segunda-feira, fevereiro 28, 2005

OSCAR 2005

 

A notícia de que a Rede Globo iria transmitir o Oscar 2005 pode até ter deixado alegre quem não tem tv por assinatura, mas como já era de se esperar, a emissora desrespeitou o espectador e não exibiu o início da premiação por causa do Big Brother. Assim, foi mais de meia hora perdida pra quem não podia ver a cerimônia pela TNT. Eu já sou gato escaldado da emissora. Sofri anos atrás com o cancelamento de TWIN PEAKS e com as coberturas porcas do Rock n' Rio. Assisti à festa do Oscar mudando de canal freqüentemente pra ver o que os comentaristas diziam. Apesar de tudo, venceu Rubens Ewald Filho. José Wilker não tem o conhecimento enciclopédico que o Rubinho tem. 

A festa começou bem com o apresentador Chris Rock, que apesar de estar mais contido do que o costume, fez das suas com aquele seu sorriso meio Seinfeld. Engraçado quando ele comentou sobre o excesso de Jude Law nas telas. Todo filme que ele vai ver tem Jude Law. Segundo ele, quando os produtores não conseguem Tom Cruise, eles pegam o Jude Law, o que não é a mesma coisa. Também criticou a não indicação de FAHRENHEIT - 11 DE SETEMBRO à categoria de melhor documentário e a reeleição de Bush. Mas o mais engraçado foi quando ele, ao ver as pessoas recebendo o Oscar na platéia, falou: "da próxima vez, vão dar o Oscar lá no estacionamento!". Outros momentos de Chris Rock: quando ele substituiu Catherine Zeta-Jones e apresentou um prêmio ao lado de Adam Sandler, e quando ele fez uma pesquisa popular e constatou que o público comum não assiste aos filmes do Oscar. 

Dos indicados na categoria principal, meu preferido era mesmo MENINA DE OURO, mas estava torcendo para O AVIADOR ganhar, já que além de ser uma obra-prima (cresceu muito em minha memória afetiva à medida que pensava no filme), seria uma maneira de consertar uma injustiça. Mas não foi dessa vez que Martin Scorsese levou a estatueta. E acho que THE DEPARTED, o próximo filme dele, não vai ter muita cara de filme pra Oscar, não. 

Pelo menos, dois excelentes colaboradores de Scorsese, a montadora Thelma Schoonmaker, que trabalha com o diretor desde o seu primeiro filme, e o fotógrafo Robert Richardson, de quem eu só vim notar a excelência de seu trabalho quando ele fez a direção de fotografia de KILL BILL. Para O AVIADOR, ele fez um grande trabalho de simulação da fotografia em technicolor dos anos 30 aos 50. Mas o prêmio considerado mais importante para o filme foi o de atriz coadjuvante para Cate Blanchett. 

De qualquer maneira, foi bom que o prêmio tenha ido pras mãos de Clint Eastwood. Seu trabalho em MENINA DE OURO foi realmente fenomenal. Até se poderia dizer que a Academia tem estado menos careta, já que nesse ano os dois principais concorrentes eram filmes bem sombrios. Poderia, se não fosse o tal hype em torno da figura de Clint nos últimos meses. 

A overdose da noite foi de Beyoncé Knowles. A cantora participou de nada menos que três canções. Como de costume, as canções selecionadas são uma xaropada só. Se ao menos eles tivessem indicado o Mick Jagger pela canção de ALFIE... Ainda bem que a canção premiada foi a bela "Al Otro Lado del Rio", de DIÁRIOS DE MOTOCICLETA, rendendo o melhor momento da noite. O uruguaio Jorge Drexler, autor da canção, tinha sido impedido de cantar por não ser famoso o suficiente e a organização da festa colocou Antonio Banderas e Carlos Santana para substituí-lo. A canção ficou tão ruim que até parece que foi de propósito. A vingança veio quando ele foi receber o prêmio de canção e, em vez dos tradicionais agradecimentos, ele mandou um pedacinho da música à capela, só pra eles verem o que eles perderam ao não o terem escalado. Banderas ficou bem feliz. 

A homenagem mais respeitosa da noite foi para o veterano Sidney Lumet, que está desde os anos 50 ativo e fazendo grandes filmes. Ele ganhou o prêmio especial pelo conjunto da obra. 

Entre as beldades da noite, fiquei especialmente maravilhado com a beleza da colombiana Catalina Sandino Moreno, que concorria a melhor atriz pelo filme MARIA CHEIA DE GRAÇA. As outras mulheres lindas da noite foram a nossa Gisele Bünchen, sentada logo à frente, ao lado do namorado DiCaprio (com uma mulher daquelas, o Leo não tem como ficar triste por não ter ganhado o prêmio); e a Kate Winslet, com aquele sorriso lindo. 

VENCEDORES 

Melhor Filme - MENINA DE OURO 
Melhor Ator - Jamie Foxx, RAY 
Melhor Ator Coadjuvante - Morgan Freeman, MENINA DE OURO 
Melhor Atriz - Hilary Swank, MENINA DE OURO 
Melhor Atriz Coadjuvante - Cate Blanchett, O AVIADOR 
Melhor Direção - Clint Eastwood, MENINA DE OURO 
Melhor Roteiro Adaptado - SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS 
Melhor Roteiro Original - BRILHO ETERNO DE UMA MENTE SEM LEMBRANÇAS 
Melhor Filme de Animação - OS INCRÍVEIS 
Melhor Direção de Arte - O AVIADOR 
Melhor Fotografia - O AVIADOR 
Melhor Figurino - O AVIADOR 
Melhor Edição - O AVIADOR 
Melhor Maquiagem - DESVENTURAS EM SÉRIE 
Melhor Trilha Sonora Original - EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA 
Melhor Canção Original - "Al Otro Lado Del Río", DIÁRIOS DE MOTOCICLETA 
Melhor Edição de Som - OS INCRÍVEIS 
Melhor Som - RAY 
Melhores Efeitos Visuais - HOMEM-ARANHA 2 
Melhor Documentário - BORN INTO BROTHELS 
Melhor Documentário - Curta-Metragem - MIGHTY TIMES: THE CHILDREN'S MARCH 
Melhor Filme Estrangeiro - MAR ADENTRO (Espanha) 
Melhor Curta de Animação - RYAN 
Melhor Curta-Metragem - WASP

domingo, fevereiro 27, 2005

DISQUE M PARA MATAR (Dial M for Murder)

 

Não tinha intenção de rever DISQUE M PARA MATAR (1954) nessa minha peregrinação pela obra de Alfred Hitchcock, mas quando comecei a ler a entrevista no livro Hitchcock / Truffaut sobre o filme, vi que já havia se passado muito tempo desde que o vi pela primeira vez, há mais de dez anos, e não me lembrava de muita coisa. Outra razão para eu não ter tanta vontade de revê-lo era por sua natureza teatral - foi baseado numa peça de teatro - e por ter muita conversa. Mas a possibilidade de rever o filme numa bela cópia em DVD da Warner, com direito a mini-documentário de Laurent Bouzereau, me fez pensar duas vezes. Sem falar na saudade que eu tinha de Grace Kelly, a minha preferida das musas hitchcockianas. 

Ela, aliás, pode até ter tido a sua melhor performance em DISQUE M PARA MATAR, mas ainda a prefiro mais bela e sedutora nos filmes seguintes - JANELA INDISCRETA (1954) e LADRÃO DE CASACA (1955). O problema é que em DISQUE M PARA MATAR Grace está basicamente no papel de vítima, ainda que ela tenha sabido se defender muito bem do assassino na cena-chave do filme. Sua beleza pode ser observada nas mudanças de figurino: quando ela está com o marido, ela aparece vestida de branco; e com o amante, aparece lindamente vestida de vermelho. 

Esse foi apenas o terceiro filme colorido de Hitchcock. Os primeiros foram FESTIM DIABÓLICO (1948) e SOB O SIGNO DE CAPRICÓRNIO (1949). Em FESTIM DIABÓLICO, as cores não eram muito vivas e não houve um bom trabalho de elaboração do ambiente. Em DISQUE M PARA MATAR há todo esse cuidado com as cores no cenário e nas roupas. 

A história guarda semelhanças com as de FESTIM DIABÓLICO e PACTO SINISTRO (1951), que é a respeito de alguém que planeja o que seria o crime perfeito. Há também uma semelhança em termos de estrutura com PSICOSE (1960). A segunda parte de DISQUE M PARA MATAR, por exemplo, com a investigação em torno da morte do personagem de Anthony Dawson, lembra a segunda parte de PSICOSE, que acontece logo após a morte da personagem de Janet Leigh. 

Os trinta minutos iniciais do filme podem até incomodar a algumas pessoas, já que é só falatório sobre os planos para o assassinato que aconteceria na noite seguinte. A câmera quase não sai do lugar, mas depois pode-se notar ângulos geniais, como na cena em que Milland examina os bolsos do cadáver, ou naquela cena que mostra Grace Kelly abrindo a janela para respirar ar puro, logo depois de quase ter morrido asfixiada. 

Hitchcock subverte a trama ao fazer com que o vilão (Ray Milland) seja a pessoa mais simpática do filme, por causa de sua inteligência e elegância. Na cena em que ele vai até o telefone para dar o sinal para o assassino "contratado" matar Grace Kelly e encontra a cabine ocupada, a gente fica torcendo para que o homem desocupe logo a cabine para que os seus planos dêem certo. 

Por falar em telefone, Hitchcock usou um recurso bem interessante para o grande close do dedo discando o número. Como o filme foi filmado em 3-D, que consistia no uso de duas câmeras para filmar a mesma cena em todo o filme, e era impossível aproximar as duas câmeras e fazer o tal close, Hitchcock mandou confeccionar um telefone e um dedo gigantes. Dá até pra suspeitar que aquele dedo não é de verdade. 

Nos extras do DVD, além do documentário de 21 minutos sobre o making of, há outro, de 7 minutos, chamado "3D: A Brief History", falando sobre essa técnica que era um dos macetes usados pelos produtores para atrair as pessoas para o cinema, que estava perdendo público por causa da chegada da televisão. Foi nessa época que surgiu a tela larga - o cinemascope, o vistavision etc. Outra maneira de atrair o público era o efeito 3D, com aqueles óculos que dão uma dor de cabeça dos diabos. Por isso que só de vez em quando novos filmes em 3D aparecem. Eu, pelo menos, só tive oportunidade de ver dois filmes com os óculos de papelão: um do Freddy Krueger e outro dos Pequenos Espiões. 

Já no documentário de Laurent Bouzereau, a maior novidade é a presença do grande M. Night Shyamalan comentando o filme ao lado dos já conhecidos Peter Bogdanovich, Patricia Hitchcock, do historiador de cinema Robert Osborne e do diretor de PSICOSE 2 (1983) Richard Franklin. (Aliás, não sei porque convidam Franklin. PSICOSE 2 é tão importante assim? Se bem que eu sei que algumas pessoas vão pensar o mesmo de Shyamalan.)

sábado, fevereiro 26, 2005

REFÉM DE UMA VIDA (The Clearing)

 

REFÉM DE UMA VIDA (2004), de Peter Jan Brugge, é bem diferente do que normalmente se espera de um filme sobre seqüestro - O PREÇO DE UM RESGATE, de Ron Howard, é o que mais facilmente me vem à cabeça como um exemplo clássico. Não que não haja doses de suspense no filme. Há bastante, mas o filme de Jan Brugge é mais intimista, concentrando-se no relacionamento entre seqüestrador e refém e na angústia da esposa do seqüestrado. 

Um dos pontos altos do filme é a montagem, que alterna os momentos em que Robert Redford é levado pela floresta pelo seqüestrador (Willem Dafoe) e os momentos em que Helen Mirren pede ajuda ao FBI para ajudar nas negociações do resgate do marido. Há uma espécie de antecipação da história nas cenas de Helen Mirren, criando uma interessante expectativa, já que ficamos sabendo de parte do que aconteceu com Redford, mas queremos saber mais. As cenas com Helen Mirren estão sempre cronologicamente à frente das cenas com Redford e Dafoe. 

O título original do filme (THE CLEARING) se refere à clareira entre as árvores, na floresta. Também pode significar "acerto de contas". Numa interpretação mais livre, me passou pela cabeça que poderia se referir também ao esclarecimento de alguns eventos, tanto para nós, espectadores, quanto para os personagens, no decorrer do filme. 

Assim como A VILA, de M. Night Shyamalan, REFÉM DE UMA VIDA pode ser visto como uma metáfora da relação entre os EUA e os países do Oriente Médio. O seqüestrador seria o terrorista talibã que, cansado de ser escravo do patrão rico e de um sistema que não lhe oferece uma vida digna, age de maneira desesperada, como se essa fosse sua única saída. 

Os três atores principais do elenco estão ótimos, mas destaco principalmente Willem Dafoe, que ultimamente andou pegando uns papéis ridículos de vilão, talvez por causa de seu sucesso como o bad guy de VIVER E MORRER EM LOS ANGELES (1985), mas só mesmo a necessidade de dinheiro para o leite das crianças para ele se submeter a papéis horrorosos como os de VELOCIDADE MÁXIMA 2 (1997) e HOMEM-ARANHA (2002). Seu personagem em REFÉM DE UMA VIDA é bem mais sutil. É mais alguém desesperado em busca de uma solução para os seus problemas do que uma pessoa essencialmente má. 

O holandês Pieter Jan Brugge, fez sua estréia na direção com esse filme. Antes ele havia produzido filmes como FOGO CONTRA FOGO (1995) e O INFORMANTE (1999), ambos de Michael Mann, e O DOSSIÊ PELICANO (1993), de Alan J. Pakula. Agora ele mostrou que também tem talento para a direção com esse belo filme. 

O próximo título a ser exibido no Cinema de Arte será NÃO SE MOVA, do italiano Sergio Castellitto, com Penélope Cruz e o próprio Castellitto no drama de um homem casado que tem um caso com uma camareira de hotel.

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

OS SAPATINHOS VERMELHOS (The Red Shoes)

 

Em NEW YORK, NEW YORK (1977), de Martin Scorsese, tem uma cena em que Robert De Niro faz check in num hotel com o nome de Michael Powell. Essa não era a única homenagem que Scorsese fazia a um de seus diretores preferidos e um dos que mais lhe influenciaram. A própria história de NEW YORK, NEW YORK - pelo que eu li, já que nunca vi esse filme de Scorsese - é inspirada num dos mais famosos filmes de Michael Powell e Emmeric Pressburger: OS SAPATINHOS VERMELHOS (1948). OS 

SAPATINHOS VERMELHOS é um desses filmes obrigatórios para cinéfilos, desses que vez ou outra aparecem em listas de melhores de todos os tempos. Já tinha visto o DVD na locadora há algum tempo, mas não tinha tido coragem de ver porque 1) eu não gosto de filmes de balé e o título brasileiro é meio boiola; e 2) o DVD era da Continental e, com a fama que essa empresa tem, a cópia devia ser uma porcaria. Mas me surpreendi duplamente, já que 1) a cópia do DVD está ótima, copiada da edição especial da Criterion; e 2) o filme é bem mais que uma simples história de balé. Ajudou também o fato de o Renato ter me pedido pra gravar o filme pra ele numa fita. Aí, eu aproveitei pra finalmente conferí-lo. 

A primeira coisa que impressiona no filme é a bela fotografia em technicolor. Há um clima de irrealidade bem interessante, pontuado pelos filtros de cores e movimentos de câmera ousados - em certo momento, a câmera rodopia, simulando os giros da bailarina, numa cena que é de deixar a gente tonto. 

O filme tem semelhanças com os musicais americanos, mas seria melhor classificado - se assim fosse preciso - como um melodrama. A história principal gira em torno de um triângulo amoroso. Há a moça que quer ser uma grande bailarina e o rapaz que quer ser um grande compositor. Os dois são contratados por um importante e exigente empresário, que cuida de grandes espetáculos de balé. Com o tempo, os dois se tornam cada vez melhores e mais famosos nas suas profissões e se apaixonam um pelo outro, justamente na mesma época em que o empresário também fica apaixonado pela moça. 

Esse foi apenas o segundo filme de Michael Powell que eu assisti. O primeiro e - por enquanto meu preferido - foi o thriller A TORTURA DO MEDO (1960). Powell dirigiu sozinho mais de trinta filmes, e em parceria com Pressburger mais de vinte. Ele é considerado um dos maiores cineastas da Inglaterra. No livro Hitchcock / Truffaut, o diretor francês chegou a dizer que acredita haver uma incompatibilidade entre os termos "cinema" e "Grã-Bretanha", dada a pouca expressividade da cinematografia britânica. Truffaut achava que Hithcock era uma exceção, que ele fazia filmes mais parecidos com os filmes americanos. Será que Truffaut não gostava de Michael Powell?

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

VOZES DO ALÉM (White Noise)

 

Este ano está meio estranho em se tratando de lançamentos nos cinemas em tempo de Oscar. Em anos anteriores, nessa época estaria chegando nos cinemas os indicados ao Oscar não só da categoria principal, mas também os filmes que receberam indicações na categoria de ator e atriz. Teve ano que eu cheguei a ver todos os indicados da categoria de filme estrangeiro - nesse ano, por enquanto, só chegou MAR ADENTRO. Em vez dos filmes "do Oscar", estão chegando por aqui filmes de terror, aventura e comédia. Na sexta-feira passada as duas maiores estréias (mercadologicamente falando) foram HITCH - CONSELHEIRO AMOROSO e VOZES DO ALÉM. Para o próximo fim de semana, já estão garantidos o remake de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA e LADRÃO DE DIAMANTES. Que coisa... 

VOZES DO ALÉM (2005) era um filme que tinha me chamado a atenção quando eu vi o trailer pela primeira vez, baixado da internet. A decepção foi grande. Eles pegaram um tema até interessante, que é o EVP (Electronic Voice Phenomena), e mal aproveitaram numa história fraca e uma direção sem criatividade - o diretor Geoffrey Sax só tinha feito filmes para a televisão. 

O EVP é a técnica de comunicação com os mortos através de aparelhos eletrônicos fora de sintonia, como uma televisão ou um rádio. Pode-se captar tanto sons quanto imagens. Já faz tempo que tinha ouvido falar dessa maneira de se comunicar com o além. Ao mesmo tempo que desacredito, acho fascinante. A vida após a morte sempre me interessou. Uma pena não terem feito um filme sério sobre esse assunto. 

Em VOZES DO ALÉM, o sumido Michael Keaton perde a esposa (a bela Chandra West) num acidente de carro. Dias depois, um homem vem até ele e diz que sua esposa manteve contato. A coisa começa a encher o saco quando o filme vira uma trama manjada de espíritos malignos perturbadores e piora ainda mais quando o fantasma da esposa de Keaton começa a prever o futuro de algumas pessoas prestes a morrer. Constrangedor. 

P.S.: Já está na rede o Projeto 365, um blog coletivo sobre filmes raros ou pouco conhecidos. Todo dia um filme diferente é comentado. Participam do blog feras como Carlos Primati, Carlos Reichenbach, Diogenes L. Cesar, Fábio S. Ribeiro, Fabrizio Barberini, Fernando Veríssimo, Gustavo Cavinato, Heráclito Maia, Leandro Caraça, Milton do Prado, Otávio Moulin, Vébis Jr. e Vinnie Bressan. Também estou nessa e deve pintar texto meu a partir da terceira semana. Passem lá!

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

FISHER, DANTE E HOOPER

 

Ainda não consegui botar em dia todos os filmes que vi aqui no blog. Mas, aos poucos, vou escrevendo sobre os títulos, principalmente porque o meu ritmo de filmes vistos diminuiu bastante. Nesse fim de semana, por exemplo, eu só vi dois filmes inteiros. Um no cinema, SPARTAN, e outro em vhs. Muito pouco. Esses três títulos que comento agora têm em comum o fato de terem sido dirigidos por três cineastas que tiveram seus grandes momentos no gênero horror. Terence Fisher é considerado o melhor diretor da Hammer. Se não fosse por ele, a produtora inglesa não teria sido tudo o que foi. Joe Dante, se não tem feito mais filmes de horror desde os anos 80, pode-se ver em seus filmes várias homenagens ao gênero e ao seu mestre Roger Corman, como, por exemplo, em LOONEY TUNES: DE VOLTA À AÇÃO (2003), aquele longa com o Pernalonga. Já Hooper, até se poderia dizer que ele está em decadência, mas pelo menos ele continua firme como diretor especializado em terror. Gostei pra caramba do primeiro episódio de TAKEN (2002), que ele dirigiu. Jogo rápido no esquema três em um. 

FRANKENSTEIN TEM QUE SER DESTRUÍDO (Frankenstein Must Be Destroyed) 

Pena eu ter visto esse filme, que é o quinto da série Frankenstein da Hammer, sem ter visto o terceiro e o quarto. Com A VINGANÇA DE FRANKENSTEIN (1959), eu já tinha notado que Fisher teria condições de continuar com muita inventividade essa série com o grande Peter Cushing, sem precisar ficar preso à obra literária de Mary Shelley, como era o caso do primeiro filme - A MALDIÇÃO DE FRANKENSTEIN (1957). Não sei dizer o que aconteceu em O MONSTRO DE FRANKENSTEIN (1964) e E FRANKENSTEIN CRIOU A MULHER (1967), mas nesse quinto filme, o Barão Victor Frankenstein está escondido da polícia, por causa de suas experiências científicas envolvendo cadáveres. Nesse filme, ele chantageia um jovem médico e sua noiva para que eles o ajudem num transplante de cérebro. Ele planeja retirar o cérebro de um médico com o corpo doente e aplicá-lo num corpo saudável - se é que podemos chamar um cadáver de saudável. Depois desse filme, Fisher ainda faria FRANKENSTEIN AND THE MONSTER FROM HELL (1974), que marcaria o fim dos filmes do Barão na companhia inglesa - antes desse filme, foi feito HORROR DE FRANKENSTEIN (1970), mas nem participaram Fisher nem Cushing. Só não sei como é que o Barão pode ter escapado da morte no final de FRANKENSTEIN TEM QUE SE DESTRUÍDO. O dvd da Warner, se não oferece nenhum extra além do trailer original, pelo menos tem uma imagem ótima e em widescreen

GRITO DE HORROR (The Howling) 

Desde o início de minha cinefilia que tinha vontade de ver esse filme. GRITO DE HORROR (1981), de Joe Dante, é um dos mais importantes filmes do gênero da década de 80, além de ser comparável a O LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, feito no mesmo ano. A principal diferença entre os dois filmes, no que se refere aos efeitos especiais da transformação do homem em lobo, é que no filme de Landis, a cena da transformação é mais lenta e o lobisomem tem mais aspecto de lobo, anda em quatro patas e tudo. Já no filme de Dante, o lobisomem aparece no estilo clássico, fica de pé e tem aparência mais monstruosa e assustadora. Prefiro o filme de Landis pelo elemento humor e por ter um ritmo mais rápido. O filme de Dante é mais lento e até me deu um pouco de sono lá pela metade - talvez o filme tenha envelhecido um pouco. Mas o final é inesquecível, hein, com a repórter virando lobisomem na frente das câmeras! O DVD da CineMagia está com qualidade ótima e ainda traz, como extra, um artigo do especialista Carlos Primati intitulado "O Lobisomem no Cinema". 

NOITES DE TERROR (Toolbox Murders) 

Angela Bettis, a protagonista do bacana MAY - OBSESSÃO ASSASSINA (2002) e da refilmagem para a tv de CARRIE (2002), é uma jovem que se muda para um prédio bem sinistro, junto com seu marido médico. Como o marido sai pra trabalhar, ela fica sozinha no prédio sem ter o que fazer e acaba notando coisas muitos estranhas. Ver NOITES DE TERROR (2003) me passou uma estranha sensação de familiaridade, como se eu já tivesse visto esse filme antes. Apesar de não ser um grande filme e a história ser meio fraca, é um filme que mantém o interesse até o final, com ótimo ritmo e cenas de assassinato bem interessantes. Não é o retorno triunfal de Hooper aos grandes filmes, mas dá pro gasto. Visto em DVD.

sábado, fevereiro 19, 2005

SPARTAN



Quando David Mamet começou a dirigir, no final dos anos 80, seus primeiros trabalhos foram bem celebrados pela crítica. Mamet, antes de debutar na direção era um roteirista de primeiro escalão, responsável pelos roteiros de O DESTINO BATE À SUA PORTA (1981), O VEREDITO (1982) e OS INTOCÁVEIS (1987). Sua estréia na direção veio com o elogiado JOGO DE EMOÇÕES (1987) e desde então ele não parou mais. Seja fazendo roteiros para filmes que ele mesmo dirige ou para outros diretores, seu estilo é marcante. Seus filmes são marcados por diálogos primorosos e tramas inteligentes.

Em SPARTAN (2004), seu mais recente filme, Val Killmer é um experiente oficial do exército e especialista em operações secretas que é chamado para resgatar a filha de um político importante dos EUA (o filme nunca diz se o político é candidato a presidente, ou a governador ou algo do tipo), vítima de seqüestro. As investigações vão evoluindo, surpresas vão aparecendo, e o protagonista se vê enredado numa trama comandada pelo próprio governo americano.

Se comparado com O ASSALTO (2001), seu filme anterior, SPARTAN é bem menos cerebral e complicado. Sua história é até simples e o filme é econômico nos diálogos. O estilo aqui é de filme de ação. Mas não um filme de ação como outro qualquer. Aqui, não há espaço para o desnecessário ou o apelativo. Outro diretor teria mostrado a cena em que o personagem de Derek Luke mata o seu colega no teste final para se trabalhar nas operações secretas do exército para mexer com o sangue da platéia. Mamet preferiu usar uma elipse. O que deixa o filme um pouco frio, mas esse é o estilo do diretor.

Mamet parece se preocupar em manter a platéia tão lúcida e sóbria quanto ele. O sentimentalismo é também deixado de lado. Melhor dizendo, o sentimentalismo é posto pra debaixo do tapete, como os sentimentos do personagem de Kilmer, que tem que ser durão como um soldado espartano. Não importa se é preciso ficar sem dormir ou mesmo matar um policial para que seu serviço seja bem sucedido. Lembra um pouco o Jack Bauer da série 24 HORAS.

A fotografia do filme, a cargo do espanhol Juan Ruiz Anchía, que já havia trabalhado com Mamet em seu primeiro filme, é uma atração à parte. O filme talvez seja o que mais privilegia o visual em detrimento dos diálogos dentre os filmes do diretor. A fotografia em scope pede para que o filme seja visto no cinema, principalmente porque a distribuidora é a Europa, que não costuma lançar os DVDs em widescreen. Inclusive, o filme está sendo lançado esse mês nas locadoras.

Na próxima semana, o filme a ser exibido no Cinema de Arte será REFÉM DE UMA VIDA (2004), de Pieter Van Brugge, que também tem como tema o seqüestro. A abordagem é que é um pouco diferente do usual. O filme é mais intimista, privilegiando o relacionamento entre seqüestrador e seqüestrado, e o sofrimento da esposa da vítima.

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

AKIRA KUROSAWA EM DOIS FILMES

 

Até pouco tempo atrás, Akira Kurosawa era como Federico Fellini pra mim: um cineasta consagrado e respeitado mundo afora, mas que não me despertava a emoção e o interesse que outros grandes cineastas despertavam. Com Fellini, aos poucos, vou me livrando dessa cisma. Já Kurosawa, pretendo ver mais filmes dele para tomar gosto por sua obra. O que acontecia pra eu não curtir tanto os seus filmes é que às vezes eu achava difícil entender a psicologia dos personagens e suas motivações (DODESKADEN, 1970), às vezes o filme me dava sono (RASHOMON, 1950), ou às vezes eu me perdia na história (RAN, 1985). Dos que eu vi, os que mais gostei foram DERSU UZALA (1974) e SONHOS (1990). 

Agora que estou me interessando mais pelo estilo de vida samurai - muito por causa do mangá Vagabond -, estou tentando recomeçar a ver a obra de Kurosawa a partir dos filmes de samurai. Lendo o texto sobre o diretor no site Senses of Cinema, fiquei com vontade de ver KAGEMUSHA - À SOMBRA DO SAMURAI (1980). Até hoje não tive disposição pra pegar OS SETE SAMURAIS (1954), o seu filme mais famoso, por causa da longa duração. Dessa vez, peguei dois filmes de samurai do diretor que têm Toshiro Mifune fazendo o mesmo papel, o do poderoso e astucioso ronin Sanjuro: YOJIMBO (1961) e SANJURO (1962). 

Pena que a maioria dos filmes de Kurosawa disponíveis em DVD no Brasil foram lançados pela Continental. Ao contrário do belo trabalho que a distribuidora fez com com OS SAPATINHOS VERMELHOS, de Powell e Pressburger e com os filmes do Tarkovski, esses DVDs do Kurosawa estão horríveis. O caso do DVD de YOJIMBO é revoltante. O aspecto original do filme é 2,35:1, mas tenho impressão que a Continental pegou a imagem do DVD ou do VHS americano e aumentou a tarja preta inferior para cobrir as legendas em inglês, de modo que o que vemos na tela é apenas um fiapo de imagem. Aquilo ali não é 2,35 não. Mais parece 2,70 ou algo assim. Suspeito disso por já ter assistido um VHS de PERSONA, de Ingmar Bergman, também da Continental, em que a dita cuja colocou essas tarjas pretas pra cobrir as legendas em inglês. Um trabalho porco e desrespeitoso para com a obra e para com o espectador. O caso de SANJURO é menos grave e mais comum. O aspecto original é 2,35:1 e eles cortaram um pouco nos lados e ficou aproximadamente 1,85:1. 

YOJIMBO - O GUARDA COSTAS / YOJIMBO (Yojimbo) 

Apesar do incômodo que foi ver o filme com esses problemas, fica claro que trata-se de um grande filme, rico em atmosfera e com uma trama inteligente. No filme, Mifune é Sanjuro, o samurai sem mestre e sem dinheiro que chega numa cidade meio abandonada e cheia de poeira. As pessoas da cidade ficam quase o tempo todo dentro de suas casas. Há uma constante briga entre dois clãs, chefiados por dois senhores. Um deles produz sêda; o outro, saquê. Mas quem está sempre lucrando é o homem que confecciona caixões. Sanjuro chega na cidade oferecendo os seus serviços aos dois senhores. Quem der mais, leva. Acontece que não se pode confiar nesses senhores que querem trair Sanjuro. Só que, como diria o Chapolin, eles não contavam com sua astúcia. O filme inspirou POR UM PUNHADO DE DÓLARES (1964), de Sergio Leone. Na verdade, o filme de Kurosawa já tinha um jeitão de western - ele era fã de John Ford. Talvez por isso, os japoneses achavam que ele era muito ocidentalizado e dificultaram a carreira do diretor a partir da metade dos anos 60, quando ele teve que fazer filmes com dinheiro de outros países (URRS, EUA, França). O que eu sinto falta nas cenas de luta de espada, nos dois filmes, é a falta de sangue. Sanjuro mata um monte de caras com sua espada e não se vê sangue. Mas os tempos eram outros e sangue espirrando pra todo lado talvez fosse demais para a época. (Ao que parece, no filme inteiro, o nome Sanjuro não aparece. O personagem não teria nome. Só no filme SANJURO é que o personagem de Mifune se autodenominaria assim, inspirado numa flor, o crisântemo.) 

SANJURO (Tsubaki Sanjuro) 

Ver esta "continuação" de YOJIMBO foi mais prazeiroso pra mim do que ver o filme original. Pra começar, a cópia está bem mais assistível, apesar da fotografia estar bem escura nas cenas noturnas. Na trama, Sanjuro protege um grupo de homens de um clã que está sendo ameaçado pelo chefão do outro clã - o chefe do clã que Sanjuro está protegendo foi seqüestrado. O clima de SANJURO é mais de sátira, com vários momentos engraçados. Diferente do clima atmosférico de YOJIMBO. Ainda assim, o final do filme é triste, porque sente-se o respeito que Sanjuro tem pelo seu maior adversário. O código de honra dos samurais é realmente muito cruel. Agradecimentos ao Otávio por ter me fornecido os cartazes originais japoneses.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

MAR ADENTRO

 

Confesso que quando soube que Alejandro Amenábar iria enveredar pelo drama, depois de nos presentear com três filmes do gênero terror/suspense, fiquei um pouco decepcionado. É que eu estava acompanhando o seu aperfeiçoamento ascendente com os filmes TESIS / MORTE AO VIVO (1995), O PRISIONEIRO DA ESCURIDÃO / ABRA OS OLHOS (1997) e OS OUTROS (2001) e esperava que ele continuasse a nos pregar sustos com filmes tão bem realizados. Sinto falta de novos diretores especializados em terror, como John Carpenter, George Romero, Dario Argento, Wes Craven. 

Mas depois de ver MAR ADENTRO (2004), vi que essa minha preocupação não tinha razão de ser. Amenábar mostra um domínio da arte cinematográfica que vai além daquilo que ele já tinha demonstrado muito bem em seus thrillers. Entrando para o território do drama, ele tem a oportunidade de trabalhar com sentimentos e com personagens mais complexos do que os geralmente mostrados nos filmes de terror. 

MAR ADENTRO conta a história real de Ramón Sampedro, brilhantemente interpretado por Javier Bardem, que fica preso a uma cama há 28 anos por causa de um acidente que o deixou tetraplégico. Para ele, viver daquela forma não é digno. Ele fica tão revoltado com a situação que o seu principal objetivo de vida é conseguir alguém que lhe pratique a eutanásia. Como ninguém de sua família tem coragem de fazer isso, ele tenta conseguir junto aos tribunais uma decisão judicial que possibilite a alguém tirar-lhe a vida. 

A trama do filme se inicia quando surge uma advogada disposta a defender no tribunal a causa de Ramón. Ela ficou interessada pelo caso por ter se identificado com o seu drama: ela sofre de uma doença degenerativa, que já estava lhe afetando as pernas. O relacionamento de Ramón com ela, bem como sua relação com Rosa, uma mulher que mora em seu povoado, é das coisas mais belas do filme. O surgimento dessas duas mulheres devolve um pouco a alegria que faltava na vida daquele sofrido homem. Tanto que chegamos a pensar que ele talvez até desista da idéia da eutanásia, já que encontraria no amor um novo sentido para viver. 

São vários os momentos belos do filme. Várias vezes MAR ADENTRO nos leva às lágrimas. Há uma seqüência que é excepcional. Nela, o protagonista, ouvindo uma música clássica no toca-discos, usa sua imaginação para se levantar da cama e em seguida voar até a praia e se imaginar nos braços de uma de suas amadas. Uma cena tão viajante que faz com que a gente se sinta voando também. É uma sensação muito boa. 

Vi MAR ADENTRO num sessão pré-estréia. Ele deve estar entrando em circuito normal a partir de sexta. O filme até que não tem despertado tantas polêmicas como se imaginava, por causa de seu tema espinhoso. Quanto a Javier Bardem, aguarda-se nos cinemas KILLING PABLO, de Joe Carnahan, em que Bardem interpreta o chefão das drogas Pablo Escobar. 

MAR ADENTRO concorre a dois Oscar: melhor filme estrangeiro e maquiagem. Uma injustiça não terem indicado Bardem.

terça-feira, fevereiro 15, 2005

A TORTURA DO SILÊNCIO (I Confess)

 

A boa notícia é que a minha irmã, que trabalha no fundo de pensão do Banco do Nordeste, me avisou que agora a biblioteca do centro cultural do banco está com um acervo de DVDs para empréstimo. Fiquei feliz ao saber que tem vários filmes do Hitchcock por lá, entre outros filmes clássicos interessantes. Aí, pedi pra ela trazer A TORTURA DO SILÊNCIO (1952) e O HOMEM ERRADO (1957). Assim, minha peregrinação pela obra do mestre do suspense não teve que ser suspensa. Vamos de A TORTURA DO SILÊNCIO, por hoje. 

O filme foi bastante elogiado pela crítica francesa na época do lançamento. Por outro lado, é um filme que Hithcock disse que não deveria ter sido feito. Ele falou isso na entrevista do livro Hitchcock/Truffaut e passou mesmo a impressão de que ele se arrependeu de tê-lo feito. Claro que eu não concordo com ele, apesar de não considerar o filme uma obra-prima. Hitchcock também não gostava do filme por achá-lo extremamente sério, sem o senso de humor típico de suas obras. A TORTURA DO SILÊNCIO, junto com O HOMEM ERRADO, é o par de filmes mais sério do diretor. 

Um dos destaques do filme é a sua fotografia noir, talvez a mais bela de todos os filmes de Hitch. A geografia de Quebec, onde o filme se passa, ajuda a compor o cenário barroco, com suas casas antigas e de uma arquitetura que lembra a de algumas cidades da Europa. 

Hitchcock faz sua aparição logo no início, atravessando uma rua escura, pouco antes de vermos o primeiro personagem da história: um homem assassinado dentro de uma Igreja. O assassino é o sacristão, que depois de cometer o crime sai da Igreja usando uma batina e vai se confessar com o padre, interpretado por Montgomery Clift. Como algumas testemunhas viram alguém sair da igreja de batina na hora do crime, o principal suspeito fica sendo o próprio padre, que não vai poder se defender e entregar o assassino, por causa do seu voto de silêncio. 

Trata-se de mais um filme de Hitchcock com o velho tema da transferência da culpa. Acontece que o filme não foi muito bem recebido nos EUA. Talvez porque o público de lá, a maioria protestante, não entendia porque diabos o padre não contava logo pra polícia quem era o desgraçado do criminoso. Em vez disso, ele ficava com cara de bobo, sem poder dizer nada, prestes a ser executado. Mais ou menos o que eu pensei ao ver o filme - talvez por ter vindo também de uma formação protestante. Isso realmente me incomodou, ao mesmo tempo que se constitui um dos elementos mais perturbadores do filme. Também não gostei do vilão do filme. Muito burro e estereotipado. 

Outro destaque é a presença de um dos atores americanos mais importantes da década de 50: Montgomery Clift. O ator estava no início da carreira quando fez esse filme. E uma de suas características era ter um rosto bonito e sempre triste, como se a tristeza tivesse tão presente nele que nada poderia fazê-lo feliz. Tristeza que só aumentou depois do acidente de carro que desfigurou o seu rosto. Peter Bogdanovich conta no documentário de 20 minutos presente no DVD que, tempos depois do acidente, ele estava num cinema que exibia A TORTURA DO SILÊNCIO, quando viu Clift entrar e sentar-se sozinho na parte de trás da sala. Bogdanovich foi até ele, o cumprimentou e perguntou como ele se sentia ao estar vendo aquele filme. Ele respondeu: "é difícil, muito difícil." 

Hitchcock não gostava do método de trabalho de Clift. Eis um trecho da entrevista de Hitch, contida no livro Afinal, Quem Faz os Filmes, em que ele descreve sua impaciência com o método do ator: 

"Lembro-me de que, quando ele saía do tribunal, pedi-lhe que olhasse para cima, a fim de me permitir cortar para a imagem do que ele estava vendo no edifício do outro lado da rua. Ele respondeu: 'Não sei se olharei para cima.' Bem, imagine. Disse-lhe: 'Se você não olhar para cima, não vou conseguir cortar.' Foi assim o tempo todo." 

O método de Clift, assim como o de outros atores de sua época, como Marlon Brando e James Dean, era procurar uma motivação para poder fazer suas cenas da maneira mais convincente possível. Hitchcock, que preferia filmar em pedacinhos, achava uma frescura esses métodos novos que estavam ensinando para os atores. 

Falando no elenco, pra encerrar, não posso deixar de falar da bela Anne Baxter (de A MALVADA), como a mulher apaixonada pelo padre. As suas cenas com Montgomery Clift são muito bonitas. Há também um curioso uso do flashback narrado por Baxter, todo em tons românticos, imagens difusas e que destoa bastante do restante do filme. A TORTURA DO SILÊNCIO é mais um DVD de dar gosto do pacote da Warner.

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

O AVIADOR (The Aviator)

 

Martin Scorsese é um diretor com uma marca tão forte que conseguiu transformar um projeto de outra pessoa num trabalho de autor. Seu Howard Hughes é herdeiro de Travis Bickle - TAXI DRIVER (1976) - e de Jake LaMotta - TOURO INDOMÁVEL (1980)-, personagens perturbados e solitários. Solitário como o próprio cineasta, que confessou que suas melhores horas são as que ele passa sozinho. Mesmo fazendo concessões ou fazendo filmes mais comerciais como o excelente CABO DO MEDO (1991), ainda assim, o diretor entrega obras excepcionais. O AVIADOR (2004), por exemplo, era um filme que estava para ser dirigido por Michael Mann, que desistiu do projeto por já ter realizado dois filmes baseados em personagens reais. Mann preferiu voltar para o terreno da ficção com COLATERAL, e sugeriu ao amigo Scorsese aceitar o projeto. Scorsese não aceitou de pronto a proposta, mas depois de ler o roteiro, sua paixão pelo cinema falou mais alto, já que o filme era sobre um dos mais importantes produtores de cinema de todos os tempos. Sem falar que o cara era super-excêntrico e assunto não faltava. 

Comparando com o filme anterior de Scorsese - GANGUES DE NOVA YORK (2002) -, O AVIADOR teve um efeito menos catártico em mim. Na verdade, durante a projeção, fiquei um pouco aborrecido em algumas cenas de política e aviação. Também achei meio forçada a tentativa de se estabelecer uma ponte com CIDADÃO KANE, de Orson Welles. O que mais me interessava ali era o Howard Hughes produtor de cinema. Inclusive, senti falta dos bastidores de O PROSCRITO (1943) e de alguma atriz peituda interpretando a Jane Russell. Mas não dá pra reclamar muito de um filme que tem aquelas espetaculares cenas das filmagens de HELL'S ANGELS (1930), um dos filmes mais ambiciosos já feitos. 

As cenas aéreas de O AVIADOR são eletrizantes, especialmente quando mostram o próprio Hughes de câmera em punho filmando em pleno céu os quarenta aviões. E pensar que quatro pessoas morreram nessa brincadeira. Será que essas cenas de aviões caindo e se esbarrando no céu estão mesmo no corte final do filme? Deu uma vontade de ver esse filme. Quem sabe agora alguma distribuidora lança esse título por aqui. Acho que só em dois animes de Hayao Miyazaki - NAUSICAA DO VALE DOS VENTOS e LAPUTA: O CASTELO NOS CÉUS -, que senti esse frio na barriga com cenas aéreas. Destaquei essa cena das filmagens de HELL'S ANGELS, mas as duas seqüências de pousos mais que forçados são igualmente espetaculares. Acredito que muita gente deve ter se segurado nos assentos do cinema nessas horas. 

Leonardo DiCaprio fez talvez a melhor performance de sua carreira como Howard Hughes, levando-se em consideração que O AVIADOR é um filme de ficção, baseado numa pessoa real. Pelo que dizem de Howard Hughes, ele era um ser humano asqueroso, repulsivo. Algo que deve-se questionar quando se pensa na quantidade de mulheres (e homens) que ele levou pra cama. Se bem que dinheiro compra muita coisa. 

Sobre o bissexualismo do milionário, não julgo Scorsese por ele ter escolhido mostrar apenas os relacionamentos de Hughes com o sexo oposto. O Howard Hughes de O AVIADOR não necessariamente precisa ser o Howard Hughes real. Mesmo que se pretendesse ser o mais fiel possível aos fatos, com certeza iria-se esbarrar no mito. Porém, o filme seria bem bombástico se mostrasse o seu relacionamento com astros como Cary Grant e Tyrone Power, bem como suas festas sadomasoquistas. Esse lado S&M, aliás, é apenas sugerido na cena em que Hughes contrata Faith Domergue para ser sua acompanhante e amante, depois do fim do namoro com Katharine Hepburn. 

Falando em Kate, a interpretação de Cate Blanchett está bem interessante, sem a preocupação de pintar uma Kate simpática e atraente. Ela é quase tão neurótica e nervosa quanto Hughes. A atriz até dá aquelas tremidas na cabeça, como que para prever o Mal de Parkinson que a tomaria de assalto nos anos seguintes. 

Já a linda Kate Beckinsale se saiu muito bem ao pegar esse abacaxi que era interpretar "o animal mais belo do mundo", como era considerada Ava Gardner, na época. Numa entrevista que li da moça, ela disse ter se sentido uma gorda feia, já que engordou nove quilos para interpretar Ava e não se achava nada deslumbrante. No filme, ela só aparece mais gorda no final. E até que ela ficou bem bonita assim mais gordinha. Ficou mais parecida com Ava. Muito bonita a cena em que ela resgata Hughes do seu isolamento, dando banho nele, procurando entender suas loucuras, fazendo sua barba. 

Quanto às loucuras de Hughes, como todo mundo é um pouco louco, identifiquei-me um pouco com o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) dele. Já saí algumas vezes do banheiro, por exemplo, e depois de ter lavado as mãos, peguei um papel-toalha para abrir a porta. Mas antes que digam que eu estou louco, aviso que isso não acontece com freqüência. 

Pelo visto, Leonardo DiCaprio é mesmo o novo DeNiro para Scorsese. Os dois estarão juntos pela terceira vez em THE DEPARTED (2006), baseado em INFERNAL AFFAIRS (2002), dos diretores Wai Keung Lau e Siu Fai Mak. 

O AVIADOR concorre a 11 Oscar: melhor filme, diretor, ator, ator coadjuvante (Alan Alda), atriz coadjuvante (Cate Blanchett), roteiro original, fotografia, montagem, direção de arte e cenários, figurino e edição de som. 

P.S.: Está no ar no site Cinema com Rapadura minha nova coluna. O tema dessa quinzena é o Oscar. Confiram!

domingo, fevereiro 13, 2005

MENINA DE OURO (Million Dollar Baby)

 

Vi o novo filme de Clint Eastwood no sábado, depois de uma sessão de MAR ADENTRO, de Alejandro Amenábar, e não sabia o quanto os dois filmes tinham em comum. MAR ADENTRO me fez chorar bastante, mas o filme de Clint teve um efeito diferente. MENINA DE OURO (2004) nos deixa com um nó na garganta, com o coração pesado e permanece bem mais tempo na memória, crescendo em valor cada vez mais. 

Já faz algum tempo que o tema da velhice tem sido uma constante na obra de Clint Eastwood. Mesmo antes de estar tão velho, como em BRONCO BILLY (1980), por exemplo, o diretor já mostrava personagens deslocados no tempo. Basta lembrar da cena da tentativa de assalto ao trem. Mas ali era só o começo. O velho caubói ainda faria o, até então, filme definitivo sobre o homem velho, que é OS IMPERDOÁVEIS (1992). Em MENINA DE OURO, o tema vai ainda mais fundo, além de também aprofundar a questão da culpa, que já havia sido muito bem trabalhada em OS IMPERDOÁVEIS. 

No novo filme, os três personagens principais estão no limite de suas idades. Eastwood interpreta um treinador de boxe, velho e amargurado, que sofre por não conseguir mais se corresponder com a filha. Tudo o que lhe restou foi a academia de boxe, o velho amigo e parceiro Morgan Freeman, que no passado foi um boxeador, e um amigo que é padre, que sempre o vê na missa todos os dias, às vezes fazendo perguntas racionais sobre os dogmas irracionais da Igreja. Até mesmo a personagem de Hilary Swank (excelente), a obstinada discípula do treinador, também está velha demais para começar a lutar. A própria Hilary se identificou bastante com a personagem, já que ela também veio de uma família bem pobre e lutou muito para se tornar uma atriz em Hollywood. Por isso, e por causa de sua entrega total à personagem, que o seu desempenho é tão convincente. O fato de o filme mostrar uma boxeadora mulher torna as cenas de luta ainda mais perturbadoras, no sentido de que a mulher é em geral mais delicada fisicamente do que o homem e não é fácil levar socos no nariz, nos olhos, no fígado, nos seios. 

As cenas na Igreja são bem representativas da culpa, sentimento tão associado à religião católica. É a culpa o principal eixo temático do filme. A culpa por não ter sabido ser o pai que deveria ser; culpa por não ter impedido o fim da luta que deixaria Morgan Freeman cego de um olho; e uma culpa ainda maior que surgirá no final do filme. Esse sentimento de pesar é compartilhado pelo público, que acompanha a dor do personagem. E esse sentimento é tão doloroso que o personagem de Clint em certo momento transfere a culpa para o personagem de Morgan Freeman, seu melhor amigo, para depois se arrepender de ter dito aquilo. 

A já conhecida direção econômica de Clint Eastwood aqui parece ainda mais evidente. É o cinema essencial em sua excelência. Aqui, não há muito espaço para lágrimas, mesmo nas cenas onde a dor impregna o ambiente. O sentimento está no rosto sofrido e de pedra do treinador e também na expressão de seu ajudante Morgan Freeman, que é também o narrador do filme. A narração daquele que é considerado o melhor ator do mundo pelo amigão Clint faz a marcação da melancolia em tons poéticos. Seu personagem é o mais sóbrio do filme e aquele que tem mais resolvida a capacidade de manifestar amor e solidariedade. 

A performance de Clint como ator está brilhante. Provavelmente a melhor dele. Logo atrás, ficaria o papel do jornalista de CRIME VERDADEIRO (1999). E saber que ele dirigiu essa obra-prima e ainda atuou, produziu e compôs a trilha sonora só atesta a sua posição, que é a de um dos melhores cineastas em atividade do mundo. Ele sempre teve uma extraordinária presença física, mas foi, várias vezes, considerado um ator limitado. Com seu desempenho em MENINA DE OURO, acredito que pouca gente vai voltar a dizer isso de novo. O efeito tempo tem estado do lado do velho Clint, como diz uma certa canção de outro herói da resistência. "Time is on my side. Yes, it is". 

MENINA DE OURO concorre a sete Oscar: melhor filme, diretor, ator, atriz, ator coadjuvante, roteiro adaptado e montagem. Mas Oscar não significa nada pra um filme dessa dimensão. 

Não deixem de ler a entrevista de Clint para o site da Film Comment, que o Filipe recomendou.

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

SCORSESE, EASTWOOD E PAYNE

 

Recentemente vi esses três filmes de cineastas que estão concorrendo ao prêmio de melhor diretor no Oscar desse ano. Os três têm estilos bem diferentes. Principalmente Alexander Payne, que é um diretor de outra geração, e por mais que digam que ele é um talento promissor, é difícil imaginar que ele um dia vai fazer obras-primas como Scorsese e Eastwood. Quanto aos veteranos, quem estreou primeiro na direção de longa-metragem foi Scorsese com este QUEM BATE À MINHA PORTA? (1969). Clint fez seu début na direção em 1971, com PERVERSA PAIXÃO, já tendo bastante experiência como ator desde os anos 50. O que o alavancou para o mundo foi a trilogia dos dólares de Sergio Leone, nos anos 60. 

QUEM BATE À MINHA PORTA? (Who's That Knocking at My Door?) 

Esse é um filme bem estranho. É irregular por ser uma colagem de filmagens feitas em épocas diferentes. A parte de Harvey Keitel com os amigos, que mais parece um vídeo caseiro, é meio chata. Essa parte, feita em 1965, era o filme de fim de curso de Scorsese. Posteriormente, ele foi adicionando novas cenas. Gosto bastante das cenas de Keitel e Zina Bethune conversando no banco de uma praça. Daí é que se vê de onde Tarantino tirou as idéias para compor o seu CÃES DE ALUGUEL. A conversa gira em torno de John Wayne e do filme RASTROS DE ÓDIO, de John Ford. Fica evidente que Scorsese, bom cinéfilo que é, quer homenagear os seus ídolos. Essa cenas são embriões do grande cineasta que surgiria. Inclusive, há a figura do anti-herói dos filmes de Scorsese, geralmente um sujeito violento e machista. Sente-se no filme uma vontade de inovar, com o uso de tomadas criativas. Uma outra seqüência do filme, a que mostra Keitel deitado na cama com umas mulheres nuas ao som de "The End", dos Doors, foi a última a ser incluída no filme. Os produtores acharam por bem adicionar esses elementos de sexo, drogas e rock and roll, que estavam em voga na época, por causa da nova tendência de trazer a contracultura para o cinema, nos EUA. No DVD da Warner tem um documentário bem interessante sobre as filmagens, como também comentário em áudio de Martin Scorsese e do assistente de direção Mardik Martin. Mas o áudio, achei difícil de ativar, além de vir sem legendas. 

BRONCO BILLY 

Que belo filme esse BRONCO BILLY (1980). Talvez o mais simples dos filmes de Eastwood, mas extremamente prazeiroso. Na história, Bronco Billy (Clint) é o chefe de um grupo que faz shows intinerantes do oeste selvagem, como um circo. Junta-se acidentalmente ao grupo - formado por homens que já cumpriram pena na prisão - a personagem de Sandra Locke. Ela vai ser a assistente de Bronco Billy. A história não é muito bem resolvida - não convence, por exemplo, aquela história de a polícia acreditar que Sondra tinha morrido sem ter um corpo para comprovar -, mas percebe-se no ar o carinho que o diretor sente pelos personagens e isso é contagiante. A própria persona de Eastwood já é, em si, um destaque no filme. Difícil não admirá-lo. Eu, por exemplo, várias vezes disse que queria ser Clint Eastwood vendo algumas de suas performances, principalmente quando ele era mais jovem, nos filmes do Leone. Um dia desses, o Francis, do blog Celulóide Cortado, falou: "Notei uma coisa muito engraçada: a relação dos críticos e blogueiros com Clint Eastwood (inclusive deste aqui) às vezes é quase homossexual." Achei bem engraçada essa afirmativa. Gravado do SBT. 

ELEIÇÃO (Election) 

Alexander Payne pode até não ser um grande diretor, mas os seus filmes são muito bons de se ver. Talvez ELEIÇÃO (1999) seja o melhor dele. Parece que sua especialidade é falar de losers. Foi assim com o Jack Nicholson entrando na aposentadoria de AS CONFISSÕES DE SCHMIDT (2002) e com o deprimido e travado Paul Giamatti em SIDEWAYS (2004). Não vi RUTH EM QUESTÃO (1996) pra confirmar essa tendência, mas gostei muito de ver Matthew Broderick, o menino rebelde de CURTINDO À VIDA ADOIDADO, vivendo um professor dedicado, quarentão e um pouco insatisfeito com sua vida monótona. A trama do filme gira em torno de uma eleição para presidente do corpo de estudantes da escola. O filme é cheio de situações engraçadas e Reese Whiterspoon consegue ser mesmo irritante como a estudante c.d.f. da escola. Visto em VHS.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

SINAIS DO MAL (Maléfique)

 

Bom saber que de vez em quando é possível encontrar um filme como SINAIS DO MAL (2002) nas locadoras. Quem sabe um dia desses HAUTE TENSION, de Alexandre Aja, não aparece também? E tendo visto esses dois filmes e lembrando de PACTO DOS LOBOS, de Christopher Gans, vou tendo a impressão que atualmente a França está substituindo a Itália como o país que mais faz filmes de terror na Europa. Será? 

SINAIS DO MAL, dirigido por Eric Valette, lembra alguns contos de terror de Clive Barker. (Se eu estivesse em casa, daria uma olhada pra ver qual é o conto da série Livros de Sangue que o filme mais se parece.) Não dá pra contar muito da história pra não estragar as surpresas, mas dá pra resumir assim: quatro prisioneiros - um homem enganado pela mulher, um transexual, um retardado e um velho bibliotecário - encontram por acidente um livro de magia dentro da cela onde eles estão. De repente, estranhos eventos começam a aparecer, como a estranha chegada de um homem que aparece com uma câmera de vídeo na cela deles. (Essa parte da câmera me lembrou A ESTRADA PERDIDA, de David Lynch, mas sem ser tão sinistro.) 

A produção poupa o dinheiro em astros e em locações, já que o filme inteiro se passa dentro da cela, mas não economiza nos efeitos especiais e na maquiagem, que estão de primeira. Eu assisti o filme à noite e assim que terminei fiquei meio cabreiro e imaginando que tinha alguém me olhando do lado de fora da janela ou embaixo da escada. Brrr.. O final do filme é sensacional! 

Agradecimentos ao Renato pela dica.

quarta-feira, fevereiro 09, 2005

PAVOR NOS BASTIDORES (Stage Fright)

 

Fim do carnaval e também das minhas férias. A partir de hoje vou diminuir minha ida às locadoras por causa do trabalho. Mas quem sabe daqui a um mês eu loque mais alguns filmes, já que ainda não completei a minha peregrinação pela obra de Alfred Hitchcock. Ainda falta ver, pelo menos, um grande filme do mestre lançado em DVD no Brasil, que é A TORTURA DO SILÊNCIO (1952), além de rever outros. 

Nesses dias, tive o prazer de ver pela primeira vez PAVOR NOS BASTIDORES (1950), um filme menor de Hitch, mas que não deixa de ser uma delícia de se ver. Duas coisas tornam o filme memorável: 1) é o único que Hitch fez com a estrela Marlene Dietrich; e 2) é o filme que ficou famoso porque o mestre do suspense mentiu num flashback

Na época, todo mundo ficou revoltado com o diretor por ele ter enganado o público. Ele mesmo falou em entrevistas que esse foi o segundo maior erro que ele cometeu em sua carreira - o primeiro foi ter "matado" o garotinho na cena da bomba de SABOTAGEM / O MARIDO ERA O CULPADO (1936). Por outro lado, muita gente acredita que isso seria, em vez de um erro, um toque de gênio do mestre, algo que torna esse filme superior à média dos filmes de suspense produzidos em Hollywood. Sem falar que esse negócio de mentir em flashback foi repetido em diversos filmes recentes. No momento, lembro de GAROTAS SELVAGENS, de John McNaughton. 

Apesar da presença sempre brilhante de Marlene Dietrich, a atriz principal do filme é Jane Wyman, a moça que, a fim de proteger o amado que está procurado pela policia acusado de assassinato, finge ser uma empregada doméstica para poder entrar na casa da vilã Dietrich. Ao mesmo tempo, ela é cortejada pelo policial que está investigando o caso, interpretado por Michael Wielding, sujeito que já foi um dos maridos de Elizabeth Taylor. 

Como Hitchcock mencionou em Hitchcock / Truffaut, um dos maiores problemas do filme é que os vilões são fracos. Por isso o filme perde o impacto que poderia ter. Aqui não vemos vilões tão ameaçadores como em INTERLÚDIO (1946) e PACTO SINISTRO (1951), por exemplo. Mas, entre as suas qualidades, pode-se ver no filme alguns momentos que prenunciam a obra-prima PSICOSE (1960). Por exemplo, na cena em que Richard Todd está correndo da casa onde está o corpo do marido de Dietrich, ele depois fica imaginando o que poderia estar ocorrendo, à semelhança da personagem de Janet Leigh, fugindo com os dólares do patrão em PSICOSE. 

O DVD da Warner está de dar gosto: imagem linda e um mini-documentário de cerca de 19 minutos, dirigido pelo grande Laurent Bouzereau. Todos os filmes de Hitchcock mereciam, no mínimo, um tratamento desses.

terça-feira, fevereiro 08, 2005

DESVENTURAS EM SÉRIE (Lemony Snicket's A Series of Unfortunate Events)

 

A primeira coisa que chama a atenção em DESVENTURAS EM SÉRIE (2004) é o visual. Até parece um daqueles ótimos filmes de Tim Burton. Isso porque o diretor de fotografia é o mexicano Emmanuel Lubezki, de A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA; o designer de produção é Rick Heinrichs, colaborador habitual de Burton; e o figurino é de Colleen Atwood, que trabalhou com Burton em ED WOOD e MARTE ATACA!. O visual do filme é de dar gosto. Especialmente na primeira meia hora de filme. Depois a gente se acostuma. 

A segunda coisa que chama a atenção é a presença de Jim Carrey. Ao mesmo tempo que ele está ótimo, se levarmos em conta sua performance em separado, ele não parece ser a pessoa ideal para a figura do malvado Conde Olaf, já que as suas palhaçadas diminuem o medo que os garotos poderiam sentir por ele. Talvez o único momento que provoque algum suspense seja durante a cena do trem. As aventuras que os jovens passam parecem mais excitantes do que perigosas, pelo tom mostrado no filme. Além de Jim Carrey, também ajudam a abrilhantar o filme os astros Merryl Streep e Dustin Hoffman. Jude Law aparece no filme, mas apenas com a voz e a silhueta. 

O filme é uma adaptação de três volumes da série Desventuras em Série - "Mau Começo", "Sala dos Répteis" e "O Lago dos Sanguessugas". Isso foi possível porque, ao contrário dos livros de Harry Potter, que vão mais e mais se parecendo com tijolos, os livros de Lemony Snicket são bem mais fininhos. 

Ao que parece, uma das intenções do autor do livro é fazer com que o leitor crie gosto pela leitura, já que um de seus heróis, o garoto Klaus, é rato de biblioteca e tem uma memória enciclopédica que lhe ajuda a sair de muitos apuros. A literatura é também homenageada através dos nomes de dois escritores célebres: Baudelaire e Poe. Logo, os livros são uma boa porta de entrada para jovens leitores se iniciarem nos prazeres das letras. 

Quanto ao diretor do filme, assim como Marc Forster, Brad Silberling tem a morte e o seu impacto na vida de quem fica como o seu principal tema recorrente. Foi assim com GASPARZINHO - O FANTASMINHA CAMARADA (1995), CIDADE DOS ANJOS (1998) e no drama VIDA QUE SEGUE (2002). Ainda acho que o melhor filme dele é GASPARZINHO. 

DESVENTURAS EM SÉRIE concorre a quatro Oscar: direção de arte, figurino, maquiagem e trilha sonora.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

AGONIA DE AMOR (The Paradine Case)

 

Último filme da parceria de Alfred Hitchcock com o produtor David O. Selznick, AGONIA DE AMOR (1947) está mais para drama de tribunal do que para filme de suspense, mas é um filme extremamente prazeiroso e tem muitas das características do mestre do suspense. 

A começar pela cena de abertura, onde vemos a Sra. Paradine (interpretada pela belíssima Alida Valli), uma mulher bonita e sofisticada tocando piano em sua casa luxuosa. Ela é interrompida pelo mordomo, que a informa que um policial está à sua porta. Ela vai presa, acusada de ter assassinado o seu marido cego. Desde essa cena de abertura que o filme nos prende de uma forma impressionante. Só a idéia de uma pessoa aparentemente normal estar sendo presa já é algo bem desagradável de se imaginar. Hitchcock depois faria o filme definitivo sobre o assunto em O HOMEM ERRADO (1957). 

Tudo leva a crer que essa sua obsessão pela figura do inocente sendo preso tenha vindo de sua experiência traumatizante na cadeia: quando criança, o seu pai lhe pregou uma peça e o enviou para o delegado de polícia com um bilhete. O delegado o trancafiou na cadeia por poucos minutos, mas que foram suficientes para deixar marcado esse momento por toda sua vida. Será que não teríamos um Hitchcock se isso nunca tivesse acontecido? 

Em AGONIA DE AMOR, Gregory Peck é o advogado responsável pelo caso da Sra. Paradine. Ele tem um casamento estável, mas se apaixona por sua cliente. (Também pudera, quem não se apaixonaria por Alida Valli?, que eu considero uma das mais belas atrizes a passar por Hitchcock. Talvez até mais linda que Ingrid Bergman.) O advogado acredita que ela é inocente e faz de tudo para inocentá-la. Também no elenco, e numa participação memorável, o grande ator britânico Charles Laughton, como o juiz implacável. Era de Laughton que Hitchcock mais gostava do elenco. Os dois já tinham trabalhado juntos em A ESTALAGEM MALDITA (1939). De acordo com a entrevista do livro Hitchcock/Truffaut, soube que o diretor não gostou da escalação de Allida Valli, nem de Gregory Peck, nem de Louis Jordan, julgando-os inadequados para os papéis. 

AGONIA DE AMOR é um filme mais simples de Hitch. Não tem muitos momentos virtuosos, com travellings antológicos ou coisas do tipo. O que podemos destacar de virtuosidade acontece apenas numa cena no tribunal, onde a Sra. Paradine está no banco dos réus e sente a presença do cavalariço chegando. Para dar a idéia de que a viúva estava sentindo a presença de seu serviçal no tribunal, Hitchcock usou a câmera girando em torno de Valli, enquanto ao fundo, em retroprojeção, vemos o cavalariço adentrar a corte. 

Depois desse filme, Hitchcock finalmente se libertaria do produtor Selznick e iniciaria a sua fase mais genial e brilhante com FESTIM DIABÓLICO (1948), quando ele passaria a ser o seu próprio produtor. Selznick já tinha ficado puto com Hitch porque ele não deixava mais espaço para ele cortar cenas que achava desnecessárias, já fazendo a edição em sua própria cabeça. Selznick dizia: "não consigo acompanhar esse quebra-cabeças de cortes que você está fazendo", conforme li em Afinal, Quem Faz os Filmes, de Peter Bogdanovich. É com esse filme que termina o mais famoso embate diretor vs produtor da história do cinema. 

Ah, e só pra deixar registrado: a cópia do DVD da Continental está surpreendentemente muito boa.

domingo, fevereiro 06, 2005

SIDEWAYS - ENTRE UMAS E OUTRAS (Sideways)

 

Enquanto os pesos pesados do Oscar - O AVIADOR e MENINA DE OURO - não chegam, a gente vai conhecendo os filmes menores. SIDEWAYS (2004), de Alexander Payne, foi um dos títulos que mais apareciam nas listas de melhores do ano dos críticos americanos. Depois de ver o filme, dá impressão que ele foi superestimado e que os americanos tem memória curta e sempre enchem as listas de melhores do ano com lançamentos mais recentes. Mas SIDEWAYS é, com certeza, um bom filme. 

Até me identifiquei um pouco com o personagem de Paul Giamatti. Como ele, dou aulas de inglês em escola e não me sinto realizado com isso; como ele, tenho passado por uma fase meio travada em se tratando de relacionamentos, o que às vezes me deixa preocupado, às vezes, um pouco desanimado; como ele também tenho alguns planos mais ambiciosos relacionados ao ato de escrever; e como ele, também tenho uma paixão, que no meu caso é cinema, no caso dele é vinho. 

Miles, o nome do personagem de Paul Giamatti é especialista em vinhos. E o filme até lembra um pouco CONTO DE OUTONO, de Eric Rohmer, por causa das viniculturas e das conversas a respeito de vinho, mas tem um tom bem diferente do filme francês. SIDEWAYS é um road movie que conta a história da viagem de Miles e seu amigo Jack (Thomas Haden Church), que está prestes a se casar. Eles resolvem viajar juntos para fazerem uma espécie de despedida de solteiro. Jack não quer deixar passar a oportunidade e quer transar com alguém durante a viagem - o casamento iria fazê-lo perder a liberdade. A oportunidade aparece quando os dois conhecem as personagem de Virginia Madsen e Sandra Oh. As mulheres dão um toque especial à viagem. Imagina se eles não tivessem conhecido as meninas e o passeio se limitasse a tomar vinho e jogar golfe? Seria ruim pra eles e ruim pra nós, espectadores. 

As situações engraçadas são realistas, nada exageradas. SIDEWAYS é uma comédia sem a necessidade de fazer o público rir a todo instante de piadas físicas ou intelectuais. Rimos por causa de algumas situações, especialmente por causa das mancadas de Jack e seu jeito cafajeste. Em se tratando da valorização da amizade de Miles e Jack, não acho que o filme foi tão bem sucedido assim. Não por culpa dos atores que são ótimos, mas falta algo no filme que ultrapasse as suas duas horas de projeção. 

SIDEWAYS concorre a cinco Oscar: filme, direção, roteiro adaptado, ator coadjuvante (Thomas Haden Church) e atriz coadjuvante (Virginia Madsen). Paul Giammati ficou de fora dos indicados, até porque essa categoria está bem concorrida.

sábado, fevereiro 05, 2005

EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA (Finding Neverland)

 

Lendo algumas matérias e críticas sobre EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA (2004) nos jornais, vi que GRITOS NA NOITE (2000) foi praticamente ignorado nos textos, entre os filmes anteriores dirigidos por Marc Forster. Com certeza, por ter sido pouco visto, já que não passou nos cinemas. Os jornais só falam de A ÚLTIMA CEIA (2001). Comparando com esses dois filmes anteriores de Forster, EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA aparentemente é muito diferente dos outros dois. O clima de magia em torno do universo fantasioso de J. M. Barrie não parecia ser um tema ideal para um cineasta que tem no currículo filmes mais realistas. 

Por outro lado, há algo de comum entre esses três filmes, que é o impacto da morte na vida das pessoas e a necessidade de seguir em frente, apesar das dificuldades e da dor da perda. Em GRITOS NA NOITE, Radha Mitchell é uma mãe que perde o seu filho antes mesmo de ele nascer. Em A ÚLTIMA CEIA, Halle Berry é a esposa de um condenado à morte que passa a se relacionar afetiva e sexualmente com o funcionário da penitenciária responsável pela execução de seu marido. O final amargo de A ÚLTIMA CEIA já diz tudo: a vida continua. Bem parecido com o final (mais lacrimoso) de EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA. 

E a morte não deixará de ser tema dos próximos filmes de Forster. Um deles, chamado STRANGER THAN FICTION, com um elenco estelar (Emma Thompson, Will Ferrel, Maggie Gyllenhaal, Dustin Hoffman e Queen Latifah), é sobre um auditor do imposto de renda que ouve a voz de um narrador lhe dizendo que ele vai morrer. O outro filme, que até já teve algumas exibições-teste nos EUA, chama-se STAY, com Naomi Watts e Ewan McGregor, e é sobre um professor que tenta impedir um de seus alunos de cometer suicídio. 

Levando em consideração esses temas recorrentes, provavelmente estamos diante de um novo autor. Mas, diferente dos filmes anteriores, onde Forster parecia se conter para não transformar o filme num melodrama, no oscarizável EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA, ele não tem pudor em nos fazer chorar. E é bom chorar. Purga a dor, ajuda a botar pra fora a angústia. Nesse sentido, o novo filme, apesar de fazer chorar mais fácil, é mais palatável e agradável. 

O filme cobre o período mais importante da carreira de J. M. Barrie, o criador de Peter Pan. O escritor é interpretado por Johnny Depp, como sempre excelente. Ele é casado com Radha Mitchel (trabalhando com Forster pela segunda vez), mas a relação dos dois parece não ter nada de sexo. Pelo que eu li nas matérias dos jornais de São Paulo, Barrie era assexuado, o que pode levar muita gente a compará-lo com Michael Jackson. Inclusive, o rei do pop se inspirou no escritor e em sua obra mais conhecida para criar a sua própria Neverland. 

Hoje a coisa é vista como algo meio doentio, principalmente por conta dessas acusações de que Michael Jackson abusa sexualmente de garotos. As mesmas acusações, também sofreu Barrie, mas não durante o seu relacionamento com a família Llewelyn Davies, como é mostrado no filme. Na Folha de São Paulo da última sexta-feira, saiu uma matéria sobre o filme e o diretor afirma que "os rumores sobre a suposta pedofilia de Barrie só surgiram bem depois de sua morte, por causa de umas fotografias que o escritor tirou dos meninos nus". 

Voltando ao filme e continuando a falar do elenco, EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA, mesmo que não fosse um bom filme, pra mim já seria obrigatório, pela presença de dois dos meus atores favoritos: Depp e Kate Winslet. Ela está linda como a viúva Sylvia Llewelyn Davies, a mãe dos meninos que inspiraram a criação de Peter Pan e os garotos perdidos. Também no elenco, os experientes Dustin Hoffman - que só aceitou fazer o filme por causa da oportunidade de trabalhar com Depp -, no papel do produtor da peça, e a sumida Julie Christie, como a mãe da personagem de Kate. 

O filme é também sobre o processo de criação. É interessante ver como foi criado o universo de fantasia de Peter Pan e de seu arquiinimigo, o Capitão Gancho, por mais que aquilo mostrado no filme seja mais ficção do que realidade. E é difícil segurar as lágrimas quando Barrie chega na casa de Sylvia para encenar a peça na casa da viúva. Bonito ver um filme assim, cheio dessa pureza e inocência infantis. 

EM BUSCA DA TERRA DO NUNCA concorre a sete Oscar: melhor filme, ator, roteiro, direção de arte, figurino, montagem e música.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

JOGOS MORTAIS (Saw)

 

O clima é de Oscar, mas entre as estréias dos filmes indicados ao maior prêmio da indústria de Hollywood está um filme que nada tem a ver com a Academia. JOGOS MORTAIS (2004) é um filme de horror e suspense desses barra-pesada. Quer dizer, se os diretores e roteiristas quisessem, poderiam ter feito um filme bem mais pesado, mostrando as cenas fortes de maneira mais explícita. Mas mesmo não tendo tanto gore, ou talvez por isso mesmo, o filme deixa a gente tenso o tempo inteiro. Eu devo ter soltado diversos palavrões nas seqüências mais chocantes e arrepiantes, enquanto roía o que restava de minhas unhas. 

Não dá pra contar muito da história sob o risco de estragar as surpresas. O que posso dizer é que o filme começa com dois homens que acordam acorrentados pelo pé, num banheiro abandonado. Eles são submetidos a um jogo doentio de um psicopata que já fez outras vítimas, sempre usando de uma criatividade extremamente sádica. No chão, entre os dois homens, está um cadáver banhado de sangue, com um revólver numa mão e um toca-fitas na outra. 

O filme se utiliza muito bem dos clichês do gênero, assustando em diversas cenas, mas JOGOS MORTAIS, na verdade, é um filme em que prevalece a tensão. É o envolvente suspense e a seqüência de surpresas e reviravoltas que faz com que não percamos o interesse pelo filme por um minuto sequer. A inclusão de flashbacks enquanto os dois homens estão conversando e pensando sobre um modo de saírem de lá são brilhantemente utilizados, numa edição perfeita, cheia de idas e vindas no tempo. 

JOGOS MORTAIS é o primeiro filme dirigido por James Wan. Quem sabe estamos diante de um novo talento. Nem parece que o filme foi feito com apenas 1,2 milhão de dólares, tal o profissionalismo que transparece na tela. É o tipo do filme que faz com que a gente ainda acredite que o thriller americano não morreu. Mesmo com tantos remakes de clássicos americanos e de filmes japoneses e dessa nova onda dos crossovers (como em FREDDY VS JASON e ALIEN VS PREDADOR), surge dentro do cinema independente um filmaço desses. Os nomes mais conhecidos do elenco são os de Danny Glover, como o detetive da polícia que está obcecado para pegar o psicopata, e Monica Potter, como a esposa de um dos homens que está acorrentado. 

Tudo indica que vem aí uma continuação do filme, mas pelo que eu li no excelente artigo do site Boca do Inferno, o diretor e o roteirista responsáveis pelo filme original não participarão dessa continuação. O próximo projeto dos dois é um outro filme de terror chamado SHHH.

quinta-feira, fevereiro 03, 2005

O ESPELHO (Zerkalo)

 

"Se queremos que o cinema seja considerado uma arte maior, é preciso garantir-lhe a possibilidade de não ser entendido." (Abbas Kiarostami) 

Mesmo já tendo visto três filmes de Tarkovski - SOLARIS (1972), STALKER (1979) e O SACRIFÍCIO (1986) -, não estava preparado para ver O ESPELHO (1975). Trata-se de um dos filmes mais desconcertantes que eu já vi na vida. Uma das grandes qualidades do filme, e o que me possibilitou continuar assistindo até o final sem perder o interesse, é a sua natureza hipnotizadora. (Coincidência ou não, o filme começa com uma cena de uma mulher tentando curar um rapaz de uma gagueira através do hipnotismo.) 

No filme, a mesma atriz, Margarita Terekhova, interpreta tanto a mãe quanto a esposa de Tarkovski, que eram as pessoas mais importantes da vida do diretor - seu pai não era tão importante assim pra ele. Confesso que me confundi tanto com o filme que mal sabia discernir em que momentos ela era sua mãe ou sua esposa. 

Os outros três filmes de Tarkovski que eu vi podem até ter a fama de serem impenetráveis para o público comum, mas O ESPELHO confunde até cinéfilos experientes. O presente e o passado são misturados de uma maneira que fica difícil de identificar. Às vezes o passado aparece em preto e branco, às vezes em cores; da mesma forma o presente; e da mesma forma as seqüências de sonho. 

O preto e branco do filme não é comum. Às vezes ele recebe tons verdes, às vezes tons sépia. Seja preto e branco, seja em cores, a fotografia do filme é um espetáculo. Felizmente a qualidade do DVD da Continental, copiado da Criterion Collection, valoriza bem essa qualidade tão importante. O uso aparentemente aleatório desse contraste de cores lembra o que ele fizera dois anos antes em SOLARIS. 

Os longos planos-seqüência são maravilhosos. O que dizer daquele momento em que a câmera vagarosamente se posiciona da cozinha da casa para a porta da frente, onde vemos uma casa em chamas? Pura magia. Obviamente essa cena me fez lembrar o meu preferido de Tarkovski, O SACRIFÍCIO. Outro filme do diretor que também é citado é ANDREI RUBLEV (1969) - há uma foto do pintor com o nome na parede. 

A magia parece estar sempre em seus filmes, mas é uma magia que está conectada ao plano mundano. Em seus filmes, a própria natureza é cheia de espiritualidade. As águas, as árvores, o fogo, o vento. Tarkovski consegue captar a força do vento nas árvores de tal forma que nos deixa atemorizados. 

Uma das seqüências mais misteriosas do filme é uma em que o garoto Ignat está pela primeira vez numa casa com sua mãe, e ele toca a mão num objeto e sente um choque. Ele diz a ela: "tenho a sensação de ter vivido isso antes". À primeira vista, me pareceu o fenômeno do deja vu, que eu costumava sentir bastante quando criança e agora sinto muito pouco na fase adulta, mas a cena parece significar bem mais que isso. 

Porém, misteriosa mesmo é a obsessão que Tarkovski tem por Leonardo Da Vinci. Já tinha percebido numa cena de O SACRIFÍCIO, em que aparece um quadro de Da Vinci do nada, e um homem diz aterrorizado: "eu tenho medo de Leonardo". Em O ESPELHO, depois de ouvirmos a poesia de Arseni Tarkovski, pai do cineasta, vemos alguém folheando um livro com fotos de Da Vinci, fotos de seus inventos e de seus quadros, com uma música sinistra ao fundo. Afinal, o que há de tão misterioso assim na vida desse artista? Até me deu vontade de comprar o best-seller O Código Da Vinci para começar a me aprofundar na vida desse grande homem. 

Nessa semana, conversando com o Renato, que é fã do filme, comentei que O ESPELHO era muito louco; e ele disse que muito louco era O SACRIFÍCIO. Tudo bem, mas, por mais louca que seja a história de O SACRIFÍCIO, sua narrativa linear tornava as coisas um pouco mais fáceis para o espectador, mesmo sendo um filme bem mais lento e de maior duração. 

Diante de tal complexidade, tentei relaxar e curtir apenas as imagens de O ESPELHO. Mas quem disse que eu consegui? Sabia que cada episódio do filme tinha sua importância. Como passar por cima de tudo isso? Por falar em importância, uma das características do diretor era focalizar a câmera num determinado objeto por tanto tempo que esse objeto passaria a ter uma significação especial para o espectador, que passaria a acreditar que tal objeto teria algum significado simbólico especial. 

A propósito, um jovem diretor que tem filmes que lembram o trabalho de Tarkovski é M. Night Shyamalan. Seus últimos dois filmes - SINAIS e A VILA - têm muitas semelhanças com O SACRIFÍCIO, inclusive na movimentação de câmera e no tom seriíssimo do filme, o que pode incomodar quem não gosta de filmes destituídos de humor. Inclusive, me ocorreu agora um outro paralelo entre a obra desses dois cineastas: em determinada cena de O ESPELHO, o garoto Ignat lê para uma senhora (aparentemente um fantasma) um texto sobre o isolamento da Rússia em relação aos acontecimentos da Europa e da Àsia. É o sentimento de solidão, normalmente aplicado apenas a um indivíduo, levado para o plano nacional. Esse sentimento de isolamento coletivo é um elemento fundamental da trama de A VILA e de SINAIS. Posso estar viajando, mas tenho impressão que isso não é apenas uma coincidência.

quarta-feira, fevereiro 02, 2005

ENTRANDO NUMA FRIA MAIOR AINDA (Meet the Fockers)

 

Lembro que ENTRANDO NUMA FRIA (2000), de Jay Roach, foi uma das comédias que mais me divertiram nos últimos anos. Foi o filme em que a verve cômica de Robert De Niro atingiu o seu ápice. Mais até do que naquela outra comédia com Billy Crystal, em que De Niro também se autoparodia. A história do "estou de olho em você", com aqueles gestos repetidos durante o filme foi de bolar de rir. 
 
ENTRANDO NUMA FRIA MAIOR AINDA (2004) é quase tão bom quanto o filme original. Além das estrelas De Niro e Ben Stiller, nessa continuação, temos Dustin Hoffman e Barbra Streisand como os pais liberais de Stiller, que serão apresentados ao sogrão De Niro num fim de semana. 

O filme começa contrariando uma das características fundamentais da comédia, onde geralmente as coisas dão errado. Ao contrário disso, o prólogo do filme, com Stiller e sua noiva partindo para a casa do sogro, mostra momentos em que tudo dá certo para eles. Desde o cara que pega o táxi primeiro e o oferece para que eles não cheguem atrasados no aeroporto até o overbook no vôo, fazendo com que eles sejam acomodados na primeira classe do avião, mesmo tendo pago tarifa econômica (isso aconteceu uma vez comigo, na extinta TransBrasil), tudo leva a crer que o fim de semana vai ser perfeito. 

Uma das graças desse novo filme é o bebezinho neto de De Niro. Principalmente na cena em que ele aprende um palavrão. Essa seqüência de acontecimentos, no momento em que Stiller é deixado sozinho com o menino, é um dos pontos altos do filme. Outro ponto alto acontece no momento em que De Niro aplica um soro da verdade em Stiller numa festa - revelações surgem. 

Falando assim, até parece que a presença de Barbra Streisend e Dustin Hoffman não é tão especial, mas sem eles o filme perderia metade da graça. A oposição entre o jeito sisudo e direitista de De Niro e o jeito liberal e meio hippie do casal Barbra e Dustin é a chave do filme como um todo. Mas, ainda assim, as melhores cenas se devem principalmente a Stiller e De Niro. 

Não sei se o filme vai fazer tanto sucesso de bilheteria aqui no Brasil - provavelmente não -, mas nos EUA, a comédia bateu o recorde de bilheteria de Natal de O SENHOR DOS ANÉIS: O RETORNO DO REI. É uma verdadeira comunhão entre conservadores e liberais. Com a diferença que, no final, os liberais vencem.

terça-feira, fevereiro 01, 2005

ANGELS IN AMERICA

 

Fiquei interessado em ver ANGELS IN AMERICA (2003) desde o dia que vi essa série arrastando vários Globos de Ouro (cinco). A série ainda ganhou 11 prêmios Emmy. Aí ela chegou no Brasil primeiro pela HBO. Fiquei bem a fim de ver, mas até hoje estou evitando mudar o meu pacote de tv por assinatura para acrescentar os canais HBO e Cinemax, já que teria que trocar até a antena para uma de recepção digital, o que resultaria em mais despesas. Ainda bem que a série saiu em DVD duplo. 

Não tenho muito o que dizer da série. Achei um pouco cansativa e arrastada. Foi decepcionante pra mim, que esperava algo mais empolgante. Não que a série seja ruim. Longe disso. É um trabalho excelente de Mike Nichols, que está reconquistando o prestígio perdido em Hollywood, graças a ANGELS... e UMA LIÇÃO DE VIDA (2001), dois belos trabalhos para a tv, e agora também com o sucesso nos cinemas de CLOSER (2004). Mas a série parece estar muito presa ao texto original da peça de Tony Kuschner. Seis horas de duração não é brincadeira. Tive que ver a série em três dias para não ficar tão cansado. 

Uma coisa que me incomodou foi aquela história do anjo aparecendo para o homossexual com AIDS e querendo que ele fosse um profeta. Não pelos efeitos especiais e pela performance dos atores, mas por não ter sido algo que tivesse um desfecho satisfatório e convicente. 

Interessante como em 1985 as pessoas estavam mais alarmadas do que hoje, na era-Bush pós-11 de setembro. Mas isso é até fácil de entender, já que a AIDS tinha acabado de surgir e era uma doença que significava morte certa num curto espaço de tempo. Aí junta com a expectativa do fim do milênio e uma certa dose de paranóia do pessoal de esquerda contra o governo Reagan, e dos grupos religiosos, que temos um fim de mundo quase certo. 

O elenco está excelente. Al Pacino tem o seu melhor papel há muito tempo. Ele faz um advogado de direita que contrai AIDS, mas nega até o fim sua homossexualidade e a doença. Nos piores momentos da doença é que vemos melhor o brilhantismo de Pacino. Meryl Streep está excelente em seus papéis múltiplos. Eu sou fã da Emma Thompson desde os tempos que ela era esposa do Keneth Branagh. Mesmo aparecendo pouco, ela é brilhante. Os outros atores - Jeffrey Wright, Mary-Louise Parker, Ben Shenkman, Patrick Wilson e Justin Kirk -, menos conhecidos, mas que têm papéis tão ou mais importantes na série também estão ótimos. 

Eu odeio só ficar dizendo que ator tal está ótimo. Então, melhor parar por aqui, antes que o texto vá piorar ainda mais. Como eu disse, não tenho muito a dizer sobre ANGELS IN AMERICA.