terça-feira, março 31, 2009

MEU NOME É DINDI























E chega com certo atraso em Fortaleza, mas pelo menos em glorioso scope e em película, o trabalho de estreia de Bruno Safadi. Por mais que se espere uma obra anti-convencional, o filme não deixa de surpreender. E essa é uma das principais qualidades de MEU NOME É DINDI (2008), que bebe muito da fonte de Julio Bressane, lembrando em vários momentos o ótimo CLEÓPATRA. Como Safadi já foi assistente de Bressane, a aproximação é compreensível. Trata-se de um filme que tem cara de obra de estreia, com aquela vontade de ousar esteticamente, de experimentar.

A cena em que Dindi (Djin Sganzerla) e Marcão (Gustavo Falcão) acordam na praia é impregnada de uma atmosfera sombria, de pesadelo, que se torna mais evidente graças a um escurecimento repentino da fotografia, dando a impressão de estar anoitecendo (se é que não estava mesmo), aumentando o ar de opressão. A teatralidade das interpretações pode depor um pouco contra o filme, pois o exagero na expressão de Djin quando se sente acuada ou está em estado de paranoia torna sua personagem pouco convincente. Ainda assim, trata-se de um filme que deve ser louvado por fugir do lugar comum, por buscar caminhos estéticos alternativos.

O uso do plano-sequência para causar estranheza demonstra um apuro visual refinado do diretor. A cena dos avós de Dindi saindo do mar chega a ser assustadora. Mais até do que nos momentos em que Safadi se esforça para dar ao seu filme um ar de pesadelo, como nas cenas em que Carlos Mossy aparece (seria ele um personagem real ou apenas fruto da imaginação e dos traumas de Dindi?); ou numa das melhores cenas do filme, aquela em que o casal de namorados resolve assistir uma misteriosa fita VHS, o que me fez lembrar A ESTRADA PERDIDA, de David Lynch. Safadi, ainda que surpreenda, nessa sequência, está longe de conseguir fazer a plateia sentir medo como muito bem faz o cineasta americano. Por isso, MEU NOME É DINDI é um filme cujos resultados estéticos nem sempre funcionam, mas que não deixam de ser sempre interessantes, intrigantes. O próprio fato de a câmera seguir a personagem quase que o tempo inteiro causa um leve desconforto.

Na trama, Dindi é uma jovem mulher que está passando por sérios problemas financeiros e com o risco de perder a quitanda que herdou da mãe e da avó. Uma quitanda que fez história, que foi frequentada no passado por celebridades e que hoje vive em decadência por causa da concorrência com os grandes supermercados. Nota-se já a partir da sinopse que há uma romantização do passado, cheio de memórias agradáveis, em detrimento do presente, onde impera a tristeza, a paranoia e a perda. A conclusão, brusca e enigmática, deixa no ar algumas perguntas sobre as reais intenções do diretor e roteirista e sua estranha e intrigante obra.

segunda-feira, março 30, 2009

ELE NÃO ESTÁ TÃO A FIM DE VOCÊ (He's Just not That into You)





















Sem dúvida, a grande atração de ELE NÃO ESTÁ TÃO A FIM DE VOCÊ (2009) é o elenco. Aliás, nem sei como conseguiram reunir tanta gente interessante numa produção modesta. Em qual outro filme podemos ver juntas Jennifer Connelly e Scarlett Johansson? E ainda tem Drew Barrymore, Jennifer Aniston e Ginnifer Goodwin. No elenco masculino, Justin Long, Bradley Cooper, Ben Affleck, Kevin Connolly e o veterano Kris Kristofferson. Tudo isso num filme dirigido por Ken Kwapis, o cara que fez uma das piores comédias dos últimos anos - LICENÇA PARA CASAR (2007). A favor de Kwapis, tem o fato de ele ter dirigido alguns dos melhores episódios de THE OFFICE, como "Gay Witch Hunt" e "Casino Night". Pena que com a migração para cinema nem sempre esses diretores de televisão conseguem gerar algo acima da média. Por isso, por mais que as expectativas para o filme sejam baixas, ainda assim, não deixa de ser decepcionante. E como se trata de um filme com várias tramas entrelaçadas, difícil não fugir da irregularidade. Algumas tramas são melhores (ou piores, melhor dizendo) que outras. A história de Jennifer Aniston e Ben Aflleck, por exemplo, é fraquíssima, bem como a personagem de Drew Barrymore.

Uma das primeiras cenas do filme é até animadora. Nela, vemos Bradley Cooper num supermercado com Scarlett Johansson. Ela ganha um brinde no supermercado e os dois começam a conversar. Rola uma química entre eles e, vendo pelo ponto de vista dele, fica difícil não ficar imediatamente interessado na Scarlett. O problema é que ele é casado e diz para ela que não pode, apesar de a moça ser tão tentadora. Dessas de destruir casamento mesmo. Quando vemos que a esposa dele é Jennifer Connelly, as coisas começam a fazer sentido. Mas o problema é que as mulheres do filme não conseguem ser tão interessantes – na maioria das vezes, na verdade, elas chegam a ser até irritantes. A própria protagonista (ou a que mais se aproxima do título), Ginnifer Goodwin (a esposa mais jovem de BIG LOVE), é tão desesperada para arranjar um namorado que chega a ser humilhante a situação. Já as mulheres que se sentem desprezadas pelo parceiro (Jennifer Aniston, Jennifer Connelly) acabam por também se diminuírem na tela. Mesmo a Scarlett Johansson não passa da gostosa que todo mundo quer pegar. Da ala masculina, também temos a cota de humilhações, representado principalmente pelo personagem de Kevin Connolly (o E, de ENTOURAGE), que é doido pela Scarlett, mas que fica sempre em segundo plano. Ben Affleck, como par romântico de Jennifer Aniston, também está bem apagado. Tudo leva a crer que os dias de galã do astro já se foram.

Se a tentativa do diretor e dos roteiristas é humanizar os personagens, tornando-os menos glamorizados, também não havia necessidade de deixá-los sem sua dignidade. Talvez a passagem do diretor por THE OFFICE, a série que leva o constrangimento às últimas consequências, tenha contribuído um pouco para o resultado final do filme. Mas mesmo quando os personagens encontram seu caminho, ainda que esse caminho seja a solidão, o filme se apega aos velhos clichês das comédias românticas e com o agravante de ser totalmente sem graça e emoção. Ainda assim, ELE NÃO ESTÁ TÃO A FIM DE VOCÊ reserva uma cena que não deve sair da mente do espectador por alguns dias: Bradley Cooper dando uns amassos na Scarlett Johnasson em seu escritório. Tem também a cena dela na piscina. No fim das contas, a razão de ser do filme é a presença sempre animadora de Scarlett, por mais rasa que seja sua personagem.

sexta-feira, março 27, 2009

SEX DRIVE - RUMO AO SEXO (Sex Drive)























Como diz o ditado popular: "há males que vem para o bem". No feriado de São José, no último dia 19, quando eu me preparava para ver SEX DRIVE – RUMO AO SEXO (2008) no cinema, fiquei acometido de dores no corpo e febre e acabei não ficando com disposição para sair de casa. Mas minha irmã tinha conseguido uma cópia do filme em divx e a sorte é que é uma versão uncut, quer dizer, com mais cenas que a versão "oficial" e com muito mais nudez. Inclusive, essa versão conta com uma apresentação impagável do diretor e do produtor do filme (ambos, roteiristas), que pode assustar as alas mais conservadoras da sociedade. Essa apresentação já prepara o público para o que virá.

Há uma semelhança com as comédias da turma de Judd Apatow e Seth Rogen, que foram meio que os pioneiros nesse retorno da comédia erótica, tão em voga nos anos 80. Essas comédias voltaram renovadas e até mais ousadas no quesito sexo, nudez e palavrões. Não sei se a versão disponibilizada nos cinemas mostra closes da genitália masculina, por exemplo. Mas se o filme tem que agradar também a platéia feminina, talvez esse seja o caminho. Ou não, já que não dá para prever como uma mulher vai reagir a determinadas coisas. E também não dá pra generalizar, claro.

SEX DRIVE tem uma enredo bem simples: rapaz virgem de 18 anos "rouba emprestado" o carro do irmão homofóbico (James Marsden) e segue com o amigo mulherengo e sua melhor amiga (na verdade, sua paixão platônica) para encontrar em uma outra cidade uma garota que ele conheceu pela internet. O objetivo principal da viagem é tirar a virgindade do garoto, mas como todo bom road movie, a viagem representa uma mudança nos rumos das vidas dos protagonistas.

Há uma semelhança com CAINDO NA ESTRADA, subestimada e divertida comédia estradeira, que tem a antológica cena do velho de pau duro. Em SEX DRIVE, tem uma cena que rivaliza: enquanto esperam o amigo mulherengo, que está no quarto fazendo sexo selvagem com uma mulher casada, o casal de amigos tem que "apreciar" o saco escrotal do velho de bermuda. É o humor grosseiro que chega para rir e incomodar. Mas comparando com CAINDO NA ESTRADA, SEX DRIVE é melhor. Mesmo nessa versão uncut, que deve ser menos redonda que a versão para cinema.

Apesar das piadas um pouco pesadas e da temática exclusivamente sexual, o filme tem o seu lado terno de comédia romântica, tanto ao explorar o relacionamento do casal de pombinhos da viagem quanto do amigo mulherengo, que se apaixona por uma moça amish. Aliás, a festa amish está entre os momentos mais engraçados do filme. E Seth Green como o mecânico amish sacaneador está ótimo. Mas nada como a cena da urina no radiador. E o filme ainda reserva para o final a presença memorável da gatíssima Katrina Bowden, conhecida de quem assiste 30 ROCK. SEX DRIVE é só alegria.

quinta-feira, março 26, 2009

IN SEARCH OF STEVE DITKO























Quando escrevi aqui sobre THE MINDSCAPE OF ALAN MOORE, o documentário sobre o escritor/bruxo mais incensado dos últimos anos, Leandro Caraça e Daniel Araújo comentaram sobre este IN SEARCH OF STEVE DITKO (2007) e eu fiquei logo curioso para conferir. Felizmente, com uma pequena ajuda de pessoas que nem sequer me conhecem, consegui com certa facilidade uma cópia. Trata-se de um documentário sobre um dos artistas mais famosos da aurora da Marvel que não recebe o devido crédito, até por sempre fugir da imprensa. Existem pouquíssimas fotos existentes do eremita Ditko, que, pelo que é mostrado no filme, mostra-se uma pessoa bem interessante, curiosa e com bem mais mistérios em torno do que eu imaginava.

Hoje é comum atribuir a co-criação de um personagem de quadrinhos ao seu desenhista original, como é o caso, por exemplo, de Sandman, que é tido como criação de Neil Gaiman e dos desenhistas Sam Keith e Mike Dringenberg. Mas ainda assim, costuma-se atribuir a criação dos personagens principalmente ao roteirista. Assim, o Homem-Aranha é tido como criação quase que exclusiva de Stan Lee, o grande criador do universo Marvel. E Steve Ditko, o primeiro desenhista do herói, costuma ser esquecido. O documentário produzido pela BBC procura saber não apenas o paradeiro de Ditko, mas também mostrar a sua real importância na criação de heróis como o Homem-Aranha e o Dr. Estranho.

O apresentador do programa, Jonathan Ross, é um entusiasta das histórias em quadrinhos e convida uma série de artistas ilustres da nona arte para o seu programa. Assim, temos depoimentos de Alan Moore, Neil Gaiman, Mark Millar, Stan Lee, John Romita, Joe Quesada, entre outros. E como é legal ver Alan Moore falando da Marvel. Sei que ele tem uma queda maior pelos heróis da DC, mas soube que ele também curtia os quadrinhos da Marvel na sua juventude. E que ele era fã do trabalho de Steve Ditko. Quando Ditko deixou a Marvel, por razões ainda hoje misteriosas, ele sentiu que as histórias do Aranha perderam um pouco da graça. Ditko desenhava Peter Parker como um nerd magricela e desengonçado. Com a entrada de John Romita, ele passou a ser bonito e ter pinta de galã. Romita embelezou todo mundo, com seu traço mais clássico. O Aranha passou a ser musculoso como os outros heróis.

Boa parte da polêmica que envolve Steve Ditko está justamente no fato de que ele foi provavelmente tão importante na criação do Homem-Aranha quanto Stan Lee. Dizem que ele inventou os lançadores de teia e criou o design do uniforme do herói. Quando ele assumiu o título do Dr. Estranho e trouxe a psicodelia para o universo Marvel, dizem que ele fazia toda a história e Stan Lee apenas colocava os diálogos nos balões. Talvez por não receber os devidos créditos, Ditko tenha preferido sair da major e trabalhar em editoras independentes, criando personagens não tão conhecidos do grande público, como o Questão e o Mr. A.

Um dos momentos mais interessantes do documentário é quando Jonathan Ross e Neil Gaiman saem numa espécie de cruzada em busca do sumido Steve Ditko. Será que eles conseguem falar com o homem? Quem quiser saber, que veja o documentário. Que é imperdível para fãs de quadrinhos, mas tenho certeza que deve agradar até mesmo aqueles que não têm nenhuma intimidade com a arte sequencial. O único problema do documentário é que ele só tem uma hora e deixa um gostinho de "quero mais". Agradeço a dica preciosa dos amigos.

quarta-feira, março 25, 2009

HISTORIA SEXUAL DE O (The Sexual Story of O)




















Apesar de ter outros dois filmes muito mais elogiados de Jesus Franco no ponto, esperando o momento certo para vê-los - refiro-me a LOVE LETTERS OF A PORTUGUESE NUN (1977) e MACUMBA SEXUAL (1983) -, senti-me atraído a ver primeiro este HISTORIA SEXUAL DE O (1984), talvez por ter atração pelo universo do Marquês de Sade. Pena que precisamos esperar muito para entrarmos efetivamente no mundo de Sade. Por vezes, a impressão que fica é que Jess Franco está o tempo todo nos enrolando. Ainda assim, os minutos finais de HISTORIA SEXUAL DE O e a beleza da protagonista, Odile, interpretada pela bela Alicia Príncipe, fazem valer a pena a apreciação da obra. Alicia Príncipe é um caso à parte. Além de belíssima, ela passa uma inocência angelical perfeita para a personagem. A imagem dela nua, na praia, agindo com naturalidade ao encontrar-se com o homem que a levou para a ilha é de uma beleza ímpar.

HISTORIA SEXUAL DE O é apenas a minha segunda incursão no cinema de Jesus Franco. Minha única experiência com o cinema do diretor havia sido com o clássico VAMPIROS LESBOS (1971). Devo dizer que comecei com o pé direito em sua obra e até hoje guardo boas lembranças da beleza espetacular de Soledad Miranda. Se HISTORIA SEXUAL DE O não tem o mesmo potencial erótico, imagético e jazzístico de VAMPIROS LESBOS talvez seja por falta de empenho do diretor. Ou talvez porque o filme seja um corpo estranho no cinema dos anos 80. O que mais me incomodou no filme foi a demora para a trama sádica começar de fato. O filme tem apenas 90 minutos e é preciso esperar 80 para ver a violência e a crueldade surgir na tela com força. O erotismo soft causa mais impaciência e vontade de ver algo mais forte, como um viciado que está acostumado com uma droga forte e experimenta uma fraquinha. Enquanto isso, há uma tensão em torno da expectativa e há, claro, as cenas de sexo, que são prolongadas e na maioria das vezes frustrantes. Os melhores momentos das tais cenas são as que envolvem sexo entre mulheres. As cenas de sexo (simulado) com os homens, além de não convencerem, carecem de beleza. A especialidade de Franco é mesmo a exploração do corpo feminino, o que é completamente compreensível.

Aliás, são as mulheres as grandes personagens do filme. Os homens são uns fracos. Tanto o suposto conde quanto o homem da ilha são covardes e chorões. Ou talvez sejam mais humanos do que as mulheres, muito mais perversas. A "condessa", por exemplo, na cena da tortura de Odille, se masturba com prazer diante da situação. Não deixa de ser uma imagem forte e que fica na mente, assim como os rostos feios e diabólicos do casal de matadores. Os momentos finais de HISTORIA SEXUAL DE O compensam a irregularidade e a embromação de Franco. Mas não culpemos o diretor. Talvez, assim como os personagens homens da trama, ele tenha se sentido tentado a não dar cabo de sua bela O.

Jess Franco tem quase 200 títulos em sua filmografia e é uma tarefa quase impossível conseguir ver todos os seus títulos. A maioria deles, dizem, é feita de filmes muito ruins. Mas uma coisa não se pode dizer de Franco: que ele é preguiçoso. Além de escrever e dirigir seus filmes exploitation de baixo orçamento, Franco ainda compõe a música de vários de seus filmes sob o pseudônimo Pablo Villa. HISTORIA SEXUAL DE O tem trilha sonora composta por ele.

terça-feira, março 24, 2009

ALMA PERDIDA (The Unborn)























Saí de casa no domingo para ver PAGANDO BEM, QUE MAL TEM?, do Kevin Smith. Comprei o ingresso e saí para andar um pouco pelo shopping e comer alguma coisa (ainda não tinha almoçado) até chegar a hora de ver o filme. Só que instintivamente conferi o ingresso e vi que o filme era dublado! Nem pensei duas vezes e fui logo reclamar. Como pode um filme com censura 16 anos dublado? Para filmes infantis ou juvenis, tudo bem, mas para um filme que tem até cenas de sexo, eu não vejo porque haveria essa necessidade comercial. Fiquei indignado e pedi para trocar o ingresso por outro filme na hora. A moça da bilheteria pareceu não se importar muito com minha reclamação, embora não tenha feito nenhuma restrição ao meu pedido.

Até já tinha desistido de ver este ALMA PERDIDA (2009), por causa das inúmeras críticas negativas e de minha experiência não muito agradável com outro exemplar do gênero, DIA DOS NAMORADOS MACABRO. Mas como cada filme é um filme, a gente acaba se surpreendendo. Não que ALMA PERDIDA seja um grande filme. Longe disso. Mas é um trabalho que vai se revelando mais interessante à medida que a trama se desenrola. No começo, confesso que até estava com um pouco de má vontade. Principalmente por causa dos clichês óbvios. Na cena de abertura, temos uma atmosfera de sonho na qual a protagonista, praticando jogging, encontra uma luva vermelha no chão e depois vê um garoto com aspecto cadavérico, que pareceria saído de um horror japonês se não tivesse cara de ocidental. Depois, ela encontra um feto no chão da floresta. A cena mostra um close do rosto do feto e qualquer espectador com o mínimo de vivência com filmes de horror já vai adivinhar o que acontece logo em seguida. Isso mesmo: o feto abre o olho e o som do cinema aumenta o volume. Foi um clichê tão besta e previsível que eu até imaginei que aquela não seria uma sessão lá muito agradável. Até porque eu tive de mudar de lugar pois um grupinho que estava atrás de mim não parava de conversar. E pior: um deles dizia: "puxa, que pena que esse filme não é dublado". E depois que eu troco de lugar, um sujeito sentado na fileira de trás coloca os pés na cadeira, perto da minha cabeça. Eu tive de olhar para trás, com ar de desaprovação, para ele retirar os pés.

Por incrível que pareça, e mesmo eu estando um tanto ranzinza e anti-social, fui começando a gostar do filme. Horror é um gênero ingrato mesmo e muito difícil fugir dos clichês. Em geral, o que se pode fazer é utilizá-los com eficácia e inteligência. A probabilidade, por exemplo, de algo assustador aparecer num espelho em filme de terror é muito grande. E o filme apresenta muitas cenas de espelho. E como eu tenho certo fascínio pelo mistério envolvendo espelhos, até entrei na onda do filme. Outro ponto positivo é a presença da bela protagonista, interpretada pela americana descendente de latinos Odette Yustman, que havia aparecido em CLOVERFIELD antes, num papel menor. Em ALMA PERDIDA, ela tem a chance de mostrar melhor o seu carisma.

O filme vai ganhando força com o descortinar da trama, que envolve experiências do médico nazista Josef Mengele, um espírito do mal que perturba gerações de uma mesma família, superstições intrigantes e até um ritual de exorcismo ligado à Cabala. A cena de exorcismo, aliás, é uma das melhores do filme. A expectativa em torno do que vai acontecer cria um bom clima de suspense. Gary Oldman, o único nome conhecido do elenco, interpreta o rabino que irá presidir o procedimento.

O que eu tenho notado é que Michael Bay, quando produtor de filmes de terror, geralmente se sai muito bem. Suas produções para o gênero em geral têm um tratamento especial, seja na inclusão de beldades-revelações, seja num maior capricho no desenvolvimento da trama, embora se possa reclamar da falta de uma maior originalidade, já que ele tem se especializado em produzir remakes. No currículo: O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA (2003), HORROR EM AMITYVILLE (2005), A MORTE PEDE CARONA (2007), SEXTA-FEIRA 13 (2009) e vem aí a refilmagem de A HORA DO PESADELO, prevista para o próximo ano. E com Bay na produção, nem importa muito quem é o diretor. No caso de ALMA PERDIDA, a direção é de David S. Goyer, recentemente anunciado para dirigir o filme solo do Magneto.

segunda-feira, março 23, 2009

GRAN TORINO























Muitos andam comparando GRAN TORINO (2008) com os filmes da cinessérie "Dirty Harry". Walt Kowalski seria uma versão mais velha e mais ranzinza do Detetive Harry Callahan. Só que Clint Eastwood, o diretor, possui algo que o distingue de sua persona como ator. E é dessa dicotomia que surge um dos mais interessantes personagens da carreira de Clint Eastwood. Temos um misto daquela autoconfiança que todo homem quer ter e que é típico dos personagens protagonizados pelo ator ao longo dos anos – desde a sua parceria com Sergio Leone – com a fragilidade que seus personagens também possuem. Inclusive, a figura do homem doente e que serve como mestre para um jovem já havia sido mostrada em HONKYTONK MAN (1982), enquanto que a questão da dificuldade de se relacionar com um ente da família já havia sido vista em MENINA DE OURO (2004), que também trata da relação mestre/discípulo.

O sacrifício é outro elemento presente na obra do diretor. E nada mais representativo do sacrifício do que o cristianismo - mais especificamente o catolicismo, no caso da obra de Clint. Assim como o treinador Frankie Dunn encontrava-se regularmente com um padre, mas não conseguia ter uma relação de maior proximidade com a religião por conta de traumas do passado, assim também o velho Walt Kowalski, veterano da Guerra da Coréia e que mantém uma bandeira dos Estados Unidos na varanda de sua casa, vive uma vida amarga, fruto de ações que ele realizou no passado e que o atormentam até os últimos dias de sua vida. Mas comparando os dois personagens, eu ainda diria que ao menos Kowalski atingiu uma redenção no final, enquanto Frankie Dunn, depois de ter realizado o difícil e doloroso ato final, só pode ter encontrado ainda mais amargura em sua vida.

E amargura é outra palavra constante na obra de Eastwood. No recente A TROCA (2008) pudemos ver a figura da mãe que espera a vida toda pelo filho desaparecido. Imagina só a dor que deve ser isso. Mas nem só de dor vive o cinema de Clint Eastwood. Há muito humor em GRAN TORINO. A primeira metade do filme é cheia de momentos engraçados, frutos da rabugice de Kowalski e de sua relação com a família de asiáticos que ele, xenófobo e preconceituoso, tem de aturar. Aos poucos, ele nota, principalmente a partir do primeiro contato que tem com a jovem e simpática Sue, que ele tem mais identificação com aquele povo vindo do outro lado mundo do que com sua própria família.

Quem percebe as reações de descaso e desrespeito que os mais jovens têm com relação aos mais velhos hoje em dia pode facilmente entender a desaprovação explícita de Kowalski. Não é difícil antipatizar com os meninos que não respeitam nem mesmo o dia do velório da esposa de Kowalski, que acontece logo no início do filme. E por mais que se perceba inúmeras falhas na personalidade do velho ranzinza, não há como não amar o personagem. Principalmente quem cresceu aprendendo a admirar o heroísmo e até mesmo o cinismo dos personagens de Clint Eastwood. Por isso, nenhum outro ator, por melhor que fosse, conseguiria atingir a audiência da mesma forma e com tanta classe. E ao nos colocarmos no lugar do jovem Thao, sentimos uma espécie de orgulho de estarmos aprendendo algo de valor e numa relação próxima da de pai e filho. Como havia se formado também em UM MUNDO PERFEITO (1993) e nos já citados HONKYTONK MAN e MENINA DE OURO. E a generosidade e a vontade de proteger à sua maneira aqueles que precisam são aspectos da personalidade de Kowalski que ficam evidentes e que fazem com que sintamos por ele um forte sentimento de amor e respeito.

sábado, março 21, 2009

BIG BANG: A TEORIA – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (The Big Bang Theory – The Complete First Season)























O formato clássico das sitcoms está de volta com BIG BANG: A TEORIA. Dizem que a segunda temporada, que está no ar nos Estados Unidos atualmente, é ótima, bem melhor que a primeira. Mas assim como alguns personagens da série, eu também tenho minhas manias, que fui ganhando com o tempo, entre elas, começar uma série do começo, em vez de ver um episódio aleatoriamente como costumava fazer no passado. Por isso, mesmo de posse já de alguns episódios da segunda, resolvi baixar a primeira temporada (2007-2008) primeiro. É fácil gostar da série, apesar de não ser tão engraçada quanto THE OFFICE nem muito menos quanto SEINFELD, embora seja com essa última que ela mais tenha pontos em comum.

Em ambas há o grupo de amigos homens e uma mulher. Mas se na clássica obra de Jerry Seinfeld e Larry David havia um trio de tipos esquisitos, mas que chegam perto da normalidade, em BIG BANG: A TEORIA, temos quatro nerds super-esquisitos e uma loira gostosa morando no apartamento ao lado de dois deles. A chegada de Penny, a loira que balança o coração do menos esquisito da turma, Leonard, dá o pontapé inicial para a série. Morando com Leonard, tem o super-freak Sheldon, um cara que parece um robô até no jeito de caminhar. Não entende os sentimentos e emoções humanas e não tem interesse em sexo. Ele também tem um jeitão engraçado e um pouco efeminado, como uma versão mais jovem do Mr. Bean. Já seu colega judeu Wolowitz tem uma especial tara pelas mulheres e frequentemente dá uma de galanteador. Quanto ao indiano Raj, ele tem um problema grave: não consegue falar perto de nenhuma mulher bonita ou atraente.

A primeira temporada reserva alguns episódios marcantes, como o da festa à fantasia no apartamento da Penny; o episódio em que Raj descobre que bebendo ele consegue falar com as mulheres; o dia do aniversário do Leonard, quando Penny resolve fazer uma festa-surpresa; quando os quatro resolvem comprar uma réplica da máquina do tempo; ou quando Leonard mente para Penny e Sheldon resolve inventar uma outra mentira, mais convincente. Muito bom esse episódio. Talvez o melhor da temporada. Ah, tem também aquele do garoto coreano que chega para derrubar o favoritismo de Sheldon no quesito inteligência na área de Física.

Nos dias de hoje, podemos dizer que pessoas como as mostradas BIG BANG: A TEORIA não são impossíveis de encontrar, ainda que a série exagere na forma como os pinta para torná-los mais engraçados. Na era da internet e de um mundo em que as pessoas têm mais coisas para deixá-las mais solitárias e também mais entretidas em casa – como manter um blog, por exemplo :) - é comum ver grupos de experts em determinada coisa. Seja em saber tudo sobre computação ou saber tudo sobre STAR TREK.

sexta-feira, março 20, 2009

DIA DOS NAMORADOS MACABRO (My Bloody Valentine / My Bloody Valentine 3D)





















O original de 1981 seguia o rastro do sucesso de bilheteria deixado por HALLOWEEN, de John Carpenter, e SEXTA-FEIRA 13, de Sean S. Cunningham, dois filmes que também lidavam com datas especiais e que traziam psicopatas e contagem de corpos. O canadense DIA DOS NAMORADOS MACABRO, se não ganhou a mesma fama de seus dois "irmãos", pelo menos ficou no imaginário dos fãs como um exemplar dos melhores slashers lançados na década de 80. Em tempos de refilmagens a torto e a direito, era só questão de tempo para alguém resolver fazer a de DIA DOS NAMORADOS MACABRO (2009). Pena que o resultado ficou bem aquém do esperado e deve agradar ou entreter provavelmente apenas quem for ver o filme em salas que disponham da tecnologia 3D, que infelizmente ainda não chegou nos cinemas locais.

Os produtores começaram errando, ao escalar para a direção Patrick Lussier, o sujeito que fez o tedioso LUZES DO ALÉM (2007). Se existe alguma coisa que escapa nesta produção desleixada é o trio de beldades, que inclui como heroína Jaime King – que já havia chamado a atenção em SIN CITY – e as menos conhecidas Betsy Rue e Megan Boone, que emprestam charme e generosidade erótica ao filme. Enquanto essas moças estão em cena, o filme até parece valer a pena. A cena de Betsy Rue pelada sendo atacada pelo maníaco é um dos melhores momentos do filme. Além do mais, se o filme não fosse uma refilmagem e o crédito não fosse todo para o original, poderíamos elogiar a criatividade na criação do uniforme do psicopata, que se veste como um mineiro e usa uma picareta como arma para estilhaçar suas vítimas.

A trama começa dez anos atrás, quando um enlouquecido mineiro (não me refiro aos naturais de Minas Gerais), vítima de um acidente que matou alguns de seus colegas, sai do coma e passa a retalhar quem estiver em seu caminho. As primeiras vítimas são as enfermeiras e as pessoas que trabalham no hospital, que são cortadas ao meio. Outra marca deixada por ele é o coração de uma mulher, que é retirado de seu tórax. Passados dez anos da morte do maníaco, em pleno dia dos namorados novos casos de assassinato voltam a acontecer. O xerife, interpretado por Kerr Smith (de DAWSON’S CREEK), um dos sobreviventes do massacre de dez anos atrás, investiga o caso e tem como principal suspeito Tom Hanniger, outro sobrevivente do massacre e que retorna à cidade com o objetivo de fechar a mina, que era de propriedade de seu recém-falecido pai.

Como não vi o filme original, não tenho como saber o quanto a trama foi modificada. De todo modo, não acredito que o problema seja na trama, que não precisava ser tão elaborada. Diria que a falha está toda na mão pesada do diretor, que não sabe construir uma narrativa envolvente, o mínimo de suspense ou mesmo se utilizar de humor para disfarçar as falhas. O novo DIA DOS NAMORADOS MACABRO está mais para as fitas de horror vagabundas lançadas com a popularização do videocassete. Com todo respeito às fitas de horror vagabundas pela comparação ingrata. O fiasco é tão grande que mesmo esperando-se o mínimo possível ainda assim o filme é capaz de decepcionar. Nem parece o divertido remake de SEXTA-FEIRA 13.

quinta-feira, março 19, 2009

O RINGUE (The Ring)























E continua minha peregrinação pela fase muda e - pelo menos pra mim - pouco interessante de Alfred Hitchcock. Ao menos O RINGUE (1927) é um bom filme, embora tenha me decepcionado um pouco. Esperava mais, já que é considerado por muitos como o melhor da fase muda de Hitch. Talvez o que mais tenha me incomodado no filme tenha sido o quanto o personagem central é ingênuo. O que é até coerente com os filmes anteriores do diretor vistos recentemente - THE PLEASURE GARDEN (1925), DOWNHILL (1927) e EASY VIRTUE (1928). Mas se nos anteriores os personagens encontram no final uma espécie de vitória, de recompensa por serem virtuosos, o final feliz de O RINGUE dessa vez carrega um gosto amargo, principalmente para quem se sentir um pouco na pele do protagonista, o lutador de boxe Jack Sander, corneado pela mulher. Sander é conhecido como "One Round" Jack, já que ele, no início da carreira, nocauteia sempre os adversários no primeiro round.

Logo no início do filme, o triângulo amoroso se estabelece e percebemos o caráter pouco confiável da mulher, que trai o namorado boxeador com o cara que consegue nocauteá-lo. Mas apesar de ser uma personagem que possa despertar a ira dos mais moralistas - e em certo ponto, apesar de geralmente não me enquadrar nesse grupo, eu me senti como um -, ainda assim, a personagem de Lillian Hall-Davies é de longe a mais interessante do filme, exatamente por sua característica pouco confiável e imprevisível e por ser uma mulher dividida pelo amor de dois homens.

O filme apresenta poucos aspectos comumente encontrados nas obras de Hitchcock. Parece mesmo um trabalho de encomenda. Mas é o seu filme da fase muda mais bem resolvido no aspecto narrativo. Por outro lado, não possui muitas inovações ou cenas experimentais como o irregular DOWNHILL. O RINGUE também se beneficia de uma trama que pode ser contada basicamente com imagens, enquanto que o anterior - EASY VIRTUE - parecia carecer urgentemente do som. Ainda assim, há algumas simbologias utilizadas discretamente no filme, como o bracelete representando uma serpente. E o título original ainda carrega um sentido dúbio, já que pode ser tanto o ringue de boxe, como o anel ou a aliança de casamento, que são duas coisas intimamente conectadas à trama.

quarta-feira, março 18, 2009

RIO CONGELADO (Frozen River)























Que alívio chegar no Espaço Unibanco Dragão do Mar e perceber que a cópia que eles estão exibindo de RIO CONGELADO (2008) é a já surrada película que está circulando pelo país e não a cópia em digital do MovieMobz. Quero deixar claro que não estou reclamando da iniciativa do MovieMobz, mas sempre me dá um certo desânimo quando sei que o filme que vou ver será nesse novo sistema de projeção. Mas não é o momento de criticar as exibições digitais, até porque eu posso até queimar a minha língua e me deparar em breve com uma exibição satisfatória. Falemos um pouco, então, de RIO CONGELADO, o bem sucedido sucesso independente que foi premiado no Festival de Sundance do ano passado e rendeu uma indicação ao Oscar para Melissa Leo, numa interpretação realmente digna de nota na estreia na direção de Courtney Hunt.

E ao contrário do que eu esperava, Hunt não carrega nas tintas na condução do seu drama sobre as dificuldades de uma mulher e seus dois filhos de conseguirem dinheiro para quitar sua casa nova e sair do lugar onde moram, próximo da fronteira do Canadá. Na verdade, o filme não é apenas sobre uma mulher em dificuldade, mas sobre duas. A outra é uma índia mohawk (Misty Upham) que vive num trêiler e que costuma ganhar uns trocados com uma atividade proibida e perigosa: transportar imigrantes ilegais dentro de um porta-malas de um carro através de um rio congelado – quer dizer, há sempre o perigo de o gelo quebrar, de não suportar o peso do carro. A personagem de Melissa Leo, em busca do marido fugido, encontra o seu carro num bingo e isso faz com que a sua vida se cruze com a da jovem índia, que também tem os seus problemas, como o filho que lhe foi tirado.

O que há de mais interessante no filme não é a exploração da situação de miséria das personagens, mas o clima de tensão que se cria a partir de cada ato ilegal praticado pelas mulheres, atingindo o ápice na sequência da bolsa deixada no caminho. Mais do que o aspecto dramático, é pelo suspense gerado por esse elemento de ilegalidade e perigo que o filme ganha sua força. A escolha por um registro semi-documental, evitando com frequência a música de fundo, dá ao filme um clima sempre intrigante. Quanto ao fato de a diretora preferir um drama mais contido em vez de um melodrama pode ser um fator tanto positivo quanto negativo. Positivo, por demonstrar bom senso ao preferir dar ênfase à força dos personagens, ao invés de mostrá-los como coitadinhos; negativo, ao evitar à catarse, a emoção exacerbada, que é um caminho perigoso, mas que entraria em sintonia com a trajetória das personagens. RIO CONGELADO parece um filme que tem medo de errar, mas que não deixa de ser muito interessante.

terça-feira, março 17, 2009

QUANDO SETEMBRO VIER (Come September)




















Dos cineastas falecidos no ano passado, dois deles me chamaram a atenção para procurar conhecer um pouco mais de suas obras: Sydney Pollack e Robert Mulligan. Não se trata da tradicional peregrinação, mas apenas um apanhado das principais obras desses dois diretores, que talvez não mereçam o status de grandes cineastas, mas que foram realizadores de obras importantes. Hoje é dia de nos debruçarmos sobre uma das obras menores de Mulligan: a comédia romântica QUANDO SETEMBRO VIER (1961), estrelada por Rock Hudson e Gina Lollobrigida. O filme aproveita bem o tipo engraçado de Hudson e o seu tino para comédias, que renderia uma frutífera parceria com Doris Day. Não cheguei a ver nenhuma das comédias da dupla, mas tive o prazer de ver a engraçadíssima performance de Hudson em O ESPORTE FAVORITO DOS HOMENS, de Howard Hawks. Hudson se revelou um verdadeiro herdeiro de Cary Grant.

Em QUANDO SETEMBRO VIER, Hudson é um rico empresário que possui uma mansão numa bela vila italiana e uma bela namorada (Lollobrigida) que vê apenas uma vez no ano, em geral no mês de setembro. Não aguentando mais de saudades da moça, ele resolve antecipar suas férias e se manda em pleno julho para a cidade italiana e fazer uma surpresa para a jovem. Acontece que a moça já estava cansada dessa história de só se verem uma vez por ano e já estava com um casamento marcado com um senhor inglês. No entanto, ela não resiste ao chamado do namorado e trata logo de desfazer o noivado. Até aí tudo bem para os dois. Mas o personagem de Hudson teria uma surpresa ao descobrir que sua mansão estava sendo transformada em hotel pelo caseiro, que jamais imaginava que o seu patrão chegaria em pleno julho e já havia hospedado vários turistas na casa. Segue-se, então, uma série de situações divertidas entre o dono da casa e os hóspedes, entre eles a loira Sandra Dee, que na época era uma modelo de sucesso e que havia feito alguns filmes de praia para o público jovem, tornando-se uma espécie de ícone, chegando, inclusive, a ser homenageada no filme GREASE – NOS TEMPOS DA BRILHANTINA.

Outro ícone da juventude também presente no filme é o cantor Bobby Darin, mais conhecido no Brasil por ter escrito "Splish Splash", a canção de sucesso que Roberto Carlos gravou durante a Jovem Guarda. Inclusive, Darin e Sandra passaram a namorar firme quando se conheceram durante as filmagens de QUANDO SETEMBRO VIER. E a julgar pelo elenco, pode-se notar que o clima do filme era de certa ingenuidade, uma característica da sociedade ocidental do início da década de 1960. Por isso, há um abismo que separa QUANDO SETEMBRO VIER e O GÊNIO DO MAL (1965), filme que se coloca no início de um momento de transformações sociais, quando a contracultura passa a contribuir de modo mais incisivo para a geração de uma sociedade mais questionadora dos valores tradicionais. A angústia de O GÊNIO DO MAL é o extremo oposto da leveza e da ingenuidade de QUANDO SETEMBRO VIER, com sua historinha banal mas que se sustenta pelas situações cômicas geradas pelo roteiro e pelo elenco acertado, ainda que falte a Gina Lollobrigida mais encanto do que se esperava, correndo o risco de perder o título de musa do filme para a jovem Sandra Dee. Outro ponto positivo do filme é a bela fotografia em technicolor e em cinemascope.

segunda-feira, março 16, 2009

FAMÍLIA SOPRANO – A SEGUNDA TEMPORADA COMPLETA (The Sopranos – The Complete Second Season)





















E depois de um longo tempo depois que assisti a primeira temporada de FAMÍLIA SOPRANO, finalmente pude dar continuidade à aclamada série. Se a primeira temporada não me conquistou de imediato, o mesmo não posso dizer da segunda (2000), que me pegou de jeito e me deixou mais familiarizado com os personagens. No início, eu não me identificava nem gostava dos personagens, mal encarados, barrigudos e iletrados. A única exceção era o grande protagonista da série, Tony Soprano, interpretado com toque de gênio por James Gandolfini. Podemos dizer que a primeira temporada foi apenas um preparativo para o que viria. A segunda representa um grande salto qualitativo para a série, seja na originalidade com que os episódios são desenvolvidos, seja pelo impacto de algumas cenas, seja pelo modo como nos envolvemos com os personagens e seus problemas.

No final da primeira temporada, o suposto chefe da máfia italiana de New Jersey, Junior, está preso, deixando o terreno livre para o líder de fato da famiglia, Tony. O rotundo Pussy retorna de seu misterioso sumiço e logo descobrimos que ele é um "rat", isto é, ele está trabalhando às escondidas com o FBI para pegar Tony. Mas as coisas não são tão simples assim e ora Pussy parece estar enrolando os federais e do lado de Tony, ora parece até um agente do FBI. Apesar de tudo, toda essa situação me fez simpatizar com Pussy. Quem é o grande vilão da temporada é Richie Aprile, esse sim é um sujeito detestável. Age com violência para demarcar território e representa uma enorme pedra no sapato de Tony. Assim que retorna da prisão, depois de dez anos, ele deixa paralítico um pobre comerciante que se recusa a lhe pagar um dinheiro regularmente, atropelando-o com violência. É a partir desse momento que aprendemos a odiar Richie Aprile. Quem também retorna para a vida dos Sopranos é Janice, a irmã de Tony, que acaba por reiniciar um antigo relacionamento com Richie. Enquanto isso, Tony continua sofrendo de alterações de humor, depressão e ataques de pânico. Sua psiquiatra, Dra. Melfi, depois de ter passado por maus bocados na temporada passada, resolveu cortar os laços com Tony, por razões óbvias. A situação é temporária e logo a Dra. Melfi estará recebendo regularmente Tony para novas sessões, ainda que isso lhe custe a sua estabilidade emocional. Por isso, ela mesma vê também um terapeuta, interpretado no filme pelo cineasta Peter Bogdanovich.

Não esqueçamos de Christopher, o mais jovem dos membros da famiglia criminosa de Tony Soprano, que está tentando às escondidas a carreira de ator. Um dos episódios mais interessantes da temporada, aliás, envolve Christopher se relacionando com uma produtora de cinema. Christopher mais tarde novamente chamará a atenção dos holofotes, ao ser alvo de uma tentativa de homicídio. Mas mesmo quando a série dá mais ênfase a determinado personagem, quem ganha merecidamente mais a atenção é Tony, com seu jeito carismático e seu código de ética todo próprio. Mesmo praticando as maiores barbaridades, difícil não ficar do seu lado em todas as situações. Mais até do que com Michael Corleone, de O PODEROSO CHEFÃO, filme que é bastante citado quando Tony, Paulie e Christopher fazem uma viagem à Itália e comentam várias vezes sobre o clássico de Coppola.

Difícil falar da temporada inteira num único post, tentar resumi-la em poucas palavras, já que cada episódio tem a sua importância e a sua cara. Mas se tivesse que escolher um dos episódios como favorito, com certeza ficaria com o penúltimo (décimo segundo), onde se fecha a situação complicada entre Tony e Richie e temos uma surpresa com Janice. Mas o último episódio é também especial, tendo até um quê de TWIN PEAKS, já que boa parte de sua duração é composta de delírios de Tony, depois de uma intoxicação alimentar. E se o último episódio remete à saudosa série de David Lynch e Mark Frost, o episódio "The Leather Jacket" me fez lembrar SEINFELD, tanto pelo título começando com "the" quanto pela situação aparentemente banal – o fato de Richie presentear Tony com uma jaqueta de couro que foi de um antigo inimigo da família.

Ainda assim, ver apenas duas temporadas de uma série tão importante talvez ainda não ofereça a dimensão da importância e do valor de FAMÍLIA SOPRANO. Por isso, já estou providenciando a terceira. Espero não fazer um intervalo tão grande entre uma temporada e outra novamente.

sexta-feira, março 13, 2009

MARTYRS























A dica foi do Leandro Caraça, que em seu blog contou ter tido pesadelos logo após ter visto este filme. Como o único filme que me causou pesadelos foi o curta-metragem brasileiro VINIL VERDE, fiquei tentado a ter mais uma experiência dessas, por mais perturbadora que seja. Mas se eu, por acaso, acordei às três e meia da madrugada depois de ter visto o filme foi por causa de uma baita dor de barriga que interrompeu meu sono sagrado. Ainda assim, confirmo que o Leandro tem razão em enfatizar o valor de MARTYRS (2008), de Pascal Laugier.

Não é de hoje que o cinema de gênero produzido na França tem surpreendido plateias. A França é hoje para o cinema de horror o que a Itália foi entre os anos 60 e 80. Pena que os olheiros de Hollywood não deixam o cineasta ter uma filmografia maior em seu país de origem. Aproveitam para tentá-los com o dinheiro da indústria americana. Foi assim com Alexandre Aja, que agradou a tantos com o seu ALTA TENSÃO e foi para Hollywood dirigir a refilmagem de QUADRILHA DE SÁDICOS, que na nova encarnação aqui se chamou VIAGEM MALDITA. Pascal Laugier, o diretor de MARTYRS parece que terá o mesmo destino, já que ele foi convidado para dirigir outro remake: o de HELLRAISER, de Clive Barker.

Mas afinal, o que há de tão bom, interessante ou chocante em MARTYRS que já não tenha sido visto antes? Antes de mais nada, trata-se de um filme que incomoda. Não há como deixar-se enganar com a bela fotografia, que já se tornou uma característica dos filmes produzidos na França. A violência e a maldade que esse filme expõe leva o espectador a uma sensação de desconforto que não se vê nem em "filmes de tortura" como O ALBERGUE e JOGOS MORTAIS. Por mais que o espectador esteja preparado para o pior, MARTYRS segue surpreendendo. O filme pode provocar reações de ódio e indignação a muitos espectadores, que podem até dizer que o filme é pornográfico (como se isso fosse um defeito) ou um exercício de sadismo. Talvez o único filme mais hardcore que esse, no uso da violência extrema, visto recentemente, seja A PAIXÃO DE CRISTO, de Mel Gibson.

E é interessante estabelecer um link com esse filme até pela própria temática, que vai ser melhor esclarecida no último ato do filme. Também dá pra fazer uma comparação com outro filme europeu de horror: CALVAIRE, de Fabrice Du Welz, que também lidava com um personagem levado ao seu limite físico e mental. Mas é melhor não falar sobre a trama para não estragar as surpresas que esse perverso filme reserva para o espectador. MARTYRS é uma experiência de perseverança para o espectador, que deságua em sentimentos ambíguos de revolta e aceitação; horror e maravilhamento.

quinta-feira, março 12, 2009

SALOMÉ























"Lembro também de 'Bom-dia, Tristeza', de Françoise Sagan, e de ter me sentido completamente niilista depois de ler o livro. Nessa ocasião já tinha recusado a educação religiosa. (...) Reconheci-me também completamente em GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE, filme baseado em Tennessee Williams e que, para a Igreja, era a própria expressão do pecado, e dizia a mim mesmo: 'Pertenço ao mundo do pecado, da degenerência'"
Pedro Almodóvar, em "Conversas com Almodóvar".


Já tinha lido uma sátira de Woody Allen ao episódio bíblico de Abraão levando seu filho Isaque para o sacrifício. Mas não sabia que Pedro Almodóvar, em sua fase "pré-histórica", havia feito o mesmo à sua maneira em SALOMÉ (1978), talvez o único curta do diretor disponível na internet. Já se notava um senso de humor apurado da parte de Almodóvar. Em SALOMÉ, ele mistura duas histórias bíblicas: a já citada história de Abraão e a história de Salomé, a mulher que pediu a cabeça de João Batista ao Governador da Judéia, Herodes. Almodóvar fez de Abraão um velho tarado, que fica fascinado com a beleza de Salomé e pede para que ela dance para ele, prometendo a ela qualquer coisa que ela pedir em troca. Eis o que ela pede: a cabeça de Isaque. O legal é que Isaque aparece com aquele figurino de época, mas calçando um par de tênis.

SALOMÉ é o primeiro dos trabalhos de Almodóvar que pretendo ver/rever associado à leitura do excelente e fundamental "Conversas com Almodóvar". O livro contém, além de uma longa entrevista do cineasta a Frederic Strauss, vários textos importantes, a maior parte deles escritos pelo próprio Almodóvar. No começo da entrevista, Almodóvar fala de seu lado "pudico" em relação aos seus trabalhos mais antigos e fala de coisas como sua infância solitária, seu hábito da leitura e sua cinefilia, que já começou perto dos dez anos de idade.

Fiquei sabendo que antes de PEPI, LUCI, BOM E OUTRAS GAROTAS DE MONTÃO (1980) Almodóvar já havia realizado um outro longa-metragem, em super-8, que não foi exibido comercialmente. Bem interessante as circunstâncias da realização e exibição desse filme, chamado FOLLE...FOLLE...FÓLLEME...TIM (1978). Tenho também um prazer em ler sobre os filmes que fizeram a cabeça de cineastas antes de eles se tornarem profissionais. Falarei mais de Almodóvar nos próximos meses.

quarta-feira, março 11, 2009

PUNISHER: WAR ZONE























Dando continuidade à série de posts relacionados aos quadrinhos, chegamos a este PUNISHER: WAR ZONE (2008), que não é exatamente uma continuação do filme de 2004, mas a terceira tentativa frustrada de adaptar o mais violento e implacável dos heróis Marvel para o cinema. Que já tem uma boa tradição de vigilantes, de gente casca-grossa que resolve fazer justiça com as próprias mãos depois de passar por uma situação revoltante. O exemplo mais famoso é o do personagem de Charles Bronson na cine-série DESEJO DE MATAR. Por isso, não deixa de ser uma ironia o fato de o personagem da Marvel teoricamente mais fácil de se adaptar para o cinema ter resultado em três grandes fiascos. Nos anos 80, tivemos aquele filme estrelado por Dolph Lundgren, que modificou bastante a essência do anti-herói, sendo que o resultado foi um corriqueiro filme de ação, desses lançados direto para vídeo na época. O que não é de todo ruim, mas que não honra a importância do personagem.

A segunda tentativa parecia ter mais chances de atingir algum sucesso, mas novamente naufragou. Nem a participação de um ator famoso (John Travolta) ajudou. Pelo contrário: a cada aparição de Travolta, o filme parecia ainda pior. Quando surgiram os primeiros boatos de que a nova adaptação seria a mais fiel de todas, sendo, inclusive, inspirado nas histórias hiper-violentas de Garth Ennis, muito fã ficou feliz. Porém, não foi dessa vez que se criou um filme que prestasse do Justiceiro.

PUNISHER: WAR ZONE tem um enredo que é basicamente inspirado no arco "Bem-Vindo de Volta, Frank", que representa a estreia de Garth Ennis no título do vigilante. Muito da trama é retirado desse inspirado arco, recheado de humor negro e violência. Pena que a tentativa de se criar humor no filme não funcione de jeito nenhum. Os vilões, sendo o principal deles o Retalho, são palhaços chatos e sem graça. Incusive, a cena da "origem" do Retalho é grotesca. A única coisa que presta no filme é a presença de Julie Benz, a Rita de DEXTER, que já havia dado o ar de sua graça em RAMBO IV. O ator escolhido para o novo filme, Ray Stevenson, até que está bem caracterizado e tem um aspecto grosseiro necessário, mas as cenas mais dramáticas tornam sua interpretação ridícula.

Como pontos positivos, temos a hiper-violência. Quando Frank Castle dá um tiro na cabeça de um dos bandidos, ele faz um buraco enorme ou mesmo saca fora a cabeça do inimigo. Mas mesmo essa violência, a certa altura, começa a causar bocejos ou falta de interesse no espectador, devido à péssima direção de Lexi Alexander ou de quem mais a substituiu, quando ela foi demitida do cargo durante as filmagens. O fato é que eu levei uns três dias para conseguir terminar de ver esse filme, de tão ruim que achei. Por isso considero a decisão de a distribuidora brasileira não trazer o filme para os cinemas brasileiros acertada. Afinal, além de ter sido um fracasso de público e crítica nos Estados Unidos, o filme ainda é ruim pra cacete.

Alguns personagens são conhecidos de quem lê as histórias do Justiceiro, como o policial Soap, o assistente Microship (numa péssima escalação de Wayne Knight para o papel) e o mafioso russo Cristu. Mas cada um deles representa mais um erro do filme. As cenas de ação são chatas e tediosas e cem horas de filme parecem duzentas. Espero que dessa vez os executivos de Hollywood criem vergonha na cara e deixem Frank Castle em paz.

P.S.: Quem tem acompanhado as aventuras do Justiceiro no mix Marvel MAX deve estar gostando da atual fase do título, que está trazendo, além de "Justiceiro MAX", seu carro-chefe, a mini-série "A Guerra É um Inferno", com roteiro de Ennis e desenhos do lendário Howard Chaykin, a mini "1985", de Mark Millar, e a divertida "Zumbis Marvel II", de Robert Kirkman.

terça-feira, março 10, 2009

THE MINDSCAPE OF ALAN MOORE





















Aproveitando a chegada de WATCHMEN aos cinemas, nada como ver o documentário THE MINDSCAPE OF ALAN MOORE (2003), que é basicamente uma longa entrevista com o mago/escritor - ou um monólogo, já que não aparece a figura do entrevistador. Para quem tem interesse nos aspectos mais mágicos da vida do escritor, ele expõe detalhes de suas crenças e de seus interesses, embora eu tenha achado um pouco confusas as partes que falam de esoterismo, já que ele fala do assunto de forma geral e muito rapidamente. É algo mais fácil de se apreender para quem já tem alguma iniciação em coisas como a cabala ou o tarot. Algumas frases de efeito são ditas sobre o assunto, como quando Moore diz que se deve ter cuidado quando você fica dizendo por aí que você é um mago, pois um dia você pode acordar e perceber que é realmente um. Por outro lado, ele frustra um pouco as expectativas de quem quer saber mais detalhes sobre seus conhecimentos de magia, ao dizer que a arte é uma forma de magia, fazendo interessantes comparações linguísticas, como a palavra "spell", que ganha sentidos distintos na magia e na literatura. Ele também tece interessantes comentários sobre como os publicitários lidam com uma espécie de magia das palavras que leva as pessoas ao materialismo. Essas e outras ideias seriam melhor compreendidas numa revisão do documentário e principalmente através de debates e aprofundamentos sobre os assuntos.

Interessante notar que alguns artistas que recebem o título de gênio acabam tendo uma relação forte com a religião, a magia ou o esoterismo. Penso em Leonardo Da Vinci, Fernando Pessoa ou mesmo Raul Seixas. Esse aspecto da personalidade do artista o coloca numa espécie de pedestal, já que se cria uma aura de mistério, principalmente quando se põe em conjunto a excelência de suas obras. Alan Moore, com sua barba enorme, seu jeito excêntrico, sua rebeldia diante das grandes organizações (DC Comics, Hollywood), suas experiências de vida e sua obra excepcional, se enquadra nessa categoria. Nem mesmo ele sabia que se tornaria uma celebridade, já que antes dele (e de Frank Miller) o escritor de histórias em quadrinhos era um artista conhecido apenas por um pequeno nicho, que eram os fãs das obras. Aquelas pessoas que gostam, por exemplo, do Demolidor, mas que depois percebem que gostam mesmo é dos escritores que tornaram o personagem tão especial. Até me identifiquei quando Moore falou de seu primeiro contato com os quadrinhos americanos de super-herois. Sobre o quanto aqueles personagens que desafiavam as leis da física e eram capazes de feitos que um ser humano normal jamais será capaz deixaram-no fascinado.

Não é para menos que sua passagem pela DC Comics foi histórica, já que ele tinha mesmo um carinho imenso por personagens como Superman, Batman e Lanterna Verde. E fez histórias maravilhosas com esses personagens. Sem falar na passagem espetacular pelo título do Monstro do Pântano, que foi sua estreia nos quadrinhos americanos. Mesmo quando ele se desligou da DC e passou a trabalhar em editoras independentes, ele não deixou de homenagear o Superman, através de novas criações, como Tom Strong e Supremo. O documentário, aliás, não dá ênfase à briga dele com a editora. Ele deve ter as suas razões e apesar de muitos elegerem "Watchmen" como sua obra máxima, pra mim, foi com "Do Inferno" que ele alcançou o máximo de sua genialidade, com seu esforço e detalhismo ao descrever não apenas o mistério em torno de Jack, o Estripador, mas de oferecer um contexto da Inglaterra vitoriana como um todo, não faltando espaço para nos ensinar até detalhes relacionados à maçonaria.

O documentário também conta um pouco sobre a infância turbulenta de Moore, da cidade do interior onde ele nasceu, da escola em que frequentou e de sua indisciplina, levando à expulsão e a um dificuldade de encontrar empregos "normais". Sua salvação profissional se deu através dos quadrinhos. Se ele não sabia desenhar, ele compensou isso com uma inteligência na criação de ideias, enredos e conceitos. Era só encontrar um desenhista com quem ele quisesse trabalhar e a mágica estaria pronta. O documentário não aprofunda as experiências de Moore com as drogas (dizem que foi pelo fato de ele vender LSD na escola que ele foi expulso), mas já fala de uma obra recente de Moore, a excepcional "Lost Girls", que aqui no Brasil foi lançada em encadernação de luxo em três edições. Ele fala sobre a sua intenção de criar uma obra pornográfica que fosse ao mesmo tempo inteligente, sabendo que nem sempre o cérebro, quando sexualmente estimulado, consegue pensar direito. Portanto, a arte de fazer pornografia ao mesmo tempo inteligente e excitante é coisa para poucos. No mais, o documentário, antecipa WATCHMEN - O FILME ao apresentar algumas cenas simuladas de sequências adaptadas da HQ. Há uma cena em que um sujeito interpreta Rorschach, que é o personagem da série mais fácil de se fazer uma caracterização sem a necessidade de uma grande produção.

segunda-feira, março 09, 2009

WATCHMEN - O FILME (Watchmen)






















Meu primeiro contato com Watchmen, a graphic novel de Alan Moore e Dave Gibbons, foi em 1990, através de um amigo meu da escola. Naquela época, estava um pouco por fora das novidades da chamada "nona arte". Havia parado de ler quadrinhos há algum tempo e estava alheio à revolução que estava acontecendo em meados dos anos 80. E essa revolução era encabeçada por Alan Moore, que ainda hoje é considerado o melhor escritor de quadrinhos vivo. E Watchmen é tida por muitos como sua obra-prima. Lembro que praticamente nessa mesma época já se especulava sobre uma adaptação para o cinema da obra de Moore, sendo que Terry Gilliam foi, se eu não me engano, o primeiro cineasta a ser cotado como provável diretor do filme. E muito tempo se passou e outras especulações surgiram. Até que a materialização finalmente aconteceu. Zack Snyder, que já havia feito a adaptação de 300 (2007), de Frank Miller, foi o escolhido para assumir o controle. E, ao contrário do que eu esperava, até que Snyder se saiu bem em sua empreitada. Principalmente se levarmos em consideração as dificuldades de se adaptar uma obra extensa, complexa e tão elogiada.

WATCHMEN – O FILME (2009) pode até ser tachado como um grande videoclipe ou uma cópia xerox da obra original, mas de uma coisa não se pode reclamar: de sua fidelidade e respeito à graphic novel. Snyder, aliás, já foi videoclipeiro: ele dirigiu "Tomorrow", do Morrissey, que eu nunca vi. E algumas cenas do filme atestam o seu background. Como os geniais créditos de abertura, ao som de "The Times They Are A-Changing", de Bob Dylan. Se a obra original dispõe de textos para complementar seu bem construído universo, Snyder faz o que pode para condensar aquilo tudo num filme de cerca de duas horas e quarenta minutos e a essência da série transparece nesses créditos iniciais. Há outras sequências musicais que se destacam, como a cena do funeral do Comediante, ao som de "The Sound of Silence", de Simon & Garfunkel; e a cena de sexo entre o Coruja e a Espectro, ao som de "Hallelujah", de Leonard Cohen. Basta lembra que Snyder já tinha entusiasmado a muitos nesse quesito ao botar pra tocar "The Man Comes Around", de Johnny Cash, em MADRUGADA DOS MORTOS (2004). Quer dizer, Snyder é, no mínimo, um cara de bom gosto.

Outro destaque do filme é a escolha dos atores e a perfeição na caracterização dos personagens. Diria que entre os personagens principais, o único que deixou um pouco a desejar foi Matthew Goode, no papel de Ozymandias, o homem que carrega o título de "o mais inteligente do mundo". O maior problema é que o ator não convence nesse quesito. Mas os demais - Comediante (Jeffrey Dean Morgan), Rorschach (Jackie Earle Haley), Coruja (Patrick Wilson), Dr. Manhattan (Billy Crudup), a primeira Espectral (Carla Gugino) e a segunda (Malin Akerman), ambas, aliás, estão lindas e sensuais no filme – são exemplos de uma escolha de elenco e um perfeccionismo na caracterização que devem ser louvados. Outro ponto positivo é a coragem de fazer uma obra adulta, sem abrir mão de sexo, nudez e violência gráfica.

A trama começa com o assassinato de Eddie Blake, o Comediante, e a posterior investigação do caso pelo paranóico Rorschach. Ambos são personagens com características de sociopatas. E esse é um dos aspectos mais interessantes da obra de Moore. Seus vigilantes não são perfeitos e éticos como os heróis convencionais. Eles são complexos e cheios de tons de cinza, como os seres humanos. A trama de WATCHMEN se passa nos Estados Unidos em 1985, com Richard Nixon no poder em seu terceiro mandato como Presidente. Há uma preocupação enorme com uma iminente terceira guerra mundial desencadeada pela disputa Estados Unidos-União Soviética, típica da Guerra Fria. Dos heróis, o único que possui super-poderes é o Dr. Manhattan, um cientista que devido a um acidente nuclear se transforma num sujeito azul que pode fazer o que quiser com a matéria, sendo tido como um deus por muitos, devido a seus extraordinários poderes.

Tive sorte de ter relido Watchmen já faz algum tempo. Assim, não aconteceu o que havia acontecido antes com SIN CITY, de Robert Rodriguez e Frank Miller, quando eu sabia de tudo o que ia acontecer. Aliás, mesmo que quisesse narrar tudo o que consta na obra original, Snyder teria que providenciar uma mini-série e não um único longa-metragem. Mas uma mini-série televisiva, por outro lado, dificilmente poderia bancar esse tipo de produção, por mais que os efeitos visuais sejam puro CGI. Claro que o filme não é perfeito. Tamanho respeito à obra de Moore não permitiu a Snyder alçar voos maiores e mais ousados e fazer algumas modificações no enredo ou injetar mais "alma" em sua obra. Mas como mexer muito seria como mexer num vespeiro, então talvez tenha sido mais sábio de sua parte prestar suas homenagens aos quadrinhos, por mais que Alan Moore tenha pedido para retirar seu nome dos créditos e não queira sequer ver o filme.

P.S.: Só depois fiquei sabendo que os créditos de abertura não foram dirigidos por Snyder. Menos um ponto pra ele, então.

sexta-feira, março 06, 2009

CAOS CALMO























Nanni Moretti é um sujeito que imprime simpatia. Mais acostumados a vermos o ator estrelando seus próprios filmes, em CAOS CALMO (2008) temos a oportunidade de vê-lo protagonizando um trabalho de outro diretor, Antonello Grimaldi. E ele não interpreta de maneira muito diferente do que a gente está acostumado. Moretti tem uma persona forte e não prima por ser exatamente versátil. Mesmo em trabalhos mais dramáticos, como O QUARTO DO FILHO e este filme, há uma sutil veia cômica por parte do ator. E ambos os filmes compartilham algo em comum, além da presença de Moretti: eles lidam com o tema da perda e do luto. CAOS CALMO, no entanto, é um pouco mais leve e abre espaço para o riso. Afinal, é da própria natureza do filme tratar as dificuldades da vida com leveza, ainda que haja uma tênue linha separando a ordem aparente do desespero.

Em CAOS CALMO, Moretti está com o irmão jogando frescobol numa praia quando vê duas mulheres prestes a morrerem afogadas, levadas por ondas violentas. Ele salva a vida de uma mulher, mas por ironia do destino, ao voltar para casa, se depara com o corpo estendido de sua esposa no chão. Ela tinha subido numa árvore, caiu e morreu. Depois da morte da esposa e para se fazer de forte para não traumatizar a filha pequena, ele retoma a rotina da vida, mas faz uma drástica alteração: ele deixa a filha todos os dias na escola e passa o dia esperando por ela do lado de fora, sentado no banco de uma praça. Ele passa a se desprender de seu trabalho e se torna uma celebridade na praça, a ponto de ser notícia de jornais. Na praça, ele conhece, ainda que de vista, alguns habitantes com quem ele se relaciona com distanciamento, mas com simpatia, como é o caso do garoto com síndrome de Down e da bela moça que passeia todos os dias com o seu cachorro.

O que destaca o filme e surpreende é uma cena de sexo numa casa de praia. A cena é forte, sensual e inesperada, levando em consideração o andamento narrativo até essa sequência. Muita gente, inclusive, saiu do cinema questionando essa cena, como se ela fosse apenas um "enfeite", um acessório desnecessário para a trama. Eu, que não sou de reclamar de cenas de sexo, mesmo as ditas "gratuitas", acho que o diretor, que muito provavelmente retirou a cena do livro no qual o filme é adaptado, deve ter uma boa razão para tê-la incluído, além das razões mais comerciais. Essa cena em particular acaba por tornar CAOS CALMO pouco apropriado para toda a família. Como se Grimaldi percebesse que seu filme estava com uma aparência excessiva de drama para todas as idades e quisesse explicitar o fato de que seu filme é adulto, trata de assuntos adultos, citando, inclusive, a psicologia freudiana para descrever o estado de mudança brusca no comportamento do protagonista. Eu saí do cinema sem saber se tinha gostado do filme, mas não dá pra ficar alheio ao agradável andamento narrativo, à personalidade simpática de Moretti e às soluções controversas do diretor para fazer com que seu filme fuja do lugar comum. Ah, e no final do filme temos a participação especial de um famoso diretor.

CAOS CALMO foi eleito um dos vinte melhores filmes do ano pela equipe da Revista Zingu!

quinta-feira, março 05, 2009

FORÇA POLICIAL (Pride and Glory)























Para um gênero que anda em baixa nos cinemas - exceto por algumas pérolas perpetradas por Michael Mann e James Gray - o drama policial até que é beneficiado com este interessante FORÇA POLICIAL (2008). O filme, que estava pronto desde 2006 e só conseguiu ver a luz dos cinemas em 2008, guarda semelhanças, inclusive, com os dois trabalhos mais elogiados de James Gray - CAMINHO SEM VOLTA e OS DONOS DA NOITE. Em comum, está o tema da família de policiais passando por problemas difíceis. Se não é tão bom quanto os trabalhos de Gray é porque falta ao diretor Gavin O'Connor talento suficiente. Ainda assim, o filme tem os seus momentos e se sustenta muito bem pelo menos até a sua conclusão, pouco satisfatória. Até lá, vemos um filme vigoroso e com um time de atores invejável. Se no passado Colin Farrell não era bem aceito como um grande ator, hoje ele alcançou um grau de prestígio que quase o coloca em pé de igualdade com seu parceiro de filme Edward Norton.

O filme lida com o velho tema da corrupção na polícia, mas que ganha certo frescor com a maneira como é narrado. No início, ficamos sabendo, durante um torneio de futebol americano, que aconteceu um tiroteio num bairro perigoso de Nova York e um dos policiais da família morreu junto com outros três colegas. As cenas filmadas com a câmera na mão dão um ar de aflição. Quem parece mais sofrer com o ocorrido é o personagem de Colin Farrell, cunhado dos personagens de Norton e Noah Emmerich, filhos do policial aposentado interpretado por Jon Voight. Os três rapazes têm os seus problemas familiares. Colin Farrell é o que parece estar com uma situação de vida aparentemente mais estável, com uma bela mulher e filhos que o amam, mas na verdade ele é o que está mais encrencado por problemas que ele mesmo criou, ao se envolver com crimes relacionados ao seu trabalho na Divisão de Narcóticos. O personagem de Noah Emmerich está lidando com a doença de sua esposa, em tratamento de quimioterapia na esperança de se curar de um câncer. Já Edward Norton é um policial que esteve afastado da força-tarefa por causa de eventos não esclarecidos no início do filme. Sabe-se que o que ocorreu no passado ocasionou, entre outras coisas, o fim de seu casamento.

O fato de o filme mostrar os problemas pessoais desses personagens em vez de apenas se concetrar na ação torna tudo mais interessante e cria uma atmosfera densa. À medida que o filme vai se desenvolvendo, o véu vai se abrindo e deixando à mostra a verdadeira face de seus personagens. Talvez o momento que mais impressiona nessa descoberta seja a cena do ferro de passar, que é de tirar o fôlego. A procura pelo assassino do filho de Voight pelos policiais vai ganhando força justamente pelo que cada personagem esconde e pela dura verdade que está a ser descortinada. Uma pena mesmo que a conclusão do filme seja um tanto quanto decepcionante, deixando a impressão de que o diretor e os roteiristas (Joe Carnahan, entre eles) não sabiam muito bem como terminar a história. Tanto que havia um final alternativo, que foi alterado para dar ao público um pouco mais de simpatia pelo personagem de Colin Farrell, evitando que ele se tornasse um vilão e deixasse o filme ainda mais problemático.

P.S.: Retirei dos links ao lado os blogs dos amigos que não atualizavam desde 2007. Espero que isso seja um incentivo para os seus retornos e que eles me avisem quando voltarem a postar. :)

quarta-feira, março 04, 2009

VALSA COM BASHIR (Vals im Bashir / Waltz with Bashir)






















Confesso que eu fico confuso com a complexidade das guerras no Oriente Médio. Lembro que quando eu era criança via quase todos os dia no Jornal Nacional notícias sobre a Guerra do Líbano. Não sabia as razões do conflito e me achava novo demais para compreender assuntos tão complicados e políticos. E o tempo foi passando e eu não me atualizei sobre o conflito. E embora tenha havido um novo conflito em 2006, a Guerra do Líbano não costuma ser tão lembrada nos filmes e na mídia em geral. E é sobre esse "esquecimento" dessa guerra que trata VALSA COM BASHIR (2008), premiado documentário-animação de Ari Folman, que ganhou vários prêmios mundo afora, apareceu em várias listas de melhores filmes de 2008, venceu o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro e era o favorito na mesma categoria na premiação do Oscar nesse ano. A animação é realmente um primor e enche os olhos e o filme tem um jeitão todo próprio de contar a história, através de memórias de pessoas que participaram do conflito.

O formato da narrativa é atípico e lembra WAKING LIFE, de Richard Linklater, inclusive pelo recurso de sequências que são mistos de sonhos e memórias vagas dos personagens. É um filme bem adulto (tem até uma cena pornográfica), que lida com um tema difícil e que, por ser uma animação, talvez não encontre o seu espaço no circuito comercial. Na trama, o próprio Ari Folman, o diretor, que foi soldado das forças israelenses na época, conversa com ex-colegas sobre o que eles lembram do conflito. O que mais o perturba é o fato de que muitos eventos daquela guerra terem sido apagados de sua memória. Como se ele, inconscientemente, quisesse negar a sua culpa no genocídio de tantos libaneses, inclusive mulheres e crianças. Interessante o diálogo de Ari com seu psicólogo que defende o fato de ele ter apagado as memórias como consequência dos traumas provocados pela guerra.

O problema é que a animação chama demais a atenção e desvia o pensamento do espectador para o objetivo principal do longa-metragem, que é fazer uma reflexão sobre a Guerra do Líbano e o quanto os israelenses foram responsáveis pelo massacre de centenas de libaneses. A animação também diminui o impacto das cenas de violência. A única sequência que não é uma animação acontece no final do filme e realmente mostra o quanto VALSA COM BASHIR seria mais forte se resolvesse ser um documentário "normal", sem uso da animação. Que é, portanto, um trunfo e um problema para o filme. Um trunfo, já que é um meio de chamar a atenção; um problema, por desviar a concentração do assunto em questão, com o espectador ficando maravilhado com as imagens.

terça-feira, março 03, 2009

CORALINE E O MUNDO SECRETO (Coraline)





















Não há como negar a importância de Neil Gaiman para os quadrinhos dos anos 90. Sua obra-prima, "Sandman" (1988-1996), é até hoje vendida com sucesso, tendo sido publicada no Brasil por várias editoras. E é genial. Eu, que fui conhecer a série em 1994, só no ano passado que fui completar a leitura de todas as 76 edições, distribuidas em dez livros, num belo e luxuoso trabalho de encadernação da Conrad. Tinha dificuldade de encontrar os últimos arcos em sebos. Ainda falta eu conferir o mais recente trabalho de Gaiman com os Perpétuos, "Sandman - Noites sem Fim" (2003), coletânea de sete histórias ilustradas por sete renomados artistas e protagonizadas pelos sete perpétuos. Como ainda não li, não sei, portanto, se "Noites sem Fim" tem o mesmo vigor e o mesmo encanto do trabalho original de Gaiman, já que, depois de Sandman, o autor não se mostrou mais tão criativo e inspirado. Sua estadia na Marvel, rendeu uma mini-série fraca ("1602", 2004) e uma boa ("Eternos", 2006). Seu trabalho em prosa, fora dos quadrinhos, ainda que tenha tido sucesso de público, não foi tão bem sucedido, a julgar pelo chato romance "Deuses Americanos" (2002).

No cinema, ainda falta a Gaiman sorte para contruir projetos bem sucedidos. Seu trabalho com o amigo Dave McKean (MÁSCARA DA ILUSÃO, 2005) é modorrento e pretensioso; STARDUST - O MISTÉRIO DA ESTRELA (2005), não cheguei a ver, mas senti que foi recebido com certa frieza pela crítica e pelo público, apesar do elenco estelar. CORALINE E O MUNDO SECRETO (2009), a animação dirigida por Henry Selick baseada na premiada novela escrita por Gaiman em 2003, é o seu mais bem sucedido trabalho a chegar às telas. Não cheguei a ler o livro, mas a julgar pela trama do filme, trata-se de uma bela e assustadora história infantil. Que é transposta com carinho para as telas pelo diretor do cultuado O ESTRANHO MUNDO DE JACK (1993). Não chegou a me empolgar de fato, mas é uma bela e interessante obra. O trabalho de animação em stop-motion é exemplar e dá ao filme um aspecto de delírio e sonho poucas vezes visto no cinema de animação. Que, inclusive, é tão boa que eu até achei que se tratava de um trabalho de computação gráfica.

Na trama, Coraline é uma garota esperta e inteligente que se muda com os pais para uma região desolada e fria. Como os pais não têm muito tempo para se dedicar a ela, Coraline fica um pouco impaciente. Em sua busca pelo que fazer dentro da casa, ela acha uma pequena portinha que, para sua decepção, está fechada com tijolos. Coraline aos poucos vai conhecendo a estranha vizinhança. E é do menino Wybie que ela ganha uma boneca que se parece muito com ela. Depois que ela ganha a boneca, acorda de noite e segue um camundongo, que entra justamente na tal entradinha secreta descoberta por ela. A entrada vai dar numa casa quase idêntica à sua, com versões aparentemente mais simpáticas e bondosas de seu pai e de sua mãe. A diferença é que ambos tem botões no lugar dos olhos. Aos poucos ela vai percebendo que a bondade dos dois é só um atrativo para conquistá-la. A coisa fica assustadora quando os seus outros pais pedem para que ela substitua seus olhos por botões para ficar igual a eles.

Imagina-se que uma trama dessas deveria assustar as crianças. Mas acho que as crianças de hoje não se impressionam tão facilmente quanto as de ontem. Eu, quando criança, tinha medo do Minotauro do Sítio do Pica-Pau Amarelo, fiquei aterrorizado com o Pinóquio se transformando em burro e impressionado com a maldade de Peter Pan com o pobre do Capitão Gancho. Não sei quanto à nova geração. E também não sei o quanto CORALINE E O MUNDO SECRETO tem de poder para encantar as crianças de hoje. A mim, me pareceu um filme com um ritmo muito particular e nem sempre fácil de agradar ao grande público. Fiquei com sono em algumas partes, principalmente nas cenas em que Coraline se encontra com o artista de circo. Foi o momento para eu tirar um cochilo. E eu costumo desconfiar dos filmes que me dão sono, embora nesse caso a culpa possa ser de um fator alheio ao filme.

segunda-feira, março 02, 2009

CLEÓPATRA (Cleopatra)























Depois que assisti no ano passado CLEÓPATRA, de Júlio Bressane, fui contagiado por um interesse repentino pela vida dessa que foi uma das mulheres mais importantes da História da humanidade. Até porque a obra de Bressane a coloca como detentora de vastos conhecimentos em diversas áreas, inclusive o ocultismo. Assim, resolvi ver os dois filmes mais famosos sobre a Rainha do Egito que seduziu dois grandes líderes romanos. Um dos filmes é a super-produção dos anos 60 estrelada por Elizabeth Taylor, que pretendo rever em breve; o outro é esta produção também megalomaníaca, dirigida por Cecil B. DeMille e estrelada por Claudette Colbert. CLEÓPATRA (1934), de DeMille, é mais fluido e agradável de se assistir em comparação ao longo filme de Mankiewicz, mas também tem os seus excessos. Afinal, "excessos" é uma palavra que é constantemente associada a DeMille, que já nos anos 30 era famoso pelo seu gosto pelas super-produções de época. A cena, por exemplo, de Cleópatra, entrando com sua comitiva em Roma, toda vestida em ouro hoje mais parece desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Mas como se tratava de uma cineasta com pleno domínio narrativo, DeMille hoje é respeitado por críticos e cinéfilos como um mestre de seu tempo, apesar (ou talvez por causa) dos excessos.

E falando em Cleópatra em Roma, fiquei me perguntando se a estadia da rainha na capital do Império Romano não era apenas uma "licença poética", uma forma de fazer com que a trama ficasse mais emocionante, pelo fato de ela estar presente lá quando César é assassinado. Mas quem sabe até existam incoerências dentro da própria História quanto aos detalhes do ocorrido. Precisaria estudar a respeito para saber mais sobre o que realmente aconteceu e quais as circunstâncias. No filme de Bressane, tudo parece acontecer nos aposentos de Cleópatra, no Egito mesmo, enquanto que no filme de DeMille, os principais fatos acontecem em Roma e dentro de um barco, onde Marco Antônio se encontra com a Rainha para levá-la algemada. Para fins dramáticos, talvez, o cineasta tenha preferido situar a ação em locais estratégicos, de modo que pudéssemos ver a luta de Marco Antônio contra os seus próprios colegas romanos, que o consideram um traidor por - assim como Júlio César - também se deixar seduzir por Cleópatra.

Mas por mais que se ache interessantes os personagens de César e Antônio, não há quem exerça mais fascínio no filme que Cleópatra. Que no filme não é vista com tantos conhecimentos quanto no filme de Bressane. A Cleópatra de DeMille está mais próxima das estrelas das comédias românticas americanas daquela década, com seu jeito ao mesmo tempo sedutor e brejeiro. Ter como protagonista Claudette Colbert, que no mesmo ano fez ACONTECEU NAQUELA NOITE, de Frank Capra, ajuda a criar essa impressão. O filme de DeMille traduz bem o espírito da época e se preocupa mais em contar a história de maneira clara e carregar nas tintas trágicas, de modo que a personagem da Rainha do Egito, bem como o passional Marco Antônio, conquistem a audiência por serem duas pessoas apaixonadas mas que não podem ficar juntas. O sacrifício dos dois no final, regado a um mal entendido, remete a "Romeu e Julieta", de Shakespeare.

CLEÓPATRA, de DeMille, também é carregado de sensualidade. O figurino das mulheres são bem ousados e há, inclusive, uma cena bem fetichista, que mostra um grupo de mulheres fantasiadas de leopardos, andando de quatro e recebendo chicotadas, num espetáculo com a finalidade de agradar Marco Antônio, por mais que aquilo hoje seja de gosto duvidoso. Nada mais natural toda essa sensualidade, quando se trata de uma personagem que exala sexo. Não é pra menos que Bressane resolveu fazer um filme tão erótico sobre ela. Lembro que o filme de Mankiewicz também tem o seu aspecto sensual, com cena de Elizabeth Taylor de costas nuas recebendo uma massagem, logo no início. No CLEÓPATRA de DeMille, a cena de sexo da rainha com Marco Antônio, com as escravas trazendo enormes lençóis coloridos (o filme é em preto e branco, mas impressionante como eu imagino os lençóis como coloridos) para cobrir o momento de intimidade dos dois e a câmera se afastando para mostrar os escravos batendo tambores para celebrar aquele instante é um dos grandes momentos do filme.

Algumas curiosidades: 1. O filme foi indicado a cinco Oscars: filme, assistente de direção (na época, tinha esse prêmio), edição, som e fotografia, ganhando esse último; 2. Algumas cenas da batalha de Marco Antônio com os romanos foram retiradas da primeira versão de OS DEZ MANDAMENTOS (1923) - depois dizem que são só os italianos que são picaretas. :-) 3. Claudette Colbert havia trabalhado com DeMille um ano antes em outro épico histórico, O SINAL DA CRUZ (1932).