segunda-feira, dezembro 31, 2018

TOP 20 2018 E O BALANÇO DO ANO

1. ARÁBIA, de João Dumans e Affonso Uchôa
2. O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO, de Yorgos Lanthimos
3. À SOMBRA DE DUAS MULHERES, de Philippe Garrel
4. PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg

5. AS BOAS MANEIRAS, de Juliana Rojas e Marco Dutra
6. EM CHAMAS, de Lee Chang-dong
7. TRAMA FANTASMA, de Paul Thomas Anderson
8. DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR, de Claire Denis

9. VERÃO, de Kirill Serebrennikov
10. ASAKO I & II, de Ryûsuke Hamaguchi
11. ME CHAME PELO SEU NOME, de Luca Guadagnino
12. HEREDITÁRIO, de Ari Aster

13. LADY BIRD - A HORA DE VOAR, de Greta Gerwig
14. CAFÉ COM CANELA, de Glenda Inácio e Ary Rosa
15. TULLY, de Jason Reitman
16. VINGADORES - GUERRA INFINITA, de Anthony e Joe Russo

17. CANASTRA SUJA, de Caio Sóh
18. A CÂMERA DE CLAIRE, de Hong Sang-soo
19. O AMANTE DUPLO, de François Ozon
20. O BEIJO NO ASFALTO, de Murilo Benício

Menções honrosas

AMANTE POR UM DIA, de Philippe Garrel
RASGA CORAÇÃO, de Jorge Furtado
CUSTÓDIA, de Xavier Legrand
PONTO CEGO, de Carlos López Estrada
SEVERINA, de Felipe Hirsch
PARIS 8, de Jean-Paul Civeyrac
UMA NOITE DE 12 ANOS, de Álvaro Brechner
EX-PAJÉ, de Luiz Bolognesi
MISSÃO: IMPOSSÍVEL - EFEITO FALLOUT, de Christopher McQuarrie
FERRUGEM, de Aly Muritiba

2018 não foi um ano fácil. Foi um ano comprido e sofrido. A Copa do Mundo parece ter ocorrido há muitos meses. E as eleições foram por demais desgastantes, especialmente para aqueles que lutaram pela manutenção da democracia e por um governo que respeitasse mais a inteligência e a sensibilidade do que a estupidez e a brutalidade. Em vez disso, vamos torcer e lutar para que nossas conquistas sejam pelo menos mantidas ao longo desse processo que só Deus sabe como se dará.

Para minha vida pessoal também não foi fácil. Mas ao menos posso dizer que tentei, mesmo levando cabeçadas e nadando muitas vezes contra a maré. Quando portas pareciam se abrir, ou eu não sabia como lidar e estragava tudo, ou essas mesmas portas se fechavam rapidamente. Foi o ano em que comecei a fazer análise. Comecei tarde demais, eu diria. Mas acho que só isso já tem algum significado: ando querendo descobrir mais sobre mim, cuidar mais de mim. Tentar entender o que se passa e se passou. Também ando cuidando mais de mim do ponto de vista físico. 

Foi um ano também muito cansativo do ponto de vista do trabalho. Meu corpo cansado não aguentou e o blog acabou sendo prejudicado por isso. Nunca em nenhum outro ano eu escrevi tão pouco - houve um bloqueio criativo também para a criação de outros textos. Veio uma sensação de que meus escritos são ruins. E de que, no blog, só escrevo agora para mim. Mas, mesmo em tempos de decadência de blogs, até acho que estou resistindo. Cá estou fazendo a tradicional postagem de fim de ano, que preparo com alguma antecedência, pelo trabalho que dá. Alguém deve estar lendo, tenho certeza. Vamos aos filmes.

A melhor alegria deste ano para os cinéfilos foi a excelente safra de filmes brasileiros de alta qualidade. Se no ano passado nenhum filme brasileiro esteve presente em meu top 20, neste ano tenho seis filmes em minha lista. Este foi o ano em que eu tive certeza de que o cinema brasileiro é um dos melhores do mundo. Ajudou muito ler os livros da Andrea Ormond, mas também ajudou demais poder ver esses filmes maravilhosos no cinema e eles falarem tanto para o nosso momento.

Sim, pois, levando em consideração a situação política em que nos encontramos, cada gesto se reveste de uma importância imensa. Por isso ARÁBIA, da dupla João Dumans e Affonso Uchôa, encabeça minha lista de favoritos. É o filme que mais fala à classe trabalhadora, que mais tem um espírito de rebelião, mas também de certa melancolia poética poucas vezes vista em nosso cinema.
Nosso cinema em 2018 foi bem plural: tivemos um melodrama musical maravilhoso e romântico e que faz com que nos esqueçamos dos problemas do dia a dia para adentrar uma espécie de paraíso que nos enfeitiça e aquebranta nosso coração com o melhor da música feita sem medo de ser cafona ou exagerada. PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg, só poderia ser brasileiro. Além de tudo, é um filme que louva toda forma de amar. 

Um dos melhores filmes de terror do ano também foi brasileiro, sim, senhor. AS BOAS MANEIRAS, de Juliana Rojas e Marco Dutra, conta uma história de lobisomem como se nunca viu antes. Dividido em lado A e lado B, no primeiro lado do disco temos uma relação de afeto entre duas mulheres de classes sociais distintas; e no outro lado, a história de amor entre mãe e filho, um filho que por acaso é um filhote de lobisomem.

Falando em afeto, como não gostar do baiano CAFÉ COM CANELA, de Glenda Inácio e Ary Rosa? É dessas obras que enchem o coração de amor e é feito com uma simplicidade que encanta ainda mais. CANASTRA SUJA, de Caio Sóh, é outra obra feita na raça, mas com atores conhecidos no elenco. Uma obra que vai fundo na desgraça de uma família, até lembrando Nelson Rodrigues. E, pra fechar os brasileiros, eis que no final do ano aparece uma surpresa linda: uma adaptação de uma peça de Nelson dirigida pelo estreante Murilo Benício. O texto original de O BEIJO NO ASFALTO foi lançado em 1960, mas o filme parece falar mais ainda para o cenário dos dias de hoje, um cenário de distopia crescente.

O cinema de horror aparentemente não foi tão cheio de grande obras, pelo menos dentre as que surgiram no circuito comercial, mas podemos destacar, além do já citado AS BOAS MANEIRAS, dois filmes tão distintos entre si e que poderiam ser muito bem classificados no rótulo pós-horror, O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO, de Yorgos Lanthimos, e HEREDITÁRIO, de Ari Aster. O primeiro nem está aparecendo nas listas de horror por ser tão diferente, mas foi o filme que mais me meteu medo neste ano, pois lida com o medo irracional. Já a obra de estreia de Aster tem o mérito de nos apresentar à tragédia pessoal dos personagens (o que é a cena da crise alérgica, hein?) para só então adentrar o horror explícito mais próximo do convencional.

Tangenciando o horror e adentrando a seara do suspense, tivemos o maravilhoso EM CHAMAS, de Lee Chang-dong, que encanta com a delicadeza da direção e o impacto de vários momentos eletrizantes. O AMANTE DUPLO, de François Ozon, por sua vez, já é daqueles suspenses eróticos desavergonhados que costumavam produzir aos montes nos anos 90, mas que infelizmente andam meio sumidos. A diferença é que temos um cineasta que está sempre consciente do que está fazendo. Por isso é tão divertido. 

Dos filmes do Oscar, tivemos algumas belezuras: TRAMA FANTASMA, de Paul Thomas Anderson, é uma história de amor das mais sombrias já contadas, mas também das mais belas; ME CHAME PELO SEU NOME, de Luca Guadagnino, é também uma história de amor, mas bem mais solar e com uma sexualidade pulsante; LADY BIRD - A HORA DE VOAR, de Greta Gerwig, é a história do difícil amadurecimento da jovem Lady Bird e sua busca de sair de sua cidade natal, apesar dos obstáculos.

E se 2018 foi um ano sem um Woody Allen (triste isso), ao menos tivemos o prazer de ver duas obras de dois grandes cineastas da atualidade surgindo nos cinemas. Separei só uma de cada para este top 20: À SOMBRA DE DUAS MULHERES, do francês Philippe Garrel, que trata de relações sentimentais de forma mágica (como eu amo este filme!); e A CÂMERA DE CLAIRE, do sul-coreano Hong Sang-soo, desses diretores que não precisam se esforçar para parir uma pérola atrás da outra.   

E, pelo visto, tratar de relações ou da busca de um amor parece ser quase que um denominador comum dessa lista. Daí surge uma obra como DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR, de Claire Denis, que trata da busca do amor romântico por parte de uma mulher madura divorciada. E o que dizer de ASAKO I & II, de Ryûsuke Hamaguichi, que lida de forma singular com a história da paixão de uma jovem por um rapaz e de uma posterior virada na sua vida? E tivemos um dos mais felizes exemplares do cinema russo, o delicioso VERÃO, de Kirill Serebrennikov, que fala de música pop, mas também de relacionamentos, de um triângulo amoroso. E pensar na vida íntima e no que o "eu do passado" pode dizer para o "eu do presente" traz uma obra tão surpreendente como TULLY, de Jason Reitman.

Para não dizer que não falei de blockbusters, destaque para o melhor filme do universo cinematográfico Marvel até o momento. VINGADORES - GUERRA INFINITA, dos irmãos Anthony e Joe Russo, faz tudo o que veio de HOMEM DE FERRO para cá ter valido a pena. Enquanto a DC come poeira tentando ser engraçada como a Marvel, a Casa das Ideias sabe trazer uma história sombria no momento certo. Na expectativa pela continuação.

Top 5 Piores do Ano

Acho que neste ano eu evitei ainda mais tranqueiras do que no ano passado. Infelizmente acabei perdendo, inclusive, vários filmes de horror que pintaram por aqui e que eu gosto de ver, mesmo os potencialmente ruins. Assim, até pensei em não incluir uma lista de piores. É a parte que menos me interessa. Mas só pra manter a tradição, segue abaixo o que vi de pior nos cinemas:

1. CINQUENTA TONS DE LIBERDADE, de James Foley
2. A MALDIÇÃO DA CASA WINCHESTER, de Peter e Michael Spiering
3. ALGUÉM COMO EU, de Leonel Vieira
4. LUA DE JÚPITER, de Kornél Mundruczó
5. AQUAMAN, de James Wan

As séries e minisséries

Se no ano passado eu vi poucas séries, neste ano vi menos ainda. Por isso, nem acho justo numerar 10. Vamos numerar apenas cinco, então. Vale destacar que uma delas é maravilhosa, a que encabeça a lista, totalmente dirigida pelo jovem mestre Mike Flanagan.

Top 5 Musas do Ano

Quanto à beleza dos rostos femininos, uma das seções de que mais gosto de fazer para o blog funciona como um colírio para os olhos. Desta vez, temos duas brasileiras no mínimo apaixonantes em suas performances.

1. Bruna Linzmeyer (O GRANDE CIRCO MÍSTICO e O BANQUETE)

2. Kaya Scodelario (MAZE RUNNER - A CURA MORTAL)

3. Caroline Abras  (ALGUMA COISA ASSIM)

4. Matilda Lutz  (VINGANÇA)

Irina Starshenbaum (VERÃO)

Clássicos revisitados (ou vistos pela primeira vez) na telona

ACOSSADO, de Jean-Luc Godard
BAR ESPERANÇA (O ÚLTIMO QUE FECHA), de Hugo Carvana
LOUCURAS DE UMA PRIMAVERA, de Louis Malle
O ASSALTO AO TREM PAGADOR, de Roberto Farias
O HOMEM DA CAPA PRETA, de Sergio Rezende
SONATA DE OUTONO, de Ingmar Bergman
STELINHA, de Miguel Faria Jr.
STROMBOLI, de Roberto Rossellini
Z, de Costa-Gavras

Top 20 vistos (pela primeira vez) na telinha (em ordem alfabética)

A LEI DA FRONTEIRA, de Allan Dwan
A PATRULHA DA MADRUGADA, de Howard Hawks
A REGIÃO SELVAGEM, de Amat Escalante
ANTIPORNO, de Sion Sono
CINEMAGIA - A HISTÓRIA DAS VIDEOLOCADORAS DE SÃO PAULO, de Alan Oliveira
ELEGIA DE OSAKA, de Kenji Mizoguchi
FIRST REFORMED, de Paul Schrader
GATOS, de Ceyda Torun
INVERNO DE SANGUE EM VENEZA, de Nicolas Roeg
MULHER MOLHADA AO VENTO, de Akihiko Shiota
NUNCA FOMOS TÃO FELIZES, de Murilo Salles
O CONTO, de Jennifer Fox
PERFUME DE MULHER, de Dino Risi
PRA FRENTE, BRASIL, de Roberto Farias
PROCURA INSACIÁVEL, de Milos Forman
RENDEZ-VOUS EM PARIS, de Éric Rohmer
REPÚBLICA DOS ASSASSINOS, de Miguel Faria Jr.
ROMA, de Alfonso Cuarón

SEM LEI E SEM ALMA, de John Sturges
TERROR CEGO, de Richard Fleischer

Revisões na telinha

BAR ESPERANÇA (O ÚLTIMO QUE FECHA), de Hugo Carvana
BETE BALANÇO, de Lael Rodrigues
CABO DO MEDO, de Martin Scorsese
CORAÇÃO SELVAGEM, de David Lynch
FELIZ ANO VELHO, de Roberto Gervitz
VIDA DE SOLTEIRO, de Cameron Crowe


Feliz 2019!

Lembrando de uma fala de George Constanza de SEINFELD, eu não quero mais ter esperança, minha meta agora é não ter mais esperança nenhuma. De certa forma, até faz algum sentido. Não que esteja sendo pessimista, embora o cenário ajude um bocado a ser, mas a questão é que às vezes esperamos demais e as coisas não acontecem e aí surgem as frustrações. O que não quer dizer que não devamos nos preparar, traçar planos e metas para nossa felicidade pessoal e daqueles que amamos.

Uma coisa que eu aprendi neste ano foi a dar valor às pequenas coisas, às coisas do cotidiano que há alguns anos eu achava pouco importantes, como dar comida ao Jorginho e vê-lo feliz balançando o rabo; dar atenção à minha mãe e às minhas irmãs, por mais que eu me ache pouco atencioso; sair sozinho ou com um amigo ou amiga para um bom cinema (se bem que isso, o cinema, eu não coloco como pequena coisa não); conversar com os poucos amigos mais chegados e estar imensamente grato pela confiança que eles me depositam; estar se sentindo bem fisicamente, já que dores não são nada legais. Enfim, acho que me fiz por entender e isso é até meio óbvio de se dizer, mas às vezes a gente esquece. Interessante a gente estar neste mundo para aprender, mas esquecer e quebrar a cara de novo tantas e tantas vezes, não é?

Para encerrar, desejo que 2019 seja uma surpresa muito positiva para nós em vários campos de nossa vida: afetiva, profissional, financeira, estudantil e que coisas boas como viagens e artes sejam mais presentes. E quem sabe até tenhamos uma reviravolta para melhor no campo da política. Dreaming is free, como diz a canção. Até breve, obrigado pela leitura e viva a arte, vida a resistência e viva o cinema brasileiro!

sábado, dezembro 29, 2018

ASAKO I & II (Netemo Sametemo)

O Festival de Cannes tem o hábito de colocar em sua mostra competitiva obras de cineastas já celebrados. Daí a surpresa para alguns de ver um nome ainda não muito conhecido sendo destaque na edição deste ano, o de Ryûsuke Hamaguchi, com seu ASAKO I & II (2018). Acontece que o diretor já havia sido bastante premiado em outros festivais com um longa de mais de cinco horas de duração, HAPPY HOUR (2015), inédito comercialmente no Brasil.

Com 10 filmes no currículo, incluindo curtas e documentários, Hamaguchi finalmente chega ao circuito brasileiro, com um drama romântico desconcertante. Ora o filme opta por um estilo mais naturalista, ora seus personagens parecem mais afetados nas interpretações. Isso acontece principalmente no primeiro momento, quando, embriagada de amor, a jovem Asako (Erika Karata) se vê sem chão quando seu amado Baku (Masahiro Higashide) desaparece. Ela muda de cidade, sai de Osaka e vai morar em Tóquio e tenta reconstruir sua vida.

E quando o filme parece se aproximar de uma linha mais realista, e de fato o tom do filme muda um pouco, surge algo que perturba o coração de Asako: o fato de ela conhecer um rapaz idêntico na fisionomia a Baku. O jovem, de nome Ryôhei, ganha rapidamente um co-protagonismo na narrativa. Diferente do enigmático Baku, Ryôhei é um sujeito comum, que sente que tem a sorte de conhecer uma moça tão bela e tão terna quanto Asako.

O problema para Asako é que ela não sabe se o que ela sente por Ryôhei se dá pelo fato de ele ser muito parecido com Baku ou se ela está mesmo se apaixonando ou se apegando afetuosamente ao rapaz, que passa a representar a estabilidade emocional para a jovem. Há uma cena entre os dois que é linda dentro de um contexto de caos, que é a cena do encontro durante o terremoto. Mas há outra cena que é ainda mais bonita, que surge dentro de um contexto de uma relação estável: Ryôhei está deitado no chão e Asako massageia seus pés. Aquele momento parece algo bem próximo do paraíso na Terra.

O que ASAKO I & II traz de diferente em relação a outros dramas românticos, ou mesmo comédias românticas, é que ele procura inverter a felicidade, que deixa de ser algo mais próximo do romantismo para algo mais próximo do realismo. Para uma cultura que fez brotar um cineasta como Yasujiro Ozu, é até compreensível.

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DE REPENTE UMA FAMÍLIA (Instant Family)

Filme que me faz chorar já me ganha o meu respeito. O interessante desta comédia dramática é que ela parece mais despretensiosa do que de fato é, trazendo discussões importantes sobre a questão da paternidade e sobre o quanto nós somos frutos do amor e do desamor. Rose Byrne é sempre aquele colírio e tem um timing perfeito para comédias. O filme é baseado numa história real da vida do diretor Sean Anders. Ano: 2018.

PERGUNTE-ME TUDO (Ask Me Anything)

É um desses filmes esquecidos e que ficam no limbo, já que nem sei se aparece em Netflix ou coisa do tipo. É uma obra subestimada, que trata de questões da intimidade de uma garota vivendo uma fase difícil e com relacionamentos com outros homens. Achei que tem problema de montagem e faltou mais emoção, mas talvez eu é que estivesse pouco conectado. Britt Robertson está muito bem. Direção: Allison Burnet. Ano: 2014.

TODAS AS CANÇÕES DE AMOR

É um filme bem gostoso de ver, principalmente pelas canções. Música no cinema é sempre um prazer elevado a n potência. Aqui ainda temos a beleza da Marina Ruy Barbosa, mas principalmente a presença de um dos melhores atores do país, Júlio Andrade. O cara só não faz mais pelo filme porque o roteiro não permite. Ou a direção, talvez. Ainda assim, gosto de todos os personagens e da sensibilidade na construção dos diálogos. As canções poderiam ser menos óbvias, mas tá valendo. Direção: Joana Mariani. Ano: 2018.

sábado, dezembro 22, 2018

EM CHAMAS (Beoning)

Veja o filme, leia o conto, reveja o filme. Não é sempre que a gente se sente compelido a fazer isso, graças a uma obra cinematográfica que nos intriga e nos maravilha. É o caso de EM CHAMAS (2018), do diretor sul-coreano Chang-dong Lee, cuja última obra para cinema havia sido POESIA (2010). Passou tanto tempo assim entre um filme e outro e acabou por se revelar um cineasta de maior quilate, ainda que fique agora a curiosidade pelas suas quatro obras iniciais.

O conto que inspirou EM CHAMAS, "Queimar Celeiros", contido no livro O Elefante Desaparece, de Haruki Murakami, é bem sintético em sua trama. Chang-dong acrescenta muita coisa para formar seu longa a partir de uma história aparentemente simples e que se passa em sua maior parte na varanda da casa do personagem Jong-su (Ah-in Yoo), onde ele recebe o casal Hae-mi (Jong-seo Jun) e Ben (Steven Yeun, mais conhecido como o querido Glenn, da série THE WALKING DEAD).

O próprio Chang-dong confessa que destinou mais esforço e energia para esta cena e para a cena final. As demais, ainda que maravilhosas também, ele dirigiu dando menor importância. Isso não deixa de ser coerente com o que vemos no filme, mas também não deixa de ser impressionante, levando em consideração a quantidade grande de cenas estupendas, mesmo em sua sutileza. Vendo o filme pela segunda vez, por exemplo, é possível notar certos detalhes e belezas que na primeira pode passar desapercebido.

A própria aproximação de Hae-mi com Jong-su é feita com esmero. A moça, que no início não parece ser tão interessante assim para o rapaz, passa a se tornar cada vez mais digna de seu afeto, embora no começo ele não saiba disso. Na casa de Hae-mi, quando os dois fazem sexo, e Jong-su, um aspirante a romancista, olha com atenção e interesse para os arredores e para a janela do quarto, é como se ele estivesse procurando entender e captar melhor aquele momento de sua vida.

E depois há coisas um tanto surreais, como o gato que nunca aparece; ou o tal celeiro que também não é detectado, assim como a garota que desaparece. Isso acontece depois que Hae-mi volta da África e conhece Ben, um rapaz que é tudo que Jong-su não é: confiante, rico, tranquilo e bem-sucedido. "Como ele mora em uma casa como essa tendo a idade que tem?", Jong-su pergunta a Hae-mi, que àquela altura era namorada de Ben. E esse nem é um dos grandes mistérios de Jong-su. O desaparecimento de Hae-mi é que o atormenta e passa a ser a razão de sua existência. Assim como encontrar o tal celeiro queimado por Ben.

Quanto à tal cena da varanda, ela é tão cheia de encantamento que faz o coração do espectador pulsar mais forte. Tanto no momento em que os três estão fumando um baseado, quanto na cena da dança de Hae-mi, que parece saída de um filme de David Lynch. Isso se dá principalmente pela inclusão de uma música de Miles Davis, a mesma que aparece em ASCENSOR PARA O CADAFALSO, de Louis Malle. O próprio Chang-dong disse que gosta muito do filme de Malle, em entrevista para a revista Cinema Scope (edição 75).

Se há algo no filme que considero pouco empolgante são as cenas em que Jong-su tenta lidar com a prisão do pai. O reencontro com a mãe é interessante, mas toda a parte com o pai parece pequena diante da trama principal, quase como se fosse possível destacar. Funciona mais para acentuar o aspecto da solidão e abandono a que o personagem foi submetido. No mais, há muito o que se alimentar da riqueza de EM CHAMAS, seja tentando entender mais detalhes de sua trama, seja se aproveitando também das influências literárias (o próprio Murakami, William Faulkner, F. Scott Fitzgerald) e musicais, seja adentrando na profundidade e no abismo de seus personagens. Não é sempre que vemos um filme assim.

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BUSCANDO (Searching)

Um filme bastante inventivo que é todo narraado através de câmeras, tela de computador ou aplicativos, televisão etc. O diretor é meio desconhecido, mas já chegou chutando a porta com os dois pés com esse suspense que nos deixa interessados até o fim. Na trama, um pai tenta a todo custo desvendar o paradeiro da filha desaparecida e talvez assassinada. Direção: Aneesh Chaganty. Ano: 2018.

OH LUCY!

Bela surpresa esta comédia dramática que fala muito sensivelmente sobre carência afetiva. As cenas da aula de inglês são ótimas, mas o filme sobrevive e consegue melhorar ainda mais ao longo da narrativa, quando os personagens partem para os Estados Unidos. Talvez seja este o melhor papel da carreira de Josh Hartnet. Direção: Atsuko Hirayanagi. Ano: 2017.

ANTES QUE TUDO DESAPAREÇA (Sanpo Suru Shinryakusha)

Kiyoshi Kurosawa ainda não me pegou, embora tenha sido um prazer poder ver no cinema este novo filme dele, que conta a história de uma invasão alienígena da maneira mais diferente que eu já vi. Quase um VAMPIROS DE ALMAS que nos convence de seu aspecto fantástico só pelos diálogos e alguns atos. E que linda que é a Masami Nagasawa. Vi que ela esteve em um remake japonês de COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ, aquela comédia romântica com o Adam Sandler. Será que ficou legal? Ano: 2017.

segunda-feira, dezembro 17, 2018

FIRST REFORMED

Desde o começo de minha cinefilia que sei do caso de Paul Schrader, do fato de ele ter visto o seu primeiro filme na vida aos 17 anos, devido à formação religiosa de sua família, que proibia dança ou qualquer entretenimento popular. Embora até hoje me admire com isso, ainda mais levando em consideração que Schrader se tornou um crítico, depois um roteirista e depois um cineasta, eu me identifico um bocado com isso, já que eu também era proibido de dançar por minha mãe, evangélica fervorosa. Nem mesmo a presença de meu pai, afeito aos prazeres etílicos, fez com que essa influência se confirmasse tão intensa em mim.

No caso de Schrader, é interessante como, em vez de ele lidar com filmes pendendo para a religião, como aconteceu com Ingmar Bergman, que também sofreu os traumas de uma criação religiosa rígida, o cineasta e roteirista americano preferiu simpatizar com a temática da violência. Daí até hoje ser mais lembrado pelo roteiro de TAXI DRIVER (1976). Curiosamente, é justamente o clássico personagem Travis Bickle que mais é citado como referência do novo trabalho de Schrader, o impressionantemente belo FIRST REFORMED (2017).

Em entrevista à revista americana Cineaste (Vol. XLIII), Schrader comenta sobre os caminhos de sua carreira, sobre como se identifica mais com um Kubrick do que com um Hitchcock, no sentido de que quer sempre fazer algo diferente, desafiador, e não ficar repetindo temas. Daí seus filmes aparentemente não terem um aspecto tão comum entre si. Ele revela na entrevista que sua própria carreira no cinema também foi surgindo a partir de coisas que ele acabava de ver, como quando ele viu O BATEDOR DE CARTEIRAS, de Robert Bresson, em 1968, pela primeira vez. Foi a partir daí que algo lhe acendeu o desejo e a certeza de que poderia fazer cinema também.

E é justamente de Bresson a principal referência quando assistimos a FIRST REFORMED (embora Schrader confesse ter sido influenciado por IDA, de Pawel Pawlikowski). O personagem de Ethan Hawke, o atormentado pastor Toller, é claramente inspirado no padre do filme do cultuado cineasta francês. Ambos são homens que não encontram alegria na vida e que gostam de escrever em um diário enquanto bebem tanto vinho que seus fígados já quase não existem.

A vida de Toller mudaria, porém, a partir do encontro com Mary, uma jovem mulher grávida que quer que o padre convença seu marido suicida de que ela não deve abortar. O problema é que o tal marido suicida apresenta motivos suficientes para o reverendo acreditar que não há mesmo nenhum sentido de colocar uma vida neste mundo, cujo fim já pode ser facilmente visto a partir do quanto o homem polui o meio-ambiente. O lado positivo é que a vida de Toller passa a fazer mais sentido, agora que ele se torna também um militante, agora que seus olhos foram abertos para o horror iminente do planeta.

E há Mary, vivida com um brilho quase celestial por Amanda Seyfried, que durante as filmagens estava também grávida. O fato de seu nome ser Mary já carrega uma ideia de santidade, por mais que aqui estejamos falando de um não-católico. De todo modo, isso não importa muito, até porque pastor ou padre não faz muita diferença no modo como é pintado o personagem de Hawke e sua igreja pequena.

Um dos aspectos que mais chama a atenção em FIRST REFORMED é a beleza formal. Novamente entra em cena uma ligação com Bresson, que costumava filmar uma porta por alguns segundos mesmo quando o personagem saía de cena por ela. O que acaba por criar uma estranheza. Esse tipo de "atraso" é também usado por Schrader, mas ele faz questão de quebrar algumas regras que ele mesmo cria, como o fato de não movimentar a câmera. Em certo momento, ele usa uma dolly, justamente para que o espectador perceba que existe uma regra que foi quebrada.

E temos a beleza da fotografia em 1,37:1, que privilegia os corpos. E a angústia dos personagens. E o pessimismo latente. E o fato de haver uma necessidade de um comprometimento maior por parte do espectador, devido também ao andamento lento do filme e sua intensidade. Aliás, difícil não ver FIRST REFORMED e não lamentar o fato de ele continuar inédito nos cinemas brasileiros. As chances de ele chegar às telonas talvez só se cumprissem com indicações ao Oscar. Será que resta alguma esperança? Na falta do cinema, vale ver e rever com prazer esta que talvez seja a obra-prima de Schrader como diretor.

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WON'T YOU BE MY NEIGHBOR?

Um documentário sobre a história de vida e carreira de um apresentador de um programa infantil se transforma em uma história sobre gentileza, amor e sobre o quanto somos produto do amor e do desamor. Na verdade, não apenas isso: há tanta riqueza e tantos detalhes em cada gesto e em cada fala do personagem. Direção: Morgan Neville. Ano: 2018.

A PRECE (La Prière)

Belo e de certa forma até que bem simples filme sobre a dificuldade de se curar do vício em uma droga pesada. A PRECE acaba sendo mais do que isso. Gostei de pensar na questão da completude do ser humano, da necessidade de satisfazer tanto os desejos do corpo quanto do espírito. Direção: Cédric Khan. Ano: 2018.

THREE IDENTICAL STRANGERS

Eis um filme que quanto menos você souber a respeito da trama, ou seja, da história real dos três gêmeos, melhor. Nesse sentido, podemos encontrar paralelos com outros documentários, como DEAR ZACHARY - UM CASO CHOCANTE e SEARCHING FOR SUGAR MAN. É um filme que dá muito o que pensar sobre a questão da criação e dos genes como elementos na construção da personalidade da pessoa. Mas há muito mais a se discutir a partir do que somos apresentados. Direção: Tim Wardle. Ano: 2018.

sábado, dezembro 15, 2018

CORAÇÃO SELVAGEM (Wild at Heart)

Rever CORAÇÃO SELVAGEM (1990) foi recordar o momento mágico de ter visto este filme no cinema pela primeira vez. Eu era um jovem cinéfilo e também bastante entusiasmado com aquela série fantástica que a Globo tentou estragar, TWIN PEAKS (1990-1991). O filme foi feito durante as gravações da série e por isso hoje eu tenho sentimentos mistos em relação a este longa-metragem. Por mais que a experiência de vê-lo tenha sido fascinante, o conceito de obra-prima lynchiana seria mudado pelo próprio David Lynch, que se superaria enormemente nos trabalhos seguintes.

Ainda assim, CORAÇÃO SELVAGEM deve ser visto com carinho, embora possa desagradar a quem o considere excessivo ou histérico. Também é um filme que prima mais pelo bizarro e pelo cômico do que pelo assustador, coisa que Lynch faria tão melhor, inclusive na série TWIN PEAKS. Aliás, há alguns atores e atrizes da série no elenco em participações muito bem-vindas: Grace Zabriskie, Sherilyn Fenn, David Patrick Kelly, Sheryl Lee e Jack Nance.

Lembro que a cena de Sailor (Nicolas Cage) matando um homem a porrada ao som de um rock bem pesado ("Slaughterhouse", de uma banda chamada Powermad) no começo do filme muito me impressionou. Lynch consegue fazer uma ligação muito estreita entre o rock contemporâneo e o rock e o estilo de vida dos anos 1950, tão queridos em sua obra (não à toa Sailor é fã do Elvis Presley e canta duas de suas canções no filme).

Mas uma coisa que eu não lembrava era o lado safado (no bom sentido) no filme. Impressionante como Lynch gosta dessas coisas. Aliás, mesmo no recente TWIN PEAKS - O RETORNO (2017) ele arrumou um jeito de colocar sexo na história. Aqui, o ponto alto da sensualidade vem de um flashback de Sailor. Ele conta para sua amada Lula (Laura Dern, em segunda colaboração com Lynch) uma de suas primeiras experiências sexuais. O detalhe de Sailor abordando a moça é que faz toda a diferença. Eu fiquei surpreso de ter esquecido dessa cena!

Também havia me esquecido da bela sequência que mostra Isabella Rossellini pela primeira vez em cena. Aquela imagem de Rossellini havia sido capa de uma revista SET, na época, no auge criativo e intelectual. A beleza está tanto em sua presença (de cabelo curto e loiro), mas principalmente na construção da direção de arte: ela sai de uma casa simples no meio do nada. Já a participação de Willem Dafoe como Bob Peru é memorável, difícil demais de ir para o arquivo morto da memória. Sua figura grotesca combina bastante com o tom caricato que Lynch pinta nesta sua obra, vencedora da Palma de Ouro em Cannes em 1990.

Outra coisa que dá para perceber em CORAÇÃO SELVAGEM é o quanto é mais um filme com episódios quase soltos do que uma narrativa que se sustenta por um fio condutor. Há várias subtramas que têm, cada uma, a sua força, havendo espaço para mais de dois, três ou mesmo quatro vilões.

É também um filme que soma à obra de Lynch o tema da perdição do herói ou da heroína. No caso, o herói (Sailor) consegue a sua redenção. Mas não sem antes ir ao inferno duas vezes. Por mais que tenhamos uma história que mostra alguém sendo perseguido por um mundo cercado pelo mal por todos os lados, uma característica de quase toda obra de Lynch, o tom é mais leve, graças a um final feliz. E às vezes um final feliz pode ser mais ousado do que um final sombrio e triste.

+ TRÊS FILMES

INVERNO DE SANGUE EM VENEZA (Don't Look Now)

Em homenagem a Nicolas Roeg, finalmente vi este clássico moderno. Acabei não entrando muito no clima, o que também aconteceu com o filme estrelado pelo David Bowie, mas é uma obra singular, com uma montagem bem própria, e um tipo de terror que parece muito distante do que se espera encontrar. Hoje em dia rotulariam como pós-horror. Ano: 1973.

PROCURA INSACIÁVEL (Taking Off)

O filme escolhido para homenagear a passagem de Milos Forman foi a sua estreia nos Estados Unidos. Dá para perceber seu apreço pela contracultura nesta comédia sobre pais em busca de filhos que desaparecem, e o medo de eles se desencaminharem com as drogas etc. As melhores cenas ficam para o final. E a cena da aula de como fumar maconha é sensacional. Ano: 1971.

LOUCURAS DE UMA PRIMAVERA (Milou en Mai)

Um dos filmes que mais transborda vida por todos os poros. E o engraçado é que ele começa a partir da morte da matriarca e de uma espécie de disputa pelos bens etc. Mas o que transforma aquela reunião de família e de agregados numa festa é o clima de maio de 68, que contamina até mesmo a região rural da França. Mágica pura! Direção: Louis Malle. Ano: 1990.

segunda-feira, dezembro 10, 2018

O BEIJO NO ASFALTO

Impressionante a capacidade do cinema (e das outras artes também, creio eu) de buscar algo tão próprio de um tempo, o Rio de Janeiro de 1961, época em que foi encenada a peça de Nelson Rodrigues, e transformá-la em um autêntico produto de nosso momento, do Brasil de hoje. A mesma peça já havia rendido dois longas-metragens para cinema, um em 1965, de Flávio Tambellini, e um outro mais famoso, provavelmente, dirigido por Bruno Barreto em 1981. Mas agora vivemos novos tempos. Tempos mais parecidos com uma distopia.

Por isso Murilo Benício, em sua estreia na direção, prefere adotar um tom mais sombrio, próximo do kafkiano, embora humor não falte, já que estamos falando de Nelson Rodrigues, mestre em saber explorar o lado podre da família, das pessoas, da sociedade brasileira em geral. Benício também resolveu brincar com a metalinguagem, de modo a trazer mais força e enfatizar o prestígio da peça, ao trazer todo o elenco em uma roda de leitura, também aberta para fazer observações sobre a obra, sobre o dramaturgo e sobre os personagens. Fernanda Montenegro é a que mais faz observações, até por ter vivido os tempos em que a peça se passa.

Na trama de O BEIJO NO ASFALTO (2018), já conhecida por muitos, um homem, Arandir (Lázaro Ramos), beija a boca de um homem que acabou de ser atropelado por um ônibus. Havia repórteres e testemunhas e o caso virou notícia de jornal. Uma notícia que virou a vida do pobre homem de cabeça para baixo. Afinal, ele, mesmo sendo casado, teria tido um caso com o tal homem morto? Era essa a pergunta que todos o faziam até o limite da exaustão.

A esposa, Selminha, vivida brilhantemente por Débora Falabella, apoia o marido, apesar de o pai (Stênio Garcia) sempre questioná-la sobre se ela o conhece de fato (o pai nunca chama Arandir por seu próprio nome, apenas "seu marido", "meu genro" etc.). O casal mora junto com a irmã mais jovem de Selminha, Dália (Luiza Tiso), que funciona como um elemento de atiçamento nas relações familiares.

A opção pelo preto e branco na fotografia acentua o tom sombrio de drama criminal e investigativo, mas principalmente na condução do espírito atormentado de um homem. Aliás, não só de um homem, já que outras pessoas também são conduzidas a esta teia de horror. Assim, nenhuma outra cena parece tão impactante quanto a de Selminha sendo interrogada pelo delegado (Augusto Madeira) e o repórter inescrupuloso (Otávio Müller). O texto de Nelson é tão forte que nem mesmo a revelação de uma quarta parede nos tira sua intensidade. Ao contrário, só mostra o quanto o texto do escritor é forte e o quanto foi acertada a direção de Benício. Lembrando também que Débora Falabella já havia feito muita gente se emocionar no cinema com um monónogo emocionante no melodrama O FILHO ETERNO, de Paulo Machline.

No mais, vale dizer que não é todo dia que vemos um ator se mostrar um diretor de mão cheia. O caminho que Benício traça aqui lembra o de Al Pacino, quando estrelou na direção com RICARDO III - UM ENSAIO. E se os falantes de língua inglesa têm Shakespeare, nós, brasileiros, temos Nelson Rodrigues. E isso não deixa de ser um baita motivo de orgulho.

+ TRÊS FILMES

TUDO ACABA EM FESTA

Uma bobagem divertida. Lembra alguns filmes americanos sobre festas em empresas. Só que esse aqui parece mais amador, o que não necessariamente diminui a diversão. Marcos Veras está bem, mas gostei mesmo foi das moças, principalmente Giovanna Lancellotti, que nunca tinha visto no cinema, pelo que eu lembre. Simpatia de menina. Já Rosanne Mulholland me pareceu pouco aproveitada. Direção: André Pellentz. Ano: 2018.

O GRANDE CIRCO MÍSTICO

É o melhor filme de Cáca Diegues em muito tempo, mas isso não quer dizer muito, já que faz teeempo que ele não lança um filme decente. Este aqui me pegou positivamente pela viagem, embora eu ainda não saiba qual é o motivo final, sobre o que é o filme. Há quem diga que é sobre machismo ao longo das décadas. Tem uma relação com BYE BYE BRASIL. Gostei de muita coisa, na verdade. Mas o que é a Bruna Linzmeyer, hein? Hein? Meu Deus!! Fiquei em estado de graça. Ou sei lá que tipo de estado eu posso dizer que fiquei. Deu até para repensar a questão da nudez, que foi dita por Pedro Cardoso como algo que representa a nudez do intérprete e não do personagem. Mas que tal registrar em filme de alta qualidade, para ficar para a posteridade, a beleza de um corpo em seu auge? Direção: Carlos Diegues. Ano: 2018.

A VOZ DO SILÊNCIO

Terceiro filme de André Ristum que vejo e o terceiro de que não gosto. Esse aqui é ainda mais problemático pois é um filme-coral com histórias quase todas sem nenhuma dramaticidade eficiente. A história que quase comove é a da mãe-filho-avô, mas acaba chegando muito perto do fim. A atmosfera da solidão de São Paulo também não rende. E Marieta Severo, hein. Que papel ruim. Trata-se de uma coprodução Brasil/Argentina, com vários atores argentino em papéis importantes. Ano: 2018.