terça-feira, maio 31, 2005

O PAGAMENTO FINAL (Carlito's Way)



Depois de mais de dez anos da primeira e única vez que vi O PAGAMENTO FINAL (1993) no cinema - lembro que saí em estado de graça do extinto Cine Fortaleza por volta das nove da noite, o centro da cidade quase deserto -, eis que revejo o filme em DVD nesse fim de semana. Não sei se estou sendo exigente demais, mas acho que o filme deveria ter um tratamento digital melhor pela Universal. Achei a imagem um pouco escura e com pouca nitidez. Bem inferior a do DVD de UM TIRO NA NOITE, para citar um dos De Palmas que eu vi recentemente. Será que é porque colocaram um documentário de meia hora e aí tiveram que diminuir os pixels do filme? Bom, pelo menos está na janela correta, em scope. Aliás, essa é uma das razões para eu estar querendo rever todos os filmes do De Palma em DVD. Ele tem a mania de filmar em scope. E a grande maioria dos filmes dele que eu vi foi pela televisão.

Acho que costumo colocar O PAGAMENTO FINAL no pódio da filmografia de Brian De Palma por ser um de seus trabalhos mais sentimentais, ao lado de PECADOS DE GUERRA (1989). Ele que aparenta ser tão frio e cerebral com seu virtuosismo técnico, aqui usa suas habilidades em prol de uma estória trágica e carregada de dramaticidade e melancolia.

Lendo o dossiê do De Palma escrito para o site Senses of Cinema, soube de algo bem interessante de sua infância, através de uma citação do livro "The De Palma Cut", de Laurent Bouzereau: quando ele era pequeno e brincava com seus irmãos, ele ficou preso detrás de uma geladeira e ficou gritando por ajuda. A humilhação, o sentimento de inferioridade e a sensação de não ter nenhum controle sobre a vida o afetou bastante, inclusive em seu trabalho. Guardadas as devidas proporções, daria até pra comparar um pouco com a história do pequeno Hitchcock sendo preso na delegacia de polícia. Essas coisas repercutiram profundamente no trabalho autoral desse diretores. Talvez um exemplo desse tipo de humilhação esteja mais explícito em sua obra na cena do personagem de Craig Wasson sofrendo de claustrofobia dentro de um caixão em DUBLÊ DE CORPO (1984).

Em O PAGAMENTO FINAL Carlito Brigante (Al Pacino) luta para fugir do seu destino trágico e inevitável. Nos momentos finais, mesmo sabendo que a qualquer momento ele vai levar um tiro, como De Palma já tinha adiantado no início do filme, ainda assim torcemos para que ele pegue o trem e fuja para bem longe com sua amada (Penelope Ann Miller), nessa que é uma das melhores seqüências de perseguição do cinema americano.

E o interessante de O PAGAMENTO FINAL é que apesar de ter muitos temas recorrentes da obra do diretor, o filme aparentemente não faz muitas citações a Hitchcock, coisa bastante comum em seus filmes. Vindo de seus próprios filmes, um dos trechos mais explícitos é a cena em que Sean Penn é esfaqueado próximo a um elevador, citação direta ao hitchcockiano VESTIDA PARA MATAR (1980). Há também a cena do tiroteio nas escadas, que remete aOS INTOCÁVEIS (1987). Fora de sua obra. há uma semelhança com ERA UMA VEZ NA AMÉRICA, de Sergio Leone, na visão idealizada que Carlito tem de seu amor da juventude.

No documentário de Laurent Bouzereau constante no DVD ficamos sabendo que De Palma inicialmente não simpatizou com a idéia de dirigir o filme. Ele achava a atmosfera muito parecida com a de SCARFACE (1983) e não queria se repetir. Foi Al Pacino que insistiu, que adorou o script. Também pelo documentário, ficamos sabendo das cenas que mais demoraram a ficar prontas. Uma delas, aparentemente simples, foi filmada dezenas de vezes por causa do perfeccionismo de Al Pacino: aquela em que Sean Penn convida Pacino para uma festa para contar o seu fatídico plano. As cenas finais na estação de trem também duraram uma eternidade, segundo De Palma.

O PAGAMENTO FINAL também tem o mérito de apresentar algumas das melhores performances de Al Pacino e Sean Penn e o melhor e mais antológico papel da carreira de John Leguizamo, o Benny Blanco from the Bronx. Com a dobradinha SCARFACE/O PAGAMENTO FINAL, De Palma se insere na tradição de grandes diretores, como Coppola, Scorsese e Leone, com sensibilidade para descrever o mundo agressivo, trágico e perigoso dos gângsters. Com a diferença que aqui há também espaço para o amor idealizado e romântico. E quando sobem os créditos ao som de "You Are So Beautiful", cantada pelo Joe Cocker, a gente custa a acreditar que o ser humano é capaz de criar coisas tão belas.

domingo, maio 29, 2005

JOHN FLYNN EM TRÊS FILMES

 

Aqui vai um tradicional "três em um" com comentários rápidos sobre três títulos. Dessa vez, do especialista em filmes de ação John Flynn. Esses são os três primeiros filmes que vejo do diretor. Flynn é considerado por muita gente boa um dos melhores cineastas de filmes B de ação. Carlos Reichenbach, por exemplo, costumava elogiar bastante o diretor em suas saudosas colunas no Terra e no Cineclick. Dizem que os melhores exemplares de sua filmografia são A MARCA DA CORRUPÇÃO (1987) e ROLLING THUNDER (1977), esse último, tido como uma grande influência para Quentin Tarantino. Abaixo, três exemplares do cinema de John Flynn. 

SOULS - LIDERANÇA DESAFIADA (Defiance) 

Esse filme lembra bastante DESEJO DE MATAR 3 pelo enredo. Uma das diferenças é que o herói do filme de John Flynn não paga pra ver uma briga. Ele quer mesmo é tranqüilidade. Na trama de SOULS - LIDERANÇA DESAFIADA (1980), Jean-Michael Vincent é um rapaz que chega à cidade de Nova York de navio, mas pretende deixar o lugar o quanto antes. Ele gosta mesmo é de viajar pelo mundo. Enquanto não consegue um novo destino, fica hospedado num bairro barra pesada da cidade. O lugar está dominado por uma gangue latina que se autodenomina "Souls". Eles aterrorizam o lugar, batem em indefesos e roubam mercearias. John Flynn pinta esses sujeitos bem malvados, o que facilita a vontade que a gente tem de ver eles levando porrada. Danny Aiello, ao ver que Vincent não tem medo dos bandidos, planeja juntar a comunidade para expulsar a gangue do lugar, o que não vai ser nada fácil. O filme é bem conduzido, de maneira até lenta se compararmos com os filmes de ação de hoje, mas o entretenimento é garantido. O filme até hoje não foi lançado em DVD nos EUA. Gravado da TNT. 

CONDENAÇÃO BRUTAL (Lock Up) 

Um dos melhores filmes protagonizados por Sylvester Stallone, CONDENAÇÃO BRUTAL (1989), além de ter em seu favor o carisma de Sly e a direção inspirada de John Flynn, é um "filme de prisão", sub-gênero que por si só já me fascina. Esse tipo de filme tem algo que me atrai, não sei dizer o que. Na trama, Stallone é um presidiário que está cumprindo pena, mas com liberdade parcial, ou seja, ele pode sair para trabalhar fora e ficar com sua namorada, tendo somente que voltar para a penitenciária para dormir todos os dias. Sem falar que na penitenciária em que ele está, ele se dá bem com todos. Até o dia em que ele é transferido para outro lugar, cheio de indivíduos ameaçadores . Lá ele come o pão que o diabo amassou. Mas tudo isso já era de se esperar. Quase todo filme de prisão tem isso. Não poderia faltar também uma cena de fuga ou cenas mais relax, em que ele faz amizade com alguns detentos. Interessante também a tradição nos filmes com Stallone da cultura de paz que ele sempre prega. Em seus filmes, ele faz o possível para evitar alguma briga. Por exemplo, assim que ele chega na prisão, um dos caras malvadões fala pra ele sair de lá, que ali é lugar dele; ele vai a outro lugar, e o sujeito novamente diz que aquele lugar é dele. Stallone, com calma e humildade, pergunta: "tem algum lugar que não seja seu aqui?" É Stallone ajudando a disseminar a cultura da paz. Mesmo que no fim das contas, ele tenha que partir para a briga. Gravado da BAND. 

O SENTIDO DO MEDO (The Absence of the Good) 

Esse é bem diferente dos outros dois. O SENTIDO DO MEDO (1999) é um thriller sobre a caça a um serial killer. Stephen Baldwin é um policial traumatizado pela morte de seu filho de seis anos. Ele vive tendo pesadelos envolvendo o filho, e sua esposa, depois de meses, ainda não saiu do estado de choque, tendo que tomar pílulas para dormir toda noite. Sua rotina de trabalho não ajuda a tornar a sua vida menos traumática, principalmente no caso desse novo assassino. O filme não inova em nada no gênero, mas mantém o interesse até o fim; Stephen Baldwin não atrapalha, e quando a gente achava que o assassino era o fulano, surpresas acontecem. Produzido para a TV. Gravado da TNT.

sexta-feira, maio 27, 2005

INTRIGA INTERNACIONAL (North by Northwest)



E cá estou eu de volta aos filmes de Alfred Hitchcock. Demorou, mas finalmente chegou o meu DVD de INTRIGA INTERNACIONAL (1959), um dos grandes filmes de aventura do diretor. O filme é uma espécie de resumo dos filmes de perseguição, envolvendo um homem inocente sendo acusado de um crime que não cometeu e se metendo em uma série de confusões. Se SABOTADOR (1942) já era considerado um remake de OS 39 DEGRAUS (1935), INTRIGA INTERNACIONAL seria um remake de SABOTADOR, tendo inclusive transferido a seqüência final na Estátua da Liberdade para o Monte Rushmore nesse novo filme.

Entre as vantagens desse filme em relação aos outros dois está a presença do sempre ótimo Cary Grant. Também tem o orçamento, que foi bem mais gordo. Esse foi o primeiro e único filme que Hitchcock fez para a MGM, mas a produtora lhe deu bastante liberdade. Só não conseguiu tudo que queria por causa principalmente do Governo americano que não lhe permitiu filmar dentro do prédio da ONU. Mesmo assim, ele conseguiu filmar escondido e incluir como retroprojeções no filme, além de ter tirado fotos e recriado o prédio em estúdio com perfeição. Também houve objeções do Governo sobre colocar os personagens no meio do rosto dos presidentes do Monte Rushmore.

Quanto à atriz, apesar de Eva Marie Saint ser muito boa, ela fica atrás das beldades que já passaram pela mão de Hitch, como Grace Kelly, Kim Novak e Ingrid Bergman. Por falar em Ingrid, INTERLÚDIO (1946) seria outro filme referência para INTRIGA INTERNACIONAL. Em ambos, há uma agente secreta que se relaciona afetivamente com um inimigo, a fim de passar informações para o governo americano.

Entre as seqüências mais famosas do filme está a cena de sete minutos em que Cary Grant é atacado por um avião em pleno deserto. Hitchcock conta em "Hitchcock/Truffaut" que sua intenção com essa cena foi mesmo fazer algo completamente inusitado, fugindo totalmente do clichê, trocando a noite pelo dia, uma rua escura por um deserto quente e um carro por um avião.

A trilha sonora de Bernard Herrmann está espetacular. Quando o filme começou com aqueles letreiros criativos de Saul Bass, e tocando o overture de Herrmann, eu já fiquei animado. Como fazia tempo que tinha visto o filme na cópia em VHS, foi quase como se estivesse vendo pela primeira vez.

O DVD da Warner traz, além do filme em widescreen e imagem cristalina, um making of apresentado por Eva Marie Saint de cerca de 40 minutos, um comentário em áudio do roteirista Ernest Lehman (que eu não tive paciência de ouvir ainda), dois trailers e algumas fotos. Não vejo muita graça em ver fotos em DVD. E áudios de comentário, eu geralmente tenho preguiça de ouvir/ler, principalmente quando não têm legenda. (Acho que gostar mesmo de comentários em áudio, os únicos que me divertiram de verdade foram os de DRÁCULA, de Tod Browning e os dos clipes do U2, do DVD THE BEST OF 1991-2000.)

Uma pena que esse DVD da Warner não esteja tão bom quanto aqueles da maravilhosa coleção da Universal, ou mesmo quanto esses novos da Warner, todos com documentários excelentes de Laurent Bouzereau. Também não gosto daquela caixinha de papelão, que se fecha na frente. Ela se deteriora mais fácil com o tempo e é um perigo se cair água em cima. Ainda assim, acho que o disquinho foi uma bela aquisição. Melhor que ter revisto o filme em VHS.

terça-feira, maio 24, 2005

STAR WARS: EPISÓDIO III - A VINGANÇA DOS SITH (Star Wars: Episode III - Revenge of the Sith)

 

E finalmente chega ao fim a saga dos Skywalkers de George Lucas. Nunca fui muito fã de STAR WARS e nem foi algo que marcou tanto assim a minha infância. Tenho vaga lembrança das primeiras vezes que vi os filmes na televisão - eu gostava mesmo era de BUCK ROGERS. Tenho mais lembrança, claro, da oportunidade que tive de ver os três episódios originais na telona, em meados dos anos 90, com aquelas polêmicas inclusões digitais. Por outro lado, tenho idade suficiente pra ter lido as histórias em quadrinhos que saíam nas revistinhas mix da Marvel. Lembro que as histórias se passavam cronologicamnte entre os filmes O IMPÉRIO CONTRA-ATACA (1980) e O RETORNO DE JEDI (1983). Quer dizer, nada de Hans Solo. O personagem estava congelado e ainda não havia sido resgatado pelos heróis. 

Pois é. Antes mesmo de haver um desenho animado com a ação se passando entre dois episódios - refiro-me a STAR WARS: GUERRAS CLÔNICAS -, George Lucas já explorava outras mídias para ampliar a sua franquia. E parece que o universo criado por Lucas vai continuar em expansão. O diretor tem planos de fazer agora uma série para a tv com os seus jedis. Vai ser o caminho oposto de STAR TREK, que começou na tv e terminou no cinema. 

Quanto a STAR WARS: EPISÓDIO III - A VINGANÇA DOS SITH (2005), é sem dúvida o melhor episódio da nova encarnação da série e é quase tão bom quanto O IMPÉRIO CONTRA-ATACA. Mas por que então que eu não saí do cinema tão maravilhado quanto a maioria dos entusiastas da série? Claro que enquanto o filme estava rolando, frases como "George Lucas é gênio" pipocavam em minha cabeça. Principalmente por causa da criatividade que o homem tem em criar novas e estranhas criaturas. 

Dessa vez, quem mais me chamou a atenção foi o General Grivous. O design do personagem, os vários braços mecânicos, aquela voz, aquela tosse, aquele andar, tudo muito sinistro. Imaginar que existe uma criatura orgânica presa naquela armadura é angustiante. E isso é só um preparativo para o nascimento de Darth Vader, um personagem com quem até podemos ter alguma identificação, afinal, ele, como quase todos nós, é uma pessoa sujeita a cair diantes das paixões. Por falar nisso, não sei de onde George Lucas tira essas filosofias zen-budistas, se ele é simpatizante das religiões orientais ou apenas colocou no filme pra ficar legal. Afinal, será que um homem que acumula milhões e milhões de dólares acredita mesmo no desapego como um dos meios para se chegar ao amadurecimento e à iluminação espiritual? 

No mais, é aquilo que todo mundo está falando: que o filme junta muito bem todos os pontos que faltavam para ligar o episódio 3 com o 4; que é o filme mais sombrio e violento de toda a série; que George Lucas continua péssimo diretor de atores e criador de linhas de diálogo, mas quando o negócio é efeitos especiais, o homem se garante; que é sempre bom ouvir o tema de STAR WARS com o velho logotipo aparecendo no começo do filme; que Lucas nesse filme deu um tempo nos bichinhos fofinhos e engraçados; que a luta final de Anakin com Obi-Wan Kenobi no planeta cheio de lava ficou realmente muito boa; e que a cena da primeira respiração de Darth Vader já está entre as cenas mais importantes e memoráveis da década. 

Esse é também o filme mais político de George Lucas. Já não bastando o filme ser sobre uma república que se torna um império (do mal), a alfinetada no atual governo americano é clara e explícita quando Padmé Amidala (Natalie Portman, a melhor aquisição de todo o elenco) diz: "Você já se perguntou se estamos do lado errado? Se a democracia pela qual lutamos já não existe mais?". Bem legal. 

Agora fico aqui imaginando qual será a próxima empreitada de George Lucas, agora com o fim da série. Será que ele vai deixar de dirigir pra sempre e ficar apenas como produtor de novo? Ou ele tomou gosto pela coisa e um dia vai dirigir um filme "normal"? Coisas que só o futuro vai responder... ou alguém já está sabendo de alguma coisa?

segunda-feira, maio 23, 2005

MELINDA E MELINDA (Melinda and Melinda)

 

Como é bom ver Woody Allen novamente de bem com a crítica e com o público. Eu nunca fui de reclamar desses últimos filmes do diretor - dos mais recentes, só não gostei muito de DIRIGINDO NO ESCURO (2002) -, e às vezes ficava irritado quando ouvia as pessoas dizerem que ele tinha caído de qualidade, perdido a graça ou que não fazia mais filmes bons desde TIROS NA BROADWAY (1994), título que nem é dos meus favoritos dele. Talvez porque geralmente sinto falta da presença do Woody Allen ator nos filmes em que ele apenas dirige; talvez por não ter ficado satisfeito com John Cusack como alter-ego de Allen. Em MELINDA E MELINDA (2004), pode-se dizer que o alter-ego do diretor é Will Ferrel, que faz parte do núcleo cômico do filme. 

Allen já tinha feito um filme misto de comédia e tragédia com o ótimo CRIMES E PECADOS (1989) e eu diria que esse é um território bem arriscado. Afinal, a balança pode pesar mais para um dos lados. A parte da tragédia pode interferir na comédia ou vice-versa, fazendo com que o filme não seja bem sucedido nem em fazer rir, nem em fazer chorar ou emocionar. É verdade que em MELINDA E MELINDA, a balança pesa mais para o lado da comédia - das duas, foi a história que mais me conquistou -, mas a parte trágica do filme também está um primor. 

Há que se parabenizar a belíssima performance de Radha Mitchell, que se alterna maravilhosamente entre o drama e a comédia. Ela é a protagonista de duas histórias que correm paralelamente. Em ambas, ela é uma jovem mulher que foge de um passado traumático e se relaciona com um grupo de pessoas que lhe ajuda a recomeçar a vida, inclusive lhe apresentando novos pretendentes. 

O filme já começa com esse jeitão esquizofrênico a partir dos créditos de abertura. Está lá a familiar tela preta com os nomes dos atores e a ficha técnica do filme, mas só se ouve o agradável jazz característico depois de se ouvir uma música solene, mas adequada a dramas pesados. Depois disso, vemos um grupo de intelectuais conversando num café sobre que tipo de história ser mais adequada para uma comédia ou uma tragédia. Conclui-se que a vida pode ser uma tragédia ou uma comédia: depende do modo como você a vê, como diz o tagline no cartaz. É a partir dessa discussão que nascem as duas Melindas. 

Na primeira história, a dramática, Melinda (Radha Mitchell) chega em frangalhos na casa de Chloë Sevigny, uma amiga do passado que hoje é casada com um sujeito galinha. Na segunda história, ela se relaciona com o casal formado por Will Ferrell e Amanda Peet. Só pela descrição do elenco, já dá pra notar o quão feliz Allen foi na escolha do cast desse filme. Imagina, pôr Radha Mitchell, Chloë Sevigny e Amanda Peet no mesmo filme não é pra qualquer um não. 

Na trama formada por Will Ferrell, encontramos uma maior semelhança com outros filmes de Allen, a começar pelos trejeitos de Ferrell, puro Allen. Ferrell é talvez o melhor dos alter-egos de Allen, superando Kenneth Branagh em CELEBRIDADES (1998). Além do mais, eu me identifiquei com o personagem de Ferrell, o que geralmente acontece nos filmes do diretor. Uma das cenas mais tocantes do filme acontece quando Radha Mitchell, linda, alegre e radiante, diz a Will Ferrell num jantar à luz de velas, que está apaixonada (por outro). Por mais que aquilo ali aconteça na parte cômica do filme, não tive como não me colocar no lugar do rapaz, principalmente ao ver a sua expressão de tristeza. 

Há uma seqüência no filme que remete ao clássico SONHOS DE UM SEDUTOR (1972). Nesse que é um dos mais engraçados filmes do diretor (ainda que a direção não seja creditada a ele), ele está à procura de uma nova parceira. E fica realmente entusiasmado com uma das pretendentes, que não quer nada sério, só quer mesmo saber de sexo. Pena que na hora do "vamos ver", isso não passa de propaganda enganosa e a mulher é mais neurótica e complicada do que as que fazem o tipo intelectual. Em MELINDA E MELINDA, Allen meio que aperfeiçoa essa cena, quando Ferrell sai com uma gostosona e a leva para sua casa. 

Nos filmes de Allen, a neurose é uma das principais inimigas do homem. A ameaça, o problema, vem de dentro e não de fora. O que geralmente acontece na vida de pessoas complicadas ou de pessoas que se relacionam com essas pessoas complicadas. Como eu acho que me enquadro nesse primeiro tipo de pessoas, sempre senti muito prazer ao ver Woody Allen rindo de si mesmo e das situações embaraçosas da vida. 

Numa outra seqüência memorável de MELINDA E MELINDA, Radha Mitchell flagra Chloë Sevigny no apartamento de seu namorado. Ele fala simplesmente que isso acontece, que a vida é complicada. Não dá pra culpar alguém por deixar de amar a pessoa, ou mesmo de se apaixonar por outra e acabar traindo o parceiro. Uma das coisas mais assustadoras da vida é imaginar que nossos sentimentos em relação a uma pessoa podem mudar de uma hora pra outra e que quase nada na vida está sob nosso controle. O negócio é relaxar e tentar encarar a vida como uma comédia. Mas sem deixar de lado a seriedade.

sexta-feira, maio 20, 2005

ESCRAVOS DO RANCOR (Abismos de Pasión)

 

Quando Luis Buñuel fez ESCRAVOS DO RANCOR (1954), melodrama baseado no clássico romance gótico "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë, ele já tinha presenteado a humanidade com pelo menos duas obras-primas produzidas no México - OS ESQUECIDOS (1950) e O ALUCINADO (1953). Comparando com essas duas obras, não deixa de ser uma queda para o genial surrealista essa sua incursão no melodrama mexicano. ESCRAVOS DO RANCOR também perde se compararmos com a obra-prima hollywoodiana dirigida por William Wyler em 1939. 

"O Morro dos Ventos Uivantes" é uma das obras literárias mais adaptadas para as telas. Se procurarmos no IMDB por "Whuthering Heights", aparecerá uma lista com treze títulos - uma mini-série e doze filmes -, sendo os mais célebres os dirigidos por Wyler, Buñuel, Yoshishige Yoshida e Jacques Rivette. Uma versão feita para a tv é talvez a mais fácil de se encontrar nas locadoras. É uma dirigida por Peter Kosminky, diretor do ótimo DEIXE-ME VIVER, e estrelada pela maravilhosa Juliete Binoche. Mas o filme é tão chato que eu não consegui ir até o final. 

Não deixa de despertar uma grande curiosidade saber que existe uma adaptação da obra de Brontë realizada por nosso querido Buñuel. A trama do filme já se adianta um pouco em relação à versão de Wyler, mostrando Catalina, a personagem principal, já casada. O casamento está tranqüilo até a chegada de Alejandro, irmão de criação e grande amor da vida dela. Ele havia partido da cidade para ficar rico e volta para buscá-la. A seqüência em que ele chega na chuva, no início, é uma das melhores do filme. Também se destaca a trágica cena final, um misto de ultra-romantismo gótico inglês com paixão brutal latina. 

Ainda assim, o filme não me empolgou. Me deu até um pouco de sono. Lembro-me pouco da versão de Wyler, mas se eu não engano, o romantismo na versão americana parecia ser mais levado às últimas conseqüências. Lembro vagamente de um dos personagens falando com o espírito do outro nos montes e em todo lugar. Algo bem mais sombrio. 

ESCRAVOS DO RANCOR faz parte da série de DVDs do diretor espanhol que a Versátil está botando no mercado. Entre os títulos mais recentes, a distribuidora lançou um DVD contendo UM CÃO ANDALUZ (1929) e A IDADE DO OURO (1930), primeiros trabalhos de Buñuel. Também saiu há pouco tempo o curioso ROBINSON CRUSOÉ (1954). 

E atenção: em junho a Versátil vai lançar o NOSFERATU, de Werner Herzog, com Klaus Kinski como o vampirão chupando o sangue da bela e pálida Isabelle Adjani!! 

P.S.: Fui ontem ao Espaço Unibanco conferir os curtas do projeto Petrobrás. Um desses curtas, VINIL VERDE, de Kleber Mendonça Filho, está sendo exibido no Festival de Cannes, e me impressionou tanto que tive um pesadelo relacionado à história do filme, ontem à noite. Assustador e imperdível. Melhor ir ver sem saber nada da história. Está disponível também no site Porta Curtas. Vale também conferir o LASTNOTE.COM, de Leo Falcão, com Lázaro Ramos. O filme é sobre um site na internet que auxilia as pessoas que desejam se suicidar. Já o curta de Cláudio Assis, SONETO DESMANTELLO BLUE, me decepcionou bastante. É bem chatinho. O especial fecha com o ótimo A HISTÓRIA DA ETERNIDADE, de Camilo Cavalcante, com um plano longo e surreal. Lembra Alejandro Jodorowsky.

quarta-feira, maio 18, 2005

O INQUILINO (The Tenant / Le Locataire)

 

A vida de Roman Polanski é tão cheia de coisas extraordinárias que até pode dar a impressão que O INQUILINO (1976) é seu filme mais pessoal. Afinal, assim como o protagonista de seu filme, que por coincidência (?) é vivido por ele mesmo, sua vida está cheia de eventos surreais. Três momentos são particularmente conhecidos: sua experiência traumática com o nazismo e os campos de concentração; o assassinato brutal de sua então esposa Sharon Tate pelo bando de Charles Mason; e sua fuga dos EUA depois de ser acusado de abusar de uma menor. Tudo isso é suficiente para virar a cabeça de uma pessoa pelo avesso. Se bem que em suas obras ele nunca pareceu mesmo um sujeito normal. Sua obsessão pelo bizarro sempre esteve presente. Ele já fez filmes sobre satanismo (O BEBÊ DE ROSEMARY, O ÚLTIMO PORTAL), vampirismo (A DANÇA DOS VAMPIROS, 1967), perversões sexuais (LUA DE FEL, CHINATOWN, O INQUILINO) e teve a coragem de exorcisar a morte de sua esposa com uma adaptação ultrasangrenta de MACBETH, de Shakespeare. 

Assim como REPULSA AO SEXO, O INQUILINO é um thriller psicológico onde o horror não vem de fora. Ele está presente na mente do protagonista. Nesses filmes, Polanski mostra pessoas perdendo o controle da realidade e nos convida para descermos ladeira abaixo para dentro de suas mentes perturbadas. É diferente, por exemplo, de O BEBÊ DE ROSEMARY, onde temos certeza que o que está havendo com a personagem de Mia Farrow não é apenas paranóia da parte dela. 

Na trama, o próprio Polanski interpreta um polonês que está à procura de um apartamento pra alugar em Paris. Tendo em vista a dificuldade de se conseguir um lugar pra morar na cidade, ele tem que ter muito cuidado ao falar com o dono do lugar, tendo que se esforçar para ser gentil e passar a idéia de que é uma pessoa de confiança. O apartamento que ele consegue não é dos melhores. Nem banheiro tem. Mas o maior problema é que a antiga moradora do apartamento tinha acabado de tentar suicídio se jogando da janela. Como ela não morreu da queda, ele vai visitá-la no hospital. Chegando lá ele conhece a personagem de Isabelle Adjani, que aparece com aqueles óculos enormes dos anos 70. Uma das cenas mais legais do filme é quando os dois dão uns amassos violentos dentro do cinema, fazendo inveja a um voyeur de plantão. Depois disso, a vida do inquilino segue num crescendo de horror e perturbação, até chegar num dos melhores finais de filme da carreira do diretor. 

Um detalhe interessante (e meio spoiler, não custa avisar) é que a cena em que ele tenta o suicídio duas vezes pulando da janela, foi copiada (ou homenageada?) no filme VISÕES, dos Pang Brothers, em cartaz nos cinemas. E coincidentemente eu vi os dois filmes no mesmo dia. 

Agradecimentos ao amigo Zezão, que levou lá pra casa o seu moderno aparelho de DVD que toca divx pra gente fazer uma sessão do filme. Já tinha o divx do filme há um tempão, enviado pelo amigo Fábio Ribeiro, mas não tinha conseguido ver no meu computador. Parece que o arquivo exige uma máquina mais potente e puxa muita memória. Quanto ao player, eu estou doido pra comprar um pra mim também. Aprovei. Até lá, vou aumentando minha coleção de cd's com filmes. 

Pra terminar, um top 10 Roman Polanski: 

1. O BEBÊ DE ROSEMARY (1968)
2. LUA DE FEL (1992)
3. CHINATOWN (1974)
4. O ÚLTIMO PORTAL (1999)
5. MACBETH (1971)
6. O PIANISTA (2002)
7. REPULSA AO SEXO (1965)
8. O INQUILINO (1976)
9. BUSCA FRENÉTICA (1988)
10. ARMADILHA DO DESTINO (1966)

Não vistos:
FACA NA ÁGUA (1962), QUÊ? (1972), TESS (1979), PIRATAS (1986).

terça-feira, maio 17, 2005

CRUZADA (Kingdom of Heaven)

 

Quando eu pensava que Ridley Scott estava se recuperando e começando a fazer filmes legais com OS VIGARISTAS (2003), ele volta com mais um filme repulsivo, a exemplo do que fizera antes com os horríveis ATÉ O LIMITE DA HONRA (1997) e FALCÃO NEGRO EM PERIGO (2001). CRUZADA (2005) é sério candidato a pior filme do ano. Junte-se um diretor que gosta de filmar cenas de ação com cortes rápidos e filtros pra disfarçar a incompetência, um ator totalmente inexpressivo e uma história que não desperta o menor interesse, mesmo tendo a seu lado a vantagem de ser baseada num interessante momento histórico da humanidade. 

Pra não dizer que o filme não tem nada que tenha me agradado, posso dizer que gostei da presença de cena do ator que faz o líder Saladino, o estreante Ghassan Massoud. Ele faz com que a gente acredite na nobreza do líder muçulmano, que é até hoje venerado como símbolo da resistência do povo islamita contra a invasão ocidental. 

Outro ponto positivo do filme é a maneira como ele pinta os muçulmanos, se comparados aos cristãos, assassinos cruéis. Mas se o filme fosse valorizar os atos de violência dos cristãos, que invadiram, destruíram, mataram e saquearam a região da Palestina, aí já seria sacanagem. Inclusive, até achei que o tom heróico da trilha sonora, nas seqüências de vitória dos cristãos, está totalmente deslocada e ambígua. E apesar da forte presença de Saladino, o herói do filme não deixa de ser o ferreiro bondoso interpretado por Orlando Bloom. 

Sobre as verdadeiras cruzadas, esse mês nas bancas a Superinteressante traz uma ótima matéria de capa sobre o assunto, mostrando o evento tanto do ponto de vista dos europeus, quanto dos árabes. Uma coisa que eu não sabia é que os muçulmanos eram superiores cultural e economicamente aos europeus. E que até hoje eles acreditam que seu atual atraso se deve à destruição que os cristãos causaram em seu território há mil anos. As Cruzadas são só mais uma mancha na história suja da Igreja Católica. 

Voltando ao filme e seus problemas, nem mesmo a bela Eva Green, Ridley Scott soube aproveitar. Ela interpreta a princesa de Jerusalém, irmã do rei Baldwin. Edward Norton, que faz o rei Baldwin, não dá as caras no filme, já que seu personagem é acometido de lepra e usa uma máscara de metal até quando está dormindo - pra falar a verdade, quando vi o filme, nem sabia que era ele. Entre outros astros mal aproveitados, estão Liam Neeson e Jeremy Irons. 

Depois falam mal de TRÓIA e ALEXANDRE. TRÓIA pode não ser mesmo um grande trabalho, mas Oliver Stone, com seu ALEXANDRE, fez um filme empolgante, ainda que irregular, com cenas de batalha bem coreografadas e um virtuosismo técnico de dar gosto. Até Luc Besson, com seu JOANA D'ARC se saiu melhor que Scott e seus filmes de ação nojentos. Por onde anda Paul Verhoeven? O verdadeiro filme com o nome de "Cruzada" seria o projeto dele, que até hoje infelizmente não saiu do papel.

sábado, maio 14, 2005

VISÕES (Jian Gui 2 / The Eye 2)

 

Não é sempre que a gente vê entre as estréias da semana um filme de terror chinês. E em pleno circuito comercial. Até lembrei de quando passou por aqui A ESPINHA DO DIABO, de Guillermo del Toro, um filme de horror falado em espanhol no mesmo fim de semana de OS OUTROS. Não deixa de ser estranho isso, já que estamos acostumados a só receber as produções de Hollywood e - com sorte - ver os filmes dos outros países apenas em vídeo. A PlayArte, distribuidora de VISÕES (2004), teve a coragem de apostar no filme, vendo a popularização do terror oriental. Claro que vai muita gente assistir ao filme olhando apenas o cartaz, sem nem saber que se trata de um filme chinês. Mas torço pra que o filme faça sucesso e que venham mais dessa boa safra. 

A trama de VISÕES nada tem a ver com a do primeiro THE EYE. A não ser, é claro, pelo fato de a mulher ver os mortos. Mas a história e os personagens são totalmente diferentes. No primeiro filme, uma moça cega passa a ver os mortos depois de ter feito um transplante de córnea. Nesse segundo, uma moça grávida, a partir do momento que tenta o suicídio por se sentir rejeitada pelo rapaz por quem é apaixonada, passa a enxergar os mortos. 

Apesar de o primeiro filme dar mais sustos e arrepios, a trama desse segundo é muito melhor e mais original. O primeiro lembrava demais O SEXTO SENTIDO e ainda tinha uma cena no final que era parecida com a cena do acidente de PREMONIÇÃO 2. Achei muito interessante a adaptação da crença budista da reencarnação em um filme que mostra o perigo não apenas no sobrenatural, nos mortos, mas também no próprio mundo, na violência e na dor da realidade física. Como se pode ver na cena do estuprador ou no horror que é um parto complicado.

Os espíritos do filme dos Pang Brothers não são nem totalmente bons nem totalmente maus. São humanos que sofreram bastante quando vivos, mas que querem esquecer de tudo e voltar ao plano físico. Sobre o espírito ficar esperando na porta do útero para pegar a vaga da próxima encarnação, não sei se está totalmente de acordo com as crenças budistas ou com o que o espiritismo prega, mas me lembro de ter lido num livro da astróloga Linda Goodman, onde ela diz que o feto não possui ainda espírito, é apenas um projeto de gente esperando para ser preenchido. Achei bem interessante a idéia de os recém-nascidos serem geralmente familiares mortos, que querem permanecer ligados à família. Tudo a ver com o respeito que os orientais tem para com seus ancestrais.

P.S.: Vi alguns trailers legais antes do filme começar. O de GUERRA DOS MUNDOS, do Spielberg, é empolgante - aquele teaser inicial não mostrava muita coisa. Até o trailer de AMALDIÇOADOS, do Wes Craven, filme que está sendo malhado pra caramba, me empolgou. Pô, é um filme de lobisomem com a Christina Ricci!

sexta-feira, maio 13, 2005

RIO VERMELHO (Red River)

 

Antes de terminar a minha peregrinação pela obra de Alfred Hitchcock (que ainda está longe de acabar, só dei um tempo), declaro iniciada minha viagem pelos filmes de Howard Hawks, com a ajuda da ótima e extensa entrevista do diretor, contida no livro Afinal, Quem Faz os Filmes, de Peter Bogdanovich. Infelizmente os filmes de Hawks não recebem o mesmo tratamento que os filmes de Hitchcock no Brasil. São poucos os filmes do diretor disponíveis em DVD e VHS, mas eu vou me contentando com o que tem por enquanto e ficando de olho na programação da tv. Antes de ver RIO VERMELHO (1948), do diretor, só tinha visto SCARFACE (1932), LEVADA DA BRECA (1938), OS HOMENS PREFEREM AS LOIRAS (1953), TERRA DOS FARAÓS (1955), ONDE COMEÇA O INFERNO (1959), ELDORADO (1967) e RIO LOBO (1970). Ainda falta um mundo de filmes de Hawks pra ver. Por enquanto, estou com HATARI! (1962) gravado em casa, mas estou pensando em deixar pra vê-lo depois de pegar outros filmes mais antigos dele. 

Howard Hawks foi um dos mais versáteis e talentosos diretores americanos. O sujeito mandava bem em qualquer gênero, seja western, musical, comédia, filme de gângster, épico ou policial. Pena que no filme O AVIADOR, de Martin Scorsese, ele não tenha aparecido (ou aparece?), já que ele foi de grande importância na vida e na carreira do "aviador" Howard Hughes. Na entrevista do livro ele fala um pouco dos aviões de Hughes que ele usou para produzir o seu PATRULHA DA MADRUGADA (1930). Inclusive, um de seus irmãos, que também era diretor de cinema, morreu numa colisão de aviões enquanto filmava. Aquele povo era louco. 

Quase tão boa quanto a entrevista, é o texto de introdução de Bogdanovich. Além de dar uma geral na obra do diretor, ele conta sobre o seu relacionamento com ele, chegando inclusive a refilmar uma obra de Hawks, quando LEVADA DA BRECA virou ESSA PEQUENA É UMA PARADA. Uma das partes mais divertidas do livro é quando Hawks, após ter visto MEU ÓDIO SERÁ TUA HERANÇA, de Sam Peckinpah, com todas aquelas cenas de violência em câmera lenta, diz: "Bem, que diabo, consigo matar e enterrar quatro camaradas no tempo que ele gasta para matar um". Graças a Bogdanovich, fiquei sabendo da divertida disputa criativa que Hawks travava com John Ford. Quando Ford viu o excelente desempenho de John Wayne em RIO VERMELHO, ficou enciumado. Ele já tinha trabalhado diversas vezes com Wayne, mas o velho caubói até então não tinha tido tão brilhante performance. Abaixo, um trecho do livro que fala sobre o caso: 

"Hawks conta que eles estavam almoçando, quando de repente Jack, que estava sentado à sua frente, levantou os olhos para ele e disse, incisivamente: "Seu filho da puta". Hawks perguntou, intrigado: 'O que há, Jack?' Howard sorriu ao professeguir a história: 'E ele só baixou os olhos para o seu prato e não disse mais nada'. Hawks deu de ombros, riu e soube que aquilo tinha sido o maior cumprimento que Ford poderia prestar." 

De fato, a performance de John Wayne em RIO VERMELHO é fantástica. Ele empresta ao personagem uma carga sombria que eu nunca tinha visto. Talvez seja o personagem mais ambíguo que ele já fez. E a história do filme é empolgante e agradabilíssima. Na trama, Wayne é um vaqueiro que a partir de poucas cabeças de gado, em dez anos se torna dono de um enorme rebanho, com a ajuda de um garoto (Montgomery Clift, em sua estréia nas telas) e de um velho amigo. Eles constroem o maior rebanho de gado do Texas. O problema é que com a Guerra Civil, o preço do gado baixa muito e a única solução que ele encontra para sair da crise é levar todo o gado para o Missouri, correndo o risco de perder todo o rebanho com o ataque de índios ou mesmo de bandidos brancos. Durante o caminho, muita coisa acontece e John Wayne vai ficando cada vez mais cruel e tirano com seus empregados. 

Entre as cenas mais impressionantes de RIO VERMELHO, destaca-se a cena do estouro da boiada. Fico imaginando o que é ter visto esse filme no cinema, já que até na televisão essa seqüência é impactante. Hawks usou 1500 vacas no filme, mas tem-se a impressão de que ele usou muito mais. "Tente dizer a 1500 vacas o que fazer", ele dizia. Todas as cenas de suspense que envolvem a perseguição de Wayne ao grupo liderado por Montgomery Clift são também muito fortes. Falando em Clift, não sei se pelo fato de eu saber que ele era gay, mas eu achei aquela cena dele mostrando os revólveres a outro pistoleiro, e um elogiando a pistola do outro, bem sugestiva. Não sei se foi intencional, mas no próprio filme, comenta-se que Clift é muito delicado para aquela vida. 

Pelo pouco que eu pude ver da obra de Hawks, RIO VERMELHO já é meu preferido. E não tem jeito, por mais que eu adore os filmes do Leone e tenha descoberto outros excelentes filmes do ciclo de spaghetti western, os westerns americanos são muito melhores. Principalmente os de Ford, Hawks e Anthony Mann.

quinta-feira, maio 12, 2005

A MALDIÇÃO DO SANPAKU

 

É uma pena ver o pouco espaço que o cinema nacional tem recebido na televisão brasileira. Na tv a cabo, os filmes brasileiros ficam restritos ao gueto do Canal Brasil. Por que canais grandes como a HBO ou o Cinemax não se propõem a exibir os filmes também? Na tv aberta, o pouco espaço que existe agora, depois do fim da sessão nacional da BAND, vem do Intercine da Rede Globo nas segundas-feiras. Quase sempre é possível ver filmes importantes nessas sessões. Por lá já passaram grandes filmes como A RAINHA DIABA, COPACABANA ME ENGANA e MINEIRINHO VIVO OU MORTO. Foi de uma dessas sessões que eu vi A MALDIÇÃO DO SANPAKU (1991), de José Joffily. 

O filme foi produzido num momento particularmente difícil do cinema brasileiro. Collor de Melo tinha praticamente acabado com a produção de filmes no Brasil, com a extinção da Embrafilme. Mesmo assim, alguns heróis da resistência como Ivan Cardoso, com O ESCORPIÃO ESCARLATE (1990), Miguel Faria Jr., com STELINHA (1990), e Carlos Reichenbach, com ALMA CORSÁRIA (1993), mantiveram acesa a chama do cinema brasileiro, antes da tal retomada, que é geralmente atribuída ao sucesso do filme CARLOTA JOAQUINA (1995), de Carla Camurati. A MALDIÇÃO DO SANPAKU faz parte dessa safra minguada de pouquíssimos filmes da primeira metade dos anos 90. 

O filme guarda parentesco com A DAMA DO CINE SHANGHAI (1987), de Guilherme de Almeida Prado, ainda que não seja tão brilhante. Ambos os filmes se pretendem homenagens ao cinema noir americano dos anos 40 e 50. A figura da mulher fatal não poderia deixar de existir. E nesse sentido, Patricia Pillar desempenha muito bem o seu papel de mulher capaz de enlouquecer e transformar os homens. Na época, ela estava no auge da beleza. No mesmo ano ela protagonizou uma bela cena de strip-tease em SALOMÉ, novela da Rede Globo. As vítimas (ou seriam abençoados?) são os personagens de Roberto Bomtempo e Felipe Camargo, ator que está de volta às telas com o filme JOGO SUBTERRÂNEO, de Roberto Gervitz. Já Bomtempo voltou a trabalhar com o diretor José Joffily dez anos depois em DOIS PERDIDOS NUMA NOITE SUJA (2002). 

A trama de A MALDIÇÃO DO SANPAKU envolve uma jóia preciosa que é surrupiada por Bomtempo. Quando o chefão (Sérgio Britto) descobre que foi enganado, vai ao encalço do traidor. Ele se esconde no apartamento de Felipe Camargo, sujeito que não liga muito pra dinheiro ou luxo e que gosta mesmo é de escrever poesias. Patrícia Pillar é a aeromoça que ajuda no transporte das pedras dos EUA para o Brasil. Ainda no elenco, além da excelente participação de Rogéria, vemos Jonas Bloch, Nelson Dantas e o grande Wilson Grey. 

O final do filme traz uma frase interessante do personagem de Felipe Camargo: "vida boa não é vida contada, é vida vivida", típica de quem costuma viver mais no mundo das idéias do que no mundo concreto e de repente descobre a felicidade real e tangível. De qualquer maneira, continuo achando ideal o meio termo: é possível viver a vida intensamente sem ter que largar mão dos livros e dos filmes, que, além de nos enriquecer espiritualmente, não deixam de ser muito divertidos.

terça-feira, maio 10, 2005

A QUEDA! AS ÚLTIMAS HORAS DE HITLER (Der Untergang)

 

Costumo sempre dizer que o nosso estado físico e psicológico é muito importante para influenciar nossa percepção de um filme (ou um livro, ou uma canção). Por isso, pra mim que estava um pouco doente quando fui ver A QUEDA! AS ÚLTIMAS HORAS DE HITLER (2004), foi de certa forma mais fácil de entender a desesperança e a decadência do império alemão e a simples vontade de desistir da vida. Não senti aquele prazer sádico de ver Hitler sofrendo, prestes a meter uma bala na cabeça. Por isso, ver A QUEDA! foi, pra mim, uma experiência bem desagradável e cansativa, até pela duração do filme. Resta saber como teria sido se eu tivesse ido ao cinema com saúde 100%. 

Mesmo sabendo da importãncia do filme, desconfio de suas qualidades fílmicas, principalmente se compararmos com grandes filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, como O PIANISTA, A LISTA DE SCHINDLER ou EUROPA, EUROPA, mas não resta dúvida que se trata de um filme diferente. Não estruturalmente falando, já que a narrativa é clássica e convencional, não havendo nem originalidade ou inventividade, mas simplesmente pelo fato de o filme centrar a trama diretamente em Hitler, e com a coragem de mostrá-lo como um ser humano, ainda que nem um pouco digno de pena. Será que ele teve piedade de si mesmo quando viu que não tinha mais escapatória e planejou sua morte e da esposa? Acho que não. Ele dizia que o mundo não era feito para os fracos, que a própria natureza já tratava de exterminar os fracos. 

Por falar em Eva Braun, a mulher de Hitler, a atriz que interpretou a personagem, Juliane Köhler, é tão digna de nota quanto Bruno Ganz, que encarnou com brilhantismo o Hitler decadente e com problemas nervosos. Juliane fez uma "primeira dama" simpática e fiel ao marido até a morte. As cenas mais fortes do filme são as da morte do casal Hitler - o antes, o durante e o depois - e a cena da morte das crianças de Goebbels pela própria mãe, que acreditava que elas não podiam viver num país sem o Nacional-Socialismo dos nazistas. 

Antes dos créditos subirem, vemos os letreiros contando sobre o destino dos vários personagens ligados a Hitler. Alguns deles viveram bastante. No final, a verdadeira secretária de Hitler aparece dando um depoimento, meio que se desculpando, dizendo que era totalmente alheia ao que estava acontecendo na Europa. Não é de se duvidar, já que os campos de extermínio só foram descobertos perto do fim da guerra e a juventude alemã tinha sofrido uma espécie de lavagem cerebral, tendo desenvolvido o ódio aos judeus por causa de Hitler e do nazismo. 

Interessante que o filme pouco ou nada fala dos outros países do bloco dos aliados (EUA, França, Inglaterra etc). São os russos os maiores inimigos dos alemães, já que foram eles que cercaram com a artilharia a cidade de Berlim. Foram também os russos que mais tiveram baixas durante a Guerra. 

Pra terminar, sou só eu ou tem mais alguém que odeia subtítulos? Na maioria das vezes eles são ignorados pelo público. No caso de A QUEDA!, eu estava na dúvida se o subtítulo era "As últimas horas de Hitler" ou "Os últimos dias". Já tinha lido sobre o filme na imprensa com essas duas opções. Há também o caso daqueles filmes que adotam o título original, como SIDEWAYS ou KINSEY e colocam um subtítulo estúpido ("Entre umas e outras" e "Vamos Falar de Sexo", respectivamente) apenas para chamar a atenção das pessoas pouco ligadas aos filmes ou à língua inglesa. Lembro que na época de ERIN BROCKOVICH, tinha gente que só reconhecia o filme pelo subtítulo ("Uma Mulher de Talento"). Pior que eles estão sendo cada vez mais adotados.

domingo, maio 08, 2005

ATÉ QUE NÃO SÃO (TÃO) RUINS 3

 

Esse final de semana que está acabando não foi dos melhores. Acho que o meu trabalho, que anda em ritmo e intensidade hardcore, tem sugado minha energia. Fiquei mal da garganta (pra variar) e estou com indisposição e dor no corpo. Ontem teve mais um show do Los Hermanos por aqui, mas nem me animei pra ir. Nem coragem pra ir ao cinema eu tive hoje. Pelo menos eu fiquei em casa e vi um filmão. Mas não é dele que eu vou falar agora. Ao contrário: o dia hoje é pra falar de filmes não muito animadores. Se bem que um deles é até animador, se é que vocês me entendem, mas entrou no "pacote" por ser facilmente esnobado pelo público intelectual, só porque tem a Britney Spears. 

SOMETHING WICKED THIS WAY COMES 

Poderia ter sido um filmão. Direção de Jack Clayton, cineasta do clássico OS INOCENTES (1961); baseado num livro de Ray Bradbury, o cara que escreveu Farenheit 451 e que é considerado um dez maiores autores da literatura de ficção científica, de acordo com lista do caderno Mais! da Folha de São Paulo de hoje; e com um elenco dos bons: Jason Robards, Jonathan Price, Diane Ladd e Pam Grier. Pena que o filme faz parte daquela leva da Disney, do tempo em que a produtora fazia filmes de terror light para as crianças. Por isso, SOMETHING WICKED THIS WAY COMES (1983) não assusta e nem empolga. Acho que até as crianças de hoje iriam achar o filme fraco. Alguns desenhos da Disney (Peter Pan, A Bela Adormecida, Pinóquio) são bem mais impressionáveis e aterrorizantes que esse filme. Que envelheceu bastante, assim como os efeitos especiais. Na história, um circo diabólico chega pra assombrar a vida de uma pequena cidade. Eles oferecem a realização dos desejos das pessoas, mas o preço que eles cobram pra isso é muito grande. Gravado da TNT. 

CROSSROADS - AMIGAS PARA SEMPRE (Crossroads) 

Qualquer filme que mostre a Britney Spears de roupa de baixo dançando uma música da Madonna ("Open your Heart to Me") já é o suficiente pra que mereça uma espiada. Devo dizer que aquela cena ali me pegou desprevenido. Deviam ter avisado, quase morro do coração. CROSSROADS (2002) é um filme bobinho, mas que tem suas qualidades. Britney Spears além de linda e gostosa, desempenha o seu papel muito bem. E eu gosto da canção que toca no final - "Overprotected". De ator mais conhecido no filme, tem o Dan Aykroyd como o pai dela e Kim Cattral como a mãe, mas who cares? Tirando a força da Britney, o filme se sustenta bem por ser um road movie com jovens, o que geralmente garante um clima alto astral. Acho que se um dia dirigisse um filme, provavelmente seria um road movie. Garantiria pelo menos a diversão. E eu não iria fazer como o Vincent Gallo em THE BROWN BUNNY. Por falar em coelhinho marrom, dêem uma olhada nas fotos da Britney tiradas da cena que eu citei. Gravado da FOX. 

DOGMA DO AMOR (It's All About Love) 

Foi uma decepção geral. Todos estavam curiosos pra ver o novo trabalho do diretor de FESTA DE FAMÍLIA (1998), o primeiro filme da série Dogma-95. Infelizmente, Thomas Vinterberg não vingou e DOGMA DO AMOR (2003) é um desses filmes realmente difíceis de aturar. Agüentar até o final é um ato heróico. Nas entrevistas constantes do DVD dá pra notar que o pessoal do elenco (Joaquin Phoenix, Claire Danes) elogiam o filme, mas com frieza, como se estivessem apenas sendo burocráticos, ajudando a vender o produto. Não lembro se Sean Penn chega a falar nessas entrevistas do DVD. A história até que tem um ponto de partida interessante, onde, num futuro indefinido, milhares de pessoas morrem do coração pelas ruas. O filme tem uma trama meio esquisita sobre clones, misturada com a história de amor de Phoenix e Claire. Ela é uma estrela do esqui no gelo; ele vai visitá-la para que ela assine os papéis do divórcio. Mas o amor dos dois renasce. Lendo assim, até parece interessante, mas o filme é tão frio quanto o mundo onde eles vivem e quanto o rinque de patinação de Claire. Pelo menos a fotografia do filme é ótima e o DVD preserva o formato scope.

sexta-feira, maio 06, 2005

ESPIONAGEM NA REDE (Demonlover)

 

Estou encontrando dificuldades para falar sobre DEMONLOVER (2002), de Olivier Assayas, que aqui no Brasil ganhou o título de ESPIONAGEM NA REDE, o que vai contribuir ainda mais para que o filme passe batido nas locadoras e permaneça na obscuridade. Bom, pelo menos o filme foi lançado. Considero a chegada desse filme em DVD um dos grandes acontecimentos do ano na área. O filme vem sem nenhum extra a não ser o trailer, mas só em ter vindo em glorioso scope, já vale até mesmo a compra do disquinho para ver e rever. Rever, aliás, é uma necessidade em se tratando desse filme, que possui trama tão complexa. 

O diretor Olivier Assayas é talvez o mais interessante dos cineastas franceses surgidos nos últimos anos. Dele, só tinha visto o excelente IRMA VEP (1996). DEMONLOVER consegue ser ainda melhor, por incrível que pareça. Os dois filmes têm várias coisas em comum: ambos se detêm bastante na frieza burocrática do mundo dos negócios. Enquanto IRMA VEP destacava o mundo da produção de filmes, DEMONLOVER mostra, inicialmente, as negociações entre empresas para garantir os direitos de exibição de animes pornográficos tridimensionais feitos por computador, para posteriormente nos jogar no submundo dos sites proibidos de sadomasoquismo. E o negócio é barra pesada. 

Na trama, Connie Nielsen é uma espiã da Mangatronics que consegue subir ao posto de assistente de um dos principais executivos da Volf, empresa rival da Mangatronics, depois de ter sabotado a vida pessoal e profissional de uma executiva da empresa. Na verdade, a coisa é bem mais complexa do que isso aí, há um envolvimento de mais duas empresas, há espiãs dos dois lados, e o comportamento das personagens é quase sempre um enigma. 

Boa parte da força do filme está nas mulheres. Connie Nielsen, Chloë Sevigny e Gina Gershon. Ainda que Charles Berling empreste muita força masculina nas cenas em que aparece, o filme é das mulheres. São nos duelos verbais de Connie e Chloë e na luta física de Connie e Gina - comparável à luta de Uma Thurman e Darryl Hannah em KILL BILL VOL. 2 - que o filme atinge alguns de seus pontos altos. 

Mas o que torna DEMONLOVER uma obra-prima são as elipses que acontecem em seus momentos finais. Elas nos deixam cada vez mais angustiados, sem saber bem o que de horrível está acontecendo com a personagem de Connie Nielsen. O filme tem o mérito de não explicitar as cenas mais fortes, nos deixando cheios de dúvida e até apavorados - o final de DEMONLOVER é praticamente um filme de horror. 

O filme faz um estudo sobre a passividade do mundo atual diante da violência, da busca por emoções mais fortes, nem que seja através da dor. Na cena em que Connie está vendo o que fizeram com ela através da câmera, ela parece sorrir. Como se estivesse aceitando de bom grado a posição passiva. Logo ela, que agia com extrema agressividade no ambiente de trabalho e na sua condição de espiã. Até parece que ela simpatiza com a idéia de ser torturada, de sofrer. Como se tivesse ficado com tesão de se ver nessa situação extrema. 

Umas perguntas pra quem viu o filme: afinal, o que acontece de fato com Diane (Connie Nielsen) quando ela é levada dopada pra casa e Chloë limpa o ferimento em seu braço? O que seria aquilo? Parte da tortura? Ou uso de seringa para injetar drogas nela? Caramba. Que filme louco. Muitas imagens não saem da minha cabeça. E eu nem falei da fotografia exuberante, da trilha sonora do Sonic Youth, das cenas do hentai 3D... 

Recomendo para leitura, depois de ver o filme, os ótimos textos de Filipe Furtado e Bruno Andrade, que saíram na Contracampo. O Filipe, então, mandou ver com um texto de 8 páginas! 

P.S.: Está no ar no Cinema com Rapadura, minha coluna sobre adaptações de livros para o cinema.

quarta-feira, maio 04, 2005

KINSEY - VAMOS FALAR DE SEXO (Kinsey)

 

Quando eu era pequeno, lembro que um amigo meu de família protestante dizia que na casa dele, sempre que sua família se sentava para assistir a novela e aparecia uma cena de beijo, o pai dele desligava imediatamente a tv por alguns minutos para evitar que as crianças da sala tivessem algum tipo de estímulo sexual. Lembra um pouco a censura do padre na sala de projeção de CINEMA PARADISO. Talvez seja um exagero isso de desligar a tv em cena de beijo, mas os anos eram outros e ver um beijo não deixa de ser estimulante. Eu mesmo me peguei diante de uma postura até moralista quando nos anos 90 quase todas as meninas do Brasil estavam dançando "a dança da garrafa" no meio da rua e a televisão era um festival de bundas em close em plena luz do dia. Sempre me incomodou essa coisa do sexo exposto ao público, por mais natural que seja. Eu curto pornografia, mas quanto mais discrição melhor. Sim, eu sei. Posso estar sendo bem moralista. 

Logo, não achei estranha a repercussão e a polêmica que o Dr. Alfred Kinsey enfrentou quando publicou seus livros "Sexual Behavior in the Human Male" e, em seguida, "Sexual Behavior in the Human Female". Foi mesmo um baque para a sociedade americana descobrir que o país estava cheio de homossexuais e que o incesto era uma prática mais comum do que se imaginava. Os EUA são uma nação colonizada pelos puritanos e apesar da indústria pornográfica de hoje em dia e da fama que o país tem de liberal, a quantidade de gente conservadora que existe por lá ainda é enorme, é a maioria até. Basta lembrar do escândalo de Bill Clinton e a história do charuto, Monica Chupinski, etc. Tanto que eles preferiram reeleger o Bush, um "exemplo de cristão", a se arriscar com outro presidente liberal. 

KINSEY (2004), de Bill Condon (sobrenome bem sugestivo), mostra um pouco dessa relação da sociedade tradicional americana com o sexo. Uma das cenas mais interessantes é uma que mostra John Lithgow, que interpreta o pai de Kinsey (Liam Neeson), falando sobre as facilidades que a modernidade estava trazendo para que os jovens caíssem na tentação. Entre essas facilidades, ele cita o automóvel, os motéis de beira de estrada e até o zíper, que segundo ele, garante acesso rápido ao sexo. Numa outra cena, um professor recomenda aos alunos a abstinência sexual para que não contraiam doenças venéreas. Inclusive, ele recomenda aos rapazes que, quando sentirem tesão, mergulhem seus testículos em água fria, ou então pensem em sua mãe ou mesmo brinquem de contar quantos Johns conhecem. Chega a ser engraçado esses exemplos, mas não vejo muita distância do caso do pai do meu amigo, que desligava a tv em cena de beijo. Ainda assim, por mais que eu reprove esse tipo de coisa, ainda acho muito estranho o comportamento ultra-progressista que Kinsey levava. 

O diretor Bill Condon é mais conhecido pelo filme DEUSES E MONSTROS (1998), que mostrava a atração do cineasta James Whale, diretor de FRANKENSTEIN (1931), por um jovem. Condon é homossexual assumido e em KINSEY ele entra também nesse território que ele conhece tão bem. Inclusive, KINSEY ganhou um prêmio de uma Aliança Gay e Lésbica no último sábado. O próximo filme a ser dirigido por Condon vai ser DREAMGIRLS, sobre o antigo grupo musical de Diana Ross. Quem vai ser a Diana: Beyonce Knowles.

terça-feira, maio 03, 2005

O JUSTICEIRO (The Punisher)

 

Estou cheio de coisas pra fazer e sem tempo de escrever algo mais substancial, mas pra não deixar o blog parado, falemos um pouco do filme O JUSTICEIRO (2004), mais uma adaptação dos quadrinhos da Marvel para as telas, e que infelimente chegou ao Brasil direto em vídeo. O filme marca a estréia na direção do roteirista Jonathan Hensleigh. O bom do filme é que além de ser superior aos filmes do Demolidor e da Elektra, o diretor é fã de Sergio Leone, Clint Eastwood e Don Siegel, e procurou fazer o filme com cara de produção dos anos 70, inclusive sem utilização de efeitos de computador. O belo tema musical do filme lembra as antigas composições de Ennio Morricone para os filmes de Leone, mas a maior parte da trilha sonora é mesmo de música pop contemporânea. Para Hensleigh, a escolha do pouco conhecido Thomas Jane para interpretar o perturbado Frank Castle teve a ver com o fato de o ator ter uma expressão (ou falta de) que lembra à de caras durões do cinema como Clint Eastwood ou Charles Bronson. Claro que ele não tem metade do carisma desses dois, mas funciona bem no filme. 

Como leitor das histórias do Justiceiro só de uns tempos pra cá, conhecendo apenas o ótimo trabalho de Garth Ennis e a mini-série Justiceiro Ano Um, achei que eles modificaram demais o personagem. Tirando a camiseta com a figura da caveira, o filme é só mais uma história de vingança como outra qualquer. O Justiceiro pra mim precisaria ser mais malvado, mais impiedoso com seus inimigos e com a bandidagem em geral. Ele perde feio para o nosso saudoso Charles Bronson na série DESEJO DE MATAR. Tanto o Justiceiro quanto a Elektra dos quadrinhos foram se tornando cada vez mais sombrios e ambos acabaram ficando bondosos demais no cinema, deixando os fãs um pouco decepcionados. 

Porém, se analisarmos o filme independente dos quadrinhos, é um bom filme de vingança - lembrando que nos quadrinhos, não se trata apenas de vingança, mas de punição. A continuação já está engatilhada e deve sair em 2006, com o mesmo ator. Na continuação, uma vez já tendo se vingando dos assassinos de sua família, agora ele poderá ficar matando outros bandidos como o Justiceiro que a gente conhece. Enquanto isso, Avi Arad, o todo poderoso da Marvel, está ficando cada vez mais rico com essa onda de adaptações de quadrinhos que parece estar longe de ter fim. 

Ah, e o John Travolta está super-canastra e divertido no filme e a Laura Harring continua mui gostosa. Pena que não aparece pelada.

domingo, maio 01, 2005

PAIXÃO À FLOR DA PELE (Wicker Park)

 

PAIXÃO À FLOR DA PELE (2004), de Paul McGuigan, passou desapercebido nos cinemas. Se tivesse ficado mais tempo em cartaz eu até teria ido conferir. Mas ele só durou uma semana por aqui. Mesmo com esse título brasileiro genérico, em tese seria forte o suficiente para chamar a atenção do público feminino. Quando chegou em DVD, a primeira pessoa a me chamar a atenção pela qualidade do filme foi o Renato, que ficou bastante entusiasmado. Por isso, PAIXÃO À FLOR DA PELE foi para o topo de minha lista de próximas locações. E tenho que concordar com ele: o filme é uma beleza. Ainda bem que a distribuidora do filme, a Playarte, teve o bom senso de trazê-lo em seu aspecto original, em scope. Como o filme é cheio de split screens, ele iria ficar inassistível se tivesse os seus lados cortados. 

A trama envolvendo a obsessão de um homem por uma mulher que some de sua vida ganha contornos hitchcockianos. Lembrei-me de James Stewart em busca do fantasma de Kim Novak em UM CORPO QUE CAI, de Hitchcock. O que me passou pela cabeça quando estava vendo o filme é que ele parece se passar num mundo onde a Lei de Murphy comanda. É como se o universo inteiro conspirasse para que os dois amantes não ficassem juntos. O filme se passa num estranho mundo em que os personagens parecem não ter e-mails e o telefone celular vive fora de serviço. Quando soube que PAIXÃO À FLOR DA PELE era uma refilmagem de um filme francês chamado L'APPARTEMENT imaginei que esse filme fosse no mínimo da década de 80, já que naquela época não havia nem internet nem telefone celular. Mas não. O filme original é de 1996 e tem a Monica Bellucci e Vincent Cassel no elenco. 

Nessa refilmagem americana, Matthew (Josh Hartnett) é um rapaz que experimenta o amor à primeira vista quando vê num vídeo Lisa (Diane Kruger). Nem vou tentar falar mais do que isso, não só para não estragar a surpresa de quem ainda não viu o filme, mas também porque o filme se estrutura em vários flashbacks e fica muito complicado resumir em quatro linhas o seu ponto de partida. O fato de ser um filme "romântico" com uma trama mais complexa o torna bem especial. Não se trata aqui de apenas uma história de amor açucarada. A graça do filme está também em montar o quebra-cabeças à medida que os flashbacks vão explicando a trama aos poucos. 

Pra não dizer que achei o filme perfeito, acho que algumas coisas ficaram soltas na história. Por exemplo, o personagem Daniel, ex-namorado de Lisa, aparece muito pouco. Na cena deletada constante dos extras do DVD, tem uma cena com ele que bem que poderia ter sido utilizada na versão oficial do filme. Também achei meio confuso o tempo do filme. Não me refiro às idas e vindas no tempo. Mas é que dois anos é tempo demais para eles ficarem distantes. Mas tudo bem. Às vezes o tempo passa tão rápido que a gente nem sente, né? 

A trilha sonora do filme é uma atração à parte. A canção que encerra o filme é a lindíssima "The Scientist", do Coldplay. Entre outros nomes mais conhecidos na trilha dá pra citar os Stereophonics, The Shins e Mogwai, mas a maioria é de artistas desconhecidos mesmo. 

Estou com outro filme do diretor Paul McGuigan gravado aqui comigo. Chama-se OS GÂNGSTERS (2000) e traz Malcom McDowell e Paul Bettany num filme sobre a máfia inglesa. Está disponível em vídeo. Outro filme do diretor disponível no Brasil é UM CRIME DE PAIXÃO (2002), também com Paul Bettany.