segunda-feira, fevereiro 14, 2005

O AVIADOR (The Aviator)

 

Martin Scorsese é um diretor com uma marca tão forte que conseguiu transformar um projeto de outra pessoa num trabalho de autor. Seu Howard Hughes é herdeiro de Travis Bickle - TAXI DRIVER (1976) - e de Jake LaMotta - TOURO INDOMÁVEL (1980)-, personagens perturbados e solitários. Solitário como o próprio cineasta, que confessou que suas melhores horas são as que ele passa sozinho. Mesmo fazendo concessões ou fazendo filmes mais comerciais como o excelente CABO DO MEDO (1991), ainda assim, o diretor entrega obras excepcionais. O AVIADOR (2004), por exemplo, era um filme que estava para ser dirigido por Michael Mann, que desistiu do projeto por já ter realizado dois filmes baseados em personagens reais. Mann preferiu voltar para o terreno da ficção com COLATERAL, e sugeriu ao amigo Scorsese aceitar o projeto. Scorsese não aceitou de pronto a proposta, mas depois de ler o roteiro, sua paixão pelo cinema falou mais alto, já que o filme era sobre um dos mais importantes produtores de cinema de todos os tempos. Sem falar que o cara era super-excêntrico e assunto não faltava. 

Comparando com o filme anterior de Scorsese - GANGUES DE NOVA YORK (2002) -, O AVIADOR teve um efeito menos catártico em mim. Na verdade, durante a projeção, fiquei um pouco aborrecido em algumas cenas de política e aviação. Também achei meio forçada a tentativa de se estabelecer uma ponte com CIDADÃO KANE, de Orson Welles. O que mais me interessava ali era o Howard Hughes produtor de cinema. Inclusive, senti falta dos bastidores de O PROSCRITO (1943) e de alguma atriz peituda interpretando a Jane Russell. Mas não dá pra reclamar muito de um filme que tem aquelas espetaculares cenas das filmagens de HELL'S ANGELS (1930), um dos filmes mais ambiciosos já feitos. 

As cenas aéreas de O AVIADOR são eletrizantes, especialmente quando mostram o próprio Hughes de câmera em punho filmando em pleno céu os quarenta aviões. E pensar que quatro pessoas morreram nessa brincadeira. Será que essas cenas de aviões caindo e se esbarrando no céu estão mesmo no corte final do filme? Deu uma vontade de ver esse filme. Quem sabe agora alguma distribuidora lança esse título por aqui. Acho que só em dois animes de Hayao Miyazaki - NAUSICAA DO VALE DOS VENTOS e LAPUTA: O CASTELO NOS CÉUS -, que senti esse frio na barriga com cenas aéreas. Destaquei essa cena das filmagens de HELL'S ANGELS, mas as duas seqüências de pousos mais que forçados são igualmente espetaculares. Acredito que muita gente deve ter se segurado nos assentos do cinema nessas horas. 

Leonardo DiCaprio fez talvez a melhor performance de sua carreira como Howard Hughes, levando-se em consideração que O AVIADOR é um filme de ficção, baseado numa pessoa real. Pelo que dizem de Howard Hughes, ele era um ser humano asqueroso, repulsivo. Algo que deve-se questionar quando se pensa na quantidade de mulheres (e homens) que ele levou pra cama. Se bem que dinheiro compra muita coisa. 

Sobre o bissexualismo do milionário, não julgo Scorsese por ele ter escolhido mostrar apenas os relacionamentos de Hughes com o sexo oposto. O Howard Hughes de O AVIADOR não necessariamente precisa ser o Howard Hughes real. Mesmo que se pretendesse ser o mais fiel possível aos fatos, com certeza iria-se esbarrar no mito. Porém, o filme seria bem bombástico se mostrasse o seu relacionamento com astros como Cary Grant e Tyrone Power, bem como suas festas sadomasoquistas. Esse lado S&M, aliás, é apenas sugerido na cena em que Hughes contrata Faith Domergue para ser sua acompanhante e amante, depois do fim do namoro com Katharine Hepburn. 

Falando em Kate, a interpretação de Cate Blanchett está bem interessante, sem a preocupação de pintar uma Kate simpática e atraente. Ela é quase tão neurótica e nervosa quanto Hughes. A atriz até dá aquelas tremidas na cabeça, como que para prever o Mal de Parkinson que a tomaria de assalto nos anos seguintes. 

Já a linda Kate Beckinsale se saiu muito bem ao pegar esse abacaxi que era interpretar "o animal mais belo do mundo", como era considerada Ava Gardner, na época. Numa entrevista que li da moça, ela disse ter se sentido uma gorda feia, já que engordou nove quilos para interpretar Ava e não se achava nada deslumbrante. No filme, ela só aparece mais gorda no final. E até que ela ficou bem bonita assim mais gordinha. Ficou mais parecida com Ava. Muito bonita a cena em que ela resgata Hughes do seu isolamento, dando banho nele, procurando entender suas loucuras, fazendo sua barba. 

Quanto às loucuras de Hughes, como todo mundo é um pouco louco, identifiquei-me um pouco com o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) dele. Já saí algumas vezes do banheiro, por exemplo, e depois de ter lavado as mãos, peguei um papel-toalha para abrir a porta. Mas antes que digam que eu estou louco, aviso que isso não acontece com freqüência. 

Pelo visto, Leonardo DiCaprio é mesmo o novo DeNiro para Scorsese. Os dois estarão juntos pela terceira vez em THE DEPARTED (2006), baseado em INFERNAL AFFAIRS (2002), dos diretores Wai Keung Lau e Siu Fai Mak. 

O AVIADOR concorre a 11 Oscar: melhor filme, diretor, ator, ator coadjuvante (Alan Alda), atriz coadjuvante (Cate Blanchett), roteiro original, fotografia, montagem, direção de arte e cenários, figurino e edição de som. 

P.S.: Está no ar no site Cinema com Rapadura minha nova coluna. O tema dessa quinzena é o Oscar. Confiram!

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