quinta-feira, fevereiro 17, 2005

AKIRA KUROSAWA EM DOIS FILMES

 

Até pouco tempo atrás, Akira Kurosawa era como Federico Fellini pra mim: um cineasta consagrado e respeitado mundo afora, mas que não me despertava a emoção e o interesse que outros grandes cineastas despertavam. Com Fellini, aos poucos, vou me livrando dessa cisma. Já Kurosawa, pretendo ver mais filmes dele para tomar gosto por sua obra. O que acontecia pra eu não curtir tanto os seus filmes é que às vezes eu achava difícil entender a psicologia dos personagens e suas motivações (DODESKADEN, 1970), às vezes o filme me dava sono (RASHOMON, 1950), ou às vezes eu me perdia na história (RAN, 1985). Dos que eu vi, os que mais gostei foram DERSU UZALA (1974) e SONHOS (1990). 

Agora que estou me interessando mais pelo estilo de vida samurai - muito por causa do mangá Vagabond -, estou tentando recomeçar a ver a obra de Kurosawa a partir dos filmes de samurai. Lendo o texto sobre o diretor no site Senses of Cinema, fiquei com vontade de ver KAGEMUSHA - À SOMBRA DO SAMURAI (1980). Até hoje não tive disposição pra pegar OS SETE SAMURAIS (1954), o seu filme mais famoso, por causa da longa duração. Dessa vez, peguei dois filmes de samurai do diretor que têm Toshiro Mifune fazendo o mesmo papel, o do poderoso e astucioso ronin Sanjuro: YOJIMBO (1961) e SANJURO (1962). 

Pena que a maioria dos filmes de Kurosawa disponíveis em DVD no Brasil foram lançados pela Continental. Ao contrário do belo trabalho que a distribuidora fez com com OS SAPATINHOS VERMELHOS, de Powell e Pressburger e com os filmes do Tarkovski, esses DVDs do Kurosawa estão horríveis. O caso do DVD de YOJIMBO é revoltante. O aspecto original do filme é 2,35:1, mas tenho impressão que a Continental pegou a imagem do DVD ou do VHS americano e aumentou a tarja preta inferior para cobrir as legendas em inglês, de modo que o que vemos na tela é apenas um fiapo de imagem. Aquilo ali não é 2,35 não. Mais parece 2,70 ou algo assim. Suspeito disso por já ter assistido um VHS de PERSONA, de Ingmar Bergman, também da Continental, em que a dita cuja colocou essas tarjas pretas pra cobrir as legendas em inglês. Um trabalho porco e desrespeitoso para com a obra e para com o espectador. O caso de SANJURO é menos grave e mais comum. O aspecto original é 2,35:1 e eles cortaram um pouco nos lados e ficou aproximadamente 1,85:1. 

YOJIMBO - O GUARDA COSTAS / YOJIMBO (Yojimbo) 

Apesar do incômodo que foi ver o filme com esses problemas, fica claro que trata-se de um grande filme, rico em atmosfera e com uma trama inteligente. No filme, Mifune é Sanjuro, o samurai sem mestre e sem dinheiro que chega numa cidade meio abandonada e cheia de poeira. As pessoas da cidade ficam quase o tempo todo dentro de suas casas. Há uma constante briga entre dois clãs, chefiados por dois senhores. Um deles produz sêda; o outro, saquê. Mas quem está sempre lucrando é o homem que confecciona caixões. Sanjuro chega na cidade oferecendo os seus serviços aos dois senhores. Quem der mais, leva. Acontece que não se pode confiar nesses senhores que querem trair Sanjuro. Só que, como diria o Chapolin, eles não contavam com sua astúcia. O filme inspirou POR UM PUNHADO DE DÓLARES (1964), de Sergio Leone. Na verdade, o filme de Kurosawa já tinha um jeitão de western - ele era fã de John Ford. Talvez por isso, os japoneses achavam que ele era muito ocidentalizado e dificultaram a carreira do diretor a partir da metade dos anos 60, quando ele teve que fazer filmes com dinheiro de outros países (URRS, EUA, França). O que eu sinto falta nas cenas de luta de espada, nos dois filmes, é a falta de sangue. Sanjuro mata um monte de caras com sua espada e não se vê sangue. Mas os tempos eram outros e sangue espirrando pra todo lado talvez fosse demais para a época. (Ao que parece, no filme inteiro, o nome Sanjuro não aparece. O personagem não teria nome. Só no filme SANJURO é que o personagem de Mifune se autodenominaria assim, inspirado numa flor, o crisântemo.) 

SANJURO (Tsubaki Sanjuro) 

Ver esta "continuação" de YOJIMBO foi mais prazeiroso pra mim do que ver o filme original. Pra começar, a cópia está bem mais assistível, apesar da fotografia estar bem escura nas cenas noturnas. Na trama, Sanjuro protege um grupo de homens de um clã que está sendo ameaçado pelo chefão do outro clã - o chefe do clã que Sanjuro está protegendo foi seqüestrado. O clima de SANJURO é mais de sátira, com vários momentos engraçados. Diferente do clima atmosférico de YOJIMBO. Ainda assim, o final do filme é triste, porque sente-se o respeito que Sanjuro tem pelo seu maior adversário. O código de honra dos samurais é realmente muito cruel. Agradecimentos ao Otávio por ter me fornecido os cartazes originais japoneses.

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