quarta-feira, agosto 29, 2018

CAFÉ COM CANELA


Impressionante como um filme consegue ser ao mesmo tempo experimental em sua linguagem e tão popular, tão capaz de falar ao grande público. CAFÉ COM CANELA (2017), o premiado trabalho de Glenda Nicácio e Ary Rosa, que também nos apresenta a uma baianidade muito gostosa, traz duas histórias paralelas: a de duas mulheres negras e de diferentes idades e situações.

A jovem Violeta (Aline Brunne, encantadora) ganha a vida vendendo coxinhas e cuidando da avó muito velhinha e acamada, além de também cuidar com muita alegria e amor do marido, dos filhos e dos amigos. A outra linha paralela mostra um cenário mais sombrio, o de Margarida (Valdinéia Soriano), uma mulher que vive presa na própria casa, pela depressão causada pela perda do filho pequeno.

O contraste das duas vidas é bem explícito e é natural sentirmos certo mal estar quando estamos na casa de Margarida, tão triste e tão abandonada. Mais do que isso: um lugar assombrado. Por isso o gosto pela vida de Violeta nos pega tão fortemente: que lindo que é vê-la cantando para a avó doente e que só se comunica pelos olhos e pelo sorriso. Ela canta com muito carinho, dá-lhe massagens nas mãos. Claro que nem tudo são flores e Violeta testemunha também a triste partida de um de seus vizinhos em outra passagem muito emocionante e também cheia de amor.

Há algumas cenas que se destacam e que, ao serem lembradas, falam forte ao coração: uma cena muito simples e que pode ser vista como apenas um detalhe, envolvendo o cachorro e a avó de Violeta; o cantar de um dos personagens coadjuvantes em uma razão de aspecto diferente (uma dentre três diferentes); a descrição antecipada e triste da perda de um grande amor do personagem de Babu Santana; e a cena da bicicleta. Meus Deus, o que dizer da cena da bicicleta, como se não algo tão capaz de encher nossos corações de amor?

E no meio de tudo isso, no meio de uma celebração da vida como poucos filmes são capazes, ainda temos um quase monólogo fantástico de Margarida sobre a magia do cinema. Sim, a vida pode ser maravilhosa, mas o cinema é fantástico. Há até uma brincadeira com a quebra da quarta parede. Além do mais, é um filme inteiramente feito com atores e atrizes negros, grande maioria da população da Bahia. No caso, as cenas de CAFÉ COM CANELA se passam no Recôncavo Baiano.

Há ainda espaço para a celebração da riqueza da cultura afrobrasileira. Mas o que conta mesmo nem são esses detalhes - se é que podemos chamar de detalhes, inclusive os formais -, mas o quanto o filme mexe com as emoções da audiência. Um presente que se não tomarmos cuidado pode passar desapercebido, como tantas outras joias recentes do nosso cinema.

+ TRÊS FILMES

UNICÓRNIO

É até interessante de ver, mas impressionante como cansa, mesmo com toda a beleza e a linda fotografia em ultrascope. O diretor quer passar sensações e sentimentos através da imagem, mas não consegue, como nas cenas das angústias da garota no bosque. Mas curiosamente gosto da parte final, que lembra uma fábula. Pena que demora demais a chegar lá. Patrícia Pillar continua linda. Direção: Eduardo Nunes. Ano: 2017.

HILDA HILST PEDE CONTATO

Gosto bem mais da primeira parte do filme, que nos faz quase tão ávidos de boa literatura quanto a própria Hilda, além de ser mais interessante na questão da busca angustiante da escritora por vida além do plano terreno. É um filme bem singular. E a diretora tem um cuidado todo especial com os planos. Faz bem ver. Direção: Gabriela Greeb. Ano: 2017.

UMA QUASE DUPLA

É um filme que deve muito à Tatá Werneck a força que tem, ainda que não seja muita. Cauã está quase como um escada na dupla. É Tatá que fornece os momentos mais engraçados e memoráveis do filme. Que poderia ser menor e mais redondo. Faltou ao diretor timing para dominar a narrativa. Ainda assim é divertido e relaxante. Direção: Marcus Baldini. Ano: 2018.

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