos. Quanto a mim, não lembro de nenhum susto em especial. Acho que por já estar mais acostumado com os clichês. Por isso, não fiquei nem um pouco impressionado. Mas meu interesse se intensificou na tal cena da sessão espírita que mostra a materialização de um ectoplasma. Bem bizarro aquilo. Quanto às fotos dos mortos, se a intenção foi trazer mais terror para o filme, a exemplo do que aconteceu com OS OUTROS, o recurso fica com aspecto requentado. No elenco, destaque também para Amanda Crew, o interesse amoroso do protagonista de SEX DRIVE - RUMO AO SEXO.

quarta-feira, abril 22, 2009

UM CONTO DE NATAL (Un Conte de Noël)























Dramas familiares em geral costumam despertar o meu interesse, especialmente os que procuram dar mais profundidade aos personagens. UM CONTO DE NATAL (2008), minha primeira experiência com o cinema de Arnaud Desplechin, no início ameaça ser um filme que tenta apresentar tudo rápido e metido a engraçadinho, como O FABULOSO DESTINO DE AMELIE POULIN, mas felizmente as coisas se acalmam e os personagens do drama são mostrados com a devida calma. Por isso os 150 minutos de filme são necessários e muito bem utilizados. Uma das primeiras coisas que me chamou a atenção, ainda que eu já tivesse pensado nisso vendo outros filmes franceses, é o seu caráter cerebral. Já se sabe que os franceses são os grandes teóricos de cinema do mundo. E não apenas de cinema. É como se, ao pensar demais sobre a vida e sobre a arte, eles fizessem tudo sempre com certo distanciamento, como se a dor não fosse deles. Essa impressão surge ainda mais forte na sequência em que Junon, a personagem de Catherine Deneuve, observa seus familiares analisarem friamente a sua expectativa de vida, caso o transplante de medula dê certo. Ela mesma, quando descobre que tem leucemia, conta o ocorrido como se não fosse uma doença muito grave, como se fosse um problema pequeno. Desse modo, UM CONTO DE NATAL às vezes se comporta como um antimelodrama.

Até quando os personagens vão se tornando mais próximos do espectador, eles carregam um certo mistério que os distancia. Mesmo assim, é possível nos comovermos com os filhos de Junon, mais do que com ela. A personagem de Catherine Deneuve é uma mãe fria, que tem uma relação aberta e franca com o filho do meio, o pródigo Henri, interpretado por um Mathieu Almeric, que aqui mais parece uma versão francesa de Robert Downey Jr. A mãe costuma dizer friamente para o filho que não gosta dele. Mas será de Henri que Junon receberá a medula, a única compatível entre os filhos. Henri tem uma relação difícil com a família e se tornou alcoólatra desde a morte da esposa. Sua irmã mais velha, Elizabeth (Anne Consigny), não fala com ele desde que ele deu um prejuízo enorme ao pai. Elizabeth também sofre sérios problemas de depressão e baixa autoestima. Sente-se fadada a ser eternamente triste.

E o filme trata de maneira bem interessante o aspecto da depressão e suas causas. Tomemos o exemplo, por exemplo, de Ivan, o filho mais novo (Melvil Poupaud). Ele hoje, casado com uma bela mulher (Chiara Mastroianni) e com dois filhos, é uma fortaleza, um homem preparado para enfrentar qualquer coisa. Mas antes de conhecer Sylvia, a personagem de Chiara, ele era um jovem frágil e deprimido que se não tivesse a chance de namorar e casar com ela talvez tivesse um final trágico. Por isso, seu primo, o pintor Simon (Laurent Capelluto), perdidamente apaixonado por Sylvia, faz um gesto de generosidade tremenda ao "deixar" Sylvia para o primo. E Simon carrega esse amor platônico por Sylvia calado e triste.

Vale destacar o encantamento que Chiara Mastroianni, mais bela e sensual do que nunca, confere à sua personagem. Assim, fica fácil também se apaixonar por ela, por sua generosidade, sensibilidade, coragem e seu sorriso sempre gracioso. Ela é, pra mim, a alma de UM CONTO DE NATAL, embora também mereça atenção a personagem da namorada de Henri, interpretada por Emmanuelle Devos, protagonista do elogiado REIS E RAINHA (2004). Faunia, sua personagem, é outra que transborda amor. E é engraçado eu falar de sentimentos tão intensos num filme que a princípio eu comentei ser de caráter mais cerebral. Talvez essa seja a graça das melhores obras francesas: quando mais pensamos ou refletimos sobre elas, mais os sentimentos, escondidos pelo véu da racionalidade, parecem vir à tona. E cada vez mais eu admiro esse povo.

terça-feira, abril 21, 2009

ESTÔMAGO























Pisei na bola ao não ter visto ESTÔMAGO (2008) quando de sua rápida passagem pelos cinemas da cidade. Acho que o cartaz pouco atraente e a falta de melhores informações fizeram com que eu privilegiasse outros filmes em detrimento desse. Mas acredito que ter visto o filme em casa foi tão prazeroso quanto tê-lo visto na telona. Peguei pra ver na madrugada de sábado para domingo e perdi até o sono, de tão entusiasmado que fiquei. E João Miguel mostrou o quanto é capaz de levar um filme sozinho. Depois de papéis de destaque em CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS e O CÉU DE SUELY, ele novamente encarna um nordestino. Mas dessa vez em terras paulistas, onde é chamado "carinhosamente" de Ceará. Mesmo tendo vindo da Paraíba.

ESTÔMAGO, filme de estreia de Marcos Jorge na direção de longas de ficção, se beneficia da simpatia do protagonista. João Miguel imprime no personagem uma figura engraçada com sua cadência, seu modo de falar, sua ingenuidade e falta de conhecimentos que rivalizam com sua inteligência para aprender rápido as coisas. O que nem sempre o cérebro consegue absorver é evitar que arroubos de ira, sentimentos passionais, consigam virar a cabeça de alguém pelo avesso.

Um dos atrativos do filme é sua montagem "estilo LOST", onde vemos dois tempos distintos da narrativa. Num deles, Raimundo Nonato, o personagem de João Miguel, começa a trabalhar como cozinheiro de coxinhas e pastéis para um mesquinho dono de lanchonete, que só lhe dá a comida e a hospedagem. Nada de salário. Com a mão boa que tem, suas coxinhas fazem um incrível sucesso, ao mesmo tempo em que ele começa a se relacionar com uma prostituta (Fabiula Nascimento). A outra narrativa que se intercala à anterior o mostra numa prisão. Provavelmente no futuro, embora inicialmente não se tenha certeza.

Como outros filmes que tratam da arte da culinária, ESTÔMAGO, com sua maior proximidade com a realidade brasileira, tem um poder lúdico muito maior do que a grande maioria dos trabalhos estrangeiros que também lidam com comida. Acredito que tanto pessoas com intimidade com a cozinha quanto aquelas que, como eu, nada sabem, devem ficar encantadas com a magia que alguns ingredientes são capazes de fazer.

Espero que Fabiula Nascimento, a garota-revelação do filme, não fique como "a bunda" de O CHEIRO DO RALO e simplesmente desapareça. Até porque Fabiula tem muito potencial de fazer sucesso com seu corpo de musa italiana. Quanto a João Miguel, uma pena que ele esteja na roubada que parece ser a nova versão de BONITINHA, MAS ORDINÁRIA, sob a direção de Moacyr Góes. Não consigo imaginá-lo no papel que foi de José Wilker. Mas como até hoje não vi nenhum filme baseado em Nelson Rodrigues que fosse destituído de interesse, há chances de que essa refilmagem não seja tão ruim.

ESTÔMAGO foi o grande vencedor da recente edição do Grande Prêmio Cinema Brasil. Um prêmio que parece não valer muita coisa, já que há pouca divulgação. E acho também que se é para premiar os filmes do ano anterior, o prêmio deveria acontecer no início do ano seguinte e não apenas em abril. Mas talvez isso se deva à péssima distribuição dos filmes brasileiros no cinema. O que mais tem incomodado críticos e cinéfilos é a aparente ignorância dos membros da "academia" em relação aos filmes de bilheteria pouco expressiva.

segunda-feira, abril 20, 2009

O FANTASMA DA ÓPERA (Phantom of the Opera)
























Não consigo entender o fascínio que "O Fantasma da Ópera" exerce em tanta gente, a ponto de existirem tantas versões da história de Gastón Leroux para cinema e teatro. Recentemente Hollywood produziu um musical dirigido por Joel Schumacher baseado no lucrativo musical da Broadway. Dario Argento fez duas versões livres da obra: uma bem sucedida, TERROR NA ÓPERA, outra nem tanto, UM VULTO NA ESCURIDÃO. Brian De Palma, nos anos 70, fez o seu lisérgico O FANTASMA DO PARAÍSO. E a Universal fez duas adaptações famosas, três se contarmos também a da Hammer nos anos 60, cujos direitos de exibição são da companhia americana. Depois do sucesso do filme mudo de 1925 estrelado por Lon Chaney e relançado em 1930 em versão colorizada (com um techicnolor ainda incipiente de três cores) e falada (sem a voz de Chaney, que havia morrido), a Universal resolveu dirigir uma nova versão da obra.

O FANTASMA DA ÓPERA (1943), produzido por George Waggner (diretor de O LOBISOMEM) e dirigido por Arthur Lubin, depois de uma estreia onde o público chegou a rir do filme, conseguiu se tornar um dos filmes mais bem sucedidos da Universal. E que a produtora mais se orgulha de ter feito, pois tinha cara de produção classe A, apesar das restrições orçamentárias, como o fato de a companhia não querer bancar os direitos autorais de algumas óperas mais famosas para colocar no filme. Mas para uma empresa então conhecida por produzir filmes de monstros, ter conseguido lançar um filme que chegou a ser indicado a vários Oscar representou um marco para a companhia. Pena que o filme seja tão chato e tenha envelhecido tão mal.

O que mais me incomodou foram as cenas musicais. É como se a Universal estivesse renegando o seu passado de produtora especializada em filmes de horror e resolvesse de uma hora pra outra fazer um filme de "bom gosto", para agradar (ou enganar) as audiências mais "refinadas". Pra completar, o fresco do Claude Rains, que havia feito um excelente trabalho na companhia com o ótimo O HOMEM INVISIVEL, mas que agora não queria mais se sujeitar a esse gênero "inferior", queria se desviar o máximo possível do horror no filme, recusando-se a fazer uma maquiagem tão pavorosa quanto a de seu precursor, Lon Chaney, e ainda escolhendo uma máscara toda bonitinha. Quanto às tais cenas musicais, elas são cafonas e ridículas. Chega a incomodar o momento do agudíssimo de Susanna Foster, a moça que interpreta a personagem Christine, a soprano que é protegida pelo "fantasma".

Curiosamente, na primeira versão do roteiro, o fantasma era na verdade pai de Christine, mas isso foi vetado pelos produtores, por acharem que isso poderia causar problemas, dando a entender de que podia existir uma relação incestuosa entre os dois. Do jeito que ficou, Christine se tornou uma moça desejada por três homens. Além do fantasma, ela era cortejada por outros dois homens: um tenor do teatro (Nelson Eddy, que apesar do nome não tinha a estatura baixa) e um policial. Diferente de outros filmes que lidam com o fantasma de maneira mais misteriosa, essa versão de 1943 mostra o seu lado humano, bem como o acidente que desfigurou o seu rosto.

Dos extras contidos no DVD, o que mais se destaca é o documentário de quase uma hora que fala não apenas da produção de 1943, mas também da versão muda e da produção dos anos 60 da Hammer. Quanto ao comentário em áudio de um historiador de cinema, ele segue o mesmo padrão dos outros filmes da Universal, sendo o equivalente a ler um livro sobre a produção, onde você fica sabendo de vários detalhes sobre elenco e equipe técnica. Algumas coisas são interessantes, como quando comentam sobre o processo do technicolor, que tinha a tendência a acentuar mais a cor vermelha. No mais, a maior parte dos comentários não me interessou.

sexta-feira, abril 17, 2009

MA MÈRE























Christophe Honoré tem apenas seis longas no currículo e já é aclamado como um dos maiores nomes da rica cinematografia francesa. Ainda que esteja de alguma maneira vinculado ao estilo de certos diretores da Nouvelle Vague, Honoré capta o espírito do novo século como poucos, o que o torna um cineasta do nosso tempo. Como se ele tivesse uma antena que o mantivesse em sintonia com o espírito de nossa época, desse tempo estranho e sombrio em que vivemos. Sabe-se que o tema do relacionamento incestuoso entre mãe e filho é tão antigo quanto a humanidade e que o mito de Édipo já se tornou parte inerente da nossa civilização e do inconsciente coletivo. Por isso, MA MÈRE (2004) está longe de ser o primeiro filme a tratar do assunto. Até acho que o recente PECADOS INOCENTES (2007), de Tom Kalin, é mais bem resolvido em seu aspecto trágico, mas Honoré, com sua ligação com os cineastas franceses que fizeram história nos anos 60, faz questão de nos lembrar vez ou outra que o que estamos vendo é um filme. Ainda assim, fica no ar um sentimento incômodo no relacionamento entre os personagens de Isabelle Huppert e Louis Garrel, o ator-fetiche do cineasta. Eles são Hélène e Pierre. Ela trabalha como prostituta e exerce um poderoso fascínio no filho católico.

MA MÈRE é bem ousado nas cenas de sexo. Em que outro filme vemos uma mulher se divertindo em meter o dedo no orifício anal de um rapaz? E isso é apenas o começo do processo de entrada de Pierre no mundo do sexo "livre" e do sadomasoquismo, já familiar à mãe. O filme é adaptação de uma obra póstuma de Georges Bataille, um escritor que tem uma história trágica de vida, tendo seu pai morrido cego e paralítico quando ele era ainda adolescente e a mãe tendo tentado o suicídio. Como não li o romance (nem nada do escritor), não sei o quanto foi mantido no filme na adaptação, mas pelo que eu pude ver na entrevista do diretor apresentada como extra do DVD americano, há um respeito muito grande em relação à obra literária. Quanto ao filme em si, uma das coisas que mais impressiona é a forte presença de Isabelle Huppert. Talvez a maior atriz do cinema francês da atualidade. Ela não aparece em cerca de um terço do filme e ainda assim a sombra de sua personagem permanece presente.

Na trama, Hélène resolve iniciar o filho nos prazeres da carne, acreditando que isso deve ajudá-lo na formação masculina. Seria mais ou menos o que um pai faria, não uma mãe. Ela o leva para o encontro com uma amiga bem desinibida (Joana Preiss, presente em papel de destaque no trabalho seguinte do diretor, EM PARIS, 2006). Mas aquela que estará mais presente na vida do rapaz será outra das garotas de programa, interpretada pela bela Emma de Caunes. Ela tem uma ternura e um jeito sutil de abordar o rapaz que faz com que logo criemos facilmente uma simpatia por ela. Sem falar que ela tem um corpo perfeito e em determinada cena é até possível imaginar que ela estava realmente excitada, o que só aumenta a força sensual do filme. O final é especialmente surpreendente e inusitado. O DVD importado, além de conter entrevistas com o diretor e parte do elenco, conta com o final alternativo, que não é muito diferente do oficial. No mais, o filme é também mais uma amostra da forte presença de cena de Louis Garrel, que tem se mostrado bem versátil. Basta ver a sua evolução nos próprios filmes de Honoré.

Agradecimentos especiais a Eduardo Carlos pela aquisição.

quinta-feira, abril 16, 2009

WATCHMEN – CONTOS DO CARGUEIRO NEGRO (Watchmen – Tales of the Black Freighter)























Por mais que digam que a adaptação para cinema de WATCHMEN pecou em vários aspectos, não dá pra negar o esforço de Zack Snyder e dos produtores em tentar se aproximar o máximo possível da minissérie de Alan Moore e Dave Gibbons. E um dos destaques da minissérie (ou graphic novel, como queiram) é um gibi dentro do gibi intitulado "Contos do Cargueiro Negro", que é lido por um garotinho pobre em frente a uma banca de jornais. O menino não tem dinheiro para comprar o gibi, mas o lê emprestado, sentado no chão da rua, deliciando-se com a violenta e dramática história de horror e de piratas. "Contos do Cargueiro Negro" não foi incorporado ao filme, mas foi transformado num curta-metragem em animação de 25 minutos de duração que chega em breve ao Brasil em WATCHMEN – CONTOS DO CARGUEIRO NEGRO (2009). No DVD, além da citada animação, há um interessante "bônus": o mockumentary SOB O CAPUZ , que conta com a participação de vários astros do filme. Eu gostei bem mais do divertido falso documentário do que da animação, que não acrescenta muito ao que já foi visto nos quadrinhos.

CONTOS DO CARGUEIRO NEGRO, a animação, mostra a trágica história de um marinheiro que é o único sobrevivente de um ataque de piratas. Os vilões mataram toda a tripulação e quando ele se vê sozinho numa ilha deserta cercado de corpos de seus amigos e pássaros famintos, ele resolve construir uma jangada utilizando pedaços dos cadáveres, já deformados pelo efeito da água do mar. Como já era de se prever, o sangue dos cadáveres funciona como um atrativo para os tubarões. E isso é apenas um dos ingredientes do banho de sangue que é a animação. A narração ficou por conta de Gerard Butler, que havia trabalhado com Zack Snyder em 300. O filminho tem clima de histórias de quadrinhos de horror e foi assim idealizada por Moore: de forma bem exagerada mesmo.

Mas se CONTOS DO CARGUEIRO NEGRO pode até ser visto por quem nunca viu WATCHMEN ou leu os quadrinhos, SOB O CAPUZ é recomendado pelo menos para quem viu o longa-metragem. Nele, vemos um programa de TV de 1985 que resgata uma edição do programa de dez anos atrás, quando foi feita uma reportagem sobre os super-heróis do universo de "Watchmen". O programa acontece por ocasião do lançamento do livro do primeiro Coruja, intitulado "Sob o Capuz", que conta os bastidores de sua experiência como herói fantasiado. Assim, vemos entrevistas com a primeira Espectral (Carla Gugino) – uma boa pra quem achou a participação dela no filme curta - e outros membros dos Minutemen, além de matérias que mostram a história do surgimento dos primeiros heróis fantasiados. Alguns desses heróis dariam belos filmes, como o Capuz, a Silhouette (a heroína lésbica super-sexy) e aquele outro vestido de mariposa que fica louco. Mas, além dos heróis e vilões, também podemos ver as pessoas comuns que faziam parte da vida daqueles lunáticos, como o dono da banca, o psicólogo da Espectral, o assistente do Dr. Manhattan etc. Para completar, há também divertidos falsos comerciais, como o do perfurme fabricado por Adrian Veidt, o Ozymandias. SOB O CAPUZ é um filme criativo e que poderia até ser mais longo que não cansaria o espectador.

quarta-feira, abril 15, 2009

CHAMPAGNE























Em meio à tortuosa peregrinação pela obra de Alfred Hitchcock, chegamos ao que é provavelmente o ponto mais baixo da carreira do cineasta: CHAMPAGNE (1928). Até a própria concepção original do filme pareceu idiota e é um filme que Hitchcock nem gosta de falar a respeito, a não ser para xingar, para dizer o quão baixo ele chegou. Não deixa de ser algo que incomoda, principalmente para quem o considera o maior cineasta de todos os tempos. Hitchcock conversa com François Truffaut e diz: "isso é provavelmente o que há de pior na minha produção". O cineasta francês comenta ser uma afirmação injusta e diz ter encontrado prazer em ver o filme. Por isso, eu ainda tinha esperanças de que podia gostar de CHAMPAGNE.

Há momentos até interessantes e inventivos no filme. Lembro da cena do navio balançando por conta de um mar bravio. A câmera de Hitchcock fica pra lá e pra cá, dando realmente a impressão de estarmos num navio instável. A cena inicial e final, que mostra o sujeito tomando uma taça de champanhe e onde vemos através de sua perspectiva, isto é, através do vidro do copo, é também interessante, mas me pareceu apenas uma maneira de enfeitar o trabalho, já que desde a ideia até o final, CHAMPAGNE foi um erro. Hitchcock conta a Peter Bogdanovich que a própria trama do filme foi desenvolvida durante a produção. Para um cineasta que tem o hábito de trabalhar com o acaso e sem ter a menor ideia do que fazer de um filme e seguir apenas o seu instinto, sua intuição, o projeto talvez até fosse vingar, mas para um cineasta que é famoso por já pensar todo o filme em sua cabeça antes de pegar na câmera, é compreensível entender porque não deu certo. Hitchcock dessa vez não tinha nem mesmo uma peça teatral a se apoiar, com no bom A MULHER DO FAZENDEIRO (1928).

Na trama de CHAMPAGNE, vemos uma moça rica que faz pouco da fortuna do pai. Logo no começo do filme, por exemplo, para se encontrar com o seu interesse amoroso que está presente num navio, ela chega a destruir um dos aviões do pai e a chegar ainda com marcas de fuligem no rosto, devido à queda do avião no mar. Suas festas também são bem excêntricas e o próprio rapaz reclama de suas maneiras, preferindo que ela seja uma moça mais simples. Seu pai, para lhe dar uma lição de moral, resolve inventar que perdeu tudo, que agora não tem mais nada. Ela fica triste, mas aceita viver em condições de pobreza para experimentar o amargo da vida também, chegando até mesmo a trabalhar numa espécie de bordel. É um filme bobo e que não traz nenhum estímulo para o espectador, já que nem mesmo a protagonista é atraente. Depois desse, estou mais do que preparado para a despedida de Hitchcock ao cinema mudo, com O ILHÉU (1929).

terça-feira, abril 14, 2009

VELOZES E FURIOSOS 4 (Fast & Furious)























"Novos modelos. Peças originais." Essa é uma das melhores taglines de um filme que eu vejo há muito tempo. E como eu aprendi com o tempo a gostar da turma que fez o primeiro VELOZES E FURIOSOS (2001), mesmo não tendo gostado exatamente do filme, achei que a volta dos quatro astros do primeiro título da franquia ajudaria a dar um gás à desgastada série. De 2001 pra cá, nem todos da turma foram bem sucedidos em suas carreiras. Jordana Brewster, apesar da beleza, não fez muitos filmes expressivos ou importantes; já Michelle Rodriguez teve mais visibilidade: participou da segunda temporada de LOST, ganhou fama de bad girl e ainda vai fazer parte do já lendário AVATAR, de James Cameron; Vin Diesel foi o que mais ganhou status de estrela, mas a maioria dos seus projetos naufragou, ainda que tenha tido a sorte de estar num filme modesto de Sidney Lumet; e Paul Walker, apesar de não ser nada carismático, foi o que teve melhor sorte, tendo trabalhado até com Clint Eastwood nesse intervalo de tempo. Ele tinha saltado fora da franquia em VELOZES & FURIOSOS 5 – DESAFIO EM TÓQUIO (2006), mas foi justamente o diretor desse terceiro filme que assumiu a direção de VELOZES E FURIOSOS 4 (2009). Justin Lin, o diretor, diz ter feito uma exigência: só voltaria à franquia se conseguisse reunir o elenco original.

Uma vez reunidos, bastaria um bom roteiro e um bom diretor, especialmente para as cenas de ação, já que é o que mais importa. Se bem que boa parte do interesse conquistado pela série se deve à boa química dos citados astros no primeiro filme. Por isso inventou-se uma história razoável, uma trama de vingança que envolve a morte de um personagem importante. Pena que o diretor taiwanês tenha se mostrado tão fraco e não desperte no espectador nenhum sentimento de revolta pelo ocorrido, interesse pelos personagens ou pelo menos empolgação nas cenas de ação. A franquia continua sendo mesmo mais interessante para os aficionados pelo universo dos carros envenenados, que também inclui garotas em trajes minúsculos e música hip-hop ou latina. Quanto às cenas de ação, apesar de elas não serem tão bem filmadas - especialmente as que incluem corrida de automóveis, que têm os velhos problemas de edição -, pelo menos a sequência inicial, que mostra uma aventura na estrada do casal de foras-da-lei vividos por Vin Diesel e Michelle Rodriguez, tem cara de filme de ação pré-computação gráfica. Dá pra sentir o peso daqueles caminhões.

Sorte que para ver esse quarto filme não é necessário ver os dois anteriores, já que tudo gira em torno do primeiro, da relação entre o policial infiltrado vivido por Paul Walker e a turma de Vin Diesel, que inclui sua irmã e sua namorada. A relação de respeito que se formou entre os dois rapazes bem como o relacionamento com as duas meninas bem que podia ser melhor explorado, mas os poucos diálogos que tratam disso são muito ruins, alguns deles até didáticos. Mas se os diálogos são didáticos, as cenas de ação são incluídas na marra, sem a menor preocupação com amarras no roteiro, já que o objetivo final é mostrar tudo como se fosse um videogame. Não é de admirar que o filme tenha convidado um espectador ao sono: um senhor sentado numa fileira atrás de mim estava dormindo e roncando tão alto que o povo já estava rindo.

segunda-feira, abril 13, 2009

TERRITÓRIO RESTRITO (Crossing Over)























Em certa altura de TERRITÓRIO RESTRITO (2009), uma jovem mulçumana apresenta na sala de aula sua visão sobre o atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro. Não sem sofrer o escárnio e a ofensa dos colegas. A garota causa bem mais do que polêmica ao aprovar a atitude extrema dos responsáveis pelo atentado terrorista. E isso vai repercurtir na vida de sua família, que vive ilegalmente nos Estados Unidos, sem visto permanente. O novo filme de Wayne Kramer, dos ótimos THE COOLER – QUEBRANDO A BANCA (2003) e NO RASTRO DA BALA (2006), é uma colcha de retalhos mostrando a situação de diversas pessoas de diferentes nacionalidades que se encontram em situação ilegal nos Estados Unidos. Há até mesmo uma modelo australiana (a bela Alice Eve) tentando conseguir um visto permanente, o que não deixa de ser uma novidade, já que estamos mais acostumados a ver pessoas de países latinos nesse tipo de situação nos filmes americanos.

TERRITÓRIO RESTRITO abre com os agentes da ICE fazendo uma batida numa fábrica de tecidos a fim de prender vários imigrantes ilegais. Entre eles, a personagem de Alice Braga, uma mexicana que pede a um dos oficiais, vivido por Harrison Ford, que ajude o seu filho. Para um personagem de destaque, tanto nos créditos iniciais quanto no cartaz do filme, o papel de Alice Braga é bem pequeno. O que pode ser mais uma prova de que ela tem um excelente agente em Hollywood. Apesar do papel pequeno, seu personagem é importante na ausência que causa, quando deixa o bom agente com crise de consciência. O filme ainda mostra a situação de coreanos, iranianos, judeus e africanos. Inclusive, dizem que Sean Penn, que estava inicialmente no elenco, resolveu abandonar a produção por achar que o filme não mostrava de maneira digna os iranianos. E, de fato, a história dos iranianos, encabeçada por Cliff Curtis, é uma das mais pesadas e controversas do filme. Por outro lado, a história do judeu ateu, vivido por Jim Sturgess, é uma espécie de alívio cômico.

Ray Liotta segue a linha de personagens inescrupulosos. Dessa vez, ele é um sujeito que oferece ajuda a uma bela modelo australiana em troca de favores sexuais. Não deixa de ser uma atitude repulsiva. E o filme tem os seus momentos de julgamento, seus dilemas morais. Por mais que seja colocada em questão a liberdade de expressão da garota mulçumana e seu posicionamento a favor dos terroristas, o filme é bem moralista, julgando e oferecendo um final merecido àqueles que transgridem a lei. De qualquer forma, não encontrei nada no filme que tenha me incomodado nesse aspecto. Talvez um pouco em mostrar os Estados Unidos como um dos únicos lugares do mundo onde se possa viver dignamente; como se os outros países fossem todos lugares terríveis e sem futuro. Essa noção do país como um paraíso talvez esteja precisando ser reavaliada em tempos de crise, tendo em vista o número crescente de imigrantes que estão voltando para casa. Um dos pontos positivos do filme é que as tramas são bem amarradas, mas talvez falte mais emoção nas cenas - nota-se um esforço da parte de Kramer para comover a plateia, sem sucesso. Ainda assim, fica um belo filme para reflexão e debate.

sexta-feira, abril 10, 2009

PRESSÁGIO (Knowing)























"Olhei, e eis que um vento tempestuoso vinha do Norte, e uma grande nuvem, com fogo a revolver-se, e resplendor ao redor dela, e no meio disto, uma cousa como metal brilhante, que saía do meio do fogo. (...) Vi os seres viventes; e eis que havia uma roda na terra, ao lado de cada um deles. O aspecto das rodas e a sua estrutura eram brilhantes como o berilo; tinham as quatro a mesma aparência, cujo aspecto e estrutura eram como se estivera uma roda dentro da outra. (...) As suas cambotas eram altas, e metiam medo; e, nas quatro rodas, as mesmas eram cheias de olhos ao redor."
(Ezequiel capítulo 1, versículos 4, 15, 16 e 18, tradução de João Ferreira de Almeida.)


Esse é um trecho da famosa (ou suposta) descrição de um disco voador, presente no primeiro capítulo do livro de Ezequiel. Recentemente um amigo foi me mostrar uma outra tradução desse capítulo, da Bíblia de Jerusalém, e a tradução não combinava com essa descrição. É o caso de tradução que tenta modernizar a linguagem para os dias de hoje e acaba deturpando os significados. Mas o que tem a ver esse trecho da Bíblia com PRESSÁGIO (2009), filme de Alex Proyas, estrelado por Nicolas Cage? Bom, tem tudo a ver. Pena que a produção do filme resolveu dar uma enfeitada no visual da nave, tornando-a bem diferente de como é descrito na Bíblia. A descrição da Bíblia mais se parece com os discos voadores vistos nos filmes de ficção científica da década de 50. Mas o filme tem uma porção de acertos nesse aspecto, como a aparência final dos "seres viventes" e o seu epílogo, que dá a entender, novamente com mais uma referência bíblica, o real sentido do título original ("Knowing").

Pois é. Deu pra notar que o filme de alguma maneira me impressionou. Bem mais do que eu esperava de mais uma fita envolvendo profecias e de tom apocalíptico. Ainda por cima levando em consideração que a última experiência com o tema foi com o abominável remake de O DIA EM QUE A TERRA PAROU. PRESSÁGIO começa de maneira envolvente, mas despretensiosa: em 1959, numa escola de ensino fundamental nos Estados Unidos, um grupo de estudantes faz desenhos sobre como eles imaginam que será o mundo cinquenta anos no futuro para colocar numa cápsula do tempo que será aberta em 2009. Uma das meninas, porém, em vez de desenhos, escreve, como num transe, uma série de números. Cinquenta anos mais tarde, conhecemos um dos meninos que estuda na escola e seu pai, vivido por Nicolas Cage. No dia da abertura da cápsula, o garoto recebe justamente o envelope contendo os tais números. O personagem de Cage, em casa, descobre que os números são compostos de datas e número de mortos em grandes tragédias da humanidade. Ele, apesar de ser um cientista cético, vê como missão tentar mudar o rumo dos acontecimentos e evitar novas tragédias.

Uma das coisas que eu mais gostei em PRESSÁGIO foi a coragem de o filme ir por um caminho nunca antes percorrido por outro filme do gênero. Pelo menos, não conheço nenhum outro que tenha feito algo parecido. A maioria desses filmes apocalípticos é covarde, exceto talvez os filmes de zumbi de Romero ou OS PÁSSAROS, de Hitchcock. Esse último tem o mérito de não oferecer nenhuma explicação para o evento. Não é o caso de PRESSÁGIO, que segue uma linha mais padrão, mas que segue um desenvolvimento que o destaca dos demais filmes sobre a possibilidade do fim da humanidade. Sem falar que o filme possui pelo menos três sequências assustadoramente belas, sendo a primeira delas, a queda de um avião. E o fato de o filme ligar-se a trechos da Bíblia de forma inteligente também está entre os seus pontos positivos. PRESSÁGIO é o caso de filme que vai melhorando com o desenvolvimento, surpreendendo o espectador aos poucos, até conquistá-lo de vez no final. Sem dúvida, o melhor trabalho do ex-videoclipeiro Alex Proyas, que até já tinha uma curta mas boa filmografia no currículo (O CORVO, 1994; CIDADE DAS SOMBRAS, 1998; EU, ROBÔ, 2004).

quinta-feira, abril 09, 2009

COLÁPSO NO ÁRTICO (The Last Winter)























Depois de ter me impressionado com o ótimo SKIN AND BONES (2008), o aterrorizante episódio que Larry Fessenden dirigiu para a série/antologia FEAR ITSELF, meu interesse pelos (poucos) filmes do diretor aumentou bastante. E quando soube que COLÁPSO NO ÁRTICO (2006) havia sido lançado em DVD no Brasil, fiquei logo feliz e tratei de alugar. Pena que o filme me decepcionou. Embora tenha elementos em comum com SKIN AND BONES e, com certeza, também com WENDIGO (2001), que ainda não vi, o filme se prolonga demais e a trama intricada sobre a companhia de petróleo faz crer que COLÁPSO NO ÁRTICO tem intenções de abordar o tema da ecologia, do aquecimento global, ainda que, no fim, o mais importante seja mesmo a construção do suspense.

Há também um interesse, diria até uma obsessão, do diretor pelo branco da neve e pelas regiões desoladas e gélidas do planeta. Seu três trabalhos na direção abordam o terror nesse tipo de região. Em COLÁPSO NO ÁRTICO, Ron Perlman interpreta o líder de um grupo de pesquisadores ambientalistas que trabalham numa região fria e desolada, sob supervisão do governo americano. Em meio a uma crise de ciúme ao saber que sua então namorada está agora de caso com outro sujeito do grupo, quando retorna para a base, o personagem de Perlman passa a testemunhar, ainda que com ceticismo e negação, uma série de eventos misteriosos. O primeiro caso mais grave acontece quando um de seus homens enlouquece e seu corpo nu é encontrado sem os olhos e sem o pênis, levados pelos pássaros, distante da base. Tudo indica que espíritos da natureza estariam se rebelando com o grupo e com a exploração do petróleo.

Uma das melhores coisas do filme é o visual branco do norte do Alasca, que pode ser tão assustador quanto um deserto quente, como o do Saara, ou a imensidão da Floresta Amazônica. É o chamado "terror cósmico", como li num texto que falava sobre o sentimento dos estrangeiros em relação à Amazônia. O branco também ajuda a acentuar as sequências em que há sangue, embora elas sejam poucas nesse filme que privilegia mais o horror psicológico do que a trama ambientalista. Acho curioso o fato de Fessenden ter acertado com muito mais eficiência num episódio de cerca de quarenta minutos e não ter conseguido em uma hora e quarenta minutos e um orçamento maior.

P.S.: Os episódios não disponibilizados na internet de FEAR ITSELF aparentemente não passaram mais nos Estados Unidos, mas parece que alguém do Brasil os ripou e compartilhou, em qualidade inferior (a maioria em mp4), mas que ao menos me possibilitará ver o restante da única temporada da cancelada série.

quarta-feira, abril 08, 2009

PEPI, LUCI, BOM E OUTRAS GAROTAS DE MONTÃO (Pepi, Luci, Bom y Otras Chicas del Montón)























A leitura do livro de entrevistas "Conversas com Almodóvar" tem me incentivado a passear com mais cuidado pela obra de Pedro Almodóvar e finalmente ver seus trabalhos iniciais, que nunca haviam me despertado a atenção. O que é uma injustiça, afinal, PEPI, LUCI, BOM E OUTRAS GAROTAS DE MONTÃO (1980), o longa-metragem de estreia de Almodóvar, já mostrava o enorme talento do cineasta. Trata-se de uma obra anárquica, punk, inclusive no uso da música, que no início da década de 80 era algo entre o punk e a new wave. O clima libertino e libertário é uma festa e o filme tem uma aura de alegria que se apresentaria nas obras posteriores do diretor, mas que estaria menos presente na fase madura, pós A FLOR DO MEU SEGREDO (1995), onde a melancolia se destaca.

O primeiro longa de Almodóvar já trazia a sua mais fiel colaboradora, Carmen Maura, no papel de Pepi, uma jovem sapeca que colecionava plantinhas de maconha em seu apartamento e por isso é ameaçada por um policial, que se aproveita da situação para abusar sexualmente dela. Além do estupro, o homem tira a virgindade da jovem, que ela intencionava usar para fins comerciais. Com o objetivo de se vingar do homem, ela lhe prepara uma emboscada. O que ela não esperava era que o policial tivesse um irmão gêmeo, que é quem acaba recebendo as bordoadas da turma de Pepi. Luci é a esposa do policial, que, mesmo sendo mais velha que Pepi e Bom (a cantora de rock), sente-se fascinada pelo universo da turma. Luci fica ainda mais maravilhada quando Bom mija em seu rosto, coisa que seu marido ingrato e insensível nunca fez. Luci é masoquista e frustrada com o marido, pois ele não dá as merecidas porradas nela. Se fosse no Brasil, a personagem de Luci pareceria saída de uma obra de Nelson Rodrigues.

PEPI, LUCI E BOM... ainda oferece momentos de sacanagem bem divertidos, como na cena da chamada "ereções gerais", uma competição onde ganha quem tem o maior pênis. Os travestis, figuras queridas nos filmes de Almodóvar, já se encontram presentes nessa sua obra de estreia. Há, inclusive, dois personagens bem interessantes que é a de um casal formado por um sujeito casado com um travesti, que de vez em quando deixa a barba por fazer. O visual do filme remete às histórias em quadrinhos e não é por acaso, já que algumas sequências foram originalmente pensadas como quadrinhos. Inclusive, a ideia das "ereções gerais" havia saído antes uma fotonovela e quem encorajou Almodóvar para transformá-la em filme foi Carmen Maura. O final aponta uma mudança do rock para o bolero que se tornaria presente nas obras seguintes de Almodóvar, até pelo crescente caráter melancólico que elas adquiririam com o passar dos anos. Cecilia Roth, uma das grandes atrizes latinas da atualidade, e também colaboradora de Almodóvar, aparece no filme em papel pequeno.

terça-feira, abril 07, 2009

DÚVIDA (Doubt)























Interessante eu ter visto dois filmes que tratam, ainda que de maneiras distintas, da temática da educação num mesmo fim de semana. Enquanto que em ENTRE OS MUROS DA ESCOLA vemos o resultado de uma educação liberal dentro da sociedade preguiçosa e arisca da atualidade, DÚVIDA (2008) se passa nos Estados Unidos do início dos anos 60, pouco depois do assassinato do Presidente Kennnedy. No filme, vemos a educação rigorosa de uma escola de padres e freiras que tem como principais líderes o padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) e a implacável irmã Aloysius Beauvier, interpretada com brilhantismo por Meryl Streep. No centro, temos a jovem e inocente irmã James (Amy Adams, adorável). O filme trata de um possível caso de abuso sexual envolvendo o padre e um garoto negro. Irmã Aloysius, mais do que numa cruzada em favor da moral, entra numa cruzada pessoal contra o padre Flynn. Não temos absoluta certeza da inocência do padre no caso, mas de uma coisa temos certeza: da crueldade da irmã Aloysius.

DÚVIDA é a segunda incursão como diretor de John Patrick Shanley. A primeira foi há dezoito anos, com JOE CONTRA O VULCÃO (1990). Shanley é autor da peça que deu origem ao filme e assume com competência a direção de um longa ambicioso e bem conduzido no aspecto da dramaturgia, com dois oscarizados e grandes astros nos papeis principais. É um filme adulto, acadêmico, com cara de Oscar. Mais até do que qualquer um dos indicados à categoria principal. E dada a temática ligada à Igreja Católica, a maior parte do público que quase lotou a sessão no Espaço Unibanco em plena duas e meia da tarde de domingo era formada por adultos e idosos. De final tocante, o filme evita escândalos ou chocar a audiência, preferindo seguir o caminho dos dramas das décadas de 40 e 50.

O fato de o padre Flynn ser um sujeito com uma mente voltada para a modernidade que estava chegando e pregava a necessidade de ser mais amável e menos carrasco é representativo de uma época de mudanças. As cenas que mostram o vento soprando com força e jogando centenas de folhas de árvores caídas no chão são de uma beleza que fazem com que o filme deixe de ser apenas uma mera adaptação de uma peça de teatro, passando longe de um "teatro filmado". Ainda assim, a direção do filme é discreta, deixando espaço para o trio de astros brilharem, cada um à sua maneira.

Uma coisa que eu não sabia (e ainda não sei se é uma regra ainda vigente) é o que diz respeito ao fato de que as freiras não podem ser tocadas. Há uma cena na qual uma das crianças da escola toca a jovem freira para lhe fazer uma pergunta - a irmã James (a mais bela freira que eu vi em cinema mainstream desde Ingrid Bergman em OS SINOS DE SANTA MARIA) - e o garoto é logo repreendido pela líder das freiras. Achei um dado curioso. Também é curioso como o filme mostra o quanto o regime repressivo das freiras é muito mais forte do que o dos padres, explicitado numa sequência de jantar. Enquanto os padres bebem vinho, falam alto, gargalham e fumam, as freiras, tensas e caladas, comem o seu prato de comida aparentemente sem sabor e bebem um copo de leite. Seria isso apenas fruto de uma sociedade machista ou uma natural flexibilidade da mulher em se ajustar a situações mais difíceis da vida?

segunda-feira, abril 06, 2009

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA (Entre les Murs)























Os pestinhas de ENTRE OS MUROS DA ESCOLA (2008) conseguem ser piores que os meus piores alunos. Saí do cinema com dor de cabeça, provocada pelo barulho dos bagunceiros e pela câmera cambaleante. E com uma pergunta na cabeça: pra que eu fui me meter a ser professor mesmo? Se bem que hoje em dia, comparando os meus dois empregos, acho que o de professor é o que eu menos me sinto um peixe fora d'água. Pelo menos há da minha parte uma vontade de tornar aqueles momentos válidos e produtivos, embora eu saiba que o sentimento de frustração esteja ali me esperando no final. Mas gosto dos desafios. E um dos maiores méritos do filme de Laurent Cantent - de EM DIREÇÃO AO SUL (2005) - é justamente mostrar essa luta do professor em tentar não apenas passar o conteúdo, mas, dentro de um ambiente pouco favorável, conseguir atrair a atenção do grupo. A principal dificuldade está no quanto os alunos de escola pública são resistentes à disciplina, como se já nascessem com um sentimento de revolta contra o sistema. Costumo dizer que isso faz parte do espírito da época, que os adolescentes de hoje são muito mais difíceis de se trabalhar do que os de ontem, do que os da minha geração. Um dos maiores problemas da geração atual - sem querer generalizar, já que sempre existem exceções - é a completa falta de respeito com professores, pais e adultos em geral.

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA se diferencia dos costumeiros "filmes de professor" não apenas pelo modo como constrói seus personagens, mas principalmente pela escolha narrativa, pouco convencional. Em tom semidocumental, o filme mostra François Bégaudeau, autor do livro no qual o filme se baseia, interpretando uma versão de si mesmo e fazendo sua estreia como ator. O fato de ter um professor de verdade e não um ator famoso interpretando faz a diferença, dando ao filme um aspecto mais realista. O filme se passa quase que inteiramente nas aulas de francês, onde o professor tem que lidar com alunos de diferentes etnias e de situações econômicas e sociais difíceis, mas que pelo menos têm o mérito de serem questionadores. Eles questionam, por exemplo, o porquê de se usar o subjuntivo, já que eles não o utilizam nas ruas. E o professor, até que tenta, pacientemente, explicar os motivos, ainda que muitas vezes não os convença. Um dos grandes problemas da turma está na disciplina; em ter que fazer com que os alunos consigam se concentrar. É nessas horas que eu vejo o quanto a educação mais rígida do passado era muito mais eficiente, ainda que seja acusada de ser menos "humana" pelos pedagogos contemporâneos.

Pelo menos há o consolo de saber que a realidade das escolas públicas da França não é muito diferente da realidade brasileira, embora o Brasil apresente problemas muito mais gritantes e de diferentes naturezas, dependendo da região do país, como pode ser visto no belo documentário PRO DIA NASCER FELIZ, de João Jardim. O filme de Jardim me comoveu muito mais, enquanto que os alunos do filme de Cantent sequer despertaram a minha simpatia. No máximo, eu me senti um pouco na pele do professor em alguns momentos. Mesmo assim, ver o filme é uma experiência mais do que válida. A projeção digital não estava tão ruim no aspecto da luz, mas a Rain comeu os lados do filme, originalmente em scope. Não que eu ache que isso vá fazer tanta falta. Como bem disse Sergio Alpendre em seu blog, ENTRE OS MUROS DA ESCOLA poderia ser filmado em 1:66 que daria no mesmo.

ENTRE OS MUROS DA ESCOLA foi o vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2008.

sexta-feira, abril 03, 2009

PASSAGEIROS (Passengers)























E Rodrigo García se meteu numa fria num filme claramente distante de seu estilo. Sua primeira experiência no gênero "suspense sobrenatural" pode ter feito alguma diferença no aspecto do andamento narrativo, mas o roteiro pouco original não ajuda. O resultado é um filme para ser esquecido assim que se sai da sala de cinema. García tem um histórico interessante de trabalhos com um forte interesse na psicologia dos personagens. Talvez por isso ele tenha sido convidado para dirigir PASSAGEIROS (2008), que conta a história de uma terapeuta (Anne Hathaway) que é chamada para tratar de um grupo de sobreviventes de um voo. Durante as reuniões, o que inicialmente lhe chama a atenção é o fato de haver uma discrepância no depoimento de algumas pessoas. Um deles diz ter visto uma explosão, uma luz, antes do avião começar a cair; outra diz que não viu nada disso. A coisa começa a ficar estranha quando seus pacientes começam a desaparecer. E mais estranha ainda quando um outro sobrevivente do voo (Patrick Wilson) passa a assediá-la e saber coisas de sua vida. Ainda no elenco, e trazida direto de EM TERAPIA (2008), Dianne Wiest, como uma nova vizinha da terapeuta, e David Morse como funcionário da companhia aérea.

Se numa obra autenticamente sua, o andamento lento funciona para imprimir mais profundidade à ação e aos personagens, em PASSAGEIROS, a impressão que fica é que o diretor parecia pouco satisfeito com o trabalho, resultando num filme modorrento, num suspense de baixo orçamento que nem consegue trazer uma cena de acidente de avião decente e nem o bom elenco (pouco comum no gênero atualmente) ajuda. Talvez porque demore demais a se assumir como suspense sobrenatural, PASSAGEIROS não diga a que veio a tempo. Quando chega a já esperada revelação final, o público recebe com frieza e pouco entusiasmo. Até porque trata-se de uma revelação já vista em pelo menos dois trabalhos de sucesso dos últimos dez anos. E de maneira muito mais intensa e envolvente. Aliás, "envolvente" é uma palavra que falta no dicionário do filme. Em momento algum fiquei envolvido com os personagens, em especial com a protagonista, Anne Hathaway, uma atriz que tem atirado para todos os lados em sua curta mas expressiva carreira.

Quanto a Patrick Wilson, ele tem uma cara de sujeito estranho mesmo e o papel até que combinou com ele, embora eu não goste especialmente de suas atuações. Sem querer entregar o final do filme, mas já avisando que posso dar alguma dica nas linhas a seguir, uma coisa que dá para refletir ao final do filme é o quanto Hollywood tem abraçado a temática espírita. Isso, num país que não tem uma tradição nessa religião, no sentido prático, mas que sempre se mostrou interessada nos eventos relacionados à vida imediatamente após a morte. E isso não deixa de ser interessante. Mostra uma abertura maior no campo espiritual e talvez até prepare alguns espectadores para aquele momento inevitável que todos experimentaremos um dia.

P.S.: Ontem eu recebi a notícia de que a revista SET morreu. Não sei se isso é reversível, se os editores vão encontrar outra editora, já que o que aparentemente aconteceu foi que a Editora Peixes fechou as portas. O mercado editorial brasileiro anda mesmo mal das pernas e não tem suportado a crise nem a concorrência com a internet. Por mais que eu não fosse fã do formato então vigente da revista, sabia que para sobreviver talvez fosse mesmo preciso lidar com uma linha mais pop. O problema é que muitos leitores da revista do fim dos anos 80 e início dos 90 deixaram de lê-la justamente por causa disso. A sessão de cartas passava a impressão de que todos os leitores eram uns idiotas, o que não é nada bom para a imagem da revista. Mesmo assim, fico na torcida pelo seu retorno (tenho todas as edições desde 1987, menos a número 1 e uma com a Demi Moore na capa, que o cachorro destruiu).

P.S. 2: A segunda temporada de EM TERAPIA começa neste fim de semana nos Estados Unidos.

quinta-feira, abril 02, 2009

CRIMES OF THE FUTURE























Se eu tinha achado a trama de STEREO (1969) confusa, a de CRIMES OF THE FUTURE (1970), seu filme-irmão, é mais ainda. Mas ambos os filmes são fundamentais para que se possa ver a gênese do trabalho autoral de David Cronenberg, o embrião do que ele viria a ser. E justamente por ser um trabalho mais experimental e ousado, talvez até seja mais a cara do cineasta do que obras que precisam fazer concessões para que possa agradar a uma parcela maior da audiência. Se bem que seria até um pouco injusto falar de concessões quando se fala de Cronenberg, um dos cineastas com maior integridade artística da atualidade.

Assim como STEREO, CRIMES OF THE FUTURE também não apresenta som direto nem diálogos, mas além da voz do narrador, também podemos ouvir sons de pássaros, ondas, entre outros eventuais ruídos. A trama também se passa num futuro próximo, apocalíptico, onde todas as mulheres do mundo morreram devido a um cosmético venenoso, o chamado "mal de Rouge". A sobrevivência da humanidade está nas crianças fêmeas, que escaparam por não chegaram a usar os tais cosméticos. E apesar de a humanidade ter se tornado forçosamente homossexual (ou assexuada) pela falta de mulheres, aqueles que tinham tendências pedófilas se aproveitam da situação. Curioso o fato de que o líquido branco que sai das pessoas infectadas pelo mal de Rouge é especialmente apreciado como uma droga por vários homens. Fica difícil não associar o tal líquido branco com o esperma.

CRIMES OF THE FUTURE se passa numa clínica médica, assim como o seu antecessor. Mas não apresenta a mesma beleza plástica, nem movimentos de câmera ou enquadramentos tão arrojados. Além do mais, o filme tem uma trama bem complicada e um andamento que cansa já nos primeiros vinte minutos. Em seu favor, está a curta duração. Boa parte do elenco do anterior e a equipe técnica estão de volta para o novo experimento de Cronenberg. E como o cineasta tem uma estreita ligação com doenças, medicina e sexo, tudo embalado numa roupagem bizarra, experimento seria uma palavra apropriada para ele. Ainda assim, diria que o segundo trabalho de Cronenberg é mais recomendado apenas para aqueles que têm curiosidade em conhecer mais a fundo a obra do diretor.

quarta-feira, abril 01, 2009

A MULHER DO FAZENDEIRO (The Farmer's Wife)






















Teria sido Lillian Hall-Davies a primeira atriz por quem Alfred Hitchcock se apaixonou depois de casado? Assim que fiquei sabendo do assédio sexual do diretor à Tippi Hedren durante as filmagens de MARNIE – CONFISSÕES DE UMA LADRA (1964) e de outras histórias envolvendo outras atrizes, como Grace Kelly, por quem guardava uma forte obsessão, deixei de ver Hitchcock como aquele diretor pacato que guardava para si os seus desejos pelas atrizes e se contentava em ir para casa e se masturbar pensando nelas. Seu desejo era provavelmente potencializado graças a um casamento celibatário com Alma Reville. Fiz esse questionamento sobre Lillian Hall-Davies por dois motivos. Primeiro, pelo fato de ela ter feito o segundo trabalho seguido com o diretor – depois do sucesso de O RINGUE (1927) -; segundo, porque ela tem um sex appeal notável. E Hitchcock adorava atrizes que exalavam sensualidade. Em A MULHER DO FAZENDEIRO (1928), Hall-Davies tem um papel menor e mais inocente, mas nem por isso seus olhos deixam de guardar um sutil apelo erótico.

A MULHER DO FAZENDEIRO foi encarado por Hitchcock como um desafio: adaptar uma peça de teatro de grande sucesso na Inglaterra e transformá-la em cinema, utilizando pouquíssimos letreiros. E ele conseguiu. François Truffaut, inclusive, achou que a fotografia do filme lembrava a dos filmes expressionistas alemães, especialmente Murnau. A trama gira em torno de um fazendeiro que fica viúvo e resolve casar novamente. Junto a sua fiel e sempre atenciosa empregada doméstica, ele prepara uma lista de quatro possíveis pretendentes. Ele acaba escolhendo mulheres pouco atraentes, devido à escassez de mulheres bonitas disponíveis. Curiosamente, uma delas é lésbica e se veste como homem. E é justamente a primeira que lhe dá um fora. Outras duas, uma viúva e uma solteirona, também recusam sua proposta. O drama do fazendeiro começa a se espalhar pela cidade e alguns homens começam a ficar revoltados com ele, que fica fazendo papel de palhaço, ao se submeter a tais humilhações.

Um dos melhores momentos do filme envolve uma festa na qual o capataz do fazendeiro, vestido de garçom, com uma roupa bem acima do seu tamanho, segura as calças enquanto atende os convidados. Lembra as comédias físicas americanas, como as realizadas por Charles Chaplin e Buster Keaton. Mas ainda bem que Hitchcock não resolveu ser um diretor de comédias. Diria que um filme como A MULHER DO FAZENDEIRO, por mais interessante que seja, teria caído no esquecimento se não fosse o nome do diretor nos créditos. Como, aliás, a maioria dos filmes da fase muda de Hitch. O filme apresenta poucos pontos de contato com as temáticas hitchcockianas. É provavelmente o menos hitchcockiano dos filmes do diretor que vi até o momento. A melhor cena do filme fica para o final, quando o fazendeiro finalmente abre os olhos e vê que a mulher de sua vida estava perto dele o tempo todo e ele ainda não havia se dado conta. Tocante e romântica essa sequência.