quarta-feira, agosto 31, 2005

O TIRO CERTO / DISPARO PARA MATAR (The Shooting)



Espetacular esse filme do mestre dos westerns existencialistas Monte Hellman. THE SHOOTING (1967) foi filmado simultaneamente com RIDE IN THE WHIRLWIND (1965), ambos estrelados e produzidos pelo jovem Jack Nicholson. Se no primeiro filme, o final já dá uma sensação de descontinuidade, de sensação de vazio, THE SHOOTING vai além. Terminamos o filme sem saber direito o que diabos aconteceu no tiroteio final, além de outras dúvidas que surgem a partir do flashback de Coley (Will Hitchins).

Na trama, Willet Gashade (Warren Oates), um homem desorientado após um tiroteio, aceita a proposta de uma atraente e misteriosa mulher (Millie Perkins) que insiste em não dizer o próprio nome. Ela oferece uma boa quantia para que ele a acompanhe até a cidade de Kingsley, tendo que atravessar perigoso deserto. Ele leva junto o seu amigo Coley (Will Hitchins). No caminho, eles encontram um pistoleiro, Billy, numa performance brilhante de Jack Nicholson.

Várias perguntas surgem ao longo do filme. Quem matou os amigos de Gashade? Quem é essa mulher? Qual o seu real objetivo? Qual a relação do pistoleiro Billy com a mulher? Quando imaginamos que vamos ter um final esclarecedor, aí é que a nossa cabeça é virada do avesso durante o tiroteio final. Algumas perguntas podem ser respondidas, mas não todas. E de repente, eu vejo Monte Hellman como mais uma possível influência para David Lynch.

Demorei a escrever sobre THE SHOOTING porque estava querendo ler primeiro alguns textos a respeito. Hellman chegou a dizer em entrevistas que THE SHOOTING é um espelho do assassinato do presidente Kennedy. Tendo em vista a dificuldade de se encontrar o que de fato aconteceu com Kennedy, a comparação tem tudo a ver.

THE SHOOTING foi lançado nos EUA inicialmente apenas na televisão. Só foi exibido nos cinemas depois de ter se tornado objeto de culto na Europa. O título DISPARO PARA MATAR se refere à cópia em DVD lançada recentemente pela Works.

Agradecimentos ao Renato, que gentilmente me cedeu uma cópia selada do VHS.

terça-feira, agosto 30, 2005

CABRA-CEGA



Toni Venturi, diretor de O VELHO - A HISTÓRIA DE LUIZ CARLOS PRESTES (1997) e LATITUDE ZERO (2000), retorna à temática política com CABRA-CEGA (2004), trabalhando novamente com a atriz de seu segundo filme, Debora Duboc. O filme conta a história de um militante que, depois de ferido num combate com a polícia, se esconde no apartamento de um simpatizante do movimento comunista. Enquanto se recupera do ferimento, e devido ao fato de não poder sair de casa, ele se torna cada vez mais agressivo e paranóico.

O filme foi feito a partir de entrevistas com onze pessoas que viveram momentos "barra-pesada" durante a ditadura militar. José Dirceu, inclusive, foi um desses onze entrevistados para a confecção do roteiro. A intenção era que o filme ficasse bem próximo do que realmente acontecia. Tanto os personagens Tiago (Leonardo Medeiros) e Mateus (Jonas Bloch) foram inspirados em pessoas de verdade. A pesquisa para o filme também gerou o documentário NO OLHO DO FURACÃO.

Como CABRA-CEGA foi lançado em São Paulo na mesma época de QUASE DOIS IRMÃOS, de Lúcia Murat, diretora também engajada em filmes políticos - e ela própria vítima das ações violentas da ditadura -, a comparação entre os dois filmes foi inevitável. Mas o filme se assemelha mais ao italiano BOM DIA, NOITE, de Marco Bellocchio, tanto pela abordagem crítica da militância comunista, mostrando a que ponto pode chegar a utopia com exagero, quanto pela tensão de se estar preso num apartamento, de estar acuado e vivendo na clandestinidade. Naturalmente, CABRA-CEGA não tem o brilhantismo da obra de Bellocchio, mas não deixa de ser um bom filme.

A trilha sonora ficou a cargo de Fernanda Porto e traz algumas versões novas de clássicos da MPB de Chico Buarque ("Construção", "Roda Viva") e Paulinho da Viola ("Sinal Fechado"). Eu não gostei muito, mas vai ver que é porque eu não me identifico com essa turma emepebista; sou de outra geração, mais contaminado pela (contra)cultura estrangeira. Mas mesmo a crítica musical não foi muito generosa (pra usar de eufemismo) com o disco de Fernanda Porto.

Quanto ao filme, não gostei da cena em que Debora Duboc coloca uma venda nos olhos de Leonardo Medeiros. Parecia querer justificar o título do filme. Mas gostei do final, com os três colegas, de armas em punho, adentrando um clarão. Lembrei de Jardel Filho no final de TERRA EM TRANSE, do Glauber Rocha.

O roteiro de CABRA-CEGA, comentado pelo diretor, foi lançado em livro pela Coleção Aplauso da Imprensa Oficial pelo preço camarada de 9 pilas.

segunda-feira, agosto 29, 2005

A CHAVE MESTRA (The Skeleton Key)



Será que todo filme de terror deve ter mesmo a obrigação de assustar? Seguindo a mesma lógica e comparando com outro gênero: toda comédia tem a obrigação de fazer rir? Acredito que não. Algumas possuem um humor bastante sutil, outras são carregadas de um senso de humor estranho demais para a maior parte das platéias, mas que nem por isso são desprezadas. Claro que em se tratando de horror, o filme conquista mais o nosso respeito quando faz a gente se borrar nas calças (felizmente isso nunca aconteceu comigo), ou quando nos dá arrepios ou nos faz pular da cadeira. Se bem que atualmente o público já está desconfiado de filme que assusta, apelando para a aparelhagem de som da sala.

Por isso, fazer cinema de horror está se tornando um desafio para os novos diretores. Por isso, a ordem tem sido reciclar. A CHAVE MESTRA (2005), dirigido pelo inglês Ian Softley, que tem no currículo o ótimo BACKBEAT - OS CINCO RAPAZES DE LIVERPOOL (1994), é desses filmes de terror que não assustam, mas que nem por isso merece o desprezo da platéia. É o tipo de filme que tem o mérito de envolver, de trazer alguma novidade para o gênero que anda um pouco repetitivo ultimamente.

Só o fato de o filme ter a presença da maravilhosa Kate Hudson, um colírio para os olhos, já é motivo mais do que suficiente para tirarmos o nosso traseiro gordo do sofá e nos dirigirmos a uma sala de cinema de nossa preferência. Principalmente porque tem uma cena que explora gratuitamente (oba!) o corpo de nossa heroína.

A trama do filme, a cargo do roteirista Ehren Kruger, de O SUSPEITO DA RUA ARLINGTON (1999), O CHAMADO (2002) e O CHAMADO 2 (2005), é bem interessante e fala sobre um assunto pouco explorado no cinema, que é o da religião nativa do delta do Louisiana, que trabalha com magia. Kate Hudson é uma jovem que aceita trabalhar numa casa distante uma hora de Nova Orleans. Seu trabalho é cuidar de um senhor que sofreu um derrame e vive em estado vegetativo, vivido por John Hurt. Aos poucos, ela começa a desconfiar que o verdadeiro inimigo daquele homem doente é sua própria esposa, maquiavelicamente interpretada por Gena Rowlands, fazendo um filme bem atípico em sua filmografia. Completando o quadro, há também a figura do advogado da família (Peter Sarsgaard), que está preparando o testamento do velho. A chave mestra do título é uma chave que dá acesso a todos os quartos da enorme casa, onde Kate Hudson irá descobrir certas coisas teoricamente horripilantes, mas que na prática não assustam tanto assim.

Inclusive, a seqüência do disco me fez lembrar de VINIL VERDE, o curta-metragem de Kleber Mendonça Filho, esse sim um filme que me causou até pesadelos de tão impressionado que eu fiquei. Outro filme que pode ter sido uma referência proposital é POLTERGEIST, de Tobe Hoooper e Steven Spielberg. O nome da personagem de Kate no filme é Caroline, e Gena Rowlands grita o seu nome várias vezes ao longo do filme. Se isso não for uma homenagem ao filme dos anos 80, é uma baita coincidência. A CHAVE MESTRA seria um filme que iria facilmente para o esquecimento se não fosse o final corajoso e cruel. Merece, com certeza, uma conferida.

P.S.: No Cinema com Rapadura, está no ar minha nova coluna, dessa vez falando sobre o nosso Cine São Luiz. Quem é leitor do blog, vai notar a minha picaretagem em reaproveitar partes de um certo post.

sexta-feira, agosto 26, 2005

VALENTIN (Valentín)



Que filme bonito esse VALENTIN (2002), de Alejandro Agresti. Do diretor, só tinha assistido UMA NOITE COM SABRINA LOVE (2000), um dos melhores filmes argentinos que eu já vi. Ok, dá pra eu contar nos dedos das mãos a quantidade de filmes argentinos que eu vi na vida, mas mesmo assim esses dois filmes de Agresti são verdadeiras pérolas. Por esses dois trabalhos, dá pra notar que o diretor é bastante sensível, sabendo se colocar no lugar de um protagonista jovem, seja uma criança de 9 anos, seja um adolescente prestes a descobrir os prazeres do sexo.

Buenos Aires, 1960. Valentin (Rodrigo Naya) é um garotinho estrábico e inteligente que mora com a avó. Foi abandonado pela mãe, que nunca viu, e cujo pai vive ocupado e sem tempo de ir visitá-lo. Ele gosta de música pop e seu sonho é ser astronauta. Ele ama a sua avó (Carmen Maura), mas sente falta de ter uma mãe de verdade como os seus colegas da escola. Tocante quando ele comenta (em narração em off) sobre um colega cuja mãe vem buscá-lo todos os dias, mas ele nem sequer lhe dirige a palavra, apenas entrega-lhe a pasta da escola. Se ele tivesse uma mãe, diz ele, aproveitaria muito mais.

Geralmente filmes protagonizados por crianças são de fácil absorção, já que estamos vendo o mundo pelos olhos de uma pessoa mais pura e ingênua, o que não quer dizer que ela não seja inteligente. O menino Rodrigo Naya que faz o Valentin é uma graça com seus óculos grandes e utilizando linguagem adulta. Difícil não simpatizar com ele.

O filme é também uma celebração da mulher, seja no papel de mãe, seja no de namorada; seja oferecendo carinho, seja maltratando os corações. Um dos momentos mais bonitos do filme é quando Valentin marca um encontro com a namorada do pai, interpretada pela bela Julieta Cardinali. No final, eu fiquei na dúvida sobre o que realmente aconteceu com a mãe dele. Queria ter podido ver esse filme no cinema. Teria me envolvido mais. Mas a cópia do DVD nacional está bem boa - em widescreen 1,85:1 -, ainda que não tenha nenhum extra.

quinta-feira, agosto 25, 2005

JUVENTUDE TRANSVIADA (Rebel without a Cause)



Valeu a pena demais rever JUVENTUDE TRANSVIADA (1955) em DVD, com a janela correta, em scope. Tinha visto o filme em VHS fazia uns quinze anos e não tinha gostado muito, apesar de me lembrar muito bem da cena dos carros passando por Natalie Wood. Dessa vez, além de mais maduro, estive mais preparado para um filme com um andamento mais lento. Nicholas Ray parece não ter pressa para contar a história. A cena em que os três protagonistas se encontram na delegacia de polícia é até bem longa e com ênfase na construção dos personagens.

JUVENTUDE TRANSVIADA não é uma unanimidade entre os críticos. Há quem considere o filme problemático no aspecto psicológico dos personagens. O filme é sobre a busca de uma figura paterna.

Jimmy, o personagem de James Dean, odeia que o chamem de covarde. Ele briga com quem tentar humilhá-lo. Sua cisma com o termo "chicken" vem da figura de seu pai, um sujeito muito gente boa, mas que não tem moral com a sua mãe. Ela faz dele o que quer, o humilha na frente dos outros e ele age com subserviência. E isso o incomoda muito. Ele até preferiria que o pai batesse na mãe. Seria mais honroso.

Judy (Natalie Wood) tem uma estranha relação com seu pai. Ele rejeita beijá-la como fazia antes quando ela era criança. Ela sente falta disso. Seria o "complexo de Electra". Ela põe batom para chamar a atenção do pai, que talvez até sinta alguma atração pela filha, mas prefere rejeitar esse sentimento.

Já Plato (Sal Mineo) nem tem a figura dos pais por perto. Ele busca em Jimmy a figura de um pai, já que Jimmy tem estilo, tem coragem. Não vimos no filme os pais de Plato, sempre ausentes - o pai não mora em casa e a mãe vive saindo. Quem mais cuida do rapaz é a empregada da casa.

O filme tem uma atitude "rock and roll" em sintonia com os eventos que a contracultura estava trazendo para o mundo. O ano de realização do filme é o ano em que o rock estava começando a bombar nas paradas de sucesso. Como o cinema americano em geral demorou a absorver a contracultura, JUVENTUDE TRANSVIADA antecipa a rebeldia juvenil que só apareceria com mais freqüência nos filmes dos anos 60.

Queria saber mais sobre os rumores de um possível envolvimento sexual de Nicholas Ray e James Dean e Ray e Natalie Wood durante as filmagens. Dizem que Ray chegou a ir pra cama com os dois. Natalie Wood, que só tinha dezesseis anos, teria sido seduzida pelo cineasta. E o interessante é que tanto Dean como Natalie eram carentes de uma figura paterna. As más línguas também dizem que havia tensão sexual entre Dean e Mineo. Assim como acontece com os personagens do filme. Engraçado como a vida e a arte às vezes se confundem.

quarta-feira, agosto 24, 2005

SANGUE DE PANTERA (Cat People)



Em 1995, com as festividades por ocasião dos 100 anos do cinema, foram produzidos vários documentários em diferentes países abordando a história do cinema. Como era de se esperar, o documentário maior e mais rico veio dos EUA, sob os cuidados de ninguém menos que Martin Scorsese. O documentário se chama UMA VIAGEM PESSOAL PELO CINEMA NORTE-AMERICANO e de vez em quando dá vontade de revê-lo. Nele, Scorsese cita os filmes que mais o marcaram. Um dos que mais me chamou a atenção foi SANGUE DE PANTERA (1942), de Jacques Tourneur, filme que mais tarde seria refilmado (ou reinventado) por Paul Schrader, aqui se chamando A MARCA DA PANTERA (1982). Agora é possível ver SANGUE DE PANTERA em DVD nacional.

SANGUE DE PANTERA não é apenas um filme de Tourneur. A figura do produtor Val Lewton é tão ou mais importante que a do próprio realizador. Lewton é uma figura tão mítica que chegou a inspirar - junto com Orson Welles - o personagem principal de uma obra-prima de Vincent Minelli, ASSIM ESTAVA ESCRITO (1952). O curioso é que o filme surgiu a partir do título, quando o chefão da RKO pediu para Lewton fazer um filme chamado CAT PEOPLE. Acho fascinante essas histórias de Hollywood, em que grandes filmes surgem milagrosamente de idéias picaretas, de apenas um título ou mesmo de um cartaz. Na época, a Universal monopolizava os filmes de terror e os executivos da RKO queriam começar a entrar também nesse filão. A saída para a produtora era investir em um terror menos convencional, ligado a animais selvagens, por exemplo, já que os monstros clássicos já haviam sido explorados pela empresa rival. Daí surgiu a pantera do filme, que não deixa de ser uma variação dos filmes de lobisomem.

A história de SANGUE DE PANTERA é sobre uma mulher (Simone Simon) que diz ser amaldiçoada: uma vez que ela beija ou tem relação sexual com alguém, ela se transformaria numa pantera. Por isso, seu casamento vai pro brejo. O marido sente-se sexualmente atraído por ela, mas ela nega fogo. Como o filme é bastante sutil em explicar a maldição da moça, no começo a história fica parecendo um drama sobre uma mulher frígida e a falência de um casamento. Depois de mais da metade do filme (ele só tem 72 minutos de duração), é que a trama ganha contornos de filme de horror, com as memoráveis cenas da piscina e da perseguição na rua, que havia sido mostrada em parte no documentário do Scorsese. Aliás, essa cena da rua é a minha preferida. Adoro quando as árvores se mexem e as trevas da noite parecem engolir a pouca luminosidade existente. Val Lewton acreditava que a tela escura era um de seus trunfos. Ele dizia que bastava uma tela bastante escura para o olho da mente ler qualquer coisa em qualquer direção que queira. Sombras, ruídos, passos e a imaginação do espectador ajudariam a implementar o clima de horror.

Para um filme B, SANGUE DE PANTERA foi bem caprichado. Ele teve técnicos especiais gravando sons de animais numa fazenda para utilizar como efeitos sonoros no filme; teve técnicos estudando os efeitos de reverberação para a cena da piscina, e uma atriz especializada em efeitos vocais foi contratada para criar sons de gato.

Dizem que SANGUE DE PANTERA nem é o melhor filme de Jacques Torneur. Na análise de Luiz Nazário, constante no DVD da Magnus Opus, ele cita A MORTA VIVA (1943) e O HOMEM LEOPARDO (1943), como bem melhores. O texto de Nazário é uma delícia. Quem lia a revista SET no passado lembra da ótima seção "Tempos Modernos", onde ele falava de filmes antigos.

SANGUE DE PANTERA recebeu uma continuação de nome A MALDIÇÃO DO SANGUE DA PANTERA (1944), dirigida por Robert Wise e Gunther von Fritsch.

terça-feira, agosto 23, 2005

O CINEMA BRASILEIRO DOS ANOS 60 EM TRÊS FILMES



Aproveitando o entusiasmo gerado por 2 FILHOS DE FRANCISCO, além de ter uma quantidade razoável de filmes acumulados que ainda não comentei no blog, aproveito para falar de forma rápida e rasteira - até porque minha memória é fraca - sobre três importantes filmes brasileiros da década de 60. ASSALTO AO TREM PAGADOR (1962) e MINEIRINHO VIVO OU MORTO (1967) são bem parecidos - os dois se aproximam do que se chama de filme policial -, mas EDU, CORAÇÃO DE OURO (1968) faz parte de um outro tipo de cinema, mais ligado à nouvelle vague, especialmente ao cinema de François Truffaut.

Nos anos 60, enquanto Hollywood estava numa quase decadência e precisando de um rebuliço, que só iria surgir perto do final da década, o cinema produzido na Europa e no Brasil estava fervilhando de criatividade e invenção. Lembro que quando li o livro "Um Filme é um Filme", de José Lino Grünewald, ele deu a entender que o cinema brasileiro pré-anos 60 era de qualidade duvidosa. Antes do advento do cinema novo, ele considerava apenas LIMITE, de Mario Peixoto, como uma obra brasileira digna de louvor. As chanchadas da Atlântida e os filmes produzidos pela Vera Cruz parece que não eram bem vistos por alguns críticos, ainda que fossem sucessos de público. O cinema da década de 60 conseguiu agradar crítica e público. Essa época é hoje considerada uma das mais gloriosas do cinema nativo.

ASSALTO AO TREM PAGADOR

Um dos grandes filmes do cinema nacional, ASSALTO AO TREM PAGADOR, de Roberto Farias, acompanha a vida de um grupo de pessoas que vive na favela, depois de um grande assalto. Reginaldo Farias é o único rico do grupo. Depois do assalto, o trato é não gastar o dinheiro para não dar na vista. "Quem já se viu, favelado comprando carro do ano?", diz o loiro. Acho que hoje em dia, com tanto traficante ganhando rios de dinheiro, a história ia ser diferente. Mas o filme é também um retrato das classes pobres do Rio de Janeiro dos anos 60. ASSALTO AO TREM PAGADOR foi baseado num caso real ocorrido em 1960. Inclusive, o vagão do trem usado nas filmagens foi o mesmo do assalto real. Diferente do que muita gente imagina, o protagonista não é Reginaldo Farias, mas Eliezer Gomes, que nunca tinha feito cinema antes. Ele interpreta o antológico Tião Medonho. No elenco estelar, ainda constam os saudosos Grande Otelo e Wilson Grey (esse estava em todas, participou de quase 200 títulos). Um dos méritos do filme é ter uma carga de suspense até o final, com a gente torcendo para que os ladrões não sejam pegos pela polícia. Agora eu tou torcendo é pra que façam um filme sobre o assalto no Banco Central daqui de Fortaleza, considerado o maior assalto do Brasil.

MINEIRINHO VIVO OU MORTO

Assim como ASSALTO AO TREM PAGADOR, esse filme de Aurélio Teixeira nos deixa apreensivos por conta do personagem principal, interpretado por Jece Valadão. MINEIRINHO VIVO OU MORTO é desses filmes empolgantes. Começa com Valadão num bar tomando uma cerveja. Chega uma mulher e pede pra ficar com ele. Uns homens a estavam perseguindo e ela precisava de alguém para protegê-la. O coitado do mineirinho (que é como ele passa a ser chamado pela imprensa), como não é de deixar mulher na mão, acaba brigando com os caras e matando um deles. Ele passa, então, a ser perseguido tanto pelos bandidos quanto pela polícia, já que matou um homem, ainda que em legítima defesa. Ele consegue abrigo nos morros e se transforma numa lenda por lá. Tinha feito um texto bem maior sobre esse filme para o Projeto 365, mas perdi o texto e não sei se o site vai voltar a funcionar de novo. Adivinhem quem também está nesse filme? Sim, ele mesmo: Wilson Grey.

EDU, CORAÇÃO DE OURO

Interessante ver essas experimentações de Domingos de Oliveira no início de carreira. Seu Edu, interpretado pelo ótimo Paulo José, parece inspirado no Antoine Doinel de Truffaut. Ao mesmo tempo que também tem um quê do Marcelo de AS AMOROSAS, de Walter Hugo Khouri, do mesmo ano. Só que Edu é mais alegre. Até demais, eu diria. Ele é eufórico. Não importa o quão liso esteja, ele sempre está de bom humor para viver a vida, de preferência, sem precisar de trabalhar. A montagem do filme tem aqueles cortes bruscos dos primeiros filmes de Truffaut, causando uma agradável sensação de estranheza. Leila Diniz, que tinha feito TODAS AS MULHERES DO MUNDO (1967) com o diretor, também aparece esbanjando charme nesse filme. Outras figuras conhecidas são Norma Bengell e Joana Fomm. O final do filme também é bem diferente. Parece uma obra inacabada. Mas não deixa de ser bem interessante.

Os três filmes foram gravados da Globo.

P.S.: Uma pena que seja tão difícil encontrar fotos de filmes brasileiros - principalmente os mais antigos - na internet. Vejam essas fotos mixurucas aí de cima. Uma pobreza, né? Seria bom que alguém disponibilizasse na rede cartazes antigos e fotos grandes e de boa qualidade. Mas pra isso é preciso que esse alguém tenha material sobre cinema brasileiro (livros, revistas, cartazes) para escanear e botar na internet.

segunda-feira, agosto 22, 2005

2 FILHOS DE FRANCISCO



No começo eu fiquei com o pé atrás. Até mesmo quando um amigo, cuja opinião eu respeito muito, falou que o filme prometia ser ótimo, eu ainda não acreditei. Zezé di Camargo e Luciano não é, digamos, o tipo de coisa que me interessa. Eu só fui acreditar no potencial do filme quando vi o trailer. Um dos melhores já feitos no Brasil. Foi quando eu tive a certeza de que o filme devia ser, no mínimo, muito bom.

Depois de todas as emoções que senti ontem, posso dizer que 2 FILHOS DE FRANCISCO (2005) é com certeza um dos melhores filmes do ano. Poucos filmes me emocionaram tanto esse ano. E não há nada no filme que eu possa dizer que não gostei, a começar pelo elenco, encabeçado pelo ótimo Ângelo Antonio no papel de Francisco, o homem que enfrenta muitos obstáculos para alcançar seu sonho. Ele não quer que seus filhos sejam faxineiros ou pedreiros como ele. "Filho meu tem que ser alguma coisa na vida." E como ele gosta muito de música sertaneja, investe o pouco que ganha na carreira dos seus filhos.

Não tem como não sentir um profundo respeito por essa gente. Gente trabalhadora, que não espera pela providência divina para tomar a iniciativa de perseguir os seus sonhos. Dira Paes como a esposa de Francisco representa o lado pé-no-chão. "Enquanto você sonhava, eu estava muito acordada", diz ela para o marido, quando seus filhos estão sumidos há meses, em viagem com o empresário Miranda (José Dumont). Miranda é na verdade uma fusão de dois empresários que Camargo e Camarguinho tiveram.

Todas as liberdades tomadas pelos roteiristas para tornar uma história real numa obra de ficção foram muito bem acertadas. É impressionante o talento do diretor Breno Silveira, em sua estréia na direção. Até parece um veterano, tal a segurança que o filme nos passa. E pra ele, esse filme foi um risco muito grande. Afinal, quem teria a coragem de começar a carreira fazendo um filme sobre uma dupla sertaneja de sucesso, que muita gente acredita ser de gosto duvidoso? Dinheiro, com certeza, poderia render, mas prestígio e longevidade, ele teria? Silveira, porém, acreditou no projeto. Não só ele, como todos os envolvidos.

Muito acertada também a escolha de atores desconhecidos para interpretar a dupla sertaneja na fase adulta. A opção foi pela semelhança física e pela capacidade de representar. Mas elogiar o elenco é chover no molado. O que posso fazer é lembrar de alguns dos momentos que mais me emocionaram no filme: a primeira vez que Zezé e seu irmão ganham dinheiro cantando, depois de ver a família passando fome; a morte de Emival; o romance com a personagem de Paloma Duarte (adorei quando tocou "Como Vai Você", do Roberto Carlos, no baile); o final, com uma multidão cantando junto as canções da dupla e a participação do seu Francisco no palco, lembrando toda a tempestade de emoções, alegrias e tristezas, que acabamos de presenciar. Lágrimas rolaram. E nasceu um profundo respeito e admiração por um homem corajoso. Junto com a alegria de ver um cinema genuinamente popular e de qualidade no Brasil.

P.S.: Tem uma ótima crítica para o filme que foi escrita por Marcelo Miranda para o Canal Cinefilia. Renato Doho também fez ótimas considerações sobre a questão da ausência da religiosidade no filme em seu blog.

sábado, agosto 20, 2005

CONFLITOS INTERNOS (Wu Jian Dao / Infernal Affairs)



Não tinha a intenção, mas o meu sobrinho quis tanto dar uma volta de carro e eu acabei indo até a vídeo-locadora. Peguei dois DVDs. Entre eles, CONFLITOS INTERNOS (2002), dirigido por Andrew Lau e Alan Mak e que está sendo refilmado por Martin Scorsese, com o seu fiel e novo parceiro Leonardo DiCaprio, sob o título de THE DEPARTED. Deve sair coisa boa daí. O homem é fera.

E a escolha do filme não foi por acaso. Vendo CONFLITOS INTERNOS, dá pra imaginar como ele ficará nas mãos de Scorsese. Mas vale dizer que do jeito que está, o filme é muito bom. A trama é intrigante. Tony Leung é um policial infiltrado na Triad, a máfia de Hong Kong. Andy Lau é um espião da Triad, infiltrado na polícia. O policial infiltrado já está há tanto tempo com os mafiosos que acabou se tornando um gângster também. Do mesmo modo, o espião da máfia tem simpatia por seus colegas policiais.

Mas a coisa não é tão simples assim. Os personagens são bem complexos e suas ações são inesperadas. Fica difícil traçar o limite entre o bem e o mal nesses dois homens. As duas mulheres da vida deles, ainda que apareçam em poucas cenas, são importantes para que o filme faça uma reflexão sobre o verdadeiro papel deles.

Vejo como uma característica oriental essa coisa de os personagens não expressarem mais abertamente os seus sentimentos nos filmes. Desse modo, fica difícil saber o que os aflige. Diferente do cinema ocidental, que é mais explicativo. Por conta dessa diferença que muita gente não gostou do recente ÁGUA NEGRA, de Walter Salles, que tratou de deixar as coisas bem mais claras, utilizando muito as palavras. Essa necessidade de verbalizar os sentimentos parece não ser parte da cultura oriental. Claro que isso que eu estou dizendo são apenas impressões. Não sou nenhum especialista em nenhuma das culturas. É só uma observação, algo que me passou pela cabeça.

Quanto ao filme, é diversão de primeira: tem muita ação, tomadas bem orquestradas, fotografia linda, trilha sonora ora épica, ora melancólica, e uma história muito boa. O DVD (da Buena Vista) está muito bom, preservando o formato scope do filme. Tem também cerca de vinte minutos de making of e um final alternativo (não tão bom quanto o oficial).

sexta-feira, agosto 19, 2005

A ILHA (The Island)



E ontem, como os jornais noticiavam o fechamento do Cine São Luiz, lá fui eu fazer o sacrifício de ver um filme de Michael Bay no belo palácio. O clima ontem na Praça do Ferreira era de lamentação e de saudade antecipada. "Como pode, fecharem um cinema desses?", era o que muita gente dizia. Alguns traziam máquinas fotográficas para registrar o momento, repórteres de jornais entrevistavam pessoas na praça. Às oito da noite, mais ou menos a hora que eu saí da sessão de A ILHA (2005), tinha mais gente na praça do que o habitual. Dentro do cinema, quando eu me sentei pra ver o filme, dois senhores idosos conversavam sobre os filmes que viam na juventude. Um deles citou TARZAN E O TERROR DO DESERTO como o melhor filme de Tarzan que ele vira. Acho que esses filmes de Tarzan não devem ter resistido ao tempo. Quando saí do cinema, lá estava o Danilo, conversando com um senhor que tinha estado no dia da inauguração do cine, em 1958. Dos amigos, vi também a Erika e o Marlon; depois chegaram a Valéria, o Igor e o Israel.

Hoje, por volta das três da manhã, acordei e entrei na internet para olhar a programação dos cinemas, ver as estréias, quando vejo que 2 FILHOS DE FRANCISCO também está passando no Cine São Luiz. Depois, leio a notícia de que a sala foi salva na noite de ontem, graças a um acordo entre Fecomercio e o Grupo Severiano Ribeiro. Pode ser que agora, sob nova administração, eles dêem um jeito na aparelhagem de som e no ar condicionado. A idéia do Fecomércio é transformar o lugar no Centro Cultural SESC/Luiz Severiano Ribeiro. Torço para que coisas legais sejam feitas e que o Cine São Luiz seja de fato resgatado. Não basta ser um lugar bonito se não é bem tratado, se é quente feito o inferno e o som deixa a gente com dor de cabeça. O lugar, junto com a Praça do Ferreira, é um dos símbolos de Fortaleza e merece respeito.

Antes que eu me esqueça, falemos um pouco sobre A ILHA, o melhor filme de Michael Bay até agora, não que isso seja grande coisa. Teve muita gente que elogiou o novo filme. Teve crítico que até culpou o produtor Jerry Bruckheimer pelos horrorosos trabalhos anteriores de Bay, numa tentativa de defendê-lo.

A melhor coisa do filme é mesmo Scarlett Johansson, que nunca esteve tão bonita. Quase se sente a maciez da pele dela. A moça está no auge. Vai estar nos novos trabalhos de dois dos meus cineastas preferidos: MATCH POINT, de Woody Allen, e THE BLACK DAHLIA, de Brian De Palma. Geralmente trabalha com diretores de renome ou em filmes independentes. A ILHA é uma exceção. É sua primeira incursão num blockbuster descerebrado.

A trama de A ILHA é um misto de COMA, THX 1138, MATRIX, ADMIRÁVEL MUNDO NOVO e 1984. O filme é sobre duas pessoas (Ewan McGregor e Scarlett) que descobrem que o mundo onde eles vivem é uma mentira e que eles não passam de clones. É até uma estória inteligente. Mas logo lembram a gente que é um filme de Michael Bay quando começam as perseguições, as explosões, a barulheira, a edição de videoclipe, os personagens rasos. Não tem jeito, por mais que melhore, o homem ainda continua representando o que há de pior no cinema americano atual.

quinta-feira, agosto 18, 2005

VIY - O ESPÍRITO DO MAL / A LENDA DO MONSTRO VIY (Viy)



Em outubro de 2003, VIY - O ESPÍRITO DO MAL (1967) foi destaque da sessão de lançamentos em vídeo da saudosa revista Cine Monstro, recebendo texto de Carlos Primati. Por falar na revista, parece que ela vai voltar mesmo em outubro. Mas é melhor não comemorar antes do tempo. Torço para que a revista retorne pra valer e ganhe uma regularidade. Na época que VIY foi lançado, era muito difícil encontrar por aqui os DVDs da London. Só de uns tempos pra cá que eles se tornaram mais acessíveis. Comprei dois deles pela internet e agora está saindo quase tudo pelo precinho de 9,90 nas Lojas Americanas. Dá vontade de levar um monte pra casa e só não faço isso porque dinheiro tá muito difícil. Levei só dois DVDs estrelados pelo Vincent Price.

Voltando ao filme, trata-se de uma adaptação de um conto do escritor russo Nikolai Gogol. É a mesma estória que deu origem a A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO (1960), de Mario Bava, mas os dois filmes são completamente diferentes. A começar pela fotografia - a do filme do Bava é em belíssimo preto e branco; a do filme soviético é bem colorida. O filme do Bava é mais sério, VIY tem vários momentos de humor. Acho que gosto mais de VIY do que do filme do Bava como um todo, ainda que a seqüência inicial de A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO, com a implantação da máscara na bruxa, seja inesquecível. Talvez um dos melhores momentos do cinema de horror de todos os tempos. O filme soviético é mais fiel ao texto original de Gogol.

Na trama de VIY, três seminaristas bêbados da Igreja Ortodoxa passam férias e pedem abrigo na casa de uma velha a fim de passar a noite. Quando eles vão dormir, a velha se aproxima de um deles e o enfeitiça, chegando a usá-lo como se fosse uma vassoura, voando pelos céus. Acho essa seqüência a melhor do filme, realmente encantadora. Quando os dois chegam em terra firme, ele espanca a velha até a morte e ela se transforma numa bela jovem. De volta ao seminário, ele descobre que a bela jovem que morrera é filha de um homem muito rico da região. Ele é chamado para prestar os últimos sacramentos na jovem e o medo toma de conta dele.

VIY não é um filme que assusta, mas ainda assim é fascinante, até pela sensação de estranheza que provoca na gente. Agradecimentos ao amigão Renato, que gravou o filme numa fita pra mim a partir do DVD.

quarta-feira, agosto 17, 2005

9 CANÇÕES (9 Songs)



Sexo explícito e rock n' roll. Não tem como não ficar curioso pra ver 9 CANÇÕES (2004). Pena que em vez de excitação, o que eu senti foi quase uma indiferença. Claro que há seqüências, digamos, paudurescentes no filme, mas não chega a provocar alta combustão e não são nada memoráveis. Acho que a mais excitante talvez seja a cena da banheira. Talvez se a atriz tivesse um pouco mais de carne, a coisa poderia funcionar melhor para os tarados de plantão. Dá até impressão que o filme é um pouco gay, já que tem uma seqüência em que a moça pergunta pro rapaz se ele não acha ela muito magra, parecida com um homem, por quase não ter peitos, e ele diz que acha, mas que é por isso que gosta dela. É, pensando bem, uma gostosíssima como a Monica Bellucci não se encaixaria no papel, a não ser que mudassem as linhas de diálogo, o que não deixaria de ser uma boa idéia. Os fins justificam os meios.

Uma das vantagens do filme é que ele só tem 69 minutos, por isso não incomoda tanto o espectador. A outra vantagem são as cenas dos shows de rock. Mas até nisso eu fiquei um pouco entediado. Talvez por não conhecer as bandas que tocam, ainda que algumas delas me interessem há algum tempo, como o Black Rebel Motorcycle Club e os Super Furry Animals, essa última por ser uma das bandas favoritas do Pato Fu.

Não sei se foi de propósito isso de o diretor (Michael Winterbottom) tornar coisas tão passionais como o sexo e o rock em algo tão estéril. Quase que a visão de uma pessoa deprimida. Também não vejo nada de louvável no trabalho de Winterbottom. Afinal, qualquer pessoa pode botar um homem e uma mulher trepando e gravar umas cenas de shows. Não parece haver sequer um trabalho de direção de atores por parte dele. Mas o filme (e o diretor) tem os seus fãs. Quanto a mim, prefiro pegar um bom pornô do John Leslie mesmo. Tem cada mulher linda....

As 9 canções, pra quem quiser pegar na internet, são:

Black Rebel Motorcycle Club: "Whatever happened to my rock and roll" e "Love burns"
Von Bondies: "C'Mon, C'Mon"
Franz Ferdinand: "Jacqueline"
Primal Scream: "Movin' on up"
Dandy Warhols: "You were the last high"
Super Furry Animals: "Slow life"
Michael Nyman: "Nadia"
Elbow: "Fallen angel"

Filme visto em divx.

terça-feira, agosto 16, 2005

ROBERT ALDRICH EM DOIS FILMES



Mais dois filmes vistos de Robert Aldrich, cineasta que, assim como Howard Hawks, só foi me deixar interessado pelo seu trabalho recentemente, graças, principalmente, ao noir A MORTE NUM BEIJO (1955). Infelizmente não vi nenhum outro filme dele que se compare a essa obra-prima fantástica, mas quem sabe eu tenho a sorte de ver outras pérolas em seus trinta filmes. Dessa vez, eu não tive tanta sorte: peguei um filme chato pra cacete do gênero "sandálias e saiote" e um bom policial.

SODOMA E GOMORRA (Sodom and Gomorrah / The Last Days of Sodom and Gomorrah / Sodome et Gomorrhe)

Seria interessante se Aldrich fizesse um filme mais ousado, colocando, inclusive, cenas da passagem bíblica que mostra as duas filhas de Ló dando bebida pro velho para transarem com ele a fim de conservar a descendência do pai (Gênesis 19). Mas como a intenção era fazer um filme bíblico à moda antiga, misturado com a tradição italiana de filmes de cidades destruidas, e não um exploitation, o resultado foi um filme longo e chato. Quando o que mais interessa é a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra - sempre se referem como sendo duas cidades, mas aparenta ser uma só -, temos que agüentar mais de duas horas de uma briga inventada pelos roteiristas entre os judeus liderados por Ló e os malvados sodomitas. O filme também não dá muita razão para que as cidades sejam destruídas. Achei o grau de maldade até razoável e o filme nem falava das tais "abominações sexuais". Quando Aldrich falou sobre SODOMA E GOMORRA (1962) no livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", ele disse que todo diretor deveria experimentar fazer um filme bíblico. Talvez pra sentir as dificuldades que ele teve na produção do filme. Sergio Leone foi também diretor (não creditado) do filme. Ele deve ter ajudado Aldrich a entrar no clima das produções italianas. A presença da bela Anouk Aimée (de A DOCE VIDA, de Fellini) como a rainha de Sodoma ajuda a compor um clima europeu à obra. Visto em DVD da ClassicLine.

CRIME E PAIXÃO (Hustle)

Outra francesinha que enriquece um outro filme de Aldrich é Catherine Deneuve, que faz par, aqui, com o durão Burt Reynolds. A ligação amorosa entre os dois é das mais interessantes. Em CRIME E PAIXÃO (1975), Reynolds é um policial divorciado da mulher que mantém um relacionamento com uma prostituta. Ele a ama, mas há uma indecisão em assumir compromisso com ela. Em parte por causa de seu casamento fracassado, em parte por causa de um certo preconceito com a profissão dela, além dos acessos de ciúme. A trama policial do filme gira em torno do corpo de uma jovem que é encontrado numa praia. A investigação leva os policiais ao submundo dos filmes pornográficos. O começo do filme promete - até as cenas de investigação dos policiais têm ecos de A MORTE NUM BEIJO - mas o final, apesar de bonito e trágico, decepciona um pouco. Gravado da BAND.

segunda-feira, agosto 15, 2005

ÁGUA NEGRA (Dark Water)



Não vai ser fácil Walter Salles agradar o público com o seu já renegado ÁGUA NEGRA (2005). Salles fez um filme bem mais palatável que o original de Hideo Nakata (2002), mas ainda assim não é um filme fácil, principalmente para as platéias que pagam esperando um filme de terror.

Se Hideo Nakata já tinha feito um filme mais pra drama do que para terror, Salles vai além. Ele evita o quanto pode todos os clichês do gênero e até corta seqüências de susto que haviam no filme original. Por exemplo, quem esperar levar um susto na cena da caixa d'água, como acontece no filme de Nakata, vai se decepcionar. O filme de Salles também tem uma trama mais simplificada para o espectador ocidental e há o corte do epílogo do original, que eu particularmente gosto muito.

A seu favor, a nova versão tem a beleza deslumbrante de Jennifer Connelly, essa que eu considero a atriz de rosto mais belo em Hollywood. Jennifer ainda por cima é ótima atriz. Ultimamente tem feito muitos papéis de mulher sofrida, em filmes como HULK, RÉQUIEM PARA UM SONHO, CASA DE AREIA E NÉVOA e UMA MENTE BRILHANTE. ÁGUA NEGRA é uma espécie de retorno às origens. No começo da carreira, Jennifer flertou com o cinema de horror: logo depois de debutar num filme de Sergio Leone (ERA UMA VEZ NA AMÉRICA), ela trabalhou com o mestre Dario Argento em PHENOMENA. Em ÁGUA NEGRA, sua personagem é dotada de um instinto maternal comovente.

A locação do filme é outro ponto a favor: a ilha de Jersey, parte pobre de Nova York, é mostrada sempre com céu cinza e chuva quase constante. Sobre a trilha sonora, pena que Angelo Badalamenti, compositor da maior parte das trilhas dos filmes de David Lynch, não faça nada tão genial quando está separado do cineasta. Seu trabalho em ÁGUA NEGRA não foge do convencional e é uma das poucas coisas que dão aspecto de terror ao filme.

Quanto à saraivada de críticas negativas que o filme anda recebendo - além do fato de o próprio diretor ter desprezado sua cria -, não entendi a razão. Ou entendi, mas acho exagerada. Salles soube mostrar muito bem o clima de tristeza e solidão não só da personagem de Jennifer como também de seu advogado, que finge estar com a família, quando na verdade está sozinho. Mostra o quanto a sociedade cobra a felicidade a dois das pessoas. A família esfacelada é o tema recorrente da obra de Salles, que tem em CENTRAL DO BRASIL (1998) o seu melhor filme.

ÁGUA NEGRA pode não ser um grande filme - Hideo Nakata ainda fez o favor de passar a perna em Salles com seu O CHAMADO 2 -, mas não achei ruim como andam dizendo por aí.

P.S.: Está no ar minha nova coluna no Cinema com Rapadura. Dessa vez eu brinquei de enumerar algumas canções memoráveis presentes em alguns filmes.

domingo, agosto 14, 2005

TERRA DOS MORTOS (Land of the Dead)



Que emoção! Primeira vez que vejo um filme de George Romero no cinema. Até então, o meu contato com os filmes de Romero vinham apenas da tela pequena. Isso porque o bom velhinho - que Papai Noel que nada! - não lançava um filme desde A METADE NEGRA (1993), há mais de dez anos. BRUISER - VINGANÇA SEM ROSTO (2000) não conta, já que foi lançado por aqui só na TV a cabo. Pelo visto, os anos 90 não foram nada generosos com o Pai dos Zumbis.

Se não fosse o sucesso de filmes como EXTERMÍNIO , de Danny Boyle, MADRUGADA DOS MORTOS, de Zack Snyder, e TODO MUNDO QUASE MORTO, de Edgar Wright, todos de alguma forma homenageando a obra romeriana, o cineasta não teria conseguido perpetrar esse quarto filme da série dos mortos-vivos. Diante de toda a expectativa gerada por seu retorno, é claro que pode surgir uma pontinha de decepção com esse novo filme, mas, ainda assim, não deixa de ser um prazer poder conferir na telona o retorno do homem.

TERRA DOS MORTOS (2005) é um filme que tende a crescer com o tempo. Sua crítica social é sutil e dá o que pensar. Continuando o que ele já havia ensaiado em DIA DOS MORTOS (1985), aqui os zumbis começam a adquirir a capacidade de pensar. Não que haja algum zumbi intelectual nesse novo filme, mas há um deles, o que recebe o nome carinhoso de "Paizão", que tem inteligência suficiente para guiar toda a zumbizada para a cidade que até então estava protegida pela ameaça dos comedores de gente. Nada menos que a metáfora da sociedade americana pós-11 de Setembro, que achava que estava protegida e se vê abalada por uma ameaça terrorista de grandes proporções. Por falar em terroristas, há uma fala do personagem de Dennis Hopper que é bem familiar em tempos de dinastia Bush.

Falando no elenco, a primeira aparição de Asia Argento é memorável. Ela é jogada numa jaula com dois zumbis para servir de entretenimento para o público sádico, que usa os zumbis até para tirar fotos. É o capitalismo faturando em cima das desgraças. Além de Hopper e Asia, completam o elenco principal John Leguizamo como o empregado rebelde do chefão Hopper e o semi-desconhecido Simon Baker - ele esteve em O CHAMADO 2 -, como o herói do filme.

A comparação que se vai fazer com MADRUGADA DOS MORTOS é inevitável. Muita gente vai dizer que o filme de Snyder é melhor. E talvez seja mesmo, se levarmos em conta o andamento e o horror triplicado dos novos zumbis. Mas Romero é Romero. E só ele tem a profundidade de falar do mundo atual, de seu contexto sócio-político, através de filmes de horror. O final de TERRA DOS MORTOS nos leva à reflexão: até os zumbis têm direito à vida, mesmo já estando mortos. O que ele quis dizer com isso mesmo?

Pra finalizar, recomendo o excelente texto escrito pelo nosso colega Milton do Prado para a nova edição da Cine Imperfeito, que tem Romero como tema. Coisa fina.

sábado, agosto 13, 2005

OLDBOY



Uma boa essa chegada de filmes asiáticos no Brasil. Espero que não seja um fenômeno passageiro. Isso está ajudando as salas de cinema a se tornarem palco de coisas cada vez mais inusitadas, como foi o caso recente da comédia chinesa KUNG-FUSÃO, de Stephen Chow. Da Coréia do Sul, um dos países que mais tem crescido nas artes cinematográficas nos últimos anos, chega ao Brasil o celebrado OLDBOY (2003), de Chan-wook Park. OLDBOY é o segundo filme de uma trilogia de vingança de Park, sendo que o primeiro e o terceiro filmes se chamam, respectivamente, SYMPATHY FOR MR. VENGEANCE (2002) e SYMPATHY FOR LADY VENGEANCE (2005).

Park parece um cruzamento de Brian De Palma com Takashi Miike. Estão lá as obsessões por espelhos e lentes, os planos-seqüência estilosos e a violência brutal e traumática que fazem a fama desses dois cineastas. Inclusive, há uma cena de OLBOY que lembra imediatamente uma das mais perturbadoras seqüências de ICHI THE KILLER (2001), de Miike, só que bem menos explícito. Em OLDBOY, Chan-wook Park até nos poupa da violência gráfica excessiva, como na cena em que o protagonista arranca os dentes de um inimigo com um martelo. O que não quer dizer que isso não vá nos chocar. Detalhe: na tal cena dos dentes, a música que toca é "As Quatro Estações", de Vivaldi. Bizarro.

OLDBOY conta a história de um homem que passou 15 anos preso num apartamento e depois é solto. Durante todo esse período, sua janela para o mundo é a televisão, servindo de escola, companheira, igreja e até amante. Seu objetivo, uma vez fora da prisão, é vingar-se de quem o prendeu, mas antes ele precisa saber quem fez isso com ele e porquê.

Uma das reações mais fortes que o filme me causou foi de indignação com a burrice dos personagens. Eles estragam suas vidas por pura idiotice, o que me incomodou bastante. Porém, como se trata de uma tragédia, e uma vez que me lembrei de "Othelo", de Shakespeare - lembro da espetacular versão de Orson Welles -, vejo que uma das principais desgraças da humanidade é a estupidez.

Para ilustrar a minha indignação, vou ter que falar de certas partes do filme, portanto, quem não viu OLDBOY, sugiro não ler esse parágrafo. Pois bem. Precisava um cara trancafiar outro por 15 anos só porque foi "bocão"? Precisava ele ter ficado com crise de consciência por ter transado com a própria filha (afinal, não foi porque ele quis)? E precisava, pelo amor de Deus, ele ter cortado a própria língua como sinal de sacrifício e submissão? A angústia e o mal estar que tudo isso me causou não encontra paralelos em outro filme. Mas prefiro não julgar os méritos éticos e estéticos do filme, até porque não me julgo capaz disso, mas às vezes me pergunto se não há mais limites para a violência no cinema e penso no quanto nós estamos nos tornando sádicos.

sexta-feira, agosto 12, 2005

HORA DE VOLTAR (Garden State)



Sabe quando a gente não sabe o que achou do filme? Se gostou, se não gostou? Se acha que o resultado foi satisfatório ou não? Pois é. Ainda não sei dizer o que eu acho de HORA DE VOLTAR (2004), estréia na direção de Zach Braff, mais conhecido pela sitcom SCRUBS. A minha primeira pergunta é: afinal, qual é a de Braff?

O mais óbvio de se entender é que o filme é sobre o despertar para a vida de um jovem rapaz. É a história de um sujeito (o próprio Braff) que vive feito um zumbi, tomando lítio todo dia, receitado pelo próprio pai, um psiquiatra. Mais na frente é que a gente vai entender porque ele começou a tomar a droga e o porquê do difícil relacionamento entre ele e o pai. A história do filme começa quando ele recebe um telefonema do pai, avisando que sua mãe morreu. Ele volta para sua cidade natal depois de tantos anos afastado, para ver o funeral da mãe. Lá, ele conhece uma jovem por quem se apaixona (Natalie Portman) e atinge uma espécie de iluminação, passando a ver o mundo com outros olhos.

Acontece que eu não fiquei totalmente convencido com o caminho que ele leva até a tal iluminação. O filme poderia ter nos guiado de uma forma que nós também nos sentíssemos maravilhados com a existência, compreendendo através de sentimentos o seu caminho percorrido. Acho que essa pode até ter sido a pretensão inicial de Braff.

Ainda assim, HORA DE VOLTAR é desses filmes gostosos de ver, com vários momentos de humor e outros mais melancólicos, recheados com uma trilha pop rock-alternativa para suavizar o sabor. Não posso dizer que eu não gostei da experiência de ver o filme. É até possível que com uma revisão eu enxergue coisas que eu não enxerguei antes. Quem sabe.

quinta-feira, agosto 11, 2005

NINGUÉM PODE SABER (Dare Mo Shiranai)























Não sei se é impressão minha, mas talvez os japoneses estejam educando de maneira um tanto quanto rigorosa os seus filhos. Sem querer julgar a maneira que um povo educa suas crianças, mas o que me leva a pensar isso é a vasta quantidade de obras produzidas no Japão, onde são mostradas crianças passando por situações extremamente difíceis. Isso é ainda mais comum nos animes e mangás, onde, às vezes, a salvação do planeta está nas mãos de uma criança ou de um adolescente. O exemplo maior disso é a série NEON GENESIS EVANGELION.

Em NINGUÉM PODE SABER (2004), temos uma história baseada em fatos reais de um grupo de crianças que são abandonadas por sua mãe. Como não é permitido famílias com vários filhos morarem em condomínios de apartamentos pequenos, a mãe das crianças viaja com dois deles numa mala e uma outra viaja escondida para que nenhum vizinho saiba que ela tem quatro filhos. As crianças não podem sair de casa em nenhum momento, exceto uma delas, Akira, o mais velho, de 12 anos (interpretado pelo ótimo Yuya Yagira, prêmio de melhor ator em Cannes), que inicialmente faz de tudo para cuidar bem de seus irmãos quando sua mãe não está presente. Mas tudo tem o seu limite. Akira é uma criança e também precisa brincar e agir de maneira inconseqüente de vez em quando, já que ninguém é de ferro.

O diretor Hirokazu Kore-eda, de DEPOIS DA VIDA (1998), nos apresenta a história de um grupo de crianças que não tem o direito de existir. Não podem ir à escola, não podem sair na rua, não podem mostrar pra ninguém que elas existem. É uma história sobre pessoas invisíveis, como os mendigos que a gente está acostumado a cruzar nas ruas.

Como se já não bastasse a situação difícil que as crianças vivem, a coisa vai se agravando quando a mãe os abandona definitivamente. Como não sofrer vendo o jovem Akira, com um enorme peso nos ombros de tanta responsabilidade, tentando ligar para a mãe irresponsável? Ou, principalmente, na cena do aeroporto? Suas mãos trêmulas, cavando a terra, os olhos cheios de lágrimas, o sentimento de perda, de arrependimento, de desesperança. E o filme em nenhum momento age com histerismo, até esconde da visão da câmera o momento mais doloroso. Como se nos dissesse que a vida é assim mesmo. No máximo, podemos ficar tristes, mais nunca chegar ao desespero, já que alguém tem que se fazer de forte para ajudar os mais fracos.

NINGUÉM PODE SABER não é um filme fácil. É arrastado, lento e às vezes eu até achei que algumas cenas poderiam ter sido excluídas, mas depois de uns dias, a força do filme continua em minha memória.

quarta-feira, agosto 10, 2005

JOANA D'ARC EM DOIS FILMES



De uma só tacada, peguei pra ver os dois mais importantes filmes sobre Joana d'Arc já realizados. São duas obras-primas que, apesar de se aterem principalmente ao processo da mártir e em seus momentos finais, são narrados em tons completamente diferentes. Os dois filmes foram dirigidos por dois dos maiores cineastas de todos os tempos: Carl Theodor Dreyer e Robert Bresson. A PAIXÃO DE JOANA D'ARC (1928), de Dreyer, aparece em várias listas de melhores de todos os tempos e Robert Bresson, diretor de O PROCESSO DE JOANA D'ARC (1962), em votação do site Senses of Cinema ficou em quinto lugar no Top Ten Diretores, ficando atrás apenas de Hitchcock, Godard, Welles e Kubrick. Pra mim, um resultado surpreendente.

Joana d'Arc é sem dúvida uma das mais importantes personalidades da História. Acho incrível saber que existiu de verdade uma garota que dizia receber visitas de anjos e santas que lhe passavam mensagens para liderar um exército a fim de tirar os invasores ingleses da França, durante a Guerra dos Cem Anos. Fica até difícil procurar uma explicação racional para isso. Lembro que quando li um livro de antroposofia, o autor (Rudolph Lanz) comentou que a história de Joana foi uma intervenção dos planos celestiais no destino da humanidade. Parece que era porque os franceses estavam num grau de evolução diferente dos ingleses. Já os espíritas acreditam que Joana era médium. A Igreja Católica hoje a considera uma santa, mas a morte de Joana, eu vejo como mais uma mancha no passado negro da instituição.

A PAIXÃO DE JOANA D'ARC (La Passion de Jeanne d'Arc)

Minha primeira experiência com um filme de Dreyer e logo de cara fiquei apaixonado. Demorei a pegar o DVD pra ver, talvez por ter uma certa resistência a filmes mudos, mesmo gostando muito de Chaplin e Murnau. A Joana d'Arc de Dreyer é bem mais emocionada, mais chorona. Bem diferente da fortaleza que é a Joana de Bresson. Muito da força do filme está nos poderosos closes da mártir e dos inquisitores. Nenhum dos atores do filme usaram maquiagem, por isso o filme não tem aquela cara de produção dos anos 20. É uma obra atemporal.

A atriz (Maria Falconetti) se entregou tanto ao papel que provocou lágrimas em toda a equipe quando filmou a cena em que tem seu cabelo cortado, momentos antes de ir para a fogueira. Falconetti tinha 35 anos quando viveu a Joana d'Arc de 19. Sua performance inspirou Godard no seu VIVER A VIDA (1962), filme que, aliás, está saindo em DVD no Brasil pela Magnus Opus. O sofrimento de Joana nesse filme é tamanho que até pode ser comparado ao sofrimento de Jesus. Uma coisa que não tem no filme de Bresson e tem nesse de Dreyer é a revolta de parte da população depois da morte de Joana.

Até já virou lenda o costume de Dreyer em fazer suas atrizes sofrerem em seus filmes. Tem o caso do filme DIAS DE IRA (1943), que também tem uma cena de uma mulher sendo queimada na fogueira, acusada de bruxaria. Dizem que quando estavam filmando a cena, enquanto a mulher (Anna Svierkier) estava lá amarrada na estaca, chamaram o pessoal para o almoço. Dreyer deu ordens de deixá-la lá esperando na estaca enquanto toda a equipe almoçava. A raiva dela deve ter sido tamanha que sua interpretação ficou ainda mais crível.

O diretor de fotografia de A PAIXÃO DE JOANA D'ARC é Rudolph Maté, que voltaria a trabalhar com Dreyer em O VAMPIRO (1931). Ele tem no currículo também: CORRESPONDENTE ESTRANGEIRO, de Hitchcock, GILDA, de Charles Vidor, e A DAMA DE SHANGHAI, de Orson Welles.

A qualidade do DVD da Continental está surpreendente muito boa. Deve ser cópia do DVD da Criterion. A imagem está até melhor que a do DVD de O PROCESSO DE JOANA D'ARC, apesar da diferença de idade das duas obras. E olha que o filme tem um histórico de ser dado como perdido e de ter sido reencontrado só anos depois. De extras, o DVD traz alguns textos muito bons. Não sei dizer de quem é a música que colocaram como trilha sonora, mas gostei bastante. Uma música religiosa, tudo a ver com o filme.

O PROCESSO DE JOANA D'ARC (Procès de Jeanne d'Arc)

Talvez por ter visto antes do filme de Dreyer e numa madrugada calma, acho que gostei ainda mais do filme de Robert Bresson. Trata-se de um filme totalmente diferente. Mais seco, mais conciso, mais frio, o filme paradoxalmente acabou me emocionando mais. Tanto que meu interesse pelos filmes de Bresson aumentaram exponencialmente depois desse filme.

Bresson era famoso pelo seu método diferente de dirigir. Não gostava de usar atores profissionais. Preferia não-profissionais e os chamava de modelos. O PROCESSO DE JOANA D'ARC foi realizado dessa maneira.

A cena que mais ficou forte em minha memória foi a da tomada dos pés de Joana d'Arc, quando ela está a caminho da fogueira. Senti uma angústia tamanha que parecia que era eu que estava para ser queimado. Talvez a força do filme esteja no fato de ele ser tão conciso, tão concentrado nos seus 61 minutos. Bresson, ao esconder da gente muita coisa, dá-nos o poder de inferir sobre o que não está sendo mostrado no enquadramento.

Virei fã do diretor com esse filme. De sua filmografia de apenas 13 filmes, eu só tinha visto AS DAMAS DO BOIS DE BOLOGNE (1945), e nem tinha gostado muito, mas agora quero ver tudo que for lançado dele por aqui. Esse mês está saindo pela Magnus Opus DIÁRIO DE UM PADRE (1951), um de seus filmes mais cultuados.

No DVD de O PROCESSO DE JOANA D'ARC, lançado pela Versátil, tem um interessante depoimento do crítico Luiz Zanin Oricchio sobre o filme e os métodos de Bresson.

terça-feira, agosto 09, 2005

24 HORAS - QUARTA TEMPORADA (24 - Season Four)



Chega ao fim mais uma temporada de 24 HORAS. Antes de mais nada, que final, hein!! Acho que o melhor final de temporada de toda a série. Queria que os criadores aproveitassem essa virada no finalzinho para começar uma quinta temporada bem diferente. Sem que seja preciso Jack Bauer voltar para a CTU ou algo do tipo. Jon Cassar dessa vez dirigiu 10 dos 24 episódios. Pra quem começou dirigindo só dois episódios na primeira temporada, pode-se dizer que o homem virou o dono da série.

Diria que essa temporada ficou melhor que a terceira, que foi bastante irregular e repetitiva, mas, por outro lado, ela não teve momentos tão impactantes quanto a anterior, que teve coisas como a morte de Ryan Chappelle e os episódios no hotel infectado por um vírus mortal. O melhor momento dessa nova temporada foi a meia-hora final, logo depois de solucionado o problema com a ogiva que iria cair numa grande cidade dos EUA.

A série inicialmente prometia mudar muita coisa. A começar pelo elenco. De volta, apenas Jack Bauer e Chloe (a única da temporada anterior ainda trabalhando na CTU), completado por um elenco completamente novo. Outros personagens importantes, como Tony Almeida, David Palmer e Michelle Dessler, apareceriam apenas em participações especiais. Terminou que nos episódios finais da temporada os três estavam de volta e a série foi ficando parecida de novo com as anteriores.

Nessa temporada, tiveram a coragem de colocar árabes como os vilões, bem mais plausível que colocar uns doidos que querem se vingar de David Palmer ou de Jack. Inclusive, algumas das melhores seqüências do filme envolvem a família de terroristas árabes. Em especial a cena em que Behrooz mata com uma "pazada" um sujeito que quer eliminá-lo. A cena da morte da namorada dele pela sua própria mãe é a que mais me deixou indignado de toda a série.

O problema é que o miolo da série ficou meio sem graça. Às vezes eu chegava até a esquecer o que tinha acontecido no episódio anterior, dando a impressão de que os roteiristas estavam enchendo lingüiça durante um bom tempo. Felizmente no final a série se redime. Antes eu até estava torcendo para que a série fosse cancelada, para que não acabassem de vez com a boa reputação de 24 HORAS. Mas depois de um final desses, preciso garantir o pagamento de minha TV por assinatura pelo menos até o ano que vem.

P.S.: Hoje estréia a segunda temporada de NIP/TUCK na FOX.

domingo, agosto 07, 2005

TRAMA MACABRA (Family Plot)



E chega ao fim essa minha primeira etapa de peregrinação pela obra de Alfred Hitchcock, assim como a leitura do livro Hitchcock/Truffaut - Entrevistas. A sensação é de um pouco de tristeza. Afinal, acompanhar a ascensão de um mestre e depois ver o seu declínio não é fácil. Com o tempo a gente começa a gostar não apenas do cineasta Hitchcock, mas também do ser humano, daquele sujeito gordinho que devia ficar olhando, de braços cruzados, os colegas da escola brincarem, se sentindo um pouco rejeitado, mas ao mesmo tempo, com certo ar de superioridade.

Só fiquei um pouco decepcionado com o documentário de Laurent Bouzereau constante no DVD de TRAMA MACABRA (1976). Estava esperando uma homenagem maior, algo mais emocionante. Não que o filme não fosse suficientemente merecedor de um documentário exclusivo só pra si, mas, puxa, era o último filme do Hitch. É a sua despedida. De todo modo, o documentário desse filme é um dos mais gordinhos dessa série da Universal: tem 47 minutos de duração.

Quanto ao filme, pra variar, foi um prazer poder rever. Principalmente por eu já ter esquecido de quase tudo. Só tinha vivo na memória o lugar onde estava escondido o diamante. Falando no diamante, eu passei metade do filme tentando me lembrar quem era William Devane. Só depois de um bom tempo é que fui perceber que ele é o Secretário de Defesa da atual temporada de 24 HORAS. Quando ele era jovem, era feio do mesmo jeito.

Uma das coisas que eu mais gosto no filme é o modo como Hitch entrelaça as duas histórias, a elegância com que ele muda de uma história para a outra. De um lado, nós temos uma falsa vidente (a ótima Barbara Harris) e seu namorado (Bruce Dern); de outro, o casal de ladrões de diamantes interpretado por William Devane e Karen Black. No meio de tudo, um túmulo sem corpo. Entre as melhores seqüências, destaco a do carro descontrolado, que faz lembrar imediatamente a cena de Cary Grant dirigindo bêbado em INTRIGA INTERNACIONAL (1959), não por acaso roteirizado pelo mesmo Ernest Lehman.

Depois de uma obra-prima como FRENESI (1972), pode-se dizer que TRAMA MACABRA é uma queda de qualidade na filmografia de Hitch, mas há que se dar um desconto por causa do estado de saúde do mestre. Ele estava doente e usando um marca-passo, e sua esposa, Alma, tinha sofrido um primeiro derrame em Londres, enquanto Hitch filmava FRENESI e estava inválida. Hitchcock já não tinha saúde para fazer cenas externas. É sempre triste ver o fim de uma vida. Mas fazer o que? A vantagem de ser artista é poder se eternizar, de sobreviver ao tempo e falar a diferentes gerações.

Quanto a mim, vou dar um tempo nos filmes dele, pelo menos até o lançamento de alguns de seus outros filmes em DVD. Além de vários filmes da fase inglesa, estão faltando no mercado nacional alguns títulos da fase americana, como: UM CASAL DO BARULHO (1941), UM BARCO E NOVE DESTINOS (1943) e a obra-prima SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (1949). Seria um sonho também se lançassem em DVD um luxuoso box da série ALFRED HITCHCOCK PRESENTS que Hitch fez para a tv nos anos 50. Vi no site da Amazon que a primeira temporada vai sair nos EUA em outubro. Quem sabe não sai aqui no Brasil também.

sexta-feira, agosto 05, 2005

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE (Charlie and the Chocolate Factory)



Quando soube que Tim Burton iria fazer mais uma refilmagem, depois do controverso PLANETA DOS MACACOS (2001), achei que ele estava sofrendo de crise de criatividade. E talvez até esteja mesmo, mas, felizmente, a nova versão de A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE (2005) é um de seus melhores trabalhos, ainda que esteja longe de ser tão bom quanto ED WOOD (1994), sua obra-prima.

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE CHOCOLATE se sustenta melhor no primeiro ato, quando vemos toda aquela expectativa em torno do garotinho Charlie ganhar um dos cinco golden tickets que darão ingresso à misteriosa fábrica. Aquilo ali é pura magia. Os créditos iniciais, com a música de Danny Elfman já nos antecipa o que virá. E Burton reafirma seu poder como grande contador de histórias fantasiosas. O barroquismo e as inúmeras bizarrices típicas do diretor não poderiam faltar. Destaque para a casa torta de Charlie e os seus quatro avós que passam o dia deitados na mesma cama! Johnnie Depp também confirma que quando está trabalhando com Burton, o resultado é dos melhores. Depp e Burton dizem que não se inspiraram em Michael Jackson para fazer o Willy Wonka, mas a semelhança é tanta que fica difícil de acreditar.

Só achei que a partir do momento que os meninos entram na fábrica, o filme perde um pouco do encanto inicial. Mas há quem pense o contrário e adore os oompa loompas e suas bizarras canções e coreografias. Uma das melhores críticas que eu li do filme é a de Filipe Furtado para a Contracampo. Ele vê as coreografias dos oompa loompas como uma espécie de celebração da morte, já que eles aparecem para cantar sempre que acontece algum acidente com alguma das crianças, acidente esse que simbolizaria suas mortes. Interessante.

Entre os pontos altos do filme, estão os flashbacks da infância de Willy Wonka, principalmente por conta da aparição do lendário Christopher Lee. Na falta de Vincent Price, que havia aparecido em EDWARD MÃOS-DE-TESOURA (1990), temos o nosso Drácula preferido. (Se bem que Price, apesar de fazer muito filme de horror, era uma simpatia, não consigo vê-lo como uma pessoa malvada.) Sobre Willy Wonka, rolou uma interessante discussão no blog do Marcelo V. sobre a natureza perversa do personagem. Seria ele perverso mesmo? Às vezes, tem-se a impressão que ele não deseja mal às crianças, vê os acidentes com elas apenas como algo que saiu errado - o que aliás só confirma a semelhança com Michael Jackson. Por outro lado, como tudo aquilo já estava preparado para os moleques, com direito a canções personalizadas e coreografias zombeteiras, acredita-se que estava tudo planejado. Não sei o que Burton fez de diferente da primeira versão, a de Mel Stuart. Gravei-a no fim de semana, quando passou no SBT, mas não assisti ainda. Qualquer dia eu vejo e comento por aqui.

quinta-feira, agosto 04, 2005

HATARI!



Sempre que ouvia falar da excelência de HATARI! (1962) tinha minhas dúvidas se iria gostar tanto assim do filme, já que não sou fã de ONDE COMEÇA O INFERNO (1959), um dos mais incensados e citados filmes de Howard Hawks. O meu interesse e o meu entusiasmo pela obra de Hawks veio há poucos meses, com a obra-prima RIO VERMELHO (1948). E obra-prima é pouco para qualificar HATARI!, essa maravilha que só o cinema é capaz de produzir.

O adjetivo "hawksiano" sempre me deixava meio confuso. Afinal, um homem que fazia filmes de todos os gêneros teria mesmo uma característica comum dentro de tão diversa filmografia? Lendo o interessante dossiê sobre o diretor publicado no site Senses of Cinema foi que eu aprendi sobre algumas de suas características. Uma das mais curiosas é o constante uso de apelidos em seus personagens. Isso se dá porque nos filmes de Hawks não há uma reverência pela família tradicional. Até mesmo os nomes de batismo podem ser deixados de lado. Em HATARI!, vemos isso com a chegada da personagem Anna Maria D'Allessandro, que, por causa do nome estrangeiro, sugere que a chamem de Dallas. Ela é uma típica mulher hawksiana, isto é, está envolvida numa grupo predominantemente masculino e desempenha um papel bastante ativo na relação com o personagem de John Wayne.

HATARI! me conquistou logo na seqüência inicial, que mostra o grupo de Wayne dirigindo jipes e caçando um rinoceronte. Essa seqüência é emocionante. Imagina-se de início que o tom geral do filme vai ser de tragédia, mas logo a alegria toma conta dos personagens e do espectador. Quando vi o rinoceronte atacando ferozmente os jipes, me senti como se aquilo fosse real. (E pensar que se fosse feito nos dias de hoje, teríamos que nos contentar com computação gráfica.) HATARI! é o tipo de filme que nos pega em todas as direções, seja nos momentos de humor, de ternura, de medo, ou de romance. Acho que não seria exagero dizer que o filme já está entre os meus favoritos de todos os tempos. Impressionante ele ter uma duração de 157 minutos e não cansar em momento algum.

As interações entre os personagens são entrecortadas pelas sempre interessantes cenas de capturas dos animais. Legal é que os animais capturados não são maltrados, mas levados para uma espécie de pequeno paraíso cheio de outros bichos. Destaque para os filhotes de elefante que Dallas insiste em cuidar, apesar dos protestos de Sean (John Wayne), que dizia que daria muito trabalho alimentar os bichos.

Curioso que Hawks nem gostava tanto de HATARI!, como pude ver na entrevista do livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", de Peter Bogdanovich. Ele lamentava o fato de a Paramount não ter permitido um segundo protagonista por razões financeiras - ele queria Clark Gable. Hawks dizia que Wayne sempre tinha melhores performances quando trabalhava com outro grande astro. Com dois protagonistas, o filme seria bem diferente. Outra curiosidade é que as cenas de captura dos animais estavam sujeitas às reações dos bichos. Nas palavras do próprio Hawks: "não se pode ficar sentado num escritório e escrever o que um rinoceronte vai fazer."

HATARI! é do mesmo ano de O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA, de John Ford. Duas obras-primas irretocáveis de dois mestres da mesma geração que ainda teimavam em continuar na ativa.

Gravado da BAND.

terça-feira, agosto 02, 2005

O BEIJO AMARGO (The Naked Kiss)



E eis que aos poucos vou conhecendo o cinema do mitológico Samuel Fuller, esse que é um dos mais cultuados cineastas americanos. O lançamento de O BEIJO AMARGO (1964) em DVD pela Aurora é um presente para os cinéfilos. E a distribuidora em breve vai lançar MATEI JESSE JAMES (1949). Somando-se à edição especial estendida de AGONIA E GLÓRIA (1980), lançada pela Warner, até podemos dizer com certo otimismo que finalmente vamos ter acesso aos filmes do homem aqui no Brasil.

Com tantos filmes pra escrever, não estava planejando falar de O BEIJO AMARGO logo hoje, mas impulsionado pelo ótimo texto do amigo Marcelo Miranda, resolvi entrar no clima também, até pra ajudar a divulgar o lançamento do DVD. Miranda cita o filme como um anti-noir.

Trata-se de um filme no mínimo bem esquisito. A começar pela seqüência inicial, mostrando uma enfurecida Constance Towers dando uma surra de sapato num homem. Fuller usa aquele método de mostrar tomadas dela surrando a câmera, seguida pelas tomadas dele apanhando. Praticamente o mesmo que Hitchcock havia feito na cena do banheiro de PSICOSE, quatro anos antes. Mas Fuller guarda ainda mais uma surpresinha logo nessa seqüência de abertura, que antece os créditos. Aí é que vemos que O BEIJO AMARGO de convencional não tem nada.

Constance Towers era uma das atrizes preferidas de Fuller. Já tinha trabalhado com o diretor em PAIXÕES QUE ALUCINAM (1963), filme que recebe uma citação em O BEIJO AMARGO: no cinema da cidade em que a protagonista chega para recomeçar a vida está passando esse filme. Constance talvez seja mais conhecida pelo filme AUDAZES E MALDITOS (1960), de John Ford.

Não dá pra contar muito do filme, sob o risco de estragar as surpresas, mas dá pra dizer que a história é sobre uma prostituta que é humilhada por um cafetão, foge dele e vai para uma outra cidade a fim de refazer sua vida. Ela passa a trabalhar num hospital que trata de crianças com problemas nas pernas. Uma das cenas mais bizarras e ao mesmo tempo belas do filme é a das crianças cantando.

Por falar em música, outra seqüência digna de nota é aquela que toca a Sonata ao Luar de Beethoven. Vez ou outra, Fuller tratava de colocar em seu filme referências da cultura erudita. Seus personagens citam Goethe e Lord Byron. Essa é uma característica de Fuller, associada a um gosto pelas contradições. Em O QUIMONO ESCARLATE (1959), policiais tocam piano e são criticos de arte; em PAIXÕES QUE ALUCINAM, negros são membros da Ku-Klux-Klan. Isso me fez lembrar dos filmes de Carlos Reichenbach, também ricos em citações eruditas e em paradoxos.

Confesso que quando vi o filme, não fiquei tão encantado. Mas agora que comecei a estudar a obra do diretor e a repensar o filme é que percebo o quanto ele é genial. Provavelmente é um filme que cresce na revisão. E o momento é de comemorar a chegada dos filmes de Fuller no mercado de DVD brasileiro.

Outros lançamentos da Aurora: BRINQUEDO PROIBIDO, de René Clément; RIFIFI, de Jules Dassin; O DOCUMENTO HOLCROFT, de John Frankenheimer; SOMOS TODOS ASSASSINOS, de André Cayatte; ANOS DE REBELDIA, de Dennis Hopper. E para os próximos meses: O PÁSSARO DAS PLUMAS DE CRISTAL, de Dario Argento; ILUSÃO PERDIDA, de George Seaton; PARCEIROS DA MORTE, de Sam Peckinpah; O COZINHEIRO, O LADRÃO, SUA MULHER E O AMANTE, de Peter Greenaway; e CINZAS E DIAMANTES, de Andrzej Wajda.

segunda-feira, agosto 01, 2005

SIN CITY - A CIDADE DO PECADO (Sin City)



Frank Miller é talvez o artista que eu acompanho o trabalho há mais tempo. Comecei desde criança, com as histórias do Demolidor; depois, já adulto, conheci seus trabalhos revolucionários à frente do Batman, e mais recentemente, sua incursão nos quadrinhos independentes em "Sin City". Desde o tempo que lia as histórias do Demolidor, que via o incrível potencial cinematográfico de seus quadrinhos, que mais pareciam storyboards. Quando ele entrou para o mundo do cinema, fazendo roteiros para filmes pífios - ROBOCOP 2 e 3 -, passei a acreditar que era só impressão minha: o negócio dele era com quadrinhos mesmo. Isso, até Robert Rodriguez convidá-lo a participar da difícil tarefa de fazer uma transposição fidelíssima de "Sin City" para as telas e minhas esperanças de ver Frank Miller no cinema se acenderem novamente. A briga que Rodriguez teve com meio mundo para conseguir fazer esse filme, atribuindo, inclusive, co-direção a Miller deu o que falar.

Mas e o filme, que é o que interessa? É mesmo tudo que eu esperava que fosse? É melhor que a história que existe por trás das câmeras? Pode-se até dizer que sim. Tudo que Rodriguez imaginou fazer com os quadrinhos está lá na tela e os cenários artificiais funcionaram muito bem nesse filme, ao contrário de CAPITÃO SKY E O MUNDO DO AMANHÃ. Mas falta algo nesse SIN CITY (2005) que eu não sei explicar bem o que é. Talvez seja a mesma coisa que falta em todas essas adaptações dos quadrinhos para o cinema. Alguma coisa se perde no caminho, por melhores que sejam os filmes e os diretores envolvidos.

No caso específico de SIN CITY, o filme está tão fiel aos quadrinhos que não sobrou espaço para surpresas. Pelo menos pra mim, que li as obras originais. Eu já tinha me espantado com a violência de "Sin City - A Cidade do Pecado", que apresentava um vilão canibal; ou com o tiro nos testículos do cara que gosta de violentar garotinhas em "O Assassino Amarelo"; ou do corpo sendo esquartejado em "A Grande Matança". Até parecia que eu estava vendo o filme pela segunda vez.

Dentro do super-elenco de SIN CITY, o ator menos adequado ao personagem dos quadrinhos é Bruce Willis, muito jovem para viver o velho Hartigan, o tira honesto - e com problemas cardíacos - que luta contra a corrupção da polícia de Basin City e paga caro por isso. Por outro lado, Jessica Alba como a doce e sexy Nancy está de arrasar. E ela nem precisou tirar a roupa, como a Carla Gugino, para deixar a gente babando. Jessica faz a diferença no filme.

O aspecto grotesco e caricato dos filmes noir impresso no filme ficou muito bom. O grotesco está presente também nas interpretações canastras e exageradas, destaque para Britanny Murphy. E Mickey Rourke é praticamente a encarnação do brutamontes Marv.

Não sei direito do que reclamar no filme, já que plasticamente a transposição para as telas ficou perfeita. Só acho que tudo ficou muito técnico, muito frio, quase uma camisa de força. Exatamente o oposto do filme anterior de Rodriguez, ERA UMA VEZ NO MÉXICO (2003), excessivamente solto, com um roteiro desleixado, mas que tinha a sua força, apesar dos problemas. Acho que o meu favorito do Rodriguez continua sendo PROVA FINAL (1998).