quarta-feira, junho 29, 2011

ATÉ AS VAQUEIRAS FICAM TRISTES (Even Cowgirls Get the Blues)



Já que falamos de momentos de queda na carreira de um grande diretor, aproveito a chance para comentar sobre ATÉ AS VAQUEIRAS FICAM TRISTES (1993), que curiosamente é do mesmo ano da experiência ruim de David Cronenberg descrita no post anterior. O caso de Gus Van Sant é bem particular. Começou na direção de longas-metragens com uma obra até hoje longe de ser famosa, MALA NOCHE (1986), e ganhou importância com DRUGSTORE COWBOY (1989), filme que me trás boas lembranças, pois foi visto na aurora de minha cinefilia - e no cinema. E lembro que me impressionou positivamente. Uma revisão seria bem-vinda, portanto.

Em certo momento da carreira de Van Sant, ele pareceu se deixar levar por Hollywood e seus esquematismos comerciais, tornando-se quase um diretor genérico. Esse momento talvez vá de UM SONHO SEM LIMITES (1995) a ENCONTRANDO FORRESTER (2000), passando pelo sucesso de GÊNIO INDOMÁVEL (1997) e a experiência polêmica de refilmar uma obra-prima, PSICOSE (1998). Foi a partir de GERRY (2002) que ele pareceu se voltar novamente para as experimentações, para um cinema de vanguarda, que continuaria com ELEFANTE (2003) e ÚLTIMOS DIAS (2005), formando uma espécie de "trilogia da morte" e com ousadias formais bem interessantes. Van Sant, com isso, recuperou o status de importante realizador e voltou a ser querido pela crítica. E quando isso acontece, até as obras de menor interesse para aqueles que seguem a teoria do autor se tornam objetos de reavaliação.

E vendo por esse aspecto, ATÉ AS VAQUEIRAS FICAM TRISTES até que se inseriria, pois é uma obra bastante esquisita. O problema é que é um filme bem difícil de agradar, por maior que seja a boa vontade do espectador. Mas não deixa de ser coerente dentro da temática gay, que havia sido iniciada em GAROTOS DE PROGRAMA (1991) e que retornaria num registro mais clássico no quase panfletário MILK – A VOZ DA IGUALDADE (2008). Há também um pouco interesse pela narrativa e uma vontade de ousar mais na forma, embora eu não consiga enxergar sucesso nessa empreitada, em particular.

Na trama, Uma Thurman é uma garota que nasceu com polegares absurdamente grandes. E que descobriu que o seu grande dom na vida é ser caronista. Basta ela apontar o seu dedão para que qualquer carro pare para ela. Assim ela conhece a vastidão dos Estados Unidos e não tem um lugar que possa chamar de lar. A atriz está particularmente muito bonita neste filme, com seus 23 aninhos. O que também desperta logo a atenção de imediato é o elenco estelar, que inclui Lorraine Bracco, Pat Morita, Angie Dickinson, Keanu Reeves, John Hurt, Sean Young, Grace Zabrisky e a irmã de River Phoenix, Rain Phoenix. Aliás, o filme é dedicado a River, que havia morrido há pouco tempo. ATÉ AS VAQUEIRAS FICAM TRISTES é torto, chato e sem graça, mas que merece uma espiada, apesar de tudo.

terça-feira, junho 28, 2011

M. BUTTERFLY



Todo grande diretor tem direito a uma escorregada em sua carreira. E no caso de David Cronenberg, eu diria que a maior delas é este M. BUTTERFLY (1993), filme pouco badalado e recebido friamente pela crítica. E por razões óbvias, ainda que pudesse ter causado algum impacto por causa do relacionamento homossexual entre um o diplomata francês vivido por Jeremy Irons e uma cantora de ópera chinesa, ou melhor, um cantor de ópera travestido (John Lone). Diferente de TRAÍDOS PELO DESEJO, de Neil Jordan, que mostra um protagonista apaixonado por um travesti muito parecido com uma mulher e que pegou muita gente de surpresa, em M. BUTTERFLY sempre sabemos que não é uma mulher que está ali na frente do abobalhado diplomata. A dúvida que fica no ar é se, em algum momento, o protagonista também sabe disso, mas quer permanecer na ilusão.

Curioso o tratamento da temática da homossexualidade nos filmes de Cronenberg. Nas entrevistas, ele faz questão de dizer que é hetero. Por que essa fixação tão grande nessa temática, presente até mesmo nas entrelinhas de filmes que não apresentam aparente proximidade com o assunto? A resposta talvez esteja no aspecto da transformação, que é uma das principais marcas autorais do cineasta. Mas também talvez esteja na obsessão pelo corpo, que no caso de M. BUTTERFLY fica mais sutil, embora na cabeça do espectador, depois de uma cena de amor entre os dois e uma elipse cortando para a cena de Irons saindo da casa do travesti de manhã cedo, fica a dúvida sobre o que ocorreu na intimidade dos dois.

Há uma boa reconstituição de época, dos tempos da Revolução Cultural chinesa, na década de 1960, mas também não é nada de mais. O mais importante, o relacionamento dos dois, misturado com elementos puramente cronenberguianos, é que não dá caldo. O final, então, é uma tentativa pífia de trazer uma catarse para algo que já estava perdido. De qualquer maneira, é um filme que tem a sua parcela de admiradores. Pena que o livro que li com entrevista com o diretor, "Cronenberg on Cronenberg", só vai até MISTÉRIOS E PAIXÕES (1991). Queria ter lido o próprio diretor defendendo ou comentando sobre o filme.

Enquanto isso, ficamos na expectativa de seu tão aguardado novo trabalho, A DANGEROUS METHOD (2011), sobre Freud e Jung. Desde já, um dos filmes mais aguardados do ano. Mas no Brasil só deva estrear em 2012.

segunda-feira, junho 27, 2011

POTICHE: ESPOSA TROFÉU (Potiche)



François Ozon é um dos diretores mais regulares do novo cinema francês. Mas nem sempre ele pode agradar a todos quando se refugia no território da comédia, o mais difícil dos gêneros. O francês, por natureza, tem um senso de humor bem particular e isso, naturalmente, transparece nos filmes. Salvo algumas exceções, como Jacques Tati e seu mais recente herdeiro, Emmanuel Mouret, que conseguem arrancar gargalhadas da plateia, as comédias francesas, principalmente as mais sofisticadas, são mais para sorrir do que para rir. Isso, quando se está de bom humor.

POTICHE: ESPOSA TROFÉU (2010) tem os seus méritos, além de trazer um elenco de primeira grandeza, com a presença de Catherine Deneuve e Gérard Depardieu, dois gigantes da cinematografia francesa. Ambos estão muito bem em seus papéis e a recriação do clima setentista é bem caprichada. Judith Godréche, que faz a filha de Deneuve, por exemplo, está a cara da Farrah Fawcett em tempos de AS PANTERAS.

Na trama, Catherine Deneuve é uma esposa que toma conta do lar e escreve pequenas poesias, enquanto o marido canalha administra a sua empresa e a chifra com a secretária. O mundo dele vai abaixo quando seus empregados fazem uma greve e ele é tomado como refém. Depois de algumas reviravoltas, segue-se uma série de revelações sobre o passado da personagem de Deneuve.

O filme até tem os seus momentos divertidos, mas aos poucos vai perdendo a força, quando percebemos que ele não tem muito mais a oferecer. Enquanto estamos nos acostumando com a estranheza da comédia de Ozon, que até lembra a sua comédia-musical 8 MULHERES (2002), até que é interessante, mas depois tudo fica banal. Resultado: o filme mais fraco de Ozon dos últimos dez ou doze anos. Se bem que não vi RICKY (2009) ainda. Felizmente o próximo filme do diretor será um suspense.

quinta-feira, junho 23, 2011

O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (Il Vangelo secondo Matteo)



Dois Pasolinis em menos de uma semana é coisa rara por aqui. Até porque o último deles (MEDÉIA, 1969) não foi muito do meu agrado. Mas aproveitando os incentivos que o amigo Marcelo V. pôs nas caixinhas de comentário e o feriado de Corpus Christi, me pareceu conveniente ver o até então inédito para mim O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (1964), um dos filmes mais reverenciados de Pier Paolo Pasolini, estando até na famosa lista dos preferidos pelo Vaticano. E realmente trata-se de uma bela obra. Mas bem diferente do que se costuma ver nos filmes sobre Jesus produzidos nos Estados Unidos.

Como o próprio título indica, o recorte de Pasolini veio exclusivamente do evangelho de Mateus, que apresenta um Jesus mais humano do que o de João, por exemplo, que o mostra mais divino e até esotérico, ou o de Lucas, que dá mais ênfase à Maria no início. O evangelho de Mateus é mais fragmentado, trazendo uma série de eventos e milagres que se fossem todos filmados por Pasolini teriam deixado o filme bem monótono. Ele fez bem em escolher alguns poucos milagres, que se apresentam de uma maneira tão natural, que sequer parecem milagres. O registro é um tanto seco e há o tradicional uso de não-atores e pessoas de aspecto humilde como extras. Os próprios discípulos, aliás, pouco esboçam algumas palavras, exceto Pedro e Judas, por razões óbvias.

A sequência do sermão da montanha valoriza bastante a palavra, com Jesus sendo apresentado em close com a imagem se alternando ao fundo para mostrar a mudança do tempo, enquanto ele profere palavras que já ficaram fincadas na moral universal. Das bem-aventuranças, passando pela oração mais famosa do mundo e pelas palavras tranquilizadoras sobre as inquietações do dia de amanhã, muita coisa é dita. É talvez o momento mais belo do filme, pela simplicidade e pelas palavras.

E como o evangelho de Mateus tem uma narrativa fragmentada em diversos episódios, o filme também utiliza essa mesma estrutura, sem haver muita coesão entre uma cena e outra. A montagem ágil torna o filme leve e não se sente as mais de duas horas passando. Do momento em que o anjo aparece para José para lhe revelar que sua esposa está grávida do Espírito Santo até o momento da crucificação, acontece tudo muito rápido, ainda que em vários momentos o filme descanse com as palavras e se mostre mais contemplativo, aproveitando a música de Bach e Mozart ao fundo. Enfim, é um belo filme, embora eu tenha sentido falta da catarse, tão comum nas obras que retratam a paixão de Cristo.

P.S.: Está no ar a edição de junho da Revista Zingu! E com o aniversário de 30 anos de COISAS ERÓTICAS, a revista destacou e resenhou alguns dos mais importantes filmes de sexo explícito produzidos na Boca do Lixo. O dossiê do mês é do montador Gilberto Wagner, com entrevista do próprio Gilberto e depoimento de pessoas que trabalharam com ele. Entre as tradicionais colunas do mês, gostei da musa eterna escolhida: Soledad Miranda, em texto de Felipe Guerra. Coisa fina.

quarta-feira, junho 22, 2011

THE KILLING – PRIMEIRA TEMPORADA (The Killing – First Season)



Os produtores de TV americanos frequentemente têm importado ideias para suas séries. E com frequência dá certo. A adaptação da inglesa THE OFFICE deu muito certo, até pelo menos chegar o ponto de cansar; mesmo caso de IN TREATMENT, adaptada de uma série israelense. THE KILLING (2011) é adaptação de uma série dinamarquesa, mas que possui elementos e homenagens a outra série bastante conhecida e querida, TWIN PEAKS. A própria pergunta que estampa o cartaz é praticamente a mesma da utilizada na série lynchiana. Em vez de Laura Palmer, a pergunta agora é "Quem matou Rosie Larsen?". A maior diferença está no registro mais realista, bem longe da surreal, mágica e aterradora história de David Lynch e Mark Frost. Mas exemplos como o encontro do corpo da jovem, o desespero dos pais ao saberem da tragédia, e mais um outro detalhe importante que aparece nos últimos episódios remetem diretamente a TWIN PEAKS.

Um dos aspectos mais positivos de THE KILLING é o seu andamento narrativo característico das séries do canal AMC. Sem pressa, mas instigante o suficiente para que queiramos ver um episódio todos os dias. Temos uma dupla de policiais de estilos tão distintos quanto Mulder e Scully (ARQUIVO X) agindo na tentativa de descobrir o assassino. Ela é Sarah Linden (Mireille Enos), mulher de poucos sorrisos que está se desligando da força policial de Seattle para se casar e mudar de vida, levando o filho adolescente à tiracolo. Ele é Stephen Holder (Joel Kinnaman), o policial com jeitão de malandro que é chamado para substitui-la. No entanto, antes de Linden ir embora, seu chefe pede para que ela assuma um último caso, justamente o do assassinato de Rosie Larsen. Para quem ia passar só um tempinho até o seu parceiro se acostumar, Linden fica cada vez mais obcecada pelo caso e deixa de lado sua vida familiar e afetiva. Nós, tão interessados quanto ela, compreendemos muito bem sua obsessão.

Como é de se esperar numa série desse tipo, vários personagens são dispostos como suspeitos em potencial. Um candidato a prefeitura, sua amante e seu assessor, um professor de ascendência árabe, os familiares de Rosie, entre outros menos importantes. Quase todos são suspeitos. Exceto talvez a mãe de Rosie, vivida por Michelle Forbes, que eu tanto odiei em TRUE BLOOD, mas que está impecável em THE KILLING. O narrador onisciente escolhe aquilo que mais lhe interessa para manter o suspense e o interesse do espectador, a exemplo do que também acontecia em TWIN PEAKS.

Alfred Hitchcock costumava dizer que filmes whodunits não lhe interessavam. E ele tem suas razões. Mas acontece que menos importante do que saber quem matou Rosie é acompanhar as investigações, tão bem desenvolvidas ao longo da trama. Infelizmente há alguns problemas nesse desenvolvimento, o que é visto com mais força no episódio final, que chega a macular essa que poderia ter sido a melhor série do ano. (Se bem que tirar o título de GAME OF THRONES não é fácil.) Um episódio se destaca entre os treze dessa temporada: "Missing", o décimo-primeiro, que foge um pouco do esquema apresentado em todos os outros para se aprofundar no drama pessoal de Linden e seu filho. Grande episódio e o que melhor explora o clima quase sempre chuvoso de Seattle. Vejamos como a série se comportará na segunda temporada, depois da polêmica reviravolta final que tanta gente odiou.

terça-feira, junho 21, 2011

GAME OF THRONES – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (Game of Thrones – The Complete First Season)



Quem diria que uma série do gênero épico, que geralmente não me chama a atenção, tenha se tornado para mim a melhor série do ano. E eu estava resistente a vê-la. Estava muito confortável acompanhando os ótimos episódios de THE KILLING nas segundas-feiras. Porém, com tanta gente elogiando GAME OF THRONES (2011) na minha timeline do twitter, não resisti e fui dar uma olhada. Mas não tem como simplesmente dar uma olhada. Uma vez que você assiste dois episódios, você já está completamente fisgado por aquele universo fascinante criado por George R. R. Martin, considerado o Tolkien americano. Aliás, esse era um dos motivos que me faziam torcer o nariz, mesmo sendo fã de "O Senhor dos Anéis" (livros e filmes).

No universo fictício da série o inverno dura muitos anos, com longas e demoradas noites, e o primeiro episódio de GAME OF THRONES chama-se justamente "Winter Is Coming", dirigido por Timothy Van Petten, conhecido de quem acompanha FAMÍLIA SOPRANO. Para um lugar gelado, imagina como pode ser o inverno. A semelhança com "O Senhor dos Anéis" também se dá aí, já que na saga do anel havia também a escuridão cada vez mais tomando conta do mundo. E há também Sean Bean, o Boromir, da trilogia de Peter Jackson. Sem falar que tem um anão que rouba a cena (Peter Dinklage, de O AGENTE DA ESTAÇÃO).

Sean Bean é Eddard Stark, o personagem principal dessa temporada, o rei de um dos sete principais reinos de Westeros, o continente fictício e inóspito onde se passa a história. Ele é chamado para ser "a mão do rei" do principal reino, o que comanda os demais. O rei está gordo e cansado e é casado com uma loira bonita, que faz parte de uma das famílias mais ricas da região. Ela mantém uma relação incestuosa com o irmão e isso desencadeia uma série de ações que desembocam em situações bem trágicas ao longo da história. Paralelamente, há um outro casal de irmãos que pretende tomar o poder, juntando-se a um grupo de bárbaros, semelhantes ao grupo de aborígenes da Nova Zelândia.

Muito provavelmente quem lê os livros fica muito mais familiarizado com os nomes dos personagens e dos lugares, mas a série, em sua bela e emocionante abertura, situa um pouco o espectador que nunca leu ou nunca lerá os livros, mostrando um mapa dos principais lugares da trama. Falar de vários detalhes iria levar muitos parágrafos e poderia até passar uma imagem de que a série é maçante. Longe disso. GAME OF THRONES é a melhor coisa produzida na televisão americana e provavelmente até mesmo no cinema americano em 2011. E muito viciante. Eu vi a temporada completa (dez episódios de uma hora) em quatro dias. É que cada episódio termina com um gancho poderoso, que fisga o espectador, que quer ver logo o próximo.

A HBO não economiza no sexo e na violência, mas não deixa que a série se torne um exploitation vagabundo, como acabou ficando TRUE BLOOD. Ao ver um episódio em que assistimos a um duelo de cavaleiros com lanças, que termina de forma particularmente sangrenta, a primeira coisa que me veio à cabeça foi que GAME OF THRONES é o CORAÇÃO VALENTE da televisão. Mas deu para notar um pouco as restrições orçamentárias quando notamos que as duas maiores batalhas da temporada não são mostradas. Isso não tira os méritos da série de maneira nenhuma. Alguns personagens, com certeza, vão ficar no coração de muitos espectadores e a morte de um deles, em especial, deixou a audiência completamente estupefata ao final de um dos episódios. Agora é esperar para o período entre maio e março de 2012, que é quando estreará a segunda temporada. Que promete muito, a julgar pelo modo tão bem orquestrado como foi finalizado cada arco. Que venha o inverno.

segunda-feira, junho 20, 2011

MEIA NOITE EM PARIS (Midnight in Paris)



Melhor filme de Woody Allen desde VICKY CRISTINA BARCELONA (2008), MEIA NOITE EM PARIS (2011) é dessas comédias deliciosas que deixam a gente com o espírito mais leve ao sair da sessão. Lembremos que TODOS DIZEM EU TE AMO (1996) também era ambientado na capital francesa e é uma de suas melhores obras de sua já extensa filmografia. Deixando claro que quando digo extensa, não estou reclamando. Ao contrário, por mim, teríamos dois filmes de Allen por ano, ao invés de um. Por mais que ele às vezes se repita, é justamente essa familiaridade que traz de imediato um sorriso no rosto do espectador acostumado a acompanhar a obra do cineasta nova-iorquino.

MEIA NOITE EM PARIS (tiraram mesmo o hífen de meia-noite?) remete a uma obra da fase oitentista de Allen: A ROSA PÚRPURA DO CAIRO (1985), na qual Mia Farrow, em plena depressão americana e com uma vida infeliz que leva, vai ao cinema em busca de escapismo e um dos atores do filme sai da tela para falar com ela. Em MEIA NOITE EM PARIS, o roteirista frustrado vivido por Owen Wilson, querendo entrar na carreira de escritor de romances, vai parar magicamente na Paris dos anos 1920, quando a nata dos artistas da época vivia ou passava uma temporada por lá. Assim, ele encontra F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Pablo Picasso, Luis Buñuel, Salvador Dali, Cole Porter. Cada um desses artistas é visto de maneira bem exagerada, como uma caricatura do que os imaginamos hoje. Mas isso não incomoda de maneira alguma. Ao contrário, ajusta-se ao humor de Allen.

Falando em familiaridade, o personagem de Michael Sheen, o sujeito pedante que quer saber tudo de arte, tira o protagonista do sério com o seu jeito. E, por isso, a cena de Rodin, com Carla Bruni, remete de maneira sutil a uma sequência clássica de NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA (1977): a cena da fila do cinema. Quanto a Rachel McAdams, no início, com os poucos planos em close-up, faz lembrar por alguns momentos a Scarlett Johansson em sua loirice. Mas sua personagem é propositalmente chata, provavelmente para contrastar com a de Marion Cotillard. Assim, é fácil para o espectador entender o protagonista, a sua falta de pertencimento àquele meio. E, principalmente, a nostalgia de um lugar que nunca esteve antes. Isso porque raramente estamos satisfeitos com o presente. E o passado, um determinado passado em especial, pelo menos, é um refúgio seguro e agradável. O passado é a cápsula do tempo dos românticos.

E para Woody Allen, agora que entrega as suas atuações para outros por causa da velhice, é perfeitamente compreensível que o passado para ele seja cada vez mais saudoso. E quanto a Paris, ela nunca esteve tão convidativa. Sempre enxerguei a capital como um lugar destinado apenas aos casais, mas parece que até andar sozinho à noite – e na chuva – parece ser uma boa pedida. E o que é melhor: o amor pode estar logo ali na esquina, à espera.

sexta-feira, junho 17, 2011

MACUNAÍMA



Joaquim Pedro de Andrade, ainda que não tão popular quanto Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, já era, quando da realização de MACUNAÍMA (1969), um cineasta bem respeitado dentre o grupo dos cinemanovistas. Já havia "dado aula" de como dirigir e montar uma partida de futebol com o documentário GARRINCHA, ALEGRIA DO POVO (1963) e feito um belo drama de múltiplos significados sociais com O PADRE E A MOÇA (1965). Essa múltipla abertura semântica também está presente em MACUNAÍMA, filme que até hoje guarda seu aspecto provocador.

Joaquim Pedro de Andrade trouxe um elenco dos sonhos para o filme: Grande Otelo, Paulo José, Dina Sfat, Milton Gonçalves, Jardel Filho, Joanna Fomm, Wilza Carla e uma ponta de Hugo Carvana na impagável cena do pato. A restauração feita recentemente da obra e o lançamento em DVD realçou a beleza da fotografia de Guido Cosulich, com sua ênfase no verde, no amarelo e no vermelho. Em tempos em que a maioria dos artistas estava sendo perseguida pela ditadura – o cineasta chegou a ser preso em 1969 -, destacar o vermelho do comunismo com o verde e amarelo da bandeira do Brasil já era por si só uma ousadia, por mais que esse detalhe pudesse passar despercebido.

O nome "Macunaíma" é mais ligado ao romance de Mário de Andrade, representante da geração modernista de 1922 e que quebrava com as formas clássicas vigentes. Nunca li o romance, mas o que dizem é que é um dos mais representativos dessa ruptura com a forma clássica, por mais que na década seguinte, as coisas voltassem a ser menos radicais. Cada nova geração vanguardista tem mesmo esse instinto destruidor.

Quanto ao filme, seria preciso ler o livro para saber o quanto ele tem em comum com a obra de Mário de Andrade, mas certamente trata-se de outro registro. O esqueleto do enredo, porém, deve estar lá: a figura do herói sem caráter, que nasce preto num tribo indígena (Grande Otelo) e sai branco (Paulo José) para a cidade grande, depois de passar por uma fonte mágica. Sendo branco, ele tem mais chance que os irmãos de conseguir se dar bem.

MACUNAÍMA tem um aspecto debochado que agrada até mesmo àqueles que não procuram significados ocultos em seu discurso. Como não se divertir com as cenas das escapadelas do "herói" com a personagem de Joanna Fomm? Ou a cena em que ele esconde pencas de bananas enquanto sua família fica procurando peixe na lama? E como não se divertir ouvindo "Papo firme", cantada pelo rei Roberto Carlos, enquanto Dina Sfat corre atrás do marido que já não aguenta mais tanto sexo? A Jovem Guarda já tinha passado naquela altura e o Tropicalismo é que era a bola da vez, influenciando inclusive esse filme em particular, mas Roberto é Roberto.

quinta-feira, junho 16, 2011

MEDÉIA (Medea)



A mitologia grega sempre foi ao mesmo tempo fascinante e confusa pra mim. Sempre preferi os personagens do Velho Testamento, da cultura judaica, até por eu ter mais intimidade com eles desde a infância. Na mitologia grega, o fato de ter heróis e deuses demais em histórias que divergem de acordo com cada autor, complica ainda mais. Ler sinopses da história dessas divindades, então, só me mostra o quanto eu teria ainda que aprender ou me familiarizar com eles. E olha que eu tenho um interesse por astrologia, que direta ou indiretamente remete a esses deuses e heróis.

Recentemente, lendo textos sobre literatura clássica, em que a epopeia é tratada com destaque, em detrimento do romance, a sua mais legítima continuidade, dei de cara várias vezes com citações a "Medeia", tragédia que fala de uma espécie de feiticeira que mata os próprios filhos e que tem relação direta com a história dos Argonautas, de Jasão e o novelo de ouro.

No cinema, as versões mais famosas da tragédia grega são esta, de Pier Paolo Pasolini (1969), e a de Lars Von Trier (1988). Depois de ver a versão de Pasolini e não ter gostado muito, suspeitei que a versão de Von Trier talvez pudesse ser mais interessante. Pasolini, aliás, nunca esteve entre os meus cineastas italianos favoritos. Mesmo não morrendo de amores por Fellini, não há dúvidas de sua superioridade. Se comparar então com a poesia e o rigor formal de Luchino Visconti, então, é que a comparação fica desleal. Mas dizem que TEOREMA (1968) e O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (1964) são ótimos. Infelizmente, de Pasolini, só vi os filmes da chamada Trilogia da Vida (DECAMERON, 1972; CONTOS DE CANTERBURY, 1972; e AS MIL E UMA NOITES, 1974) e o meu preferido dele, SALÓ, OU OS 120 DIAS DE SODOMA (1975). Em geral, minha preferência por seus filmes é proporcional à quantidade de sexo e violência. Noto um pouco de desleixo na forma.

MEDÉIA traz elementos que remetem a AS MIL E UMA NOITES. Ainda que em nenhum momento o tempo e o espaço sejam citados, o deserto, a música, os figurinos e a aparência dos personagens remetem muito aos desertos árabes ou, talvez, à Europa medieval dos tempos da dominação moura. A personagem principal é vivida pela cantora lírica Maria Callas. Ela até hoje ainda é considerada a maior soprano de todos os tempos. E deve ter sido uma honra para Pasolini poder trabalhar com tal celebridade. Callas é a melhor coisa do filme, especialmente quando o diretor destaca sua expressão forte em close-up.

O que se conta como pontos positivos do filme são alguns momentos que despertam estranheza, como a sequência inicial do centauro, e a sequência do sacrifício humano, que é realmente bestial e deve ter provocado reações de choque na plateia da época. Mas o que é mesmo esperado e a razão de ser do filme é o momento em que Medeia mata seus próprios filhos. Dependendo do diretor, a sequência poderia ser implícita ou explícita, mais ou menos sangrenta. Pasolini opta por um meio termo, mas é, sem dúvida, o melhor momento do filme, chegando a ser hipnotizante.

quarta-feira, junho 15, 2011

NAMORADOS PARA SEMPRE (Blue Valentine)



Nos últimos dias, o que mais se comentou sobre NAMORADOS PARA SEMPRE (2010) foi o título brasileiro equivocado e a picaretagem (ou esperteza) da Paris Filmes em lançá-lo no fim de semana do Dia dos Namorados, mesmo se tratando de um filme sobre a dor da separação. De títulos equivocados, temos já uma longa tradição e por isso é sempre bom levar em consideração o mais importante: o filme em si.

Na filmografia do diretor Derek Cianfrance, podemos ver que sua maior experiência é em documentários e isso fica um tanto notado nessa sua experiência em ficção, que não é a primeira, mas certamente foi a primeira a chamar a atenção de um grande público, graças ao casal de astros Ryan Gosling e Michelle Williams e à posterior indicação ao Oscar para Michelle. Os dois, aliás, receberam possivelmente os melhores papéis de suas carreiras até o momento. O clima intimista e incômodo de se ver uma relação em estado de degradação confere momentos especialmente intensos.

Tudo bem que já vimos filmes muito mais poéticos e dolorosos. Não vou nem citar exemplos para não diminuir o trabalho de Ciafrance, mas a intenção aqui é mostrar as qualidades da obra. A opção por utilizar uma montagem que alterna passado e presente, o momento em que os dois se conhecem e tudo parece ser um mar de rosas (ou quase) e o momento mais tenso, quando o amor de Cindy (Michelle) por Dean (Gosling) já desapareceu. O filme foi criado para ser visto nessa estrutura, já que há um salto temporal, uma elipse do momento que poderia nos revelar um pouco do que ocasionou esse desgaste, que nos ajudaria a entender um pouco mais o ponto de vista de Cindy.

Afinal, do jeito que o filme mostra, não vemos em momento algum razões para desgostar de um sujeito tão esforçado para agradar à mulher e a filha. Ela acaba saindo quase como uma vilã na história. Lembrei, inclusive, de um amigo que costuma dizer que mulher não gosta de homem bom demais; o sujeito tem que ser pelo menos um pouco perverso, que homem bom acaba se dando mal no fim das contas. Não sei se concordo com ele, mas ele tem muito mais experiência de vida do que eu. Não sou eu quem vai questionar esse seu posicionamento rodriguiano, mas pelo menos em certo momento do filme, na sequência do motel, ela pede para que ele bata nela. Podemos atribuir tal comportamento como uma busca da parte dela de sentir algo por ele. Ou poderia ser algo mais freudiano, relacionado ao seu pai carrasco. Existem várias outras hipóteses, mas o fato maior é explícito: o amor, da parte dela, se foi.

terça-feira, junho 14, 2011

THE HOUSE OF THE DEVIL



Depois de filmes chatos ou herméticos, nada como um bom horror para exorcizar e purgar aquilo que nos deixou incomodados. Fiz bem em escolher THE HOUSE OF THE DEVIL (2009), filme que, conforme pude notar num fórum de discussão, não é exatamente uma unanimidade entre fãs de horror. Mas podem me incluir no grupo dos que o amaram. Já comecei bastante satisfeito com a ambientação muito bem cuidada da década de 1980, tanto nos figurinos, quanto na fotografia, direção de arte, passando pelos corte de cabelos e pela música, com predomínio do sequenciador. Os belos créditos de abertura são um show à parte. Quer dizer, estamos diante de uma obra de orçamento baixo, mas com um trabalho artesanal caprichadíssimo.

A direção de THE HOUSE OF THE DEVIL é de Ti West, que antes havia feito ATAQUE DOS MORCEGOS (2005), lançado em DVD no Brasil, e que dirigiria CABIN FEVER 2 – SPRING FEVER (2009), renegado pelo próprio diretor por causa de uma briga com os produtores, mas que mesmo assim me deixou curioso para conferir o resultado. THE HOUSE OF THE DEVIL é uma mistura de filmes de casa assombrada (e afins) com slasher movies, categoria que não economiza no sangue.

Na trama, uma jovem precisando de dinheiro para pagar o aluguel, vê como uma boa saída pegar um trabalho de baby sitter oferecido nos murais da universidade. Depois do difícil contato, ela vai com uma amiga até a afastada casa do sujeito que precisa do serviço. Obviamente, o homem é muito estranho e o diretor opta por também fazer suspense ao utilizar o recurso do recorte com a câmera do rosto de algumas pessoas, como é o caso inicialmente do dono da casa. Como já se espera de antemão que alguma coisa vai acontecer naquela casa em pleno eclipse total da lua, a tensão é criada. E estendida por um bom tempo, o que pode incomodar a alguns espectadores. Eu, porém, curti todo o período de tensão em que a protagonista fica dentro da casa. Lembra, inclusive, QUANDO UM ESTRANHO CHAMA, filme de que gosto muito.

Há uns letreiros de abertura que meio que já adiantam um pouco que virão pela frente rituais macabros, mas confesso que esqueci completamente desses letreiros e me deixei levar pelo bom andamento narrativo. Quer dizer, esses letreiros seriam mesmo desnecessários. Até porque THE HOUSE OF THE DEVIL tem todo um jeitão de filme de horror produzido nos anos 1980, não dando para confundir com um drama convencional. No mais, o filme homenageia em duas cenas dois grandes clássicos do cinema de horror: PSICOSE, de Alfred Hitchcock, e O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski.

segunda-feira, junho 13, 2011

GIGANTIC



Engraçado como a gente encara filmes que todo mundo já avisa que são fracos apenas para ver aquele rosto maravilhoso. Aliás, Zooey Deschanel tem mais do que um rosto lindo e um jeito encantador. Ela tem uma aura especial, que não dá para explicar direito em palavras, a não ser que você seja um poeta. E dos bons. A primeira vez que a vi foi num filme de David Gordon Green de 2003, que aqui no Brasil se chamou PROVA DE AMOR. É um filme belíssimo e que eu tenho vontade de rever, tanto por ser do Green quanto por ter a Zooey. Hoje em dia, agora que também é cantora de um duo muito legal chamado She and Him, ela ganhou mais fama e é mais do que apenas uma queridinha dos indies. E se tornará ainda mais popular com a sitcom THE NEW GIRL, que, se depender do amor dos fãs, vai ser um sucesso. Veremos.

GIGANTIC (2008), se não fosse por ela, nem valeria a espiada. E acho que Paul Dano, mesmo depois de sua ótima performance em SANGUE NEGRO, ainda não arrebanhou um bom número de fãs. GIGANTIC é mais um desses filmes indies que mostram pessoas deprimidas ou apáticas em situações pouco convencionais. Nada contra esse modelo, mas não precisava se tornar uma caricatura de si mesmo. Não duvido que Wes Anderson, que segue essa linha às últimas consequências, tenha entrado nisso para tirar sarro.

Na trama, Paul Dano é um cara de 29 anos que desde criança tem o sonho de adotar uma criança chinesa. E continua solteiro, mas com essa intenção de conseguir legalmente a adoção. E tem que ser chinesa, hein. É esquisito, não é? Aí ele conhece a gatíssima filha de um milionário (John Goodman). A gatíssima em questão é a Zooey - não precisa dizer, certo? E rola um clima entre os dois, embora o filme tente o tempo todo não mostrar os momentos mais íntimos do casal, o que é um saco. A relação entre os dois começa de forma bem estranha e rápida: ela pergunta, sem muita cerimônia, se ele transaria com ela. Quem em sã consciência diria não?

O problema é que o personagem de Dano nem é suficientemente bom para que queiramos nos identificar com ele. O sujeito está sempre com cara de quem comeu e não gostou. Mesmo depois de ter transado com uma moça como aquela. Zooey ajuda a salvar um pouco o filme. Gosto da sequência em que ela liga para a mãe e não consegue encontrar palavras para se comunicar com ela. Bela cena. Aliás, a falta ou dificuldade de comunicação é uma dominante. Quanto ao título, pode ser apenas uma piada sem graça. Mas também pode ser uma homenagem ao meu (ou ao nosso) amor por Zooey Deschanel. "A big, big love", como cantavam os Pixies.

domingo, junho 12, 2011

SEIS CURTAS (MOSTRA OLHAR DO CEARÁ 2011)



Parece que a cada ano vou me desinteressando mais pelo festival de cinema de Fortaleza. Anos atrás, até se ousava dizer que o nosso festival poderia ser comparado ao de Recife em grandeza e em quantidade de bons filmes. De organização, nunca foi mesmo o forte. Mas tenho saudades da segunda metade dos anos 1990, quando o Cine São Luiz ficava lotado e o festival era bastante popular, passando só filmes brasileiros, vários curtas e pelo menos um longa-metragem por noite. O fato de ele ter se elitizado foi um tiro no pé. Enquanto isso, a suposta democratização do uso da câmera trouxe facilidade para se criar vídeos inventivos com custo baixo. No entanto, praticamente a maioria dos trabalhos vistos no dia em que eu saí de casa para ver os curtas cearenses exibidos na sexta-feira na Mostra Olhar do Ceará desta 21ª edição do Cine Ceará foi produzida na Escola de Audiovisual da Vila das Artes. Senti falta de pelo menos uma produção mais independente. De todo modo, não deixa de ser uma boa janela.

No ano passado, a minha ida para uma dessas sessões foi para prestigiar o curta de uma amiga, a Juliana Chagas. Como era um fim de semana, a sala do Espaço Unibanco Dragão do Mar estava lotada. Nessa sexta-feira, foi a vez de eu prestigiar a produção de outra amiga, a Camila Vieira. Falemos um pouco de cada trabalho.

O COMEÇO

A imagem sem pressa de um homem aparecendo de longe enquanto a câmera estática nos apresenta também o mar com o seu doce som me remeteu a um curta de Kleber Mendonça Filho (NOITE DE SEXTA, MANHÃ DE SÁBADO). Mas O COMEÇO (foto) trata de outra coisa, embora ambos sejam filmes que lidem com relacionamentos. Nele vemos um casal enterrando uma série de fotos e lembranças numa caixa, na areia do mar. Os diretores optaram pela não utilização de diálogos. O resultado pode não agradar a muitos, mas há algo nesse curta que me diz que é de natureza bastante pessoal. E isso pode contar pontos a favor. Direção de Camila Vieira e Hugo Pierot.

PRINCESA

Mais um filme que prefere as imagens em detrimento dos diálogos. Vemos um dia de rotina de uma moça que trabalha como animadora de festa de crianças. Ela está vestida de Branca de Neve e tira fotos com as crianças ao som de canções da Xuxa. A ida para casa e o enfrentamento da solidão trazem pelo menos dois momentos de destaque: a espera pelo ônibus e a "briga" com uma porta de uma velha geladeira, que insiste em não fechar. Filme com potencial para um bom longa. Pena que acaba logo e fica a sensação de que poderia ter rendido mais, mesmo naquele pouco espaço de tempo. Direção de Rafaela Diógenes.

FUI À GUERRA E NÃO TE CHAMEI

A maior restrição que eu faço a esse curta é que das três sequências apresentadas, a terceira e última me parece mais teatro do que cinema. A câmera estática mostra um casal jogando roupas um no outro. Há algo de cômico e ridículo ali e eu gostei particularmente da atriz. Quer dizer, no aspecto da representação, é um bom trabalho. Como cinema, já não sei. Direção de Leonardo Mouramateus, Rosane Morais e Luana Lacerda.

NAS ASAS DO CORAÇÃO

Pequeno documentário que acompanha a peça "A Vaca Lelé". Além de valorizar o imaginário infantil da peça, vemos também o empenho da equipe em apresentá-la para crianças cegas, com a utilização de audiodescrição, que inclusive é um trabalho utilizado com afinco por uma ex-professora minha da especialização, Vera Santiago, cujo nome aparece nos créditos finais de agradecimentos. Quanto ao curta, não chega a empolgar ou emocionar, a não ser talvez a quem conheça a peça. Direção de Sara Bevenuto e Klistenes Braga.

BUENOS A

Se a intenção é mesmo remeter ao jazzismo da trilha sonora, até que este BUENOS A tem os seus méritos. Porém, o recorte excessivamente picotado e em preto e branco da cidade de Buenos Aires mais dispersa do que instiga. Direção de Gabriel Silveira.

DOSSIÊ NORONHA

Até estava animado para ver este documentário, que mostra um pouco da história da ilha de Fernando de Noronha, através de depoimentos de historiadores e de moradores antigos. Mas o curta, que mais parece um vídeo institucional, talvez seja apenas um ensaio do que poderia ser um estudo mais aprofundado sobre o tema. Algumas informações são interessantes, mas é preciso procurar saber fazer uso dessas informações, em tempos de facilidade das mesmas através da internet. Direção de Ana Paula Teixeira.

Pena que não pude ficar para o debate com os realizadores, que houve após o final da sessão. Provavelmente teria me oferecido um pouco mais de luz. Mas deixo registradas as impressões assim mesmo, sem saber o contexto e os motivos em que essas produções foram realizadas.

sexta-feira, junho 10, 2011

FOME DE AMOR (VOCÊ NUNCA TOMOU BANHO DE SOL INTEIRAMENTE NUA?)



Sem querer ser chato, mas ler o livro sobre Nelson Pereira dos Santos (escrito por Helena Salem) tem sido mais prazeroso do que ver os filmes do diretor. Mas FOME DE AMOR (1968) é bem melhor que EL JUSTICERO (1967), embora guardem muitas similaridades - e não apenas por contar com a presença de Arduíno Colasanti. FOME DE AMOR deixa mais claras as influências de Godard e Resnais no trabalho de Nelson, tanto na forma - principalmente em seus momentos iniciais, quando o diretor opta por uma edição toda fragmentada e confusa no aspecto temporal dos acontecimentos -, quanto no conteúdo, quando vemos a personagem de Irene Stefânia lendo Mao Tsé-Tung na ilha, por exemplo.

Assim como EL JUSTICERO, FOME DE AMOR não foi exatamente um filme que Nelson Pereira dos Santos fez com amor, com vontade própria. Ele estava mesmo era interessado em filmar logo COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS (1972) e achava horrível a novela na qual FOME DE AMOR se baseava, chamada "História para se ouvir de noite", de Guilherme Figueiredo. Quem o convidou para dirigir o filme foi Paulo Porto, a pedido de Herbert Richers. Nelson não gostou do roteiro de Luís Carlos Ripper (cujo nome dos créditos de roteirista aparece bem pequeninho, enquanto o de Nelson aparece bem destacado) e começou a fazer improvisações, refazendo o roteiro dia a dia durante as filmagens.

O grande destaque do filme é a presença de Leila Diniz, que já era famosa por sua exuberância e ousadia. Nos anos 1960, aparecer grávida de biquíni numa praia, por exemplo, era um tabu. Sem falar nas entrevistas polêmicas em que ela se mostrava bem liberal ao falar de sexo dentro de uma sociedade machista e pouco acostumada a mulheres mais ativas. Tanto é que a cena em que ela tira a camisa e deixa os seios à mostra, com um sorriso de quem não está nem aí pra ninguém, é um dos momentos mais interessantes e representativos do filme.

Quanto à história, não interessa muito, mas resumindo bastante, há um casal vivido por Colasanti e Stefânia que se muda para uma casa numa ilha quase deserta. O sujeito, na verdade, é um picareta que só quer sugar o dinheiro da moça ingênua. Há outro casal, interpretado por Leila Diniz e Paulo Porto, vivendo na mesma ilha. Ela cuida dele, que é cego, surdo e mudo. Mas já havia uma amizade dela com o personagem de Colasanti e os dois preparam uma maneira de pegar todo o dinheiro da esposa dele, além de se livrarem de seus respectivos esposos. A história em geral é pouco envolvente e o que é mais interessante mesmo são as ousadias formais com um quê de Godard impregnando o filme, que conta com o lendário Dib Lutfi como diretor de fotografia.

quinta-feira, junho 09, 2011

ANNA KARENINA



Não há dúvida de que Greta Garbo foi uma das mais brilhantes estrelas do cinema mundial da década de 1930. Provavelmente foi a maior de todas. Mas também é bom destacar que uma estrela só não necessariamente resulta em grandes filmes. Quando em parceria com ótimos diretores, como George Cukor (A DAMA DAS CAMÉLIAS, 1936) e Ernst Lubitsch (NINOTCHKA, 1939), ela certamente brilhou muito mais. Mas a importância que Garbo ganhou ao longo do tempo fez com que ela se tornasse maior do que os filmes que interpretou.

No caso de ANNA KARENINA (1935), talvez ela só não seja maior do que a obra literária de Leon Tolstói na qual o filme se inspira. Aliás, foi lendo um texto sobre teoria do romance, com citações sobre essa obra que eu resolvi assistir o filme. Nos dias de hoje, com a pouca falta de tempo, infelizmente é assim. Lembrei-me de uma cena de PÂNICO 4, em que a personagem de Neve Campbell recebe a resposta de uma moça mais jovem de que ela não tinha lido o livro; que ia esperar pelo filme. E esse infelizmente é o cenário atual, em que até mesmo aqueles que gostam de ler ficção não têm mais tempo para se dedicar à leitura de um bom romance. Mas voltemos a Greta Garbo e ao filme.

ANNA KARENINA tinha tudo para ser um grande trabalho, carregado de paixão e tragédia e o diretor Clarence Brown até tenta alçar voos maiores, mas talvez por condensar demais o romance ou talvez por falta mesmo de maior competência ou estilo, as cenas mais dramáticas não são tão efetivas. Ainda assim, a segunda parte do filme, depois que Anna já está morando com o amante, tendo abandonado o marido e o filho, traz momentos bem interessantes. A sequência no teatro, por exemplo, é uma delas.

A obra de Tolstói, publicada na segunda metade do século XIX, guarda semelhança com outras do Realismo europeu, como "O Primo Basílio", de Eça de Queirós, e "Madame Bovary", de Gustave Flaubert. Poderíamos, inclusive, incluir o brasileiro "Dom Casmurro", de Machado de Assis, do mesmo período, nesse rol, embora seja mais psicológico. Todos eles têm em comum o tema do adultério, bastante polêmico para a sociedade da época. E vendo ANNA KARENINA, percebe-se o quanto realmente era ousado para uma mulher deixar a própria família para viver com o amante. Tanto que em certo momento do filme, quando o conde Vronsky diz que sacrificaria tudo por ela e pede o mesmo a ela, eu pensei: "puxa, mas pra ele é muito fácil. O cara não é casado nem tem filhos."

O clima do filme oferece ao espectador um pouco da essência do romance, do gênero em geral, que é classificado por teóricos como Lukács e Nietzche, como a continuação da epopeia, mas com a diferença que agora o homem vive num mundo sem Deus. E isso se percebe realmente em praticamente todos os romances, principalmente aqueles que pendem para a tragédia. O trágico é belo. Daí o triste final da protagonista. Que na filmografia de Greta Garbo mais parece um ensaio para o grande filme que viria: A DAMA DAS CAMÉLIAS.

terça-feira, junho 07, 2011

KINATAY



Uma noite dessas assisti uma reportagem num programa jornalístico da Rede Record que mostrava um pouco do que há de exótico nas Filipinas. Fiquei especialmente enojado com os espetinhos de cabeças de galinha e de tripas de galinha, mas nada mais revoltante do que ver as brigas de galo, em que no local das esporas do animal os homens amarram uma lâmina afiada. Assim, as brigas duram minutos ou segundos e o sangue espirra rapidinho, com os animais mortos ou semimortos sendo retirados do ringue ensurdecedor de pessoas fazendo suas apostas. "Inspirado" nessa reportagem, resolvi ver um filme filipino que levou fama de ser bem pesado e sangrento, desde sua exibição numa edição do Festival de Cannes.

KINATAY (2009), de Brillante Mendonza, é muito pior do que brigas de galo com lâminas, mesmo sendo ficção. É que o cineasta dá tal grau de realismo à história de um grupo de homens que decide dar uma "lição" numa prostituta que o filme parece ultrapassar o muro da ficção e adentrar a realidade. O filme começa com o casamento de um jovem aspirante a policial. Apesar de pobres, ele e a também jovem esposa são felizes e veem um futuro promissor pela frente. Um futuro que para o rapaz se tornaria negro depois de uma noite especialmente marcante.

O espectador vê o filme pelos olhos dele; é o seu alter-ego. Afinal, imagina-se que a plateia, por mais voyeur e perversa que seja, não seria capaz dos atos praticados pelos homens que apanham a prostituta na boate para fazerem-na em pedaços. O andamento de KINATAY é lento e espinhoso e os sons captam o barulho da cidade, cheia de barracas nas ruas e de muita gente durante o dia. A tensão é constante. Não chega a ser tão perturbador quanto O ALBERGUE ou MÁRTIRES, por exemplo, mas por ser bem "terceiro mundo", tudo parece mais verdadeiro, mais "mundo cão".

segunda-feira, junho 06, 2011

O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (The Man who Knew Too Much)



A lembrança que eu tinha de O HOMEM QUE SABIA DEMAIS (1956) não era muito boa. Tinha-o como um dos filmes que eu não gostava do mestre Alfred Hitchcock. Mas já estava mais do que na hora de uma revisão. E tinha que ser com direito a documentário extra do Laurent Bouzereau, contido naquela coleção maravilhosa lançada pela Universal. O documentário de meia-hora é bacana, mas é do filme que eu quero falar, do quanto ele impactou emocionalmente em mim, me pegando realmente de surpresa.

Há poucos anos eu assisti a versão de 1934 e até tinha a impressão de que era melhor do que a refilmagem americana. Mas como o próprio Hitchcock dizia: o primeiro filme foi feito por um cineasta amador; a refilmagem, por um profissional. E de fato, na década de 1950, Hitchcock estava no auge. No auge e crescendo, já que ainda viria pela frente UM CORPO QUE CAI (1958), PSICOSE (1960) e OS PÁSSAROS (1963), os meus favoritos do mestre.

Embora seja sempre muito bom ver James Stewart nos filmes de Hitchcock, o que mais me impressionou em O HOMEM QUE SABIA DEMAIS foi a performance espetacular de Doris Day. Pelo menos em dois momentos-chave do filme ela está fantástica: quando recebe a notícia de que seu filho foi sequestrado (cena de arrepiar, de tão dramática e realista); e quando está no Albert Hall, na agonia de saber o que fazer: ficar com a culpa por não poder ajudar a evitar o assassinato de um homem e perder o próprio filho ou ajudar o homem e correr o risco?

Como é natural na obra católica de Hitchcock, o sentimento de culpa é mais forte que o amor de mãe, embora saibamos o quanto ela está angustiada com aquela situação extrema. Talvez a atriz nunca tenha encontrado um papel dramático tão bom. E Hitchcock, tão famoso pela sua frase de atores como gado, prova aqui a sua excelência também na direção de atores.

Com a experiência obtida ao longo dos anos, Hitchcock sabia dominar as emoções da plateia como ninguém. Sabia, por exemplo, que era necessário um alívio cômico, que um filme de duas horas de duração não poderia se estender tanto no suspense sem cansar a plateia. E por isso existe aquela cena engraçada na loja de taxidermia. Ele sabia também o quanto estender a tensão ao máximo, como na cena da expectativa do assassinato no Albert Hall, com o próprio Bernard Herrmann regendo a orquestra. E a sequência de Doris Day cantando "Que será será (Whatever will be, will be)" oferece não apenas suspense, mas uma dramaticidade ao mesmo tempo terna e trágica. É tanta coisa no filme que atesta a sua grandeza, tantos sentimentos misturados que ele provoca, que agora a impressão que eu tinha do filme se inverteu completamente.

domingo, junho 05, 2011

X-MEN - PRIMEIRA CLASSE (X-Men – First Class)



Não deixa de ser uma bela surpresa o fato de X-MEN – PRIMEIRA CLASSE (2011) ter conseguido trazer de volta a dignidade para a franquia, depois do ridículo filme solo do Wolverine. Assim como acontece com os três filmes originais, é preciso relevar as mudanças radicais entre quadrinhos e cinema. Como desde o primeiro filme dirigido por Bryan Singer (X-MEN, 2000) a cronologia e os personagens foram todos zoados em relação aos quadrinhos, não se poderia mesmo querer fidelidade nesse prequel, passado quase que totalmente na primeira metade dos anos 1960.

Aliás, curioso vermos heróis da Marvel envolvidos em fatos históricos. Tudo bem que não é inédito: temos o caso do Capitão América na Segunda Guerra Mundial e do Justiceiro como ex-combatente do Vietnã, mas a Marvel sempre tentou driblar o efeito do tempo. Como explicar, por exemplo, o fato de Nick Fury ter lutado na Segunda Guerra Mundial e ainda não ser um velhinho caquético? Mas isso faz parte do aspecto épico dos quadrinhos Marvel (e DC). O fator tempo interfere muito pouco na história dos seus personagens, que precisam ser eternizados e renovados aos novos tempos sempre que necessários.

Por isso é interessante vermos os jovens Charles Xavier e Magneto juntos no período da Guerra Fria e da crise dos mísseis em Cuba. Essa década curiosamente representa a criação dos X-Men originais por Stan Lee e Jack Kirby. Pena que sobraram poucos heróis interessantes da formação original, já que os roteiristas da franquia queimaram no primeiro e nos filmes seguintes o Ciclope, a Jean Grey, o Anjo e o Homem de Gelo. Dessa formação original, sobrou apenas o Fera para explorarem. E até que foi bem explorado. Ao mesmo tempo, aproveitaram para trazer uma personagem bem interessante, mas já surgida na fase Chris Claremont/John Byrne: Emma Frost, um tanto deslocada na pele de January Jones, que muito provavelmente só foi escolhida por ter ficado famosa em MAD MEN, a aclamada série sobre os Estados Unidos na década de 60.

Como os personagens principais são Xavier e Magneto, nota-se que o esqueleto original do roteiro abortado do filme sobre Magneto está lá. Assim, a maior ênfase está justamente na origem de Magneto (muito bem representado por Michael Fassbender). O fato de ele e sua mãe terem sido levados para os campos de concentração e isso ter provocado a sua raiva devoradora contra a humanidade funcionou muito bem. A cena do pequeno Magneto explodindo de raiva e mostrando a extensão de seus poderes é uma das mais interessantes desse início.

Além do mais, é muito bom ver um filme de super-heróis cuja base esteja mais nos diálogos e na construção narrativa do que em efeitos especiais e pirotecnia. E por isso deve-se dar os parabéns a Mathew Vaughn por ter conseguido fazer uma obra bem construída e bem amarrada e com elementos que remetem aos antigos James Bond. Tudo funciona muito bem pelo menos até perto do final, quando nota-se uma pressa para acabar logo com o fio principal da trama. Por isso é no final que o filme mais se aproxima dos genéricos de ação. Mas parece que isso é quase impossível de se fugir nos dias de hoje, embora não custasse tentar.

sexta-feira, junho 03, 2011

THE OPENING OF MISTY BEETHOVEN



Considerado o melhor filme pornô de todos os tempos, uma espécie de CIDADÃO KANE da indústria x-rated, THE OPENING OF MISTY BEETHOVEN (1976) realmente é uma obra de respeito, por mais que não seja exatamente um filme para se mostrar para a família, em reuniões de igreja ou para levar para os alunos na escola. Acontece que o gênero pornográfico é, digamos, mais efêmero no que concerne ao seu poder de fogo sexual. Eu ainda consigo ficar bastante "animado" com os filmes da década de 1990, mas das décadas anteriores nem tanto. Tais filmes, quando vistos por mim, são porque já atingiram o status de "clássico", já entraram no cânone da pornografia.

Sempre quis ver uma cópia legendada de THE OPENING OF MISTY BEETHOVEN, mas de tanto eu esperar sentado, achei por bem exercitar as minhas habilidades de listening, mesmo sabendo que perderia boa parte das falas. E em se tratando da obra de Radley Metzger, os diálogos bem humorados são fundamentais para se entrar no espírito do filme. Melhor exemplo disso é a cena em que o personagem de Jamie Gillis entra no avião e responde a um pequeno questionário feito pela aeromoça. Entre as perguntas, além do prato e da bebida de preferência, está se ele prefere boquete ou masturbação. Ou algo do tipo. Serviço de bordo desses as companhias aéreas daqui não oferecem, hein. O barato desse tipo de filme, principalmente os que são pretensiosos o suficiente para capricharem no enredo, nos cenários, na fotografia e na construção dos personagens, é que eles acabam por se enquadrar também na categoria de surrealistas.

THE OPENING OF MISTY BEETHOVEN é uma espécie de versão pornô de "Pigmalião", em que um sexologista (Jamie Gillis) convida uma prostituta que se vende por poucos dólares em cinemas pornô (Constance Money) para se transformar em alguém mais sofisticada, mais sensual e que inspire mais paixão. Para isso, ela precisa exercitar suas habilidades sexuais, como: engolir e chupar um cacete o melhor possível; fazer três homens gozarem simultaneamente; e o teste final: seduzir e fazer sexo com um homossexual – a melhor cena de sexo do filme, aliás. E, à semelhança de MY FAIR LADY, de George Cukor, quanto mais o tempo passa, mais Constance Money vai ficando mais sexy e mais linda. É até possível se apaixonar por sua adorável personagem. Nota-se que já na década de 1970, os americanos trabalhavam com belas atrizes pornôs, como é o caso dessa estilosa e memorável obra que hoje deve ser vista não como um filme para se "aliviar", mas como algo para se apreciar esteticamente mesmo. E para não dizerem que eu esqueci de falar: a trilha sonora rock e lounge é um caso à parte, de tão boa que é.

quinta-feira, junho 02, 2011

A HORA DA ESTRELA



Mais uma lacuna preenchida nestes dias, A HORA DA ESTRELA (1985), baseado na obra de Clarice Lispector e estreia na direção de Suzana Amaral, é desses filmes adoráveis, um dos melhores produzidos no Brasil na década de 1980. Trata-se de uma tragédia com toques de humor que contribui para conquistar o espectador, que encantado com a inocência de Macabéa (Marcélia Cartaxo) acompanha as suas desventuras.

A personagem é uma jovem alagoana semianalfabeta que tenta sobreviver trabalhando como datilógrafa num depósito comercial. Logo no começo do filme, ela recebe reclamações de seu trabalho. Entrega as folhas manchadas de comida e com erros de ortografia. Mas o que ela apenas sabe dizer é "desculpe". Sua colega de trabalho é Glória (Tâmara Taxman), uma mulher que usa de esperteza e que é muito mais interessada em namorados e em dinheiro, mesmo que para isso precise chantagear os amantes e mentir para o patrão.

Macabéa aprende um pouco com ela e num desses dias em que ela falta ao trabalho dizendo que vai ao dentista, conhece um sujeito, também nordestino, com quem passa a ter uma relação próxima de um namoro. O tal sujeito é vivido por José Dumont e a sua entrada em cena torna o filme ainda mais interessante, já que ele é um homem que se faz de inteligente e confiante, mas não sabe responder às perguntas de Macabéa, o que acaba rendendo os momentos mais engraçados do filme. Não há nenhuma relação de carinho entre os dois, embora ela até tente se aproximar fisicamente dele. Porém, como Macabea só conhece a brutalidade do mundo, não se recente tanto. A felicidade para ela é algo muito distante e que nem faz parte de seus planos. "Ser feliz pra quê?", ela pergunta a certa altura.

Fernanda Montenegro aparece num papel pequeno mas impressionante. Ela interpreta uma cartomante inescrupulosa, cuja presença torna o ambiente carregado de expectativas negativas. E é nesse clima de desesperança que se constrói A HORA DA ESTRELA, que hoje também funciona como registro de uma época em que os pobres assistiam televisão pela janela do vizinho.

A HORA DA ESTRELA ganhou vários prêmios no Festival de Brasília, incluindo filme, atriz, ator, direção e fotografia. Marcélia Cartaxo foi premiada no Festival de Berlim com o Urso de Prata de melhor atriz.

quarta-feira, junho 01, 2011

ENTERRADO VIVO (Buried)



Quando do lançamento nos cinemas, ENTERRADO VIVO (2010) foi muitas vezes comparado com 127 HORAS, de Danny Boyle, já que ambos os filmes mostram homens sozinhos em circunstâncias desesperadoras. E boa parte das pessoas que viram os dois trabalhos concordou que a coprodução Espanha-EUA-França de Rodrigo Cortés sai ganhando na comparação. Afinal, é um filme muito mais corajoso ao não oferecer alívio para o espectador através de flashbacks ou de uma introdução ao ar livre. ENTERRADO VIVO já começa no breu total.

Tudo bem que ser enterrado com um isqueiro, um celular e um canivete parece um joguinho estilo "Jogos Mortais", mas não deixa de ser um jogo bastante cruel, levando em consideração que seguimos a angústia do protagonista dentro de um caixão – ou pelo menos uma caixa, já que ele ainda consegue, com muita dificuldade se mover de um lado para outro – durante todo o filme.

Não dá para eu dizer que a experiência de estar "dentro de um caixão no cinema" seja a mesma que eu senti durante a cena de KILL BILL VOL. 2, já que infelizmente o filme não chegou aos cinemas locais e tive que optar por vê-lo em casa mesmo. Mas, por outro lado, como o filme de Cortés segue uma linha mais realista, sabemos que não basta um soco de poucos centímetros de distância do protagonista para ele sair daquele buraco.

Muito do sucesso do filme se deve à interpretação de Ryan Reynolds, que praticamente sozinho comanda este thriller sobre um motorista de caminhão que, ao levar suprimentos para os soldados americanos no Iraque, é alvejado pelo inimigo e colocado vivo dentro de um caixão. Essas informações são passadas aos poucos, através do celular dentro daquele ambiente que certamente deve incomodar muito a quem sofre de claustrofobia.

Daria para falar mais um pouco do que torna ENTERRADO VIVO muito superior ao filme de Boyle, mas provavelmente eu estaria estragando o final se eu o dissesse. O melhor a fazer é ver o filme com o mínimo de informações possível e acompanhar corajosamente o protagonista nessa jornada de agonia.