segunda-feira, outubro 31, 2011

CONTÁGIO (Contagion)



Será que essas declarações de Steven Soderbergh de que ele vai se aposentar é tudo balela? Afinal, no IMDB consta ainda HAYWIRE, a ser lançado este ano, e mais outros três trabalhos para os próximos anos (MAGIC MIKE, THE MAN FROM U.N.C.L.E. e LIBERACE). Alternando entre grandes produções e filmes pequenos e independentes, Soderbergh sempre fez o que quis em Hollywood. Parece que foi ontem que vi pela primeira vez o seu longa de estreia, SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE (1989). De lá pra cá, sua carreira foi oscilando e trilhando caminhos cada vez mais distintos.

CONTÁGIO (2011) está entre as superproduções do diretor. Custou 60 milhões de dólares, mas provavelmente o custo se deve ao elenco estelar. Reunir num mesmo filme Matt Damon, Laurence Fishburne, Marion Cotillard, Kate Winslet, Jude Law, Gwyneth Paltrow e Elliot Gould não é pra qualquer um. A trama por si só já é bastante atraente para nós, tão obcecados que somos por tragédias apocalípticas, seja através da natureza, seja por invasão alienígena, por zumbis ou por doenças. Esse último caso, inclusive, é o que mais se aproxima da realidade. O vírus Ebola e as gripes suína e aviária foram exemplos do quanto a população ficou apavorada com uma possível epidemia de grandes proporções. Por isso CONTÁGIO deve conseguir uma boa plateia pagante.

O filme começa com a personagem de Gwyneth Paltrow voltando para casa, já doente. Aparentemente é a partir dela que o mal se espalha por todo o globo. O marido, vivido por Matt Damon, não estava preparado para perder ao mesmo tempo a esposa e o enteado. Enquanto isso, cientistas como a personagem de Kate Winslet, investem seu tempo e se sacrificam para encontrar uma solução para o problema. Há também a figura do blogueiro (Jude Law) que tem milhões de seguidores e que prega que o sistema está escondendo e lucrando com a doença. Pouco comentada, até por ser uma atriz pouco conhecida, a personagem de Jennifer Ehle é uma das mais interessantes para a trama do filme.

Um dos aspectos mais ofensivos de CONTÁGIO é julgar tão mal a internet, pintando-a mais maléfica do que a televisão e a imprensa oficiais, quando sabemos que a coisa não é bem assim. Isso acaba depondo contra o filme. Afinal, apesar de tudo, as redes sociais têm um papel fundamental hoje para dar voz aos excluídos, aos silenciados pelos órgãos oficiais. Outro problema é que, a julgar pelo trailer, era de se esperar um filme mais emocional. O que vemos é um trabalho que se detém mais sobre os aspectos científicos da doença, o que não é nenhum pecado, apenas não gera catarse e trata a situação com distanciamento.

É uma opção estética de Soderbergh para o seu filme, que, diferente de TRAFFIC (2001) e de BUBBLE (2006), dois trabalhos que lidam com múltiplos personagens, mas que conseguem compartilhar seus problemas com o espectador com mais intensidade, prefere a precisão da montagem, muito bem construída em sua colcha de retalhos. Por essas e outras razões que se pode dizer que CONTÁGIO é um dos melhores trabalhos sobre epidemia já realizados.

sexta-feira, outubro 28, 2011

EXISTENZ



O problema de eu ter adotado a caixa alta como padrão para os títulos dos filmes no blog surge quando aparecem filmes que fazem distinção das letras maiúsculas e minúsculas. Caso de eXistenZ (1999), um dos melhores e menos incensados trabalhos de David Cronenberg. O X e o Z maiúsculos destacados se justificam pelo fato de que o termo "isten" em húngaro quer dizer "Deus". A língua húngara também aparece quando o "joystick”, ou melhor, o pod usado pela personagem de Jennifer Jason-Leigh, emite um som que quer dizer "obrigado" em húngaro. Esses são dados pegos do IMDB que eu achei curiosos.

Quanto à revisão do filme, depois de quase dez anos, para mim foi uma grata surpresa. Não tinha percebido o quanto ele era ótimo. Subiu muito em meu conceito e já garantiu espaço no meu top 5 Cronenberg, o que é muito para um autor tão importante. O filme segue um pouco uma linha sensual, como em CRASH – ESTRANHOS PRAZERES (1996), mas dialoga mais com MISTÉRIOS E PAIXÕES (1991). No entanto, trata-se de uma obra muito melhor e mais interessante do que a adaptação do romance de William Burroughs. A semelhança se deve principalmente a dois fatores: a abertura para ligar os jogos virtuais aparece na forma de um ânus, novamente o orifício de destaque na obra do diretor; e o aspecto viajante do filme.

EXISTENZ é tudo o que MISTÉRIOS E PAIXÕES quis ser e não conseguiu: apresenta uma história na qual os personagens (Jennifer Jason-Leigh e Jude Law) se deixam perder em um universo irreal, levando o espectador junto. Em EXISTENZ essa viagem é mais prazerosa e o filme é ao mesmo tempo gostoso de ver e angustiante na preocupação com a realidade. E ainda tem a discussão filosófica sobre o que é realidade que o filme propõe, como quando Jude Law retorna ao seu corpo carnal e começa a achar o mundo "de verdade" menos real. O jogo de realidades virtuais dentro de realidades virtuais é fascinante.

Jennifer Jason Leigh está bem sensual. Muito bom ver este momento da carreira de Cronenberg em que ele valoriza a sensualidade feminina, bastante explorada no anterior CRASH – ESTRANHOS PRAZERES. A cena de sexo de Jennifer com Law no mundo alternativo é um dos pontos altos do filme e que ainda traz a pergunta: até que ponto a vontade e o desejo é do personagem e até que ponto é do próprio jogador?

Pra quem não conhece a trama, Jennifer Jason-Leigh é Allegra Geller, uma designer de jogos virtuais que cria um jogo revolucionário chamado "eXistenZ", que uma vez ligado a um orifício colocado nas costas do jogador, leva-o a um mundo quase perfeito, em comparação com o mundo real. Ela é atacada por um fanático que empunha uma arma estranha e orgânica, mas consegue sobreviver. O personagem de Jude Law é o homem que a leva em segurança e começa a manter uma relação de maior aproximação com a moça, a ponto de os dois compartilharem juntos uma aventura perigosa no eXistenZ.

A música novamente de Howard Shore, o mais presente parceiro nas obras de Cronenberg, ajuda a tornar a atmosfera do filme ainda mais misteriosa, assim como a fotografia belíssima de Peter Suschitzky, outro colaborador habitual do cineasta. A cópia em resolução 720p disponível na internet está maravilhosa e faz jus à fotografia do filme. Há também um clima que lembra um pouco os filmes noir da década de 40, mas acrescido de algo de psicodélico ou ciberpunk, com predomínio do niilismo. As estranhas criaturas dos filmes de Cronenberg se apresentam principalmente na figura dos pods. A mistura daquilo que seria eletrônico com o orgânico é uma evolução da tão propagada "nova carne" de VIDEODROME (1983).

quinta-feira, outubro 27, 2011

TRANSEUNTE



O filme de estreia na ficção de Erik Rocha, o filho de Glauber Rocha, carrega ainda alguns elementos do documentário, o gênero com que o cineasta trabalhou anteriormente, que a propósito foi sobre seu pai, ROCHA QUE VOA (2002). Uma vez separado do pai, embora ainda deva ser associado a ele por muito tempo – ou por toda a vida –, ele agora entra num território novo com TRANSEUNTE (2011), filme que deve muito à figura do protagonista, o seu Expedito, vivido com muita propriedade por Fernando Bezerra.

Como o próprio título dá a entender, trata-se de um filme sobre uma pessoa que vaga pelas ruas, sozinho. Expedito é um homem que acabou de se aposentar e cuja rotina é ouvir o futebol num radinho de pilha (ou às vezes ir ao estádio também sozinho) e se perder no meio da multidão para não ficar o tempo inteiro trancafiado em casa - entre outras coisas corriqueiras que o filme faz questão de mostrar sem muita pressa. O andamento de TRANSEUNTE é lento e, como pouca coisa acontece de extraordinário na trama, é preciso estar com o sono em dia para ver o filme. Ou então se identificar com o protagonista, como eu pude presenciar durante a sessão.

Um crítico de cinema veterano aqui da cidade estava ao meu lado e ficou especialmente encantado com o terceiro ato do filme, que mostra o momento em que o protagonista passa a frequentar um grupo de seresta. Nesse grupo, reúnem-se pessoas que valorizam as canções mais antigas e que se constituem numa espécie de grupo de resistência. Então, este crítico ficava cantarolando baixinho algumas das canções da seresta, como que se deliciando com aqueles momentos. Alguns deles, realmente muito bonitos, realçados pela fotografia em preto e branco. Porém, como não me identifiquei com o personagem, nem me senti tão instigado pela narrativa e pela própria linguagem do filme, assumi uma postura de maior distanciamento, o que pra mim não é muito bom.

segunda-feira, outubro 24, 2011

GIGANTES DE AÇO (Real Steel)



Este ano vem trazendo surpresas agradáveis dos lugares e filmes menos imaginados. Caso de GIGANTES DE AÇO (2011), de Shawn Levy, um diretor de que nunca se espera muito, mas que atingiu um grau de excelência impressionante neste drama envolvendo a relação de um pai com seu filho rejeitado. A produção é mais vendida como um filme de lutas de robôs, o que não deixa de ser verdade. Mas o que não é verdade é que não dá para resumí-lo dessa maneira. Eu diria que GIGANTES DE AÇO é uma espécie de ROCKY do século XXI. E afirmo isso com a intenção de elogiá-lo mesmo.

Na trama, Hugh Jackman é Charlie Kenton, um homem que costuma seguir os seus instintos e vive de se arriscar em lutas de robôs gigantes. A bela e encantadora Evangeline Lilly, que me deu muita alegria ao vê-la numa produção classe A e em papel de destaque, é Bailey, uma companheira e especialista em conserto e reparação desses robôs gigantes de um futuro próximo. Charlie é um homem que costuma fazer o que lhe dá na telha, adora o risco e por isso acaba entrando de cabeça e na maioria das vezes perde tudo. Deve a Deus e ao mundo e o filme já começa com um de seus credores lhe cobrando. O que vem abalar, mas principalmente trazer algo de extraordinário para sua vida, é o filho de onze anos, Max (Dakota Goyo). O garoto sente muito pelo fato de ter sido abandonado pelo pai durante todos esses anos e de só ter que encará-lo novamente por causa da morte de sua mãe.

Se não fosse o interesse do garoto por robôs gigantes e por lutas, provavelmente ele não teria entrado tão rapidamente na vida de Charlie. E entrado de maneira intensa, já que ele é responsável pelo maior sucesso da carreira do pai: um robô encontrado num ferro velho e trazido pelo garoto para ganhar alguns trocados, mas que aos poucos vai galgando palcos maiores.

GIGANTES DE AÇO é um filme de muitos closes emocionados, de lágrimas nos olhos – dentro e fora da tela -, de emoções fortes intensificadas pelas lutas, bem coreografadas e reais. GIGANTES DE AÇO supera aquilo que poderia ser um mero filme de lutas de robôs, enfatizando no drama familiar e, assim, dando mais humanidade à obra. A própria figura do robô lutador é humanizada, ainda que os próprios personagens digam o tempo todo no filme que ele é apenas um robô, teleguiado por pessoas. E é impossível não se lembrar de ROCKY, UM LUTADOR ao se assistir a última luta. São emoções difíceis de expressar em palavras, mas conseguidas com inteligência e sensibilidade por Levy.

domingo, outubro 23, 2011

ATIVIDADE PARANORMAL 3 (Paranormal Activity 3)



Eis uma franquia que tem conseguido manter a qualidade e até se superando a cada filme, apesar de o tom de novidade não estar mais presente. Daí o valor deste ATIVIDADE PARANORMAL 3 (2011), que consegue dar um sopro novo de vida numa série que parecia destinada à queda livre. Ao buscar uma história se passando nos anos 1980, a partir de fitas VHS, o filme funciona até mesmo para quem não viu as produções anteriores. E, embora ofereça algumas respostas para pontas soltas, pode muito bem ser visto como uma obra independente.

Depois do primeiro susto que o filme dá na plateia, a descarga de adrenalina fica suspensa no ar até o final da sessão. A experiência do medo fica presente, graças a ideias criativas dos roteiristas, como a câmera acoplada na base de um ventilador que faz um movimento de 180 graus que mostra da porta da sala até a cozinha da casa. Isso já provoca uma grande expectativa de que algo muito assustador está para acontecer a qualquer momento em nossa frente.

Aí está o trunfo do falso documentário, subgênero que tem sido tão utilizado que tem até se desgastado. Mas ainda assim, quando bem utilizado, pode provocar grandes estragos. No melhor sentido do termo. O fato de a trama centrar na garotinha que tem um amigo imaginário aumenta o clima de tensão. O padrasto que põe câmeras na casa e a mãe que acha tudo uma bobagem são reprises dos filmes anteriores, mas renovados e repaginados.

Curiosamente, a cena do trailer não aparece no filme, mas uma variação dela, também lidando com a brincadeira da Bloody Mary, mas nada nos deixa preparados para sua diabólica conclusão.

sábado, outubro 22, 2011

LOBÃO NA UNIFOR – FORTALEZA, 21 DE OUTUBRO DE 2011



Na saída da Unifor, tinha falado para a Erika, para o Alex e para o Vicente que nem ia me dar ao trabalho de escrever no blog sobre o show, já que eu praticamente não o vi. Por não sabermos direito que horas começaria, cheguei no final, pouco antes do bis. Lobão dizia: "essa é nossa última música". E eu nem lembro direito qual era a tal canção, de tão abatido que fiquei com a situação. Que show era aquele que tinha começado tão cedo? E por que havia tão poucas pessoas para prestigiar um artista de tão grande importância para o rock brasileiro e que não tem o hábito de fazer shows em Fortaleza? Tudo bem que no Campus do Pici estava rolando show do Marcelo Janeci, que também era gratuito, mas não sei se isso justifica o pouco interesse do grande público.

De todo modo, aqui estou, escrevendo sobre a noite de ontem, já que ela acabou sendo especial. Depois do baque inicial, fui procurar pela Erika. Afinal, ela também estava de posse do livro "50 Anos a Mil", a biografia do Lobão, para ser autografado, e eu queria "pegar carona". Ela estava detrás do palco, numa pequena fila que se formava, perto da praça de alimentação. Para ela, que estava bem nervosa e ansiosa para encontrar o ídolo, aquilo era muito importante, fã que é desde os dez anos de idade.

Já eu, era um pouco indiferente às canções dele nos anos 80, embora gostasse de alguns hits, como "Me chama". Mas o que veio me fazer gostar e respeitar o trabalho dele foi mesmo o álbum A VIDA É DOCE (1999), que trazia uma levada trip hop que estava na moda na década de 90 e que acabou gerando o que talvez seja o seu melhor e mais inspirado trabalho. Faixas como "Pra onde você vai", "Tão perto, tão longe" e a faixa-título são exemplos desse momento saído do fundo do coração e tão representativo dos catárticos anos 90. Também foi nessa época que ele peitou as gravadoras, que hoje passaram a numerar os discos. Outra coisa que eu passei a prestar atenção foi nos discursos dele, nas entrevistas, sempre polêmicas e soltando faíscas.

Conhecê-lo pessoalmente, apertar a sua mão e ver que ele é uma pessoa muito simpática e acessível foi uma surpresa para mim. E sair de lá depois desse momento e depois de ver a alegria e a excitação da Erika e se congratular com a turma num barzinho foi um momento muito feliz nesses dias em que eu ando distante de festas e lugares barulhentos que não sejam uma sala de cinema ou o meu quarto, quando quero perturbar os vizinhos com os meus discos.

Pra quem quiser ver algumas fotos que tirei ontem, eis um LINK.

quinta-feira, outubro 20, 2011

A VIDA ÍNTIMA DE UMA MULHER (A Woman's Secret)



Este segundo longa-metragem de Nicholas Ray, A VIDA ÍNTIMA DE UMA MULHER (1949), chega a ser bem decepcionante. Tanto se o vemos como uma obra autoral, quanto como um filme "de produtor". Segundo Geoff Andrew, autor do livro "The Films of Nicholas Ray", o filme é "sem dúvida, o trabalho mais anônimo de Ray". Conta também da falta de entusiasmo que o diretor tinha em relação ao projeto e isso é transparente ao se assistir o filme. O cineasta não modificou em nada o roteiro ruim de Herman J. Mankiewicz (um dos roteiristas de CIDADÃO KANE), como se quisesse se livrar logo do trabalho.

Antes de ler qualquer coisa a respeito do filme, fiquei bastante animado com o seu ponto de partida: uma mulher (Maureen O'Hara) confessa ter atirado na colega de quarto (Gloria Grahame). Seu amigo (Melvyn Douglas) acredita que ela está mentindo e tenta buscar descobrir a verdade. Para isso, através de flashbacks de sua narrativa para amigos, vamos conhecendo o passado dessas duas mulheres e a relação dele com elas. No início, os flashbacks até funcionam, mas logo a estrutura cansa, embora o filme seja curto – menos de 90 minutos. Sem falar na conclusão, que é bem ruim.

Como ainda não sou íntimo do trabalho de Nicholas Ray, tenho que recorrer a Geoff Andrew, que cita que o diretor não gostava de flashbacks e muito menos de tramas de mistério envolvendo whodunits. E se seu forte era a atração por tipos marginais, não era o caso de A VIDA ÍNTIMA DE UMA MULHER, que traz personagens ricos e bem sucedidos, embora o drama de Marian, a personagem de Maureen O'Hara, não seja exatamente de sucesso profissional, já que ela perdeu a voz que tinha como cantora e ficou sem poder exercer a atividade que tanto amava. Mas de todo modo ela não era uma loser, uma solitária ou pária, tipos característicos do cinema de Ray.

Curiosamente, foi durante as gravações deste filme que Ray iniciou um relacionamento que se transformaria em casamento com Gloria Grahame. O casamento duraria quatro anos, mas o que gerou escândalo foi quando em 1960 a atriz se casou com um dos filhos do diretor, o que para a imprensa foi quase como cometer um incesto.

quarta-feira, outubro 19, 2011

MELANCOLIA (Melancholia)



Como o filme anterior de Lars Von Trier descontruiu completamente a imagem que eu tinha dele – pela segunda ou terceira vez –, resolvi dar um tempo entre o momento em que vi MELANCOLIA (2011) e o momento em que escreveria a respeito. Quando vi ANTICRISTO (2009), a princípio não gostei, mas suas imagens insistiam em permanecer fortes em minha memória e o filme foi crescendo para mim, assim como o respeito ao diretor, que eu tinha perdido lá com DANÇANDO NO ESCURO (2000). Depois de DOGVILLE (2003), então, nem quis ver os outros dois longas dele, de tão desapontado que fiquei.

Como se vê, trata-se de um diretor complicado e que provoca reações das mais diversas no público. Com MELANCOLIA não seria diferente. Se ANTICRISTO foi um filme que ele fez para exorcizar a depressão, MELANCOLIA é a continuação desse processo. Menos agressivo, menos visceral, mais humano e mais reflexivo. E a ideia de que a depressão é o fim do mundo tem tudo a ver. Quem já sofreu desse transtorno sabe o quanto ele deixa a pessoa debilitada e sem ver sentido nenhum na existência. Chega-se ao ponto de querer trocar tudo o que se tem de material – pois o material não importa – pelo restabelecimento de sua saúde mental e espiritual.

Em entrevista do diretor à revista Veja, ele revela muitas coisas interessantes, como o fato de sua mãe, no leito da morte, ter lhe contado que o homem que ele acreditava ser seu pai não o era de verdade. Pelo menos, não biologicamente. E isso mexeu e muito com a cabeça de Von Trier. Outro detalhe importante da entrevista se refere a uma declaração de Ingmar Bergman sobre Von Trier. Bergman disse que quando Von Trier começasse a usar a si mesmo em seus filmes, então talvez ele passasse a considerá-lo digno de alguma atenção como cineasta. Foi uma declaração forte, mas que agora parece fazer muito sentido para Von Trier.

E gostando-se ou não de MELANCOLIA – no meu caso, deixo claro que gostei bastante, embora o filme não tenha me levado às lágrimas -, é definitivamente um filme para ser visto no cinema. Especialmente por causa da sequência final, tão poderosa e intensa. Sem falar na capacidade do diretor de compor planos exuberantes, alguns que ele considera dignos de uma câmera lenta.

E como não respeitar um cineasta que apesar de nunca ter pisado em solo americano conseguir reunir um elenco internacional, com atores do porte de Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Kiefer Sutherland, Charlotte Rampling, John Hurt, Stellan Skarsgård, Udo Kier, além do rosto conhecido de quem já assistiu TRUE BLOOD, Alexander Skarsgård? E todos estão ótimos em seus papéis.

A divisão do filme em duas partes, com os nomes das duas irmãs, Justine (a personagem de Kirsten Dunst) e Claire (a personagem de Charlotte Gainsbourg), foi muito feliz. Justine é a personagem que sofre de depressão crônica. Ela está na festa de seu casamento e precisa se fazer de feliz, quando na verdade a apatia e a profunda melancolia a consomem. Não demora muito para ela estragar a própria festa. Já Claire é aquela mulher que se apega até o fim à vida, que se desespera ao saber que o fim está próximo. Enquanto a irmã diz que a Terra vai acabar e ninguém vai sentir falta, ela quer pelo menos aproveitar os últimos instantes, por mais que a angústia a consuma.

Essas duas personagens representam dois aspectos de uma personalidade em conflito, quando em depressão. Ora ela quer agir, recuperar a vida e as coisas que importam, como a família, por exemplo; ora ela age com completa apatia, com o olhar triste como se visualizasse o vazio. No pior sentido do termo. E em tempos em que esse mal do século parece cada vez mais próximo de nossa sociedade, associado a rumores de fim do mundo, nada mais representativo de uma época do que MELANCOLIA.

terça-feira, outubro 18, 2011

O FILME DOS ESPÍRITOS



De todos esses filmes espíritas, do fraco mas pioneiro BEZERRA DE MENEZES – O DIÁRIO DE UM ESPÍRITO, passando pelo ambicioso CHICO XAVIER, pelo milionário NOSSO LAR e pelo melodrama assumido AS MÃES DE CHICO XAVIER, posso dizer que gostei de todos. Gostar não significa dizer que eu considere todos eles bons, mas que me pareceram dignos e alguns, de uma maneira ou de outra, me emocionaram. Infelizmente não é o caso deste O FILME DOS ESPÍRITOS (2011), de André Marouço e Michel Dubret.

Talvez a única coisa de valia no filme seja a presença de Ênio Gonçalves, um dos grandes atores do cinema brasileiro, homenageado na penúltima edição da Revista Zingu! e que infelizmente tem que se sujeitar a papéis como esse. Se bem que o papel até é mais importante do que eu imaginava. Achei que os diretores fossem colocá-lo apenas como um garçom sem importância alguma na narrativa. Ainda assim é pouco para um ator de tal gabarito e serviços prestados ao nosso cinema.

Nelson Xavier está de novo presente, não como Chico Xavier, mas como um médico sensível às almas necessitadas de proteção - no caso, os doentes mentais de sanatórios -, que descobre que está com câncer em fase terminal. Mas o protagonista do filme é mesmo Reinaldo Rodrigues, um sujeito que chega ao fundo do poço depois da morte da mulher e até pensa em suicídio, quando um gari lhe dá de presente "O Livro dos Espíritos", de Allan Kardec. É o início de sua recuperação e busca pela verdade.

De todos os filmes espíritas exibidos no cinema, é este O FILME DOS ESPÍRITOS que mais parece uma propaganda institucional da doutrina kardecista. Não que a doutrina não mereça ser divulgada, mas passa uma impressão vulgar diante de um trabalho tão mal orquestrado, com direção e texto ruins. É o caso de filme que não tem nenhuma cena que se salve. Do ponto de vista do espiritismo, talvez as palavras e as ações do personagem de Nelson Xavier sejam o mais próximo disso.

domingo, outubro 16, 2011

INCERTEZAS (Uncertainty)



Atraído pelo tema das escolhas que se faz na vida, lá fui eu conferir este pequeno filme lançado recentemente em dvd no Brasil. INCERTEZAS (2009) é uma produção independente que é ao mesmo tempo um drama intimista e um thriller. Quer dizer, não ao mesmo tempo, mas em esquema de revezamento. O filme começa com um casal tomando uma decisão utilizando uma moeda. Um deles parte para o Brooklyn, outro para Manhattan. O casal é vivido por Lynn Collins (linda!) e Joseph Gordon-Levitt.

A partir dessa decisão, o filme toma dois rumos. Aliás, se transforma em praticamente dois filmes, embora os personagens sejam os mesmos. Em uma das histórias, eles encontram um celular perdido no banco traseiro de um taxi e resolvem devolver, eles mesmos, ao dono. O que eles não esperavam é que o tal celular teria um valor tremendo para pelo menos duas pessoas bem perigosas e ameaçadoras. Na outra história, o jovem casal vai para a casa da mãe da moça, quando eles são recebidos para um almoço em família.

Naturalmente, diante de um filme de natureza tão esquizofrênica, uma parte vai se sobressair mais do que a outra, por mais que ambas as partes tenham seus bons momentos. Ainda assim, é o thriller que acaba se tornando mais interessante, embora, no final, perca um pouco de força para o drama, especialmente quando a impressão de que nada está acontecendo se desfaz. No fim, o que mais encanta mesmo é a beleza de Lynn Collins, que me pareceu familiar, mas eu não sabia de onde eu a tinha visto. Era do filme do Wolverine e da série TRUE BLOOD. Ela foi uma das belas namoradas de Jason. Os diretores, Scott McGehee e David Siegel, já tinham dois ótimos filmes no currículo: o drama PALAVRAS DE AMOR (2005) e o suspense ATÉ O FIM (2001).

sábado, outubro 15, 2011

NÃO TENHA MEDO DO ESCURO (Don't Be Afraid of the Dark)



Sempre bom quando vemos um filme de horror sério, com elementos clássicos e capaz de prender nossa atenção e de causar alguns bons sustos e arrepios. NÃO TENHA MEDO DO ESCURO (2010), longa-metragem de estreia de Troy Nixey, mas que tem a assinatura de Guillermo Del Toro como roteirista, é um dos mais criativos filmes de casa assombrada dos últimos tempos. Não tanto pela renovação dos clichês, mas por mostrar criaturas diferentes e assustadoras.

NÃO TENHA MEDO DO ESCURO também lida bem com o universo infantil, de como a criança é incompreendida pelo adulto. Isso também não é nenhuma novidade, mas o importante é o que o filme utiliza de elementos antigos para transformar em algo novo. O uso da máquina polaroide, por exemplo, não é apenas um elemento anacrônico, mas também essencial para a história.

Na trama, menina (Bailee Madison, a garotinha espevitada de ESPOSA DE MENTIRINHA) é enviada para a casa de seu pai (Guy Pearce), que está divorciado e morando com a namorada (Katie Holmes). De início, a garota não aceita a namorada do pai e nem a situação de estar naquela casa. O que para ela começa a se tornar fascinante é a descoberta de um lugar secreto escondido na própria casa, que vai trazer à tona criaturas perigosas e mortais.

Um dos méritos de NÃO TENHA MEDO DO ESCURO é de continuar a ser horripilante mesmo depois de mostrar as criaturas. A primeira vez que uma delas aparece é um dos grandes momentos do filme, que se encaminha para o clímax de maneira muito bem cuidada. Trata-se de uma estreia e tanto de um jovem diretor. Se bem que há muitas semelhanças com alguns trabalhos de Del Toro, como A ESPINHA DO DIABO (2001), O LABIRINTO DO FAUNO (2006) e O ORFANATO (2007) - este último, apenas como produtor. Os quatro filmes têm em comum o fato de serem protagonizados por crianças e de se mostrarem bem violentos, apesar disso.

quinta-feira, outubro 13, 2011

RENEGADOS ATÉ A ÚLTIMA RAJADA (Thieves like Us)



Não quis ir direto para o próximo filme de Nicholas Ray sem antes conferir a versão de Robert Altman para o romance "Thieves like Us", de Edward Anderson. Embora o enredo seja o mesmo, Ray e Altman oferecem trabalhos totalmente distintos. Até por viverem em tempos também bem distintos. RENEGADOS ATÉ A ÚLTIMA RAJADA (1974) tem a vantagem de ter sido realizado num tempo de mais permissividade para o cinema americano, o que contribuiu para algumas cenas mais sangrentas e para cenas de sexo entre os protagonistas (Keith Carradine e Shelley Duvall). Nada escadaloso, mas pelo menos não é algo censurado, proibido.

O anti-herói de Altman também é bem menos ingênuo do que o de Ray em seu AMARGA ESPERANÇA, que parece sempre estar deslocado, o que não deixa de ser uma característica do próprio Ray. Outra diferença gritante: enquanto Altman centra a maioria das cenas em plena luz do dia, são pouquíssimas as cenas diurnas no filme de Ray, o chamado "poeta do noite". Há também uma troca de um certo ar melodramático e de film noir por um naturalismo e uma simpatia pelas figuras marginais, que já era um tônica do cinema setentista desde BONNIE E CLYDE – UMA RAJADA DE BALAS, de Arthur Penn.

RENEGADOS ATÉ A ÚLTIMA RAJADA começa a ficar realmente bom a partir da segunda metade, quando as encrencas dos personagens vão se tornando mais graves, ao mesmo tempo em que vamos nos apegando aos personagens de Carradine e Duvall. Altman optou por fazer um retrato marcado da época, os anos 1930, com as pessoas viciadas em Coca-Cola ("faz bem para a saúde", diz a moça do carrinho), a ouvir Shakespeare no rádio, referências ao cavalo Seabiscuit e ao Neal Deal, lá pelo final do filme, o que mostra o clima de dificuldade financeira gerada pela Grande Depressão. O filme também tem uma duração bem maior e um andamento mais lento que o de Ray, o que explica as suas mais de duas horas de duração, que exigem do espectador um olhar quase europeu. No mais, sempre bom ver um filme de um grande diretor quando ele está no seu auge.

quarta-feira, outubro 12, 2011

CONTRA O TEMPO (Source Code)



Afortunados os tempos em que não havia essa proliferação de cópias de filmes dublados nos cinemas. Tem um shopping perto de minha casa cujos filmes exibidos atualmente são todos dublados. Por isso mesmo, há vários meses eu não o frequentava. A única exceção para mim seriam os filmes nacionais, como é o caso de O FILME DOS ESPÍRITOS, que cheguei para assistir neste feriado do "Dia das Crianças". Mas, quando cheguei aqui, mesmo com vários minutos de antecedência, não consegui comprar ingresso a tempo para a sessão que queria. Resultado: resolvi ficar para a próxima sessão, comer alguma coisa como substituição do almoço e aproveitar o tempo para atualizar o blog em uma lan house. Na internet, o tempo sempre passa muito rápido. Falemos então de CONTRA O TEMPO (2011), mais uma mistura de ficção científica com história de amor, a exemplo de OS AGENTES DO DESTINO, exibido há poucos meses.

Ambos são filmes inteligentes e interessantes que trazem tanto protagonistas simpáticos com quem possamos nos identificar quanto belas e encantadoras mulheres como objeto de desejo dos homens/espectadores. Aliás, mais do que objeto de desejo, uma obsessão, no melhor sentido que essa palavra possa ter. No caso de CONTRA O TEMPO, o protagonista é Jake Gyllenhaal e a bela moça é Michelle Monaghan. O filme já começa com ele acordando desorientado num trem, de frente pra ela. Ela o chama por outro nome que não o dele, alguns pequenos detalhes acontecem e em questão de minutos o trem explode. Ele acorda numa espécie de cápsula e é orientado por uma mulher num monitor (Vera Farmiga) a retornar ao mesmo lugar para descobrir quem é o terrorista, dentro do pouco tempo de oito minutos que lhe é dado.

A semelhança com o belo O FEITIÇO DO TEMPO vem à tona, embora o novo filme perca bastante na comparação. A repetição das situações, dos diversos retornos do personagem à cena e as suas tentivas de aproveitar o tempo o máximo possível tanto podem cansar quanto tornar o filme interessante. No meu caso, o filme não chegou a me entusiasmar tanto, nem a relação do casal, até por ser rápida demais, me comoveu em momento algum. O forte do filme são os momentos de tensão, mas mesmo esses momentos não são suficientemente eletrizantes. No fim das contas, o filme me pareceu apenas mediano, aquém de minhas expectativas.

segunda-feira, outubro 10, 2011

O GATO DE NOVE CAUDAS (Il Gatto a Nove Code / The Cat o' Nine Tails)



De vez em quando bate uma vontade de ver um Dario Argento... E que bom que ainda faltam alguns (poucos) filmes dele que ainda não vi. Um deles era este O GATO DE NOVE CAUDAS (1971), seu segundo trabalho. Não o considero tão bonito plasticamente quanto o primeiro, O PÁSSARO DAS PLUMAS DE CRISTAL (1970), mas a trama é mais intrigante e até que redonda para um filme do diretor, que costuma preferir a atmosfera e o visual em detrimento da história.

O GATO DE NOVE CAUDAS nos apresenta dois homens em busca de um assassino em série: um deles é um ex-jornalista cego e o outro, um jovem jornalista. Ambos têm em comum a vontade de se aventurar numa jornada perigosa e excitante. Como é comum em algumas outras obras de Argento, o assassino aparece na figura de uma câmera subjetiva e, no caso desse filme em especial, também vemos o seu olho em grande close-up.

Diferente de Hitchcock, que não gostava dos whodunits, Argento os abraça, muito provavelmente porque eles fazem mais parte das tradições inglesa e americana de se contar histórias de suspense. E sabemos da atração dos italianos pelo lado pop das culturas americana e inglesa. Prova disso está nos próprios gibis produzidos em grande escala por lá, como Tex, Julia e Dylan Dog, só para citar três exemplos.

No cinema não foi muito diferente, principalmente até um tempo atrás. Hoje em dia Argento parece ser o grande herói da resistência. O último dos grandes diretores de horror italianos que sobreviveu e que continua a ser notícia, por mais que seu brilhantismo possa ter diminuído. O que é questionável. E é pela longevidade e qualidade de seus trabalhos que de vez em quando ele é reavaliado e revisto com prazer. E fiquemos na torcida para que seu DRACULA 3D chegue aos cinemas brasileiros.

domingo, outubro 09, 2011

DESAJUSTADOS – PRIMEIRA TEMPORADA (Misftis – Series 1)



Por mais que eu goste de super-heróis – ou de pessoas com super-poderes -, ainda continuo achando que o melhor lugar para eles são os quadrinhos. O cinema e a televisão ainda estão procurando meios de tornarem os heróis tão fascinantes como em seu "habitat natural". Nesse sentido, podemos dizer que a série inglesa MISFITS (DESAJUSTADOS foi o título dado pelo canal Multishow) é, no mínimo, tudo o que HEROES quis ser e não conseguiu, com toda aquela palhaçada que parecia não ter fim. Aliás, MISFITS chuta a bunda de HEROES sem esforço algum.

A série tem temporadas curtas (de seis episódios de cerca de uma hora), uma excelente agilidade narrativa, personagens interessantes e é até ousada na apresentação de sexo e violência. Difícil não reconhecer suas qualidades. Uma das personagens, por exemplo, ganha o poder de se tornar irresistível sexualmente, bastando um simples toque para que a outra pessoa fique em uma espécie de transe "taradístico".

E a série não procurar complicar a origem dos poderes do grupo de jovens, condenados a praticar serviços à comunidade por algum delito que fizeram no passado. Eles ganham os estranhos poderes a partir de uma tempestade de raios. Assim, um deles pode se tornar invisível, outro tem a capacidade de prever o futuro e alterar os acontecimentos, outra pode ler pensamentos etc.

Cada episódio centra a atenção em um dos cinco, mas nunca sem esquecer dos demais. Até poderia dizer que é uma série que eu abandonaria na primeira temporada (2009), mas eles fizeram o favor de elaborar um episódio tão bom e um gancho tão forte e bonito que fica até difícil deixar a série de lado.

Agradecimentos ao amigo Zezão pelos episódios e pela indicação.

sábado, outubro 08, 2011

O HOMEM QUE VIROU SUCO



Caso raro de obra cinematográfica nascida a partir de uma literatura de cordel feita pelo próprio cineasta (João Batista de Andrade), O HOMEM QUE VIROU SUCO (1981) é um elogio ao poeta e uma crítica ao sistema capitalista que vê o homem como uma mera engrenagem. José Dumont interpreta os personagens Deraldo e Severino. O principal é Deraldo, um poeta de cordel vindo do Nordeste que mal consegue dinheiro para sua sobrevivência em São Paulo e, por isso, vive devendo ao dono da mercearia e o aluguel do seu quarto. Quando tenta vender seus cordéis no Centro, logo é perseguido pelas autoridades, que exigem dele documentos. E nem mesmo carteira de identidade ele tem. E isso é um fator chave para a compreensão e reflexão sobre essa obra.

O HOMEM QUE VIROU SUCO de certa forma é O HOMEM ERRADO brasileiro. A história de um sujeito que é confundido com um outro parecido (Severino), procurado pela polícia por ter matado um homem. Por causa dele, o protagonista foge do lugar onde mora e vai procurando viver de bicos. Mas seu espírito inconformado e selvagem faz com que ele não aceite humilhações. Assim, ele luta por respeito, diante de uma sociedade preconceituosa para com o nordestino – até um velho coronel nordestino critica seus conterrâneos no filme.

José Dumont não é apenas um ator perfeito para o arquétipo do nordestino no cinema. Ele é um grande ator, ponto. Em filmes como A HORA DA ESTRELA, NARRADORES DE JAVÉ e 2 FILHOS DE FRANCISCO, entre outros, ele está lá, roubando a cena.

Em O HOMEM QUE VIROU SUCO, numa das sequências finais, na qual ele sai à procura de seu doppelgänger, sentimos como se ele estivesse à procura de si mesmo, de sua identidade. Como numa peregrinação no deserto, a câmera o acompanha bem de perto. Por mais diferente que fosse o outro "eu", o "eu" que se rendeu ao sistema e que, por isso mesmo, o sistema o engoliu. O HOMEM QUE VIROU SUCO é um poema bruto em forma de filme, que ainda teve a ousadia de ser rebelde em tempos de ditadura.

quinta-feira, outubro 06, 2011

ELVIS & MADONA



Há tempos à espera de espaço para lançamento em circuito comercial, e depois de ter passado em vários festivais GLS, finalmente ELVIS & MADONA (2011) estreou. Trata-se de um filme simpático sobre o amor entre uma moça lésbica (Simone Spoladore) e um travesti (Igor Cotrim). O objetivo do filme é mesmo desmontar estereótipos, ao trazer à tona um relacionamento tão incomum. O problema talvez esteja na caracterização dos personagens. O primeiro encontro dos dois, por exemplo, quando a personagem de Spoladore, trabalhando como entregador de pizza, conhece o travesti vivido por Cotrim, parece mal encenado. Principalmente por Spoladore, que carrega demais nas tintas para "masculinizar" sua personagem. O fato de ela ser mais famosa do que ele aumenta ainda mais essa impressão para o espectador.

Porém, uma vez relevado esse problema, ELVIS & MADONA se mostra um filme cheio de graça, mas que também mostra as desgraças da vida, especialmente por parte do travesti, que deseja conquistar um glamour em sua vida, mas que só leva porrada, especialmente do sujeito que toma seu dinheiro e se considera uma espécie de gigolô. A principal cena de sexo do filme é bem bonita. Demonstra uma entrega no papel por parte de Spoladore, e me fez lembrar Chloë Sevigny em DESEJO PROIBIDO. Quer dizer, é uma cena que agrada bastante, por razões óbvias, ao espectador hetero. Ela por cima dele, a camiseta retirada de maneira sensual, exibindo seus seios, tudo isso é muito belo de ver.

Mas o filme vai além de seu enredo-base, trazendo uma pequena surpresa que faz toda a diferença. De interessante, há também as participações especiais de Maitê Proença, como a mãe da protagonista, e de José Wilker, que aparece como alívio cômico depois de uma situação de tensão. Que na verdade, nem chega a ser de real tensão, pois o filme poucas vezes sai do superficial. São, porém, alguns pequenos momentos que acabam se tornando grandes, como a primeira vez que o casal toma umas cervejas num barzinho, ou as tentativas do motoboy colega da protagonista de tentar se aproximar dela. A cena no consultório médico também está entre as mais memoráveis. E é isso. Não há muito o que esperar do filme a não ser uma diversão despretensiosa, embora haja quem o veja como uma obra de engajamento na luta pela discriminação. Mas isso já foge um pouco das questões estéticas.

terça-feira, outubro 04, 2011

BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO (Blow-Up)



Não estava nos meus planos rever BLOW-UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO (1966), filme que vi na televisão na aurora de minha cinefilia. E isso já faz umas duas décadas. O que me motivou a revê-lo nesse momento um tanto conturbado de minha vida, com as obrigações cada vez mais me chamando a ser mais organizado e agir como um estudante exemplar, foi justamente um texto recomendado pelo professor de uma das disciplinas do mestrado. Trata-se de um conto muito intrigante de Julio Cortázar chamado "As babas do diabo". Fiquei tão empolgado com o conto que decidi rever logo o filme de Michelangelo Antonioni, que se inspirou no conto e que por sua vez inspirou outra obra-prima do cinema: UM TIRO NA NOITE, de Brian De Palma.

O filme de Antonioni retrata bem o espírito da época inglês. As cores, a contracultura, as meninas de minissaia, o sexo mais permissivo, as festas rock, os carros conversíveis. Mas o que torna o filme ainda mais impressionante, além de ser um retrato de sua era, é sua narrativa - lenta como era de se esperar do diretor - sobre um sujeito que é fotógrafo (David Hemmings) e que, por acaso, tira fotografias do que ele imagina ser apenas uma bela jovem (Vanessa Redgrave) e um senhor de idade agindo como se estivessem flertando ou coisa parecida. Ele trata de se esconder, mas logo ela o avista e se encaminha em sua direção, pedindo para que ele lhe dê o filme. Ele se recusa e acaba vendo nas fotos reveladas algo muito além do que imaginava encontrar.

Esse é mais ou menos o fio de história do conto, que se abre em múltiplas interpretações. No filme, esse é também o eixo principal da trama, mas Antonioni preferiu complementar com momentos da vida do protagonista, de seu trabalho como fotógrafo de moda, de seu jeito um tanto esnobe de ser e mostra até cenas de nudez bem ousadas para a época. E dá para notar que o cineasta gostava mesmo de sexo nos filmes, já que seus dois últimos trabalhos foram bem focados no assunto – ALÉM DAS NUVENS (1995) e um segmento de EROS (2004). O homem poderia ser o poeta da incomunicabilidade, mas o sexo, sendo uma linguagem universal, parecia ser a solução encontrada.

P.S.: Está no ar a nova edição da Revista Zingu! E está especialíssima. Diria que a melhor da história da revista, com uma homenagem a ninguém menos que Walter Hugo Khouri!!! E também a uma de suas maiores musas: Lillian Lemmertz. Tem textos maravilhosos no dossiê. Tive a honra de contribuir com dois meus: um sobre ESTRANHO ENCONTRO (1958) e outro sobre AMOR VORAZ (1984). Enjoy!!

segunda-feira, outubro 03, 2011

PREMONIÇÃO 5 (Final Destination 5)



PREMONIÇÃO é o tipo de franquia que se não fosse o uso do 3D já estaria saindo direto em vídeo. Pelo menos este quinto filme (2011) da série carrega esse jeitão de filme B, embora tenha uma sequência bem caprichada logo no início: a sequência do desabamento da ponte, que com os efeitos em 3D ficam ainda mais impressionantes. Os dois filmes anteriores se mostraram tão inofensivos que se tornaram muito fáceis de serem esquecidos. Portanto, pode-se dizer que este quinto filme é o melhor da franquia depois dos criativos dois iniciais.

A história é praticamente a mesma. Só mudam os personagens e os intérpretes. E, claro, as tentativas cada vez mais mórbidas de tornarem as mortes das vítimas mais horríveis e sangrentas. Mas PREMONIÇÃO 5 traz uma novidade: a ideia de que um sujeito pode matar o outro e tomar a vez dele no ciclo da morte. Como se o "anjo da morte" se satisfizesse com a alma do outro que foi sacrificado. E isso faz a diferença, principalmente para o clímax do filme.

Vale lembrar também o potencial do filme de nos tornar mais cautelosos ao sair do cinema. Ou, na pior das hipóteses, mais paranoicos. Uma pessoa, por exemplo, que está prestes a fazer uma cirurgia de correção de miopia vai pensar duas vezes depois de ver o filme. Mas no fim, tudo está a serviço da diversão. As mortes são feias, mas nada parece muito real. Há momentos de apreensão, como na cena do ensaio da ginasta, mas na maioria das vezes é mais um exercício de relaxamento do que de tensão. Diversão garantida. Pelo menos enquanto dura a sessão.

domingo, outubro 02, 2011

AMIZADE COLORIDA (Friends with Benefits)



Que bonito de ver a química entre Mila Kunis e Justin Timberlake na esperta comédia romântica AMIZADE COLORIDA (2011), de Will Gluck, mesmo diretor de A MENTIRA (2009), com Emma Stone. Emma, aliás, aparece rapidamente no novo filme, como ex-namorada de Dylan, personagem de Timberlake, cada vez mais à vontade no cinema. O filme já começa mostrando o fim de relacionamentos dos protagonistas, deixando-os sem obstáculos pela frente para se tornarem mais do que amigos.

Essa história de amizade entre homem e mulher que depois se transforma em amor já rendeu um filme muito querido de muitos cinéfilos, HARRY E SALLY – FEITOS UM PARA O OUTRO. E AMIZADE COLORIDA não está aí para tirar o posto do filme de Rob Reiner, mas para enriquecer o número de comédias românticas que deixam o espectador torcendo por seus personagens e, por que não?, saindo até com lágrimas ao final da sessão.

Na história, Justin mora em Los Angeles e é responsável por um blog campeão de visitas e muito bem assessorado. Ele é convidado para trabalhar na revista GK, em Nova York. E é chegando na "cidade que nunca dorme" que ele imediatamente conhece a caçadora de talentos vivida por Mila Kunis, cada vez mais encantadora. AMIZADE COLORIDA é o seu primeiro papel importante como protagonista, depois do sucesso da série THAT '70s SHOW. Deixando a adolescência, mas ainda conservando aquele jeito sapeca de ser, Mila tem deixado para trás até mesmo Natalie Portman, seja contracenando juntas (em CISNE NEGRO) , seja fazendo um filme com uma temática parecida (Natalie fez SEXO SEM COMPROMISSO).

A história em si não tem nada de original, mas passa um frescor que poucos filmes do gênero hoje em dia conseguem. O que importa não é como termina o filme, mas todo o desenvolvimento da relação entre os dois. Há também o ótimo personagem de Woody Harrelson, como um homossexual bem diferente, e Patricia Clarckson e Richard Jenkins como coadjuvantes de luxo, mas o importante mesmo é ver o casal de protagonistas juntos em cena. E como não se emocionar com a sequência final, hein?

sábado, outubro 01, 2011

HIROSHIMA, MEU AMOR (Hiroshima, Mon Amour)



Primeiro que compro dos livros/dvds da coleção "Cinema Europeu" da Folha de São Paulo, HIROSHIMA, MEU AMOR (1959) representa o meu retorno a um filme que havia visto no início de minha cinefilia. Não havia entrado na "viagem" na época, mas resolvi revê-lo com outros olhos agora, passados uns vinte anos. Confesso que não foi do início ao fim que o filme me conquistou, embora eu veja muita beleza nas imagens e no lirismo das palavras do casal formado por uma francesa e um japonês.

A primeira parte do filme é encantadora, com a alternância dos corpos dos amantes, conversando sobre Hiroshima, e as imagens, muitas delas de dor e tristeza de Hiroshima, a cidade que desapareceu com uma bomba atômica na Segunda Guerra Mundial. Só de imaginar uma nova cidade sendo reconstruída, em plenos anos 1950, é um exemplo da força do povo japonês diante de situações terríveis. Este ano, por exemplo, muitos deles terão que fazer praticamente o mesmo devido aos grandes terremotos e maremotos que assolaram algumas regiões.

Quanto ao filme, trata-se da estreia na direção de Alain Resnais. HIROSHIMA, MEU AMOR se destaca bastante dos primeiros filmes de François Truffaut e de Jean-Luc Godard. Na verdade, Resnais não fazia parte da Nouvelle Vague, era dez anos mais velho que os jovens críticos-cineastas, mas como estreou praticamente no mesmo período dá para fazer uma espécie de comparação entre os seus trabalhos. O que mais me chamou a atenção foi a ausência de jump cuts. Os cortes entre uma cena e outra são feitos com extrema delicadeza, quer seja utilizando um fade to black mais demorado, quer seja uma interposição de imagens. A beleza da fotografia em preto e branco salta aos olhos, bem como dos enquadramentos.

Talvez o que não tenha me deixado tão ligado ao filme tenha sido a relação do casal. De mais difícil identificação para mim. HIROSHIMA, MEU AMOR mostra um dia na vida dos dois, que apesar de bem casados, se apaixonam e vivem o dilema de abandonarem suas famílias para ficarem juntos. O roteiro de Marguerite Duras ajuda bastante a tornar alguns momentos extremamente belos e tocantes, como no pensamento da mulher, quando ela vai embora, mas deseja que ele a impeça, que a tome nos braços e a beije. Nesse sentido, o filme se aproxima muito mais da mulher do que do homem. Não por acaso, temos um flashback dela e não dele. Muito provavelmente pela mais fácil identificação de Duras com uma personagem feminina. Mas o importante é que valeu rever esta que é uma das obras mais importantes do cinema e que me prepara para finalmente ver o lendário ANO PASSADO EM MARIENBAD (1961).