sexta-feira, dezembro 31, 2004

OLHOS DE VAMPA

 

Como provavelmente vou ao cinema hoje à tarde (a viagem que eu achei que faria no reveillon furou), e como hoje está estreando MEU TIO MATOU UM CARA, o novo filme de Jorge Furtado, as chances de esse filme provocar alterações no meu top 20 de 2004 e a certeza de alterar o ranking de títulos nacionais são grandes. Logo, a retrospectiva do ano vai ficar pra depois. 

Falemos então de OLHOS DE VAMPA (1996-2004), esse filme completamente estranho à atual cinematografia nacional. Parece ser um filme que veio dos anos 80, numa época em que ía-se ao cinema ver os filmes do Ivan Cardoso. Naquele tempo, as classes média e alta não eram as únicas a irem ao cinema. O mundo mudou, parece não ter mais lugar para esse tipo de filme. 

OLHOS DE VAMPA foi dirigido em 1996 por Walter Rogério, mas não encontrou espaço para ser distribuído no mercado exibidor. Pôde ser visto na telona apenas durante a Mostra BR de Cinema em São Paulo, nesse ano, e agora foi lançado em DVD pela Casablanca Filmes. A qualidade da imagem está bem boa, em widescreen 1,85:1. 

Na história, jovens mulheres são encontradas mortas, amarradas com fita isolante nos pulsos, um pêssego enfiado na boca e uma mordida na nádega direita. Os policiais Oscar (Marco Ricca) e Leôncio (Washigton Gonzales) são os encarregados de investigar e capturar o criminoso e descobrem, através de fotos, um suspeito: O Vampa (Joel Barcellos). A parte investigativa é bem interessante. E o mais legal de tudo é que o filme parece levar a sério esse papo de vampiro doido por bundas. O filme não tem o menor pudor. Mostra belas bundas arrebitadas e em diversos ângulos. Marco Ricca, que é o fotógrafo, fica obcecado pelas bundas das moças. 

O final é meio confuso (na hora em que encontram o Marco Ricca na casa do Vampa em estado de transe, achei puro Lynch), dando a impressão que não sabiam como finalizar a história, mas tem aquele sabor de filme B de terror que eu achei irresistível. Ainda no elenco, Antônio Abujamra, como o delegado de polícia, e entre as vítimas dois nomes bem conhecidos e de inegável beleza: Vanessa Goulart e Mari Alexandre. É dela o rosto estampado no disquinho do filme. 

Agradecimentos ao Sérgio, que primeiro deu a dica do filme pra mim. 

PRA TERMINAR O ÚLTIMO POST DO ANO, DESEJO UM FELIZ ANO NOVO PRA TODOS NÓS. QUE 2005 SEJA UM ANO SURPREENDENTEMENTE BRILHANTE, CHEIO DE SAÚDE, DINHEIRO E PAZ, NA BELA COMPANHIA DE AMIGOS, AMANTES E ÓTIMOS FILMES!

quarta-feira, dezembro 29, 2004

ATÉ QUE NÃO SÃO TÃO RUINS - PARTE II

 

O ano está acabando. E ainda não sei se faço o balanço do ano com um texto de retrospectiva na sexta-feira, dia 31, ou se deixo para o início de 2005. Vai depender da possibilidade de eu ver ou não um filme no último dia do ano. Enquanto isso, vou tirando o meu atraso e derrubando 3 dos 9 filmes vistos que ainda falta eu comentar. Esses são da série "ruins mas bons". Ou não. 

AGENTE BIOLÓGICO (Derailed) 

Todo filme do Van Damme já tem fama de ser ruim, por mais que títulos como O ALVO (1993) e GOLPE FULMINANTE (1998), dirigidos por John Woo e Tsui Hark, respectivamente, tenham certo prestígio com parte da crítica. Geralmente eu não alugo os filmes protagonizados por ele, mas sempre que passam na tv eu faço o possível pra gravar e assistir. Estou aguardando passarem REPLICANTE (2001) e A COLÔNIA (1997), dois que eu gostaria muito de ver, mas que na hora de alugar sempre escolho outros filmes mais importantes. 

Esse AGENTE BIOLÓGICO (2002) é dirigido por um tal de Bob Misiorowski, sujeito que já dirigiu filmes B de tubarão, de avião sequestrado e de assalto a banco - alguém conhece? A maior atração do filme é a presença da linda-maravilhosa-gostosa Laura Elena Harring, da obra-prima de Lynch CIDADE DOS SONHOS. Pena que Laura não esteja tendo a mesma sorte que sua colega Naomi Watts, fazendo esses filmes pequenos que vão direto para o mercado de video/dvd. Pelo menos, o próximo filme em que ela vai trabalhar - THE KING -, a moça vai contracenar com gente do primeiro escalão, como William Hurt e Gael Garcia Bernal. Pode ser que ela ainda tenha chance de virar uma estrela. 

AGENTE BIOLÓGICO é surpreendentemente bom. Tem o charme de uma produção de baixo orçamento, usando até retroprojeção, como nos filmes antigos, numa cena em que Van Damme sobe de moto em cima de um trem. O filme se passa quase que totalmente dentro do trem, onde um vidrinho contendo vírus ou bactéria é quebrado e várias pessoas do trem começam a adoecer. A trama do filme é meio frouxa, o roteiro é ruim, mas é um filme especialmente prazeiroso de se ver. 

Agora há pouco, estava comentando sobre o filme numa lista de discussão e o Thomaz Albornoz falou da "batalha do trenzinho de brinquedo com o helicóptero em CGI". Em suas palavras aquilo é "bizarro, parece coisa de filme italiano dos anos 70 (como aqueles que o Margheritti rodou na Turquia, bombas irrecorríveis)." 

Ao que parece, os filmes de Jean-Claude Van Damme e Steven Seagal (desse "ator" eu nunca vi um filme sequer) não têm mais lugar nas salas de cinema, indo direto para o vídeo. E parece que Sylvester Stallone está trilhando um caminho parecido. E agora com o recesso do prefeito Schwarzenegger, os novos astros dos filmes de ação americanos são mesmo The Rock e Vin Diesel? 

O próximo projeto de Van Damme chama-se KUMITE, dirigido por ele mesmo. AGENTE BIOLÓGICO foi gravado da Globo. 

SUPERNOVA 

É impressão minha ou o público atual perdeu o interesse por esses filmes de ficção científica com naves espaciais? Exceção apenas para os filmes da série STAR WARS, de George Lucas, que continuam redendo uma fortuna. Esse ano, o único desse tipo que passou nos cinemas foi o horroroso A BATALHA DE RIDDICK. SUPERNOVA (2000) foi um filme cheio de complicações, está creditado a um diretor que não existe: Thomas Lee, pseudônimo de Walter Hill, mas também passaram pela direção Jack Sholder e o próprio produtor Francis Ford Coppola, que deu os retoques finais pro filme sair. Isso não ajudou muito e o filme é mesmo um fiasco em todos os sentidos. Mas por mais que seja um filme cheio de problemas, não é um filme ruim de ver, nem cansativo, ainda que bem esquecível. O bom elenco, formado por James Spader, Angela Basset, Robert Forster e Lou Diamon Phillips, deve querer esquecer que fizeram esse filme um dia. 

Gravado da TNT. 

ANIMAL (The Animal) 

Rob Schneider continua fazendo essas comédias de gosto duvidoso. Até em um filme mais romântico tipo COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ, com o amigo Adam Sandler, ele está lá com seu humor meio deslocado e grosseiro. Deve ter os seus fãs e é o estilo dele, né? No absurdo ANIMAL (2001), de Luke Greenfield, diretor do bacana SHOW DE VIZINHA (2004), ele faz o papel de um policial sem moral na corporação, que, depois de um acidente, é resgatado por um cientista maluco e recebe transfusão (ou seria transplante?) de partes de vários animais. Assim, ele adquire os poderes de diversos bichos: cachorro, foca, cavalo, elefante etc. O cara que faz um roteiro desses merece um prêmio, hein! E o pior é que o final é ainda mais absurdo. 

Gravado da Globo.

terça-feira, dezembro 28, 2004

DOZE HOMENS E OUTRO SEGREDO (Ocean's Twelve)

 

Steven Soderbergh é um cineasta que me passa emoções contraditórias. Adoro os filmes mais lentos dele, como OBSESSÃO (1995), O ESTRANHO (1999) e SOLARIS (2002), bem como a sua estréia na direção, com SEXO, MENTIRAS E VIDEOTAPE (1989). Mas às vezes ele parece afetado, quando resolve trabalhar com montagem rápida de videoclipe. Esse Soderbergh, o videoclipeiro, às vezes me causa irritação. Em DOZE HOMENS E OUTRO SEGREDO (2004) ele consegue mostrar essas duas facetas. Embora a maior parte do filme seja cheia desses cortes rápidos, quando a câmera pára um pouco para mostrar os amantes Brad Pitt e Catherine Zeta-Jones é que se percebe que por mais que o diretor cometa erros, ele tem intimidade com a câmera e conseguiu prestígio suficiente em Hollywood para fazer o que tem vontade. E dane-se se o filme é irregular ou mesmo ruim. 

Diferente do primeiro filme, que tinha como base o filme original de 1960, esse filme foi feito apenas para reunir os amigos. Mal comparando, seria como convidar os amigos para um churrasco para bater papo e tomar umas cervejas. Por mais que o churrasco esteja gostoso, é a companhia dos amigos o mais importante. Pena que essa reunião de amigos nem sempre seja agradável para o espectador. Isso porque Soderbergh enche o filme de subtramas e enrola a gente por exatas duas horas. Chegou uma hora no filme que eu simplesmente desisti de entender toda aquela enrolação e fiquei prestando atenção apenas nos cortes, na fotografia, na música, na beleza de Catherine Zeta-Jones, ela que parece a personificação da felicidade mundana para o homem. 

Quando o filme consegue passar para a tela a intimidade e o clima de brincadeira entre o elenco, como na cena em que o George Clooney pergunta a uma pessoa quantos anos ela acha que ele tem e ela diz que ele devia ter cinqüenta e poucos anos, quando o filme consegue esse clima, ele se enche de graça. Aliás, essa brincadeira parece ter partido de Brad Pitt, e o diretor achou tão divertida que resolveu colocar nas telas. (A propósito, olhei agora no IMDB e Clooney tem 43 anos.) Outro momento bem interessante é na cena em que a personagem de Julia Roberts (Tess) engana toda a imprensa e os paparazzi, por causa de sua grande semelhança com a Julia Roberts, estrela de Hollywood. Uma brincadeira metalingüística bem divertida. 

Não é difícil simpatizar com essa turma. Principalmente com os mais astros Brad Pitt e George Clooney e com as mulheres Julia Roberts e Zeta-Jones. Essa última, por ter já trabalhado tanto com o diretor em TRAFFIC (2000), quanto com Clooney, em O AMOR CUSTA CARO, dos Coen, já parecia estar bem familiarizada com a gangue. Até Matt Damon, que no primeiro filme estava bem apagado, nessa seqüência está bem mais à vontade. 

O problema é que além de ter que dar conta de uma trama mal amarrada e cheia de vai-véns no tempo, Soderbergh ainda tem que dar conta dos outros homens. Afinal, são doze agora. O restante da turma, como os personagens de Bernie Mac, Don Cheadle e do chinês Shaobo Qin, fica em segundo plano e a eles são relegados os piores momentos do filme. Andy Garcia continua sendo o cara antipático e sem graça do elenco. 

Mas sabe o que eu mais gostei no filme? A seqüência inicial com Zeta-Jones e Brad Pitt, com a câmera cogelando a imagem em Pitt pulando a janela, seguido pelos créditos iniciais ao som de uma versão em italiano de "Sentado à Beira do Caminho", de Roberto e Erasmo Carlos, interpretada pelo cantor Ornella Vanoni. A canção se chama "L'Appuntamento" (O Encontro) e já já vou tentar baixá-la na internet. É por causa desses momentos de beleza plástica e sonora que essa continuação é superior ao filme original. Não é redondo e bem resolvido, mas os seus poucos grandes momentos superam tudo o que foi feito no primeiro filme.

segunda-feira, dezembro 27, 2004

A GRANDE SEDUÇÃO (La Grande Séduction)

 

A GRANDE SEDUÇÃO (2003), do estreante Jean-François Pouliot, pertence àquela leva de filmes sobre grupo de pessoas que se junta para enganar uma outra. Assim como o alemão ADEUS, LÊNIN! e o francês DESDE QUE OTAR PARTIU, esse filme canadense também parte dessa premissa. E o curioso é que os três filmes foram produzidos em 2003. Seria, então, 2003 o ano da mentira em prol de uma causa justa? 

A tal causa justa nesse filme é a sobrevivência de uma cidadezinha em vias de se acabar. A comunidade de pouco mais de 100 habitantes sobrevive graças ao seguro-desemprego do governo, já que a atividade pesqueira da região acabou. A solução para eles seria a vinda de uma fábrica para o lugar, mas existem alguns empecilhos para se conseguir essa fábrica: 1) a cidade precisa ter pelo menos mais de 200 habitantes; 2) é preciso uma certa quantia para trazer essa fábrica; e 3) a cidade precisa ter um médico residente. 

Para resolver o problema do médico, eles enviam centenas de panfletos tentando atrair a atenção dos médicos de Quebec para a cidade, mas ninguém quer ir morar numa ilha que não tem nada de atraente. Por sorte, o ex-prefeito da cidade, que foi embora por causa da crise e se torna guarda rodoviário, apanha um médico com um pacotinho de cocaína e faz uma negociação com ele - ele trabalharia na tal cidadezinha por um mês em troca de não ser denunciado. 

Uma vez conseguido o médico por um mês, o passo seguinte seria fazer com que ele goste da cidade e assine um contrato de 5 anos. O problema é que a cidade é feia, não tem nada de atraente. A graça do filme está na série de tentativas de seduzir o médico. Difícil não soltar alguns risos e até algumas gargalhadas com as situações. A mais engraçada delas é a solução encontrada para disfarçar a casa horrorosa que fica logo na entrada da cidade. As cenas envolvendo o jogo de cricket também são muito boas. 

Trata-se de um filme de apelo popular. Na sessão de domingo, no Espaço Unibanco Dragão do Mar, notava-se que as pessoas em geral estavam se divertindo com o filme. O problema é que, assim como aconteceu com ADEUS, LÊNIN! e DESDE QUE OTAR PARTIU, eu achei o filme um tanto tedioso. Comparando com os outros dois filmes, A GRANDE SEDUÇÃO é mais divertido, e o uso da mentira, que tinha me incomodado bastante nos outros filmes, dessa vez não me incomodou nenhum pouco. O filme também guarda semelhança com o inglês OU TUDO OU NADA (1997). É filme sobre uma comunidade em decadência financeira e social que junta esforços para se reerguer, através da criatividade. 

A GRANDE SEDUÇÃO foi um grande sucesso de público na parte francesa do Canadá, ultrapassando a bilheteria de blockbusters como MATRIX RELOADED e O SENHOR DOS ANÉIS - AS DUAS TORRES. Foi sucesso também no Festival de Sundance, ganhando o prêmio de Melhor Filme, pelo Voto Popular.

domingo, dezembro 26, 2004

JOVEM E INOCENTE (Young and Innocent / The Girl Was Young)

 

Ultimamente tenho me obrigado a sempre que passar numa locadora levar um filme de Alfred Hitchcock. Trata-se de uma obrigação deliciosa. (Ah, se todas as obrigações que tivéssemos fossem assim.) Por conta das leituras em paralelo das entrevistas de Hitch contida nos livros Hitchcock/Truffaut e Afinal, Quem Faz os Filmes, estou dando preferência em ir pegando os filmes do diretor por ordem cronológica, ainda que esteja pulando alguns títulos. Dos filmes mudos, só peguei um, que foi O PENSIONISTA (1926). Na verdade, os filmes em que estou mais ansioso pra ver são PAVOR NOS BASTIDORES (1950) e A TORTURA DO SILÊNCIO (1952), que foram lançados recentemente pela Warner. Mas vamos com calma, que eu chego lá. Ainda têm muitos filmes anteriores a esses dois que eu pretendo pegar. 

Dessa vez, peguei um filme da fase inglesa que nunca tinha visto: JOVEM E INOCENTE (1937). A cópia do VHS (acho que não chegou a ser lançado em DVD), lançada no Brasil pela Reserva Especial, está bem ruinzinha, mas com o tempo a gente se acostuma. Até porque o filme é uma pequena pérola e tem um ritmo difícil de causar qualquer aborrecimento. 

A história do filme é bem familiar: um homem inocente é acusado de ter matado uma mulher, cujo corpo é encontrado numa praia, junto a um cinto. Durante o julgamento, ele foge e pede ajuda à filha do comissário, quase um anjo da guarda para ele. Esse tipo de trama é muito parecida com o que Hitchcock tinha feito antes - OS 39 DEGRAUS (1935) - e que ainda faria depois, em filmes como SABOTADOR (1942), LADRÃO DE CASACA (1955) e INTRIGA INTERNACIONAL (1959). Mas em comparação com a maioria desses filmes, JOVEM E INOCENTE tem algo de mais romântico e melodramático, já que o casal se apaixona. Tem uma coisa meio Romeu e Julieta, do amor impossível, da filha do comissário de polícia que se apaixona por um fugitivo. 

Fiquei até um pouco chateado que na entrevista para François Truffaut, o diretor francês, como tinha visto o filme há muito tempo e não lembrava direito, não deu o devido valor a essa obra e os comentários sobre o filme foram poucos, mas Hitchcock, ao falar da trama do filme, parecia estar bem entusiasmado. Especialmente ao narrar a famosa seqüência do show de jazz

Nessa seqüência, há um travelling importante que levou dois dias para ser feito, e que cataliza com maior intensidade o suspense do filme. Isso acontece na cena em que a filha do comissário, junto com o velho Will, vão à procura de um homem que tem um tique nervoso nos olhos. Quando a câmera, e conseqüentemente o espectador, descobre primeiro onde está o culpado através desse travelling, o suspense está formado. Nesse momento, torcemos para que esse homem seja descoberto por nossos heróis. 

Um detalhe interessante é que esse homem estava pintado de preto, disfarçado de negro, algo um pouco inverossímil. E nessa banda não apenas ele estava pintado de preto. Quase todos estavam parecidos com O CANTOR DE JAZZ. Muito estranho. Os filmes da fase inglesa de Hitchcock são mais cheios desses elementos inverossímeis. Ele falou que quando foi pra Hollywood é que viu que as pessoas eram mais questionadoras. 

Outra cena que merece destaque é a primeira cena, em que vemos a vítima e o homem do tique nervoso discutindo, enquanto lá fora uma tempestade serve de trilha sonora. Um dos começos de filmes de Hitchcock mais impactantes que eu já vi.

sábado, dezembro 25, 2004

O AGENTE DA ESTAÇÃO (The Station Agent)

 

Ultimamente as pessoas (geralmente os críticos) não têm enxergado com bons olhos os filmes independentes americanos. Realmente alguns deles têm se apoiado em temas estranhos e em abordagens que tentam serem modernas. Mas na verdade isso nunca me incomodou. A maioria desses filmes ainda me dá bastante prazer. Se eles são bons ou ruins, geniais ou medíocres, aí já é outra história. 

O AGENTE DA ESTAÇÃO (2003), de Thomas McCarthy, é com certeza um dos melhores dessa safra. A história do anão (Peter Dinklage) que se muda para um lugar afastado e que é influenciado e influência para um grupo de pessoas de uma cidadezinha do interior de Nova Jersey é tocante. Não por tocar no tema do anão que é ridicularizado ou rejeitado pela sociedade, mas por falar de pessoas que têm problemas como qualquer outra. 

Vendo esse filme, percebe-se o quanto a figura do anão foi utilizada de maneira preconceituosa na grande maioria dos filmes. O anão quando não é pra fazer rir como palhaço de circo, aparece nos filmes como algo estranho ou bizarro, como o anão de TWIN PEAKS, ou o anão de FREAKS, de Tod Browning. 

O AGENTE DA ESTAÇÃO não se solidariza apenas com Finn (o personagem de Dinklage), mas também com três outras pessoas que ele conhece quando se muda para uma casinha afastada da cidade. Chegando lá, ele conhece um sujeito falastrão que vende sanduíche e café com leite num trêiler em frente a sua casa. Ele, que não quer papo com ninguém, inicialmente vai rejeitar a amizade do rapaz. Aí entra em cena a personagem de Patricia Clarkson (de A PROMESSA e LONGE DO PARAÍSO). A primeira vez que ela aparece é bem engraçado: quase atropela o pobre Finn. A relação de amizade que se estabelece entre os três é bem bonita. Também no elenco, Michelle Williams (de DAWSON'S CREEK), a jovem que trabalha numa biblioteca. 

Não precisa ser um anão pra entender a situação de Finn. Quantas vezes nos fechamos numa concha para não sermos magoados de novo? Quantas vezes não achamos que o melhor a fazer é ficar só, já que as outras pessoas são a causa do nosso sofrimento? Quantas vezes nos sentimentos rejeitados por alguém que amamos? Não é difícil se identificar com Finn, então. 

O filme já está disponível em DVD, mas quem é de Fortaleza e quiser ver o filme no cinema - o melhor lugar pra se ver um filme -, ele está entre os programados do Cinema de Arte para o mês de janeiro.

quinta-feira, dezembro 23, 2004

TODO MUNDO QUASE MORTO (Shaun of the Dead)



E o culto a George Romero continua com todo gás. Nos últimos tempos, os filmes de zumbis voltaram a se popularizar. Esse ano, além da refilmagem espetacular de DAWN OF THE DEAD, dirigida por Zack Snyder, tivemos a grande notícia de que o velho Romero voltaria para dirigir um quarto filme da série dos mortos-vivos, chamado LAND OF THE DEAD. E eu de curioso, fui olhar agora no IMDB e vi que o novo filme vai ter no elenco Asia Argento e Dennis Hopper, além de participações especiais de Edgar Wright e Simon Pegg no "papel" de zumbis. Wright e Pegg são justamente o diretor e o ator principal de TODO MUNDO QUASE MORTO (2004), deliciosa sátira à Trilogia (agora tetralogia) dos Mortos de Romero, especialmente ao segundo, o DAWN OF THE DEAD. Percebe-se que Romero gostou tanto desse filme que até ficou amigo dos ingleses. E pra eles deve estar sendo uma honra participar de um filme de um grande ídolo da adolescência.

TODO MUNDO QUASE MORTO é mais um filhote dos zumbis de Romero. Em alguns aspectos, até tem mais semelhança com o filme original do que a refilmagem americana. Em primeiro lugar, no filme inglês os zumbis são bem lesados como nos filmes de Romero, diferentes dos zumbis atletas do filme de Snyder. E depois tem a famosa cena dos zumbis comendo as tripas de um sujeito no filme do Romero e que não aparece na refilmagem e aparece no filme de Edgar Wright, ainda que de longe.

A Working Title, especializada em comédias românticas, teve a boa idéia de brincar com o gênero que a consagrou, fazendo um mix com o subgênero "filme de zumbi". Na história, Shaun é um cara atarefado e sem muito tato que está prestes a perder a namorada, que vive reclamando dele. Enquanto Shaun sofre por amor, bebendo com o amigo loser num pub chamado "Winchester", Londres começa a ser invadida pelos mortos-vivos.

Interessante como a adaptação dos filmes de zumbi para Londres, lugar onde nem a polícia anda com armas de fogo, tornou as coisas um pouco diferentes, já que estamos acostumados a ver zumbis levando tiro na cabeça. Dessa vez, na falta de armas de fogo, Shaun e os amigos tinham que se virar com qualquer objeto sólido que aparecesse pela frente. Engraçada a seqüência em que eles atiram até discos de vinil nos zumbis e têm que escolher quais discos jogar fora. Não lembro direito quais discos eles jogaram, mas lembro que um do Dire Straits foi esmigalhado na cabeça de um dos zumbis.

A música, inclusive, é um elemento importante no filme. Especialmente duas canções do Queen, banda que hoje em dia eu parei de ouvir, acho até um pouco cafona, mas que no filme ficaram bem adequadas às situações. As duas escolhidas foram "Don't stop me now" e "You're my best friend". Essa última achei bem gostosa de ouvir no DVD.

TODO MUNDO QUASE MORTO é tão divertido que nem se nota o tempo passar. As seqüências gore são bem realizadas e explícitas, mas não deixam o filme pesado. No DVD, além de áudio de comentário (legendado) com o diretor e o ator principal (os dois são roteiristas do filme), tem cenas deletadas, uma apresentação dos rascunhos iniciais do projeto (um pouco chato), trailers e explicações sobre algumas dúvidas que se poderia ter na história do filme. E a imagem está linda e em widescreen 2,35:1.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

A 'TRILOGIA DA VIDA' DE PASOLINI



"Por que realizar uma obra, se sonhá-la é muito melhor?"
(Pier Paolo Pasolini, no final de DECAMERON.)

Vendo esses três filmes de Pasolini e ouvindo essa frase, comecei a imaginar que o diretor pode ter ficado insatisfeito com o resultado final de seu trabalho; que essa frase aí de cima - que não sei se é de Bocaccio ou do cineasta - se aplicaria à sua obra, que até já tem esse aspecto amadorístico e imperfeito. Talvez também pelo fato de ele ter sido poeta antes de ser cineasta e mexer com poesia está muito mais sob o controle do artista do que administrar uma equipe inteira num filme.

Não estava nos meus planos ver esses três filmes agora, mas por causa de uma dica do amigo Murilo (aka "muro pequeno"), fui assistir OS CONTOS DE CANTERBURY, no Cine Benjamim Abraão, na Casa Amarela, exibido em DVD. Já sabia da existência desse cineclube, mas pelo fato de os filmes não serem raros, e porque a maioria deles eu já vi, e de serem exibidos em vhs ou dvd, eu tinha um pouco de desinteresse. Mas chegando lá, achei a projeção melhor do que eu imaginava, e acho que o pessoal que organiza essas mostras são muito dedicados. Inclusive, na última sexta-feira, tive a oportunidade de bater um papo com eles. Até existe uma vontade de passar filmes raros da parte dessa turma. Bom, pelo menos alguém está fazendo alguma coisa pra botar pra funcionar aquela sala, já que os próprios donos do lugar parece que estão pouco se lixando para ativar de verdade o lugar.

Sou praticamente um leigo em Pasolini. O único filme dele que eu tinha visto era SALÓ - OS 120 DIAS DE SODOMA (1975), filme que eu gosto bastante e veria de novo, apesar do excesso de escatologia. Ou talvez por causa disso mesmo. Lembro que antes de eu ver o filme, um amigo tinha me dito que o assistira e, durante o "Ciclo da Bosta", ele vomitou no cinema e foi embora. Aquilo me deixou ainda mais curioso pra ver o filme, até hoje nunca lançado em VHS ou DVD.

Pasolini, assim como Visconti, era homossexual assumido, mas, diferente do colega que mais parecia um aristocrata, Pasolini era "da bagaceira", gostava de "putaria", de mostrar o povo fazendo o que gosta ou comendo o pão que o diabo amassou. Dizia-se que ele não queria fazer um discurso sobre o povo, mas captar o discurso do povo. E nada mais representativo desse discurso do povo do que esses filmes que compõem a chamada "Trilogia da Vida". Pasolini usou nesses filmes atores amadores e isso fica bem explícito e até um pouco incômodo, mas como os filmes são comédias, isso acaba funcionando a seu favor.

Dos três filmes, os dois últimos foram vistos na Sala Benjamim Abrahão, do DVD lançado pela Flashstar. Já DECAMERON, eu vi numa fita da Warner, infelizmente dublado em inglês.

DECAMERON (Il Decameron)

Já tinha visto metade desse filme numa antiga sessão de gala da Globo. Foi bom rever. DECAMERON (1971) é uma adaptação de nove estórias do livro homônimo de Giovanni Bocaccio. Os episódios são engraçados e alguns, bem picantes. Temos o sujeito que se faz de mudo e retardado para transar com as freiras taradas de um convento; o homem que engana um padre no leito de morte; uma jovem que dorme no terraço para que o seu namorado suba e os dois possam fazer sexo escondido dos pais dela; três irmãos que matam o sujeito que transou com a irmã deles; dois amigos fazem um pacto para descobrir o que acontece depois da morte (quem morrer primeiro avisa o outro). Mas o mais engraçado é o episódio do padre sacana que diz que tem o poder de transformar uma égua em mulher e vice-versa. DECAMERON é provavelmente o melhor dos três filmes da trilogia e o que menos apela para a nudez, a escatologia e a violência.

OS CONTOS DE CANTERBURY (I Racconti di Canterbury)

Dessa vez, Pasolini faz uma adaptação livre - e cheia de sacanagem - dos famosos Contos de Canterbury, de Geoffrey Chaucer. OS CONTOS DE CANTERBURY (1972) é o mais dark dos três filmes. Tanto por terminar mostrando uma visão estatológica do inferno, como por mostrar também os castigos da Inquisição, com a cena de um homem sendo queimado na fogueira, acusado de sodomia. O próprio Pasolini faz o papel de Chaucer, escrevendo as histórias com ar sacana, numas tomadas desnecessárias para o filme. Podiam cortar que não faria falta. Lembro que a estória da Viúva de Bath eu já tinha lido nos meus tempos da faculdade de Letras. A tal viúva é uma mulher que vive matando os maridos e herdando sua fortuna. O episódio mais engraçado é o de dois estudantes se vingando de um vendedor de farinha, ao dormir na casa dele e à noite irem para a cama da filha e da mulher desse comerciante. Há uma cena bem engraçada que homenageia o Carlitos de Charles Chaplin. OS CONTOS DE CANTERBURY é o mais fraco da trilogia, mas tem uma cena que chama muito a atenção dos marmanjos: uma moça super-gostosa e nua dando uma de dominatrix, com chicote e tudo. No final, muito capeta, cocô e danação.

AS MIL E UMA NOITES (Il Fiore delle Mille e Una Notte)

Esse é o filme mais sacana da trilogia. Pasolini fez a festa, trazendo um desfile de corpos nus e muito erotismo (é o único dos três filmes que mostra genitálias masculinas prontas pra ação). O elenco parece ser ainda mais amador do que o dos outros filmes, com muita gente feia, o que torna o filme ainda mais engraçado, já que o personagem principal, que "interpreta" um jovem muito belo, é feio que dói. A história principal gira em torno de sua busca pela amada escrava, que foi raptada. Há a criativa "história dentro da história" característica desses contos das Mil e Uma Noites, mas não existe nada relacionado a Sherazade. A história mais interessante é a do homem que fica encantado com uma mulher e abandona a noiva. Destaque também para o episódio de um homem que quer libertar uma mulher de um demônio. Essa história termina em mutilação. Outro momento desagradável é uma cena de castração. Ainda assim, o filme é mais leve que OS CONTOS DE CANTERBURY.

Pra terminar, deixo abaixo algumas palavras de Pasolini, em que ele compara o cinema com a vida, que achei bem interessante. O texto foi retirado do dossiê sobre o diretor, no site Senses of Cinema. Desculpem não traduzir o texto para o português.

"Cinema is identical to life, because each one of us has a virtual and invisible camera which follows us from when we're born to when we die. In reality cinema is an infinite film sequence-shot. Each individual film interrupts and rearranges this infinite sequence-shot and thus creates meaning, which is what happens to us when we die. It is only at our moment of death that our life, to that point undecipherable, ambiguous, suspended, acquires a meaning. Montage thus plays the same role in cinema as death does in life."

terça-feira, dezembro 21, 2004

CONTRA TODOS

 

Chegando o final do ano. E como as chances de filmes como GAROTAS DO ABC, de Carlos Reichenbach, e FILME DE AMOR, de Julio Bressane, ou os novos documentários de Eduardo Coutinho e João Moreira Salles chegarem aqui até o final de dezembro são bem pequenas, já é possível fazer um pequeno balanço dos filmes brasileiros lançados em Fortaleza esse ano. 

Pode-se dizer que esse foi um ano fraco para o cinema brasileiro. Nesse ano, não tivemos filmes da estatura de CARANDIRU, O PRÍNCIPE, LAVOURA ARCAICA, EDIFÍCIO MASTER, O HOMEM QUE COPIAVA, CIDADE DE DEUS ou uma obra-prima como O INVASOR, só pra citar exemplos dos últimos três anos. Suponho que os melhores filmes brasileiros já estão finalizados e chegarão por aqui no próximo ano. 

CONTRA TODOS, de Roberto Moreira, seria então o melhor filme brasileiro do ano a estrear na cidade. Assim como AMARELO MANGA, é um filme controverso e violento, muita gente odiou, mas por outro lado, não lembro de, durante o ano, algum outro filme brasileiro ter recebido cotação máxima nos dois principais jornais de São Paulo. 

A história principal do filme gira em torno de Teodoro (Giulio Lopes), um sujeito que frequenta cultos evangélicos e que nas horas vagas é também um matador de aluguel. O personagem de Giulio Lopes até lembra um pouco o papel de bandido/crente de Benicio Del Toro em 21 GRAMAS, mas bem longe de ser tão ingênuo ou inocente, já que o fato de orar durante as refeições não torna um sujeito que mata e rouba melhor. Dar de presente um apartamento para uma "irmã" da igreja também não é lá uma atitude louvável, se no fundo o cara tinha a intenção de transar com a mulher. (É, eu sei, isso aí é um pecado menor, até dá pra encarar como um investimento futuro, "é dando que se recebe" etc.) 

Dentro do painel de personagens principais, temos Leona Cavalli, atriz que ficou famosa ao expor o seu púbis loiro em AMARELO MANGA. Ela é Cláudia, a mulher de Teodoro. Fazendo parte dessa família desestruturada e complicada de entender, temos a bela junkie Soninha (Silvia Lourenço), a filha (?) de Cláudia. Silvia Lourenço, aliás, é a minha favorita do elenco. Bem sexy a menina. Já Ailton Graça - o meu xará, ou o Denzel Washington dos pobres - é Waldomiro, o parceiro de crime de Teodoro. (Seu personagem nesse filme é bem mais "filho da puta" que o mulherengo Majestade em CARANDIRU.) Todos os personagens estão bem amarrados na trama, que se passa numa São Paulo suja e violenta. 

A opção por filmar com câmera digital foi acertada, dando um tom documental ou de reality show ao filme. Com isso, se perde em qualidade e beleza de imagem, mas ganha-se com cenas mais realistas e convincentes. Se bem que o epílogo estraga um pouco esse realismo. Mas gostei da reviravolta imediatamente anterior ao final, quando o diretor mostra diferentes ângulos de uma cena, ao mesmo tempo que preenche os buracos da trama. É um filme cínico, é verdade. Mas isso não tira os seus vários méritos. 

CONTRA TODOS é o longa de estréia de Roberto Moreira, mas o diretor já teve o privilégio de dirigir um filme de episódios, juntamente com Júlio Bressane e Rogério Sganzerla, entre outros nomes menores (Lúcia Murat, Ricardo Dias e Inácio Zatz). O filme se chamou OSWALDIANAS (1992) e não lembro de ter passado nos cinemas daqui.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

A DOCE VIDA (La Dolce Vita)

 

Finalmente, graças a um empurrãozinho de José Lino Grünewald ("Um filme é um filme"), pude ver o famoso A DOCE VIDA (1960), de Federico Fellini. A DOCE VIDA é um desses filmes fundamentais. Quase tão citado ou homenageado quanto PSICOSE, de Hitchcock, que curiosamente é do mesmo ano. Filmes como NÓS QUE NOS AMÁVAMOS TANTO (1974), de Ettore Scola, e os mais recentes CELEBRIDADES (1998), de Woody Allen, e SOB O SOL DE TOSCANA (2003), de Audrey Wells, são alguns dos títulos que prestam tributo ao clássico. Apesar de certa resistência que tenho a Fellini (alguns de seus filmes me fazem dormir), todo esse bombardear de citações não me deixou escolha a não ser conferir essa obra obrigatória. Difícil falar desse filme sem citar algumas das cenas mais antológicas. 

A cena mais famosa do filme é a do banho de Anita Ekberg na Fontana de Trevi, acentuando aquele busto enorme (Fellini adorava mulher de peitão), homenagem à americana Jayne Mansfield. Mas há cenas melhores e tão memoráveis quanto essa. As minhas preferidas são: 

1) o encontro de Marcello (Marcello Mastroianni) com Madallena (Anouk Aimée) no bar, quando eles vão parar na casa de uma prostituta pobre. 

2) a cena do "milagre", onde Marcello vai fazer uma reportagem sobre duas crianças que afirmam ter visto a Virgem Maria. Há uma enorme movimentação de câmeras e multidão e depois tem a cena da chuva e do tumulto e do sentimento de rejeição da namorada de Marcello. Todo esse turbilhão de emoções é muito forte. (Fellini iria fazer algo parecido, envolvendo câmeras, chuva e multidão, numa cena de ROMA (1972), o meu filme favorito do diretor.) 

3) a cena da festa/reunião na casa do produtor cinematográfico. É principalmente com essa cena que temos uma idéia maior da revolução de comportamento que estava acontecendo naquele início dos anos 60. A cena do strip-tease de Nadia (Nadia Grey), seguida da cena em que Marcello monta em cima de uma mulher, como se ela fosse uma égua, batendo em seu traseiro e a cobrindo de penas, aquilo ali é inesquecível, não importando a dificuldade de se compreender de fato o que pode significar, se formos parar para uma reflexão. 

Além dessa excepcional seqüência, mais dois episódios levam a gente a refletir. A cena do suicídio de Steiner (Alain Cuny) só aumenta a sensação de falta de sentido na vida, pois justamente o que aparentava ser um modelo perfeito de vida para Marcello, escondia algo aterrorizante por trás. A seqüência final também me deixou na dúvida. O que significaria a dificuldade de comunicação de Marcello com a garotinha de perfil angelical? Seria apenas ocasionado pelo estado anestesiado de Marcello? Ou teria algo a ver com o abismo existente entre as gerações ou as pessoas em geral? 

Como o filme é montado em 14 episódios ou seqüências quase que independentes, tem-se a sensação de algo solto, sem uma coesão convencional. O que de certa forma liga os episódios é a namorada de Marcello, Emma (Yvonne Furneaux), que participa de quatro dos quartoze episódios, e o seu amigo Steiner, que "aparece" em três. Se não fosse por isso, esses episódios até poderiam ser dispostos em ordem aleatória, que não se perderia o sentido. Mas a ordem escolhida por Fellini foi genial. 

Filme visto em vhs, copiado do DVD de banca, que infelizmente não está em scope, mas pelo menos também não está em tela cheia. Dizem que a cópia lançada pela Versátil está linda. O filme merece, hein. Estou começando a criar gosto por Fellini. O próximo que quero ver dele é HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS (1968), ainda que não seja só dele. E eu tenha outra grande razão pra ver esse filme, já que sou fã de Edgar Allan Poe.

domingo, dezembro 19, 2004

CHANTAGEM E CONFISSÃO (Blackmail)



Dando continuidade à leitura de "Hitchcock/Truffaut", como também da entrevista de Alfred Hitchcock cedida a Peter Bogdanovich em "Afinal, Quem Faz os Filmes", aluguei o DVD de CHANTAGEM E CONFISSÃO (1929).

Para minha surpresa acabei gostando mais desse filme do que da maioria dos filmes de Hitchcock da década de 30 que vi. Foi o primeiro filme falado do diretor (e da Inglaterra), e Hitchcock faz suspense até em torno disso, já que inicialmente, exceto pela música de fundo, o filme é mudo. Só depois de alguns minutos é que o som aparece.

A história é bem interessante e antecipa alguns dos temas que seriam recorrentes na filmografia de Hitchcock. Anny Ondra namora um detetive da Scotland Yard (John Longden), mas está a fim de sair com outro sujeito (Cyril Ritchard). Depois de provocar uma briga com o namorado num restaurante, ela vai para a casa do outro. Chegando lá, esse sujeito tenta estuprá-la, mas ela pega uma faca e o mata. O namorado detetive vai, então, investigar o caso.

A cena em que a protagonista segura, trêmula, a faca ensangüentada é uma das imagens mais marcantes dos filmes de Hitch. O tema da culpa ("todos são culpados", dizia Hitchcock) é explícito. A personagem de Ondra sente-se culpada ao trair o namorado, mas sofre ainda mais com o peso da morte de alguém na consciência.

Lendo as entrevistas dos dois livros citados, soube que a atriz Anny Ondra era alemã e mal falava inglês, e como inicialmente achava-se que o filme ia ser mudo, não deu pra substituir a atriz por uma inglesa a tempo. E, como naquela época ainda não existia dublagem, Hitchcock recorreu a uma idéia interessante: contratou uma atriz inglesa para, com um microfone, fazer a voz de Anny, sentada no canto do set, enquanto ela apenas mexia a boca.

O final do filme foi uma concessão para o público que queria um final feliz para os filmes. Hitchcock, por sua vontade, teria colocado a protagonista na cadeia, reforçando ainda mais a idéia da culpa, seguida do castigo. No livro de Truffaut, eles até chegam a comentar sobre uma adaptação de "Crime e Castigo" para o cinema, coisa que Hitchcock é totalmente contra.

A seqüência da perseguição no Museu Britânico funciona como um preview do que Hitch faria em SABOTADOR (1942), na famosa cena na Estátua da Liberdade.

Esse também foi o filme que apresentou a primeira aparição célebre de Hitchcock numa cena. Antes ele tinha aparecido apenas em O PENSIONISTA (1926), mas mal dava para vê-lo. A partir de CHANTAGEM E CONFISSÃO, essas aparições ficariam mais constantes.

quinta-feira, dezembro 16, 2004

A RAINHA DIABA

  

Quando A RAINHA DIABA (1974) começa ao som de "Índia", na voz de Paulo Sérgio, enquanto rolam os créditos iniciais, já se percebe que não se trata de um filme qualquer. De início achei que o filme seria uma espécie de precursor da estética de Almodóvar (música brega, visual brega, uma bicha se sentindo poderosa), mas à medida que o filme vai saindo do "Q.G." da Diaba e se concentrando mais nas ruas, percebe-se que o encaminhamento do filme é outro, mais próximo dos filmes de gângsters do que de filmes gay. 

A RAINHA DIABA é considerado um dos melhores filmes dos anos 70. E olha que essa década é talvez a mais fértil e produtiva do nosso cinema. Só por aí já dá pra se ter uma idéia do espetáculo que é esse filme. É o título mais famoso do diretor Antonio Carlos Fontoura. Do diretor, antes eu tinha visto apenas o assustador e erótico ESPELHO DE CARNE (1984). Aliás, costumo dizer que até hoje ESPELHO DE CARNE foi o único filme brasileiro que me assustou de verdade. A RAINHA DIABA também é assustador à sua maneira, mais realista e mais sangrenta, mas sem medo de ser pop. É um filme que dialoga com dois importantes títulos do cinema brasileiro recente: MADAME SATÃ (2002), de Karim Ainouz, e CIDADE DE DEUS (2002), de Fernando Meirelles. Inclusive, o personagem da Diaba foi inspirado no lendário Madame Satã. 

Na história cheia de intrigas do filme, o Rainha Diaba (brilhantemente interpretado por Milton Gonçalves) é uma espécie de Poderoso Chefão gay do Rio de Janeiro. Ele comanda as bocas e o crime organizado da cidade. Para evitar a prisão de um de seus amigos, ele resolve criar um bode expiatório para que um outro sujeito se torne um bandido famoso e seja preso no lugar de seu amigo. Aí é que entra em cena o personagem de Stepan Nercessian, jovem ambicioso que mora com uma prostituta coroa - Odete Lara, já não tão bela quanto na época de NOITE VAZIA (1964). Ele seria a vítima da trama da Diaba. Nelson Xavier completa a trinca de personagens principais, convidando Nercessian para o seu bando e dando início a uma onda de assaltos na cidade. A cena mais impressionante dessa seqüência de roubos é aquela em que o bando de Xavier, ao assaltar um motorista de caminhão, tem de matá-lo, já que ele reage violentamente. A violência é uma constante nesse filme, que explode num trágico e amargo final. 

Há muito o que elogiar no filme. Seja a bela fotografia de José Medeiros, a trilha sonora rock que pontua a trama ao lado de canções populares dos anos 70, ou o elenco espetacular. Além dos quatro atores citados - todos em estado de graça -, há ainda a presença de Wilson Grey, ele que é um dos atores mais ativos do cinema brasileiro, tendo atuado em quase duzentos filmes. 

Eu vi esse filme gravado da Globo (passou no Intercine na semana passada), mas o bom é que A RAINHA DIABA foi lançado em DVD no Brasil numa edição caprichada, contendo entre outras coisas, um documentário de 80 minutos. 

O que tem no DVD: Menu interativo; Seleção de cenas; Documentário; Análise crítica; Ficha técnica; Filmografia; Matéria de arquivo: Cenas inéditas (super 8), Making of (Super 8), Fotos, Cartaz e folhetos; Formato de tela: fullscreen; Áudio: Dolby Digital 2.0 (Português) ; Legendas: Inglês, Português e Espanhol.

terça-feira, dezembro 14, 2004

HAUTE TENSION

  

Estava lendo há pouco o livro "Um filme é um filme", de José Lino Grünewald, e achei interessante o que o autor falou sobre o thriller - e não o western - ser o gênero cinematográfico por excelência, já que esse gênero "apenas pôde nascer e desfechar a sua catarse específica através do instrumental da linguagem do filme". E eu fico feliz ao ler isso, já que o cinema de suspense/horror é um dos meus gêneros preferidos, ainda que eu também tenha especial carinho pelo western e pelo melodrama. 

E foi justamente um thriller a grande surpresa desse fim de semana pra mim. Pela falta de "verba orçamentária", tive de ficar em casa no sábado e acabei vendo alguns ótimos filmes do meu acervo de fitas/divx. O ruim é que o meu computador parece que está com problema de memória. Alguns filmes em divx não rodam direito, ficam lentos ou pulando. Por conta disso, filmes como EL TOPO, O INQUILINO, FREAKS e INCUBUS vão ficar "na geladeira" por um tempo. Sorte que pude ver HAUTE TENSION tranqüilamente do cd-rom. E olha que a imagem está linda, de dar gosto mesmo. Acho que é o filme com imagem mais bonita que eu tenho nesse formato. A qualidade perfeita da imagem do filme não pesou nem um pouco na minha máquina. Outra coisa: sempre que vejo um filme no computador, dou pelo menos uma paradinha pra beber água ou lavar o rosto no meio do filme, mas com HAUTE TENSION, eu simplesmente não conseguia desgrudar os olhos da tela, nem a bunda da cadeira. 

HAUTE TENSION (2003) é um magnífico slasher francês dirigido por um sujeito chamado Alexandre Aja. Ouvi dizer que Aja foi contratado para dirigir a refilmagem do clássico QUADRILHA DE SÁDICOS (1977), de Wes Craven. E apesar de o filme nem ter estreado ainda na terra do Tio Sam, deu pra perceber que os caça-talentos americanos sacaram a habilidade de Aja em conduzir tão bem o suspense nesse filme com pouquíssimos diálogos, muito gore e, claro, muita tensão. 

A história é bem simples: duas moças, Alex (Maïwen Le Besco) e Marie (Cécile de France), vão para a casa de campo da família de Alex para descansar e estudar. Alex, no entanto, está inquieta e achando que vai ficar entediada num lugar que não tem muito o que se fazer. Porém, o tédio vai passar longe daquele lugar. Durante a madrugada, depois de Marie fazer aquela masturbaçãozinha básica ouvindo reggae, um sujeito entra na casa, mata o pai de Alex e sai matando quem está na casa. Algumas das cenas de morte são realmente aterrorizantes e o filme é um dos mais sangrentos que eu já vi nos últimos tempos. A cena da morte do pai de Alex, por exemplo, é fantástica. Lembra a beleza estética sádica de caras como Lucio Fulci e Takashi Miike. No final, há uma surpresa que vai deixar todo mundo de queixo caído, ainda que muita gente ache que o final chega a estragar o filme inteiro. 

É bom ver que essa nova geração de diretores de terror está homenageando os grandes clássicos dos anos 70. Até o slasher, subgênero que parece que tinha morrido com a trilogia PÂNICO, agora está de volta com força total. Filmes como O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (homenageado em HAUTE TENSION), DAWN OF THE DEAD e agora o QUADRILHA DE SÁDICOS vêm recebendo remakes de respeito e várias citações, e realizadores como Aja, Rob Zombie, Eli Roth, Rob Schmidt e Gaspar Noé estão trazendo sangue novo para o gênero. 

Pra encerrar, não posso me esquecer de duas coisas: a) destacar a beleza e a performance de Cécile de France, que com seu corte de cabelo à Jean Seberg, arrebenta nesse filme; e b) agradecer ao Fábio Ribeiro que foi super-gente-fina ao ter me enviado esse filme como surpresa.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

O STREET FIGHTER SONNY CHIBA

 

KILL BILL está rendendo. Por causa do filme de Quentin Tarantino, tenho ido atrás de muitas de suas homenagens e citações. Aqui no blogue já comentei sobre filmes de Bruce Lee, produções dos Shaw Brothers, animações do estúdio responsável pelo segmento animado de O-Ren Ishii e o filme sueco THRILLER - A CRUEL PICTURE. Agora é a vez dos filmes de karatê estrelados pelo maior astro de artes marciais do cinema japonês Sonny Chiba, a resposta do Japão ao sucesso de Bruce Lee. Chiba teve um papel pequeno mas importante em KILL BILL: o de Hattori Hanzo, o homem que confecciona a espada samurai para a Noiva. 

Não é apenas a presença de Sonny Chiba o ponto de interseção entre esses filmes e a obra-prima de Tarantino. A ultra-violência e o banho de sangue desses filmes também foram homenageados. E vale lembrar também que numa cena de AMOR À QUEIMA-ROUPA (1993), que tem roteiro do Tarantino, o filme que Christian Slater vai assistir no cinema com Patricia Arquette é justamente THE STREET FIGHTER (1974). 

Vi esses filmes em circunstâncias não muito boas. Primeiro porque a cópia que consegui com o Renato, gravada do dvd americano double feature, estava dublada em inglês e sem legendas. E a impressão que eu tinha era que os dubladores tentavam imitar o sotaque japonês, o que dificultava ainda mais pra mim, que já não tenho uma boa habilidade de listening. Resultado: às vezes tinha que repassar a cena três vezes pra conseguir entender o que eles falavam. Sempre que eu entendia da segunda vez ficava feliz. E no sábado ainda foi pior, já que fui interrompido por duas baratas voadoras que invadiram o meu quarto e eu acabei fazendo tanto barulho pra matar essas desgraçadas que eu acho que os vizinhos deviam estar imaginando que a casa estava sendo assaltada. Apesar dos percalços, consegui terminar de ver os dois filmes bravamente. 

THE STREET FIGHTER (Gekitotsu! Satsujin ken) 

O personagem de Terry Tsurugi (Sonny Chiba) é um cara bem malvado. Bem anti-herói mesmo. Nesse primeiro filme da série "Street Figher", ele faz coisas como: furar os olhos de um inimigo com os dedos e depois limpá-los na camisa do seu amigo; jogar um cara que não quer pagar por seus serviços na calçada, espalhando seus miolos no chão, e ainda por cima vender a irmã dele pra uma casa de prostituição; arrancar com as próprias mãos os testículos de um sujeito que estava prestes a praticar um estupro; arrancar as cordas vocais de um inimigo. Dito isso, dá pra ver que o filme não é nenhum pouco delicado. Chiba é um mercenário que trabalha para a máfia, mas tem uma ética bem peculiar. Nas cenas de ação, não gostei particularmente das cenas que mostram só o pé dele atingindo o adversário. Ficou claro que o diretor (Shigehiro Ozawa) não tinha habilidade para filmar cenas de ação de forma tão brilhante quanto os seus colegas de Hong Kong. (Não sei se é uma tradição japonesa, essa de não usar cabos nessas cenas mais aéreas.) As caretas de Sonny Chiba quando está sentindo dor são hilárias, assim como aquela música que toca quando ele está perto de dar a volta por cima numa luta. Destaque também para a cena de raio-x mostrando os efeitos da porrada de Chiba na cabeça de uma vítima. 

RETURN OF THE STREET FIGHTER (Satsujin ken 2) 

Nessa continuação produzida no mesmo ano, já não tendo mais novidades em termos de violência para fazer a alegria dos fãs - a única novidade digna de nota é a cena em que os olhos de um sujeito pulam pra fora do crânio -, eles tiveram que dar uma melhorada na história, que é superior a do primeiro filme, ainda que isso tenha o tornado um pouco irregular em se tratando de ritmo. Na história, Sonny Chiba, depois de executar alguns serviços para a máfia, se volta contra os seus chefes por razões éticas e a máfia vai ao seu encalço. Como a máfia tem ligação com uma academia de artes marciais, o filme vira um desfile de armas japonesas como espadas samurai, adagas sai, nunchakus, entre outras que não sei o nome. Mas a melhor coisa do filme é a reaparição de um inimigo de Chiba do primeiro filme, que todo mundo achava que tinha morrido. Pena que a conclusão não é satisfatória - achei as lutas muito bagunçadas. Depois desse filme, ainda foi produzido THE STREET FIGHTER'S LAST REVENGE, o terceiro filme da série. Tudo no mesmo ano. Isso que eu chamo de produção rápida e barata. (Não, barata não!...)

domingo, dezembro 12, 2004

OS INCRÍVEIS (The Incredibles)

 

E a Pixar atinge o seu ápice criativo com OS INCRÍVEIS (2004), de Brad Bird. O filme mostra uma família que é uma mistura de Quarteto Fantástico com Simpsons, sendo que a história traz conceito inspirado na graphic novel "Watchmen", de Alan Moore, e ação e música parecidos com MISSÃO IMPOSSÍVEL. 

O coquetel é ótimo e, assim como as outras animações da Pixar - exceto talvez MONSTROS S.A., que é mais infantil -, agrada a adultos e crianças. Os adultos que tiverem um passado (ou presente) de leitores de história em quadrinhos terão uma razão a mais para curtir o filme, já que esse filme não existiria se Stan Lee não tivesse criado uma geração de super-heróis com problemas semelhantes ao de pessoas normais. 

Assim, temos um Sr. Incrível que herdaria um nome parecido com o Sr. Fantástico, mas teria a força do Coisa; uma Mulher-Elástica que em vez de ficar invisível tem os poderes elásticos do Sr. Fantástico; uma garotinha que tem os poderes da Mulher-Invisível e um garotinho tão sapeca quanto Bart Simpson que corre feito o Flash (da D.C.) ou o Mercúrio (da Marvel). Correndo por fora, tem o bebezinho que a princípio não possui nenhum super-poder. Não sei se os criadores do filme tiveram algum problema com a Marvel ou tiveram que pedir alguma autorização, por causa da grande semelhança com os heróis dessa companhia. 

O filme explora os poderes dos quatro Incríveis em cenas de ação tão boas que fica difícil comparar com qualquer outro filme em live action. E tem o lado mais humano deles. O personagem do Sr. Incrível é parecido com muitos de nós, que, impossibilitado de trabalhar fazendo o que gosta, trabalha num lugar que odeia porque precisa de dinheiro. (Sem falar na obesidade que lhe aflige.) Temos a Mulher-Elástica, que como muita mãe e esposa tem que ser muito flexível para dar conta do trabalho de casa, cuidar de toda a família e educar as crianças: um garoto hiper-ativo e uma menina com complexo de rejeição, sentindo-se invisível na escola. 

Fiquei com vontade de ver O GIGANTE DE FERRO (1999), a animação anterior de Brad Bird. Dizem que é ótima. O Renato assistiu e ficou bem entusiasmado, falando que o filme provoca lágrimas e risos. Lágrimas OS INCRÍVEIS não provoca, mas dá pra dar umas boas risadas. É de longe o melhor filme de super-heróis do ano. E como o Leandro chegou a comentar: OS INCRÍVEIS deixa os aguardados QUARTETO FANTÁSTICO e WATCHMEN pra trás, de uma vez só.

sexta-feira, dezembro 10, 2004

O MESTRE E O DISCÍPULO

 

Don Siegel, o intelectual da ação, como o denominou Peter Bogdanovich no belo texto constante do livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", deixou uma obra de respeito. Alguns de seus filmes mais marcantes foram estrelados por Clint Eastwood, que deve muito a Siegel (e a Sergio Leone) o fato de ter se tornado um dos maiores cineastas da atualidade. Clint sabe disso, claro, e quando estreou na direção, com o filme PERVERSA PAIXÃO (1971), convidou o amigo Don para fazer um papel de atendente de bar, numa espécie de homenagem, assim como dedicou OS IMPERDOÁVEIS (1992) a Siegel e a Leone. Abaixo, três filmes desses dois mestres. 

O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA (Charley Varrick) 

Nesse filme de 1973, Walter Matthau é o Charley Varrick do título original. Ele e seus amigos planejam um roubo a um banco de uma pequena cidade. Apesar de parte da turma morrer durante a operação, Charley e seu amigo percebem que, ao invés de uma pequena soma em dinheiro, havia uma quantia muito maior nos pacotes. Até demais para um banco de cidade pequena. Logo, percebeu que aquele dinheiro era da máfia. Agora Charley está sendo procurado pela polícia e pela máfia. Esse filme de Siegel é uma delícia e tem aquele ritmo maravilhoso de filme da década de 70, além de cenas memoráveis, como a da morte da mulher de Charley. Eu já sou entusiasta de filmes de roubo de banco, ainda mais quando dirigidos por um grande cineasta. Através do livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", soube que Bogdanovich e sua então esposa Polly Platt fizeram um roteiro adaptado do livro que deu origem a O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA. Mas o filme acabou não sendo feito. Só anos depois, Siegel dirigiu o filme, mas com um roteiro diferente. Bogdanovich ficou triste por não terem usado o seu roteiro e ficou um clima meio chato entre os dois, até Siegel um dia falar sobre o assunto e os dois ficarem novamente de bem, pouco antes da morte de Don. Gravado da Globo. 

ROTA SUICIDA (The Gauntlet) 

Estou descobrindo aos poucos os filmes mais antigos de Clint Eastwood. ROTA SUICIDA (1977) tem um ponto de partida que lembra MEU NOME É COOGAN (1968), o primeiro filme em que Clint e Don trabalharam juntos. No filme de Siegel, Clint é um policial que tem a tarefa de escoltar um prisioneiro. Assim também é ROTA SUICIDA, com a diferença que o prisioneiro aqui é uma mulher (Sondra Locke). Esse é um caso em que o discípulo superou o mestre, já que ROTA SUICIDA é bem melhor que MEU NOME É COOGAN. Geralmente os personagens policiais de Clint não têm muita diferença entre si. Parecem todos com Dirty Harry. Mas é a própria figura dele que tem algo de fascinante. Lembro que quando eu vi POR UNS DÓLARES A MAIS, do Leone, eu tive aquela vontade de ser Clint Eastwood, tal a minha admiração por ele. Em ROTA SUICIDA, todas as seqüências de ação do filme, a chuva de balas na casa, a corrida para o deserto, a perseguição do helicóptero, o roubo das motocicletas, a luta no vagão do trem, todas parecem perfeitas. Taí mais uma obra-prima do velho Clint. Gravado da TNT. 

ROOKIE - UM PROFISSIONAL DO PERIGO (The Rookie) 

Como nem sempre se pode ser deus, Clint erra a mão nesse filme, um dos mais fracos de sua filmografia. Em ROOKIE (1990), Clint é um policial durão (pra variar) que investiga roubo de carros. No começo do filme, ele perde o seu parceiro, morto numa operação pelo bando de Raul Julia (super-canastrão). Depois disso, ele passa a ter um novo parceiro: Charlie Sheen, um jovem filho de um milionário que rejeita a fortuna do pai para ser tira. Ele é casado com a deslumbrante Lara Flynn Boyle, que na época estava no auge da beleza e tinha integrado o elenco de beldades da série TWIN PEAKS, de David Lynch e Mark Frost. Inclusive, uma das melhores cenas do filme é aquela em que um dos bandidos invade a casa dela e a sufoca, enquanto Charlie Sheen corre na moto para chegar a tempo de socorrê-la. Mas a cena mais comentada, ainda que não seja tão boa, é mesmo aquela em que Sonia Braga meio que estupra um indefeso Clint Eastwood e ainda filma o negócio para guardar de lembrança. Gravado da TNT (logo, é possível que tenha havido cortes na cena de Sonia & Clint). E pra quem curte Clint Eastwood, vem aí MILLION DOLLAR BABY!! Yeah, baby!! 

E pra encerrar, meu top 5 Siegel: 

1. O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (1971)
2. VAMPIROS DE ALMAS (1956)
3. O INFERNO É PARA OS HERÓIS (1962)
4. FUGA DE ALCATRAZ (1979)
5. PERSEGUIDOR IMPLACÁVEL (1971) 

e top 5 Eastwood: 

1. UM MUNDO PERFEITO (1993)
2. SOBRE MENINOS E LOBOS (2003)
3. CRIME VERDADEIRO (1999)
4. CORAÇÃO DE CAÇADOR (1990)
5. IMPACTO FULMINANTE (1983)

quinta-feira, dezembro 09, 2004

NINA

  

Difícil não se sentir atraído pelo visual caprichado do cartaz de NINA (2004), filme de estréia de Heitor Dhalia. Esses cineastas que vêm da publicidade têm essa manha de chamar a atenção do público, que espera às vezes ver algo até moderno. Pena que o resultado, na maioria das vezes, é vazio e sem substância. É o que acontece com esse NINA. E com essa história de dizerem que o filme é uma adaptação livre de "Crime e Castigo", de Dostoiévski, dando um ar chique à coisa, a decepção ainda é maior. 

NINA é um filme que até começa bem. Tem um visual bonito e fotografia em scope, que inicialmente é bem agradável de se ver. Mas com o tempo se torna um dos filmes mais irritantes que eu vi esse ano. A começar pela personagem da Dona Eulália (Myriam Muniz), a velha que é fácil, fácil, de ser odiada. Na história do filme, Nina (Guta Stresser) é uma moça pobre que se acha especial. Ela vive numa pensão de uma velha chata, repugnante e avarenta, e está com o aluguel atrasado. Pra completar, fica sem emprego depois de surtar trabalhando como atendente de lanchonete. No primeiro momento que a velha aparece colocando a dentadura num copo d'água, a vontade que dá é que a Nina mate logo a desgraçada. E de preferência, se mate também, já que essa menina também é um porre. 

Outra coisa irritante é a vontade que Dhalia tem de ser o David Lynch de CIDADE DOS SONHOS. Não precisa dizer que Lynch é inimitável. Onde Lynch é assustador e mágico, Dhalia é chato e superficial. 

Uma das cenas mais memoráveis do filme - o que não quer dizer que seja boa - é a cena em que Nina, sem querer ir pra casa, vai até a casa de um cego que encontra na rua (interpretado por Wagner Moura). É na casa do cego que acontece uma cena de striptease extremamente broxante. A cena até poderia ser excitante se a atriz fosse outra com o mínimo de sex appeal

A melhor coisa do filme são os desenhos que aparecem sempre em momentos de ira da personagem, contrapondo realidade e fantasia em sua mente perturbada. Os desenhos foram feitos por Lourenço Mutarelli, autor de história em quadrinhos cujo título mais conhecido é a graphic novel "Transubstanciação", relativamente fácil de encontrar em bancas e sebos de gibis. 

Mas há que se parabenizar o diretor pela coragem e a ousadia da produção. É o caso de se prestar atenção no que ele pode dirigir em seguida. Apoio ele tem, vide as inúmeras participações especiais no filme de rostos conhecidos como Lázaro Ramos, Ailton Graça, Selton Mello, Matheus Nachtergaele e Renata Sorrah.

terça-feira, dezembro 07, 2004

SOB O DOMÍNIO DO MAL (The Manchurian Candidate)



Demorou mas aqui estou eu pra falar um pouco sobre SOB O DOMÍNIO DO MAL (2004), refilmagem do filme homônimo de John Frankenheimer, datado de 1962. Tinha minhas dúvidas se já tinha visto o filme original. Só tive certeza quando vi a cena dos assassinatos durante a sessão de lavagem cerebral. Jonathan Demme, diretor do novo filme, trocou a Guerra da Coréia do primeiro filme pela Guerra do Golfo, mas isso tem pouca importância.

Falando no diretor, hoje dei uma lida no texto sobre ele na Senses of Cinema, seção Great Directors. Enquanto o site ainda está devendo um dossiê do Luis Buñuel, um dos dez maiores gênios da história do cinema, hoje é possível encontrar lá o dossiê de Demme, um bom cineasta em atividade, mas que eu tenho minhas dúvidas se pode ser considerado um autor, baseado no que eu pude ver de sua filmografia. Através do texto, soube que Demme, assim como Scorsese e Coppola, começou a carreira nos anos 70, fazendo filme B para a produtora de Roger Corman.

Antes que eu ataque dizendo que SOB O DOMÍNIO DO MAL é o melhor filme de Demme desde O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991), seria melhor eu procurar ver A BEM AMADA (1998), considerado pelo relator do dossiê "uma obra-prima de realismo mágico", e THE TRUTH ABOUT CHARLIE (2002), refilmagem de CHARADA (1963), de Stanley Doney, que foi recebido com frieza pela crítica, mas parece ser uma homenagem aos filmes da nouvelle vague.

Lembro que quando vi DE CASO COM A MÁFIA (1988) no cinema e depois TOTALMENTE SELVAGEM (1986) na tv, imaginei que aquele fosse o estilo do diretor - alegre, dinâmico, quente. Adoro TOTALMENTE SELVAGEM. Pra mim, é o seu melhor filme. O meu desapontamento com Demme veio com FILADÉLFIA (1993), um filme sobre gays assexuados e zumbificados. De repente, ver Demme se tornar um diretor sem personalidade foi desapontador.

Vendo dessa maneira, SOB O DOMÍNIO DO MAL poderia ter sido dirigido por qualquer outro diretor competente de Hollywood. Mas independente de quem tenha dirigido, o filme é muito bom e por vezes assustador, já que é muito fácil nos dias de hoje ver uma conspiração por trás daquelas bandeirinhas com as cores dos EUA e aqueles sorrisos hipócritas dos políticos. Apesar do tom nada realista, ainda é possível ficar angustiado com o drama do personagem de Denzel Washington, um sujeito que fica sabendo que foi manipulado pelo Governo e esqueceu de coisas terríveis que aconteceram durante a guerra. Meryl Streep está incrivelmente má nesse filme como a mãe do candidato a vice-presidente da república (Liev Schreiber). Interessante o papel de Bruno Ganz. Ele que já foi anjo em ASAS DO DESEJO, agora desempenha papel semelhante tanto nesse filme quanto no recém-visto LUTERO. Ele é o amigo de Denzel que o ajuda a relembrar o passado encoberto pela lavagem cerebral. Nem que seja na base do eletrochoque. Bonito o final do filme. Ver o mar deve ser algo relaxante. Até pra quem tem um passado perturbador recém descoberto.

segunda-feira, dezembro 06, 2004

LUTERO (Luther)



O meu interesse por LUTERO (2003), o filme de Eric Till, tem mais a ver com minha formação protestante/evangélica do que por interesses estéticos, já que o filme é bom, correto, mas não tem nada de especial esteticamente falando. É até um filme bem didático. Algo já esperado em se tratando de uma produção financiada pela organização americana Thrivent Financial for Lutherans e pela Igreja Evangélica da Alemanha.

Sempre tive vontade de ver nas telas a biografia de uma figura histórica que sempre admirei, mesmo não conhecendo a fundo a sua história e sabendo que ele não foi nenhum santo. Martinho Lutero foi o homem que teve coragem de peitar a toda-poderosa Igreja Católica e o Papa Leão X, que, a fim de arrecadar fundos para cobrir os rombos da Igreja, vendia cargos eclesiásticos, relíquias e as absurdas indulgências, aproveitando-se da ignorância e da ingenuidade do povo. A tal indulgência era um pedaço de papel que dava direito ao cristão de entrar no paraíso, livrando-se do temido fogo do inferno. Bastava pagar pra isso. Quer dizer, quem era rico podia ficar tranqüilo. A venda das indulgências era o ponto principal das 95 teses de Lutero, mas sua importância vai bem além disso.

A Reforma Protestante é considerada um dos marcos iniciais para a entrada do mundo ocidental na era moderna, já que após Lutero outros líderes protestantes, como Calvino, atenderam aos interesses da burguesia, dando início ao Capitalismo, propondo uma religião que aceitava o lucro - a Igreja Católica via a obtenção do lucro como um pecado (pura hipocrisia, claro). Essa é talvez uma das razões porque os países mais ricos da atualidade são protestantes.

O pior é que a Igreja Católica, em vez de aprender com Lutero e admitir os seus erros, fez uma Contra-Reforma que tornou ainda mais sujo o seu passado. Na Contra-Reforma, eles utilizaram uma arma horrenda para impedir os fiéis de sair da Igreja: a Inquisição, onde morreram milhares de pessoas inocentes na fogueira, ou torturadas em instrumentos de tortura que só podem ter sido inventados por mentes diabólicas.

Outra coisa importante, talvez a maior contribuição de Lutero para a humanidade, foi a tradução do Novo Testamento para o alemão, para que todo mundo pudesse ler e interpretar as palavras da Bíblia e não ficasse à mercê de um clero dominador que preferiria que o povo fosse analfabeto para poder dominá-los mais facilmente. Ajudou também o fato de a imprensa ter sido recém-inventada nessa época.

O filme mostra muita coisa interessante: mostra o porquê de Lutero ter entrado na Igreja (ele quase morreu atingido por um raio), como ele se casou com uma freira, como a Igreja fazia para assustar as pessoas, a venda de indulgências e relíquias (provavelmente falsas), a proteção do príncipe Frederico, o Sábio (interpretado pelo ótimo Peter Ustinov). Aliás, o príncipe Frederico é tão gente fina no filme (mais até que o Pilatos de A PAIXÃO DE CRISTO, de Mel Gibson), que fica na cara que na realidade ele não era tão legal assim. Mas essas e outras liberdades não chegam a comprometer o resultado final do filme (até Joseph Fiennes está bem, vejam só!), que foi muito bem recebido pelo público. Nunca vi uma sessão de arte tão lotada, como estava nessa manhã de sábado. Havia, claro, muita gente evangélica no cinema. Tanta gente que uma senhora católica, durante o debate, disse estar se sentindo sufocada com aquele ambiente de revolta contra a Igreja Católica, igreja que ela achava "maravilhosa".

O debate foi interessante, mas poderia ter sido melhor. Bom seria se, como bem comentou um dos espectadores, houvesse um padre para defender o lado da Igreja ou assumir de vez a culpa, como o próprio Papa João Paulo II tem feito de vez em quando.

domingo, dezembro 05, 2004

A SÉTIMA VÍTIMA (Darkness)

 

Como é bom poder ver um filme de terror europeu no cinema. Antes só tinha visto OS OUTROS (2001), de Alejandro Amenábar, e A ESPINHA DO DIABO (2001), de Guillermo Del Toro - filme inglês não vale. A SÉTIMA VÍTIMA (2002), de Jaume Balagueró, pode não ser uma obra-prima e ter os seus problemas, mas tem uma carga perturbadora e assustadora poucas vezes vista nos filmes de terror americanos. 

Ok, o filme é co-produzido pelos EUA, é falado em inglês e a protagonista (Anna Paquin) também é americana, mas sente-se no ar um clima diferente. O filme me lembrou em alguns momentos os trabalhos dos já citados Amenábar e Del Toro, como também dos italianos Dario Argento e Michele Soavi. Desse último, há algo parecido com A CATEDRAL (1989). 

A SÉTIMA VÍTIMA conta a história de uma família que se muda para uma casa assombrada, na Espanha. Nessa casa, há quarenta anos, seis crianças foram assassinadas num ritual de magia negra. Os temas da casa mal-assombrada e do medo da escuridão já foram muito bem trabalhados em diversos filmes, incluindo o citado OS OUTROS, mas enquanto o filme de Amenábar tinha um roteiro redondinho, o trabalho de Balagueró tem uma história deliciosamente confusa - mas sem nunca nos deixar perder o interesse pelo filme. Por isso o comparei com Dario Argento no parágrafo anterior: porque o filme tem um clima assustador e confuso (mas nem tanto) semelhante a A MANSÃO DO INFERNO (1980), obra-prima do maestro. E o fato de o filme ter terminado sem muitas explicações o torna ainda mais charmoso pra mim. 

O grande barato desses filmes de horror confusos, mas que possuem cenas incrivelmente assustadoras, é a vontade que me dá de me perder naquele universo, ao mesmo tempo em que me sinto tranqüilo, pois sei que é só um filme. É uma sensação paradoxal de medo e segurança, típica de quem curte filme de terror, mas potencializada se o que está acontecendo na tela não é totalmente claro e o clima de mistério domina. 

O elenco do filme é um caso à parte. Muito bom. Além da x-man Anna Paquin, temos: Ian Glen como o chefe de família perturbado e que de vez em quando sente convulsões e demonstra personalidade tempestiva, lembrando o Jack Nicholson, de O ILUMINADO; Lena Olin, atriz que ainda tem como papel mais marcante o de Sabina em A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, é a misteriosa esposa de Glen, que parece estar encobrindo as coisas misteriosas que acontecem na casa; Fele Martinez, mais conhecido pelo papel de Enrique em MÁ EDUCAÇÃO, de Pedro Almodóvar, é o namorado de Anna Paquin - os dois vão investigar o caso da morte das seis crianças e o mistério em torno da casa -; Giancarlo Giannini, visto recentemente em CHAMAS DA VINGANÇA, é o avô de Anna que esconde um grande segredo. 

Meu conselho, mesmo sabendo que opinião, cada um tem a sua, é: não liguem para as críticas negativas que andam rolando nos cadernos de cultura dos principais jornais e deixe-se perder no horror de A SÉTIMA VÍTIMA. Outra razão pra não deixar passar o filme no cinema é que a distribuidora é a Europa, que tem o costume de lançar os DVDs em tela cheia, vide o crime que fizeram com CIDADE DOS SONHOS, de David Lynch. 

Também quero fazer outro serviço de utilidade pública e fazer um apelo aos fortalezenses. Bom, é que eu vi esse filme no Cine São Luiz e fiquei feliz em saber que a imagem e o som dessa sala estão ótimos. Ao mesmo tempo, fiquei triste ao ver um palácio daqueles, tão lindo e majestoso, estar sendo tão desprezado e mal-tratado. Eu mesmo me senti culpado, já que tenho dado preferência aos cinemas dos shoppings. Por isso, pretendo ir mais vezes a esse lugar que já me trouxe tantos momentos de alegria. Alguém precisa fazer uma campanha pra salvar o Cine São Luiz. Eu vou tentar fazer a minha parte.

sexta-feira, dezembro 03, 2004

THRILLER - A CRUEL PICTURE (Thriller - En Grym Film / They Call Her One Eye)

 

Esse negócio de internet é uma maravilha mesmo. Nem consigo lembrar como era o mundo antes da web, especialmente quando se tratava de conseguir filmes inéditos no Brasil. Através do amigo Leandro Caraça, consegui uma cópia em DVD-R da edição americana de THRILLER - A CRUEL PICTURE (1974), também conhecido como THEY CALL HER ONE EYE, o filme que inspirou Tarantino a criar a personagem Elle Driver em KILL BILL. Aliás, não só a personagem de Darryl Hannah, como também a própria Beatrix Kiddo (Uma Thurman), em sua busca por vingança, pode ter nascido a partir da história da garota sofrida de THRILLER. 

O diretor desse filme, o sueco Bo Arne Vibenius, chegou a ser assistente de direção de Ingmar Bergman em PERSONA e em A HORA DO LOBO, mas acabou trilhando o caminho do cinema exploitation, aquele tipo de cinema que que muita gente acha de gosto duvidoso e que quer ganhar as audiências com os excessos. E no caso de THRILLER, põe excesso nisso: o filme não se contenta apenas em ser uma violenta história de vingança, mas ainda traz cenas de sexo explícito e na famosa cena em que a moça tem o seu olho furado, dizem que o diretor utilizou um cadáver e furaram um olho de verdade. Por isso, o efeito é tão realista. 

A trama guarda semelhanças com um certo filme de Abel Ferrara, chamado MS. 45 (1981), que infelizmente eu nunca vi. No filme de Ferrara, uma jovem muda é estuprada duas vezes e depois parte para a vingança. Já no filme de Vibenius, a jovem fica muda na infância por causa do trauma de um estupro e quando cresce é raptada por um sujeito que a vicia em heroína para que ela fique dependente dele e se transforme em prostituta e depois ainda tem um de seus olhos furado com uma faca. Esse negócio de furar ou arrancar o olho é sempre algo que me deixa impressionado: me impressionou em KILL BILL, em MINORITY REPORT e em EYES. (Atualmente estou lendo "A Grande Arte", de Rubem Fonseca, que também tem uma cena sobre um sujeito que perde um olho.) 

Quem mora em São Paulo, teve a chance de ver o filme na telona do cinema no dia 1º de dezembro, na Sessão Dupla do Comodoro, sessão dedica a filmes extremos organizada pelo Carlão Reichenbach. O DVD foi cedido pelo Leandro para essa exibição. (Esse teu DVD tá rendendo, hein, Leandro? Hehehe) 

No DVD, além de vários trailers do filme, tem fotos de Christina Lindberg nua. Belo corpo o da moça. Há também a opção de ver o filme com áudio em sueco ou dublado em inglês. Pena que alguns outros extras não ficaram acessíveis pra mim, talvez por algum problema durante a gravação da mídia. Mas só em ter tido a chance de ver esse filme - ainda considerado raro, já que o DVD americano tem tiragem limitada - já está bom demais.

quinta-feira, dezembro 02, 2004

O EXPRESSO POLAR (The Polar Express)

 

Na sexta-feira, ao sair do trabalho ainda meio em dúvida se via O EXPRESSO POLAR ou SOB O DOMÍNIO DO MAL, optei por ver o primeiro, de preferência numa cópia legendada. Assim, com base na informação do roteiro cultural do jornal, fui lá para o Shopping Aldeota, mesmo sabendo que as salas de lá estão com um probleminha no som. O ruim foi que, ao chegar lá, soube que a cópia exibida era dublada. Quase desisti, mas como ia ficar complicado me locomover até o Iguatemi, resolvi ver lá mesmo. Não sou fã de Tom Hanks mesmo, não faço questão de ouvir sua voz e, além do mais, a dublagem está bem boa. 

O EXPRESSO POLAR (2004), de Robert Zemeckis, é o tipo de filme em que se deve considerar mais a forma que o conteúdo. Digo isso, não no intuito de menosprezar o filme (há grandes filmes que são pura forma). É que quem acha esse negócio de Papai Noel uma palhaçada pra fazer os pais gastarem dinheiro com presentes nas lojas e ser, ainda por cima, uma tradição totalmente desvinculada da realidade brasileira - país tropical, Hemisfério Sul, em dezembro é verão, a neve passa longe daqui - pode simplesmente curtir o filme pelas imagens, pela boa direção de Zemeckis, pelo ritmo de montanha-russa de alguns momentos. 

O EXPRESSO POLAR funciona melhor pela beleza da animação. Reclama-se que os movimentos ainda parecem meio artificiais, mas isso não me incomodou nem um pouco. È verdade que o trabalho que a equipe de Peter Jackson fez com o Gollum na trilogia O SENHOR DOS ANÉIS ficou muito mais realista, mas Jackson tinha uma obrigação muito maior, já que estava fazendo um trabalho com atores de carne e osso e o Gollum não podia ficar parecendo desenho animado no filme. Não é o caso desse filme de Zemeckis, que por mais que tentem me convencer que não é, pra mim, vai continuar sendo um desenho animado. Através dessa técnica - a performance capture -, Tom Hanks "interpreta" quatro ou cinco personagens no filme, mas o único que ainda lembra suas feições é o homem do trem. 

Talvez a cena mais impressionante do filme seja a cena do bilhete voando da mão do menino, que remete à cena da folha em FORREST GUMP (1994). Tão viajante quanto aquela cena de CONTATO (1997), em que viajamos do planeta Terra até a Via Láctea. Pena que na hora que o menino chega no Polo Norte, na casa do Papai Noel, o filme cai no ritmo e cai também na lenga-lenga da mensagem de Natal. Sem falar que o visual começa a ficar mais parecido com comercial da Coca-Cola. Mas isso são contras que, botando na balança, perdem para as qualidades do filme. 

Mais do que um protegido do Spielberg, Zemeckis é um grande diretor. Ele foi o homem que dirigiu a trilogia DE VOLTA PARA O FUTURO (1985, 1989, 1990) e, fora isso, é possível enumerar vários ótimos momentos de sua filmografia, como: 1) as meninas tentando chegar no apartamento dos Beatles em FEBRE DE JUVENTUDE (1978); 2) a gostosa Jessica Rabbit em UMA CILADA PARA ROGER RABBIT (1988); 3) o humor negro perturbador de A MORTE LHE CAI BEM (1992); 4) o mistério e a espiritualidade de CONTATO (1997); 5) Michelle Pffeifer chegando no banheiro e sentindo uma presença "estranha" em REVELAÇÃO (2000); 6) o acidente de avião em NÁUFRAGO (2000). Digam o que disserem, o homem é fera, e apesar de não ser tão bom quanto o Spielberg, acabou comentendo menos erros que ele.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

DRÁCULA (Dracula)

 

Quem comprou as quatro edições da já saudosa Cine Monstro com certeza deve saber que a revista era uma publicação de respeito. Entre os ótimos textos que abrilhantavam suas páginas, eu destaco as matérias sobre filmes antigos, escritos pelo Daniel Camargo. Nas edições #2 e #3, Camargo fez um dossiê de Tod Browning chamado "O Circo de Horrores de Tod Browning", onde falava da vida e da obra desse cineasta, que tinha um gosto pelo bizarro que era único na época. Camargo, na seção Zona Morta da edição #2, destacou o filme O MONSTRO DO CIRCO (1927), que tem uma história absurdamente deliciosa. Foi a partir desses textos que eu me interessei mais pelo cinema de Tod Browning. 

Minha intenção inicialmente era falar não apenas de DRÁCULA (1931), mas também de MONSTROS (1932), mas não consegui ver esse último em divx. Ainda não sei se o problema é no meu computador, que não agüenta certos tipos de divx, ou do próprio disquinho. Qualquer dia eu verifico, mas suspeito ser problema do meu computador mesmo. Já o clássico DRÁCULA, vi num DVD emprestado de minha amiga Érika. O DVD está excelente: vem com comentários em áudio do historiador de cinema David J. Skal, um documentário de 35 minutos chamado "A Estrada para Drácula" e a opção de se ver o filme com a nova trilha sonora de Philip Glass, que dá um ar bem diferente ao trabalho de Browning. Pena que, ao contrário da edição americana, a brasileira não vem com a versão espanhola de DRÁCULA, que foi filmada paralelamente à versão americana e dirigida ao mercado latino. Dizem que a versão espanhola ficou tecnicamente muito melhor. Ela foi feita porque na época da aurora do cinema falado, os espanhóis e mexicanos também iam querer ver filmes em sua própria língua. 

DRÁCULA foi o primeiro filme de terror do cinema falado num tempo em que a Universal investia pesado em filmes de terror. Inclusive, o DVD de DRÁCULA faz parte do pacote Classic Monster Collection que traz também os filmes FRANKENSTEIN, A NOIVA DE FRANKENSTEIN, A MÚMIA, O MONSTRO DA LAGOA NEGRA, O HOMEM INVISÍVEL, O LOBISOMEM e O FANTASMA DA ÓPERA. Dizem que A NOIVA DE FRANKENSTEIN é uma obra-prima. 

A desvantagem de ver essas adaptações do livro de Bram Stoker é que o fator surpresa é quase inexistente. A diferença está nos detalhes, na maneira como é mostrado o Conde Drácula, seja ele repugnante como o de NOSFERATU, de Murnau, sangrento como o da Hammer, ou elegante como o Drácula de John Badham ou o de Coppola. Dessa versão de Browning, gostei particularmente do final, com o Van Helsing furando o coração do Conde com uma estaca e subindo as escadas com Mina Harker na maior calma do mundo. Engraçado que a maneira como Drácula foi destruído foi muito fácil nesse filme e que a censura não permitiu mostrar a estaca perfurando o coração. Então, só víamos as caretas de Mina. 

A importância desse filme está justamente na definição de muitos dos clichês que ficariam até hoje marcados em vários filmes de terror, como o castelo escuro, as teias de aranha, os ratos. O medo da cruz acabou ficando fora de moda nos dias de hoje, ainda que alguns filmes continuem usando - lembro no momento de UM DRINK NO INFERNO (1996), de Robert Rodriguez. No DRÁCULA de John Badhan (1979), por exemplo, o vampirão chegou a explodir uma cruz só com a força do pensamento. 

Muita gente comenta que foi uma decepção essa versão de Browning. O diretor parecia não estar à vontade com super-produções e fez apenas um filme de encomenda, sem muitas das características que marcaram seus estranhos filmes mudos. Do mesmo modo, o diretor de fotografia, Karl Freund, que fez milagres com a câmera naqueles travellings maravilhosos em A ÚLTIMA GARGALHADA (1924), de Murnau, também não ficou à vontade para desempenhar seu ofício, já que Browning gostava mais de câmera estática. 

Ver o filme com os comentários de David J. Skal é mais prazeiroso do que ver o filme sem os comentários. Aprende-se muito. Há muitas referências ao texto original de Bram Stoker. Texto esse que foi chamado de "literatura pobre do século XIX", por Clive Barker, presente no documentário dos extras. Algumas coisas que aprendi: 

- A cena da tempestade no mar foi retirada de um filme mudo por restrições orçamentárias. Dá pra perceber que os closes de Drácula nessa cena destoam bastante dos planos gerais.  

- A música dos créditos de abertura - "O Lago dos Cisnes", de Tchaikovski - se tornou uma marca dos filmes de terror da Universal.
  
- A palavra "Nosferatu" é um termo que Bram Stoker coloca em seu livro, fazendo menção a um livro de folclore escocês chamado "A Terra Além da Floresta", que por acaso é o significado literal de Transilvânia. Nesse livro, menciona-se que "Nosferatu" significava "vampiro" em romeno, mas essa palavra não é encontrada em nenhum dicionário. 

- Bela Lugosi parece que não era mesmo bom da cabeça, como já dava pra desconfiar pelo jeito que Tim Burton o pintou em ED WOOD (1994). Dizem que durante as filmagens de DRÁCULA, ele mal falava com as pessoas da equipe e ficava recitando o tempo todo "I am Dracula". 

O DVD de Drácula é imperdível, mesmo pra quem já viu o filme em VHS ou na televisão. 

Entre os diversos filmes de Drácula, um dos que eu mais gostaria de ver é BLOOD FOR DRACULA (1974), de Paul Morrissey e Antonio Margheriti, também conhecido como o "Drácula de Andy Warhol". Difícil é conseguir uma cópia. 

E pra quem quiser ver cartazes bem legais dos filmes de Tod Browning, eis um link.