terça-feira, setembro 30, 2014

SE EU FICAR (If I Stay)























Muitos têm comparado SE EU FICAR (2014) com outro melodrama estrelado por adolescentes, que aportou nos cinemas recentemente: A CULPA É DAS ESTRELAS. Tudo bem que ambos têm esse ponto em comum e ambos lidam com a emoção e com as ideias da morte e do amor romântico, mas é cada um à sua maneira. O filme que mais poderia ser comparado a SE EU FICAR seria UM OLHAR DO PARAÍSO, de Peter Jackson, que também mostrava uma garota no limbo. A diferença principal, além de a garota no filme de Jackson já estar morta, é que o trabalho de R.J. Cutler é muito mais eficiente e emocionante que o de Jackson. Mas deixemos o chato filme de Jackson pra lá e nos atentemos a esse belo conto sobre vida, morte, amor e música.

Sim, a música tem uma importância fundamental para o filme. É ela, inicialmente, que une o casal de protagonistas. Adam (Jaime Blacley) se apaixona à primeira vista por Mia (Chlöe Grace Moretz) quando a vê tocando, solitária, seu violoncelo. Ela vem de uma família de roqueiros, mas escolheu ou foi escolhida pelo violoncelo. Quanto a Adam, o rapaz é líder de uma banda de rock que tende a crescer. E se a música é elemento que os une (mesmo sendo ambos de diferentes estilos), ela é também algo que pode separá-los.

Mas antes que a música os separe, algo muito mais perigoso pode acontecer: a morte, que veio na forma de um acidente de automóvel, em uma pista escorregadia, num dia de muita neve. No caso de Mia, ela fica numa situação de quase morte, estando consciente e vendo tudo o que se passa ao redor, mas sem saber como voltar ao próprio corpo.

Embora haja uma história de amor até que bem bonitinha no filme, SE EU FICAR cresce de verdade quando amplia o seu espectro para a vida como um todo. Inclusive, o momento mais emocionante do filme vem de um ator veterano, Stacy Keach, que interpreta o avô de Mia. Se até a cena em que ele está no hospital falando com ela você ainda não chorou, essa é a hora. No meu caso, foi quando eu finalmente me rendi ao filme. Até então estava apenas achando mediano, embora tenha uma boa estrutura narrativa e uma personagem em crise bem interessante – Mia, em busca de se ajustar em sociedade.

Outro momento de arrepiar envolve uma conhecida canção dos Smashing Pumpkins (banda do coração deste que escreve), que acabou me deixando em estado ainda mais emotivo. A certa altura já tinha me juntado ao coro de narizes escorrendo no cinema. E não era gripe. O filme guarda para o final justamente um dos momentos mais sublimes do filme, o que só pode gerar uma boa impressão, diante de tanta harmonia e beleza. A própria canção, embora seja alegre, flerta com a tristeza, e isso combina perfeitamente com o tom do filme e a situação da personagem, em momento de decidir entre viver ou morrer.

sexta-feira, setembro 26, 2014

MAGIA AO LUAR (Magic in the Moonlight)























Depois de um filme tão amargo e carregado como BLUE JASMINE (2013), Woody Allen precisava voltar ao território das comédias leves. Ainda assim, percebe-se em MAGIA AO LUAR (2014) uma inquietação espiritual muito interessante, com o pessimismo, o sarcasmo e a visão negativa da vida tão comum nos trabalhos de Allen postos em xeque através de outro de seus alter-egos.

No caso, o alter-ego (bem menos afetado, desta vez) é representado por Stanley (Colin Firth), um mágico profissional que se traveste de chinês e apresenta espetáculos grandiosos de ilusionismo. Não é a primeira vez que Allen presta tributo a essa arte, que lhe é cara desde a juventude. Basta lembrar a aparição de mágicos em filmes como O ESCORPIÃO DE JADE (2001) e SCOOP – O GRANDE FURO (2006). O filme também presta tributo a um dos períodos favoritos de Allen, os anos 1920, lugar de fantasia de um de seus trabalhos mais inspirados dos últimos anos, MEIA NOITE EM PARIS (2011).

Na trama, Stanley aceita o desafio de um velho amigo: desmascarar uma jovem que se diz médium. Trata-se de Sophie (Emma Stone), uma americana que veio de família pobre e atualmente está sendo assediada pelo membro de uma família de aristocratas do sul da França. Ao ver Sophie pela primeira vez, ele fica fascinado por sua beleza e demora a acreditar nos acertos da jovem no que se refere à sua vida. Stanley também é o tipo de sujeito que renega não apenas as crenças em algo que não seja visível, mas que também custa a perceber que está nutrindo sentimentos por aquela moça, no tempo em que passam juntos.

Obviamente Allen não faz nenhum tratado sobre a fé, mas faz questionamentos, reflexões. A velha pergunta que a muitos instiga: o mundo é só isso mesmo, o visível, e tudo o mais é fruto da imaginação ou da enganação dos ser humano? Ou há algo mais? Ao ter contato com Sophie, Stanley passa a ter suas convicções de ateu convicto abaladas.

Talvez por se passar no sul da França e quase sentirmos o perfume das flores que o filme lembre tanto os deliciosos trabalhos de Eric Rohmer. Mas não é só por isso. Há algo na atmosfera, nos diálogos e mesmo nessas questões morais e espirituais que lembram alguns dos melhores trabalhos do cineasta francês. E podemos dizer isso como um elogio.

Visto por muitos como uma obra menor de Allen, MAGIA AO LUAR é cheio de momentos bem especiais. Talvez falte algum tempero na química para que seja uma obra arrebatadora, mas certamente esta não era a intenção do diretor, já que em nenhum momento há tentativas forçadas de fazer algo que desperte emoções fáceis ou profundas no espectador.

MAGIA AO LUAR carrega os paradoxos e idiossincrasias de seu autor. Ou pelo menos da persona que ele criou ao longo dos anos. Convivem harmonicamente o inconformismo diante da brevidade da vida e o ceticismo, Nietzche e Charles Dickens, a alegria da música dos loucos anos 1920 e a gravidade da "Sinfonia nº 9 em ré menor", de Ludwig van Beethoven. Não é pouco para uma comédia aparentemente despretensiosa.

quarta-feira, setembro 24, 2014

LIVRAI-NOS DO MAL (Deliver Us from Evil)























Ao que parece o crossover de gêneros funciona no cinema de Scott Derrickson. Se em A ENTIDADE (2012) o resultado ficou aquém do desejado, LIVRAI-NOS DO MAL (2014) segue os passos do aclamado O EXORCISMO DE EMILY ROSE (2005). No filme sobre a jovem possuída, havia uma junção entre horror e drama de tribunal. Desta vez, o que temos é um misto de policial com filme de horror. O resultado é positivo, ainda que o início e o trabalho de montagem sejam um tanto capengas.

O filme melhora bastante com a entrada em cena, pra valer, do personagem de Édgar Ramírez (de CARLOS, de Olivier Assayas), um padre que se especializou em exorcismos, casos considerados como loucura pelos médicos, mas vistos com outra ótica por ele. Mas até chegarmos a seu personagem, acompanhamos a rotina de trabalho do policial Ralph Sarchie (Eric Bana), que numa só semana presencia casos bem estranhos.

O ponto alto do começo é a cena do zoológico. No local, uma mulher babando e recitando trechos de uma canção do The Doors, havia acabado de jogar o seu bebê no fosso dos animais selvagens. LIVRAI-NOS DO MAL aproveita muito a escuridão para provocar medo e tensão no espectador. E a tal cena no zoológico é apenas um aperitivo para o que ainda viria, mas já funciona bem para mostrar que o filme tem os seus méritos.

Como é comum em filmes de horror, tanto que já podemos incluir nos clichês do gênero, há a figura da pessoa que é cética que contrasta com aquela que acredita. Casos, respectivamente, do detetive Sarchie e do padre Mendonza. O primeiro encontro dos dois já dita esse tipo de relação, que mudará, à medida que Sarchie for se deparando mais e mais com casos escabrosos, como o fato de que a luz elétrica para de funcionar nos lugares em que a entidade maligna passou.

Sarchie tem um dom: ele sabe como chegar a um local do crime. Tem, como os colegas de trabalho dizem, uma espécie de radar. Radar é seu apelido. Mais à frente vai descobrir que isso e os casos envolvendo possessão diabólica que ele testemunhará têm importante relação.

O filme começa a ficar mais assustador quando o mal chega à casa de Sarchie. E mais perturbador quando os dois marines vivos que retornaram perturbados de uma missão no Iraque, mas agora endemoniados, começam a ameaçar sua vida e de sua família. A entrada em cena do padre serve para esclarecer o que está acontecendo e tem um papel fundamental na intensa e impressionante sequência de exorcismo. Até chegar lá, porém, o herói vivido por Eric Bana passa por uma espécie de via-crúcis.

LIVRAI-NOS DO MAL é um filme declaradamente cristão. Católico, principalmente. É preciso negar a Satanás e às suas obras para não cair. Não é muito diferente da grande maioria dos filmes de horror que envolvem demônios e principalmente que envolvem exorcismo. Uma coisa que pode depor contra o filme é envolver a banda The Doors como portadora de mensagens satânicas ou coisa parecida. Vai ver cansaram de usar os Rolling Stones como mensageiros do diabo.

terça-feira, setembro 23, 2014

CINCO FILMES FRANCESES























É a velha ladainha de sempre que faço quando junto vários filmes num só pacote para uma única postagem. Deve ser algum complexo de culpa da minha parte eu ter que ficar justificando. Mas aí vai de novo: esse recurso é necessário para que eu dê conta de uma avalanche de filmes vistos e que, por uma razão ou outra, não tive tempo de escrever a respeito. Agora que se passou muito tempo, achei por bem só escrever umas mal traçadas linhas a respeito de cada um deles. Mas desde já deixo meus sinceros respeitos a esses filmes que, de uma forma ou de outra, fizeram muito por mim.

BOY MEETS GIRL 

Visto em uma das mostras promovidas pelo Cinema do Dragão, BOY MEETS GIRL (1984, foto) é um filme menos palatável de Leos Carax, embora seja menos estranho do que SANGUE RUIM (1986) e HOLY MOTORS (2012), até então minhas duas únicas referências do cineasta. Em comum entre os três filmes, entre outras coisas, está a presença do sensacional Denis Lavant, que aqui interpreta um sujeito que recebe um pé na bunda da namorada e passa a vagar pelas ruas de Paris. A fotografia em preto e branco dá um ar sombrio à narrativa, que prima mais pela atmosfera do que pelo enredo. Gosto especialmente de uma cena em que o protagonista conversa com uma moça em uma festa. A cena é um tanto longa, mas é a que mais traz calor aos corações.

DENTRO DA CASA (Dans la Maison)

François Ozon, o cineasta mais camaleônico da França, nos convida agora para uma história que combinaria melhor em um romance, mas que funciona bem também no cinema. DENTRO DA CASA (2012) traz o professor de ensino médio vivido por Fabrice Luchine que, entediado com o emprego e com as inúmeras redações ruins que têm de corrigir dos alunos, fica admirado com a redação de um jovem que conta uma história de maneira intrigante e ainda deixa um "continua" no final, para dar um gostinho de "quero-mais" ao leitor. O garoto é vivido por Ernst Umhauer e Kristin Scott-Thomas interpreta a esposa do professor. Emmanuelle Seigner é a mulher desejada pelo garoto, e mãe de um colega de classe. O detalhe curioso do filme é que, além de sua estrutura de “As mil e uma noites”, há o fato de o garoto manifestar uma frieza e um maquiavelismo que chega a assustar o professor. Não diria que é dos melhores de Ozon, mas é bem interessante.

UMA RELAÇÃO DELICADA  (Abus de Faiblesse)

Não sei se posso dizer o mesmo de UMA RELAÇÃO DELICADA (2013), de Catherine Breillat, que era justamente um dos filmes que mais me interessavam na Mostra Varilux deste ano e foi o que menos gostei entre os poucos que vi. Tinha tudo para dar certo: a veia ousada de Breillat com o talento de interpretação de Isabelle Huppert. Sem falar que a trama também prometia, ao tratar de uma diretora de cinema que sofre um AVC e só encontra sentido na vida quando descobre um ator perfeito para seu próximo filme, mas que acaba perdendo tudo na vida por causa desse homem. Não deixa de ser interessante filmar a trajetória descendente de uma mulher de poder, mas o filme mais aborrece do que causa interesse.

UM BELO DOMINGO  (Un Beau Dimanche)

Por outro lado, UM BELO DOMINGO (2013), de Nicole Garcia, chega de mansinho e já conquista o espectador, mesmo não sendo exatamente uma obra que fuja do padrão clássico. O filme acompanha o relacionamento entre um rapaz que vive mudando de emprego (Pierre Rochefort) e de cidade, como se fugisse de alguma coisa, e uma moça que trabalha em uma barraca de praia (Louise Bourgoin). Aos poucos vamos descobrindo mais sobre ele, principalmente quando ele se mostra interessado nela e sabe o quanto ela está precisando de ajuda (financeira) para não ser violentada por agiotas. As cenas na mansão da família do protagonista nos deixam ao mesmo tempo deslocados e maravilhados.

ELA VAI (Elle S'en Va)

Aos 70 anos de idade, Catherine Deneuve já não é mais aquela moça linda que encantou multidões nas décadas de 1960 e 1970, mas justamente por isso ela tem feito papéis que brincam com esse detalhe. Em ELA VAI (2013), de Emmanuelle Bercot, ela é uma ex-miss que é convidada para participar de uma festa de encontro de misses de sua região. Há um passado que a incomoda e sua fuga de casa para encontrar não se sabe o quê acaba fazendo do filme uma espécie de road movie torto que em certo momento, em vez de a afastar da família, faz com que ela se reaproxime. As cenas envolvendo o neto são cheias de ternura. ELA VAI é um filme que faz bem ao espírito.

segunda-feira, setembro 22, 2014

O ASSASSINO DA FURADEIRA (The Driller Killer)























Assistir a esse primeiro filme quase mainstream de Abel Ferrara depois de ter visto no cinema o recente BEM-VINDO A NOVA YORK (2014) é um baque e tanto. Aliás, nem precisaria comparar com o novo filme. Basta pegar produções como O REI DE NOVA YORK (1990) e VÍCIO FRENÉTICO (1992) para ver o grau de sofisticação que o cineasta nova-iorquino chegou.

Porém, é sempre bom acompanharmos a trajetória de cada cineasta. E os rumos que a carreira de Ferrara tomou antes de chegar à glória foi passando pelo submundo. Depois de alguns curtas-metragens, ele filmou o pornô 9 LIVES OF A WET PUSSY (1976), renegado por ele mesmo. Depois foi que ele debutou pra valer com O ASSASSINO DA FURADEIRA (1979), filmado em fins de semana e com um orçamento bem baixo.

O visual do filme, bem sujo, aliado à trilha sonora que inclui músicas de uma banda de punk rock, pode associar o filme à estética punk, que foi abraçada por muitos no fim dos anos 1970. Mas o curioso é que o artista retratado pelo próprio Ferrara, o pintor Reno Miller, fica justamente perturbado quando quer trabalhar em um quadro que julga ser a sua obra-prima e uma banda de punk rock começa a tocar dia e noite no apartamento vizinho.

Para descarregar a raiva, ele começa a sair matando mendigos e outras pessoas na rua, usando uma furadeira. As cenas são bem cruas, mas pouco impactantes. Talvez o momento que gera mais asco seja a da cena envolvendo o cadáver de um coelho sem pelo. No mais, há as alucinações do protagonista, que também são desculpas para brincar com gore e aproximar o filme do gênero horror.

Como se trata do trabalho de um grande e incensado diretor, ainda mais com roteiro do colaborador habitual Nicholas St. John, fica a tentação de tentar traçar paralelos entre O ASSASSINO DA FURADEIRA e as obras seguintes de Ferrara, que lidam com temas como a culpa católica, o mundo em decadência, a busca de redenção por um caminho alternativo e questões morais.

Na verdade, estou bem mais animado para ver o filme posterior de Ferrara: SEDUÇÃO E VINGANÇA (1981). Espero gostar. Enquanto isso, a turma que acompanha os festivais vai poder ver com antecedência o mais novo trabalho dele, PASOLINI (2014). Esse promete.

sábado, setembro 20, 2014

CASTANHA























A primeira cena de CASTANHA (2014), de Davi Pretto, é chocante. Tanto que já deixa no ar um clima de iminente tragédia. E é assim que acompanhamos a rotina de João Carlos Castanha, um sujeito que mora com a mãe, lida com um sobrinho que mora na rua e é viciado em crack e trabalha como transformista em um clube gay durante a madrugada. Ao mesmo tempo, acompanhamos sua saúde frágil, não muito explicitada, mas dando a entender que se trata de um problema grave, levando em consideração que ele fala dos inúmeros amigos que perdeu no passado. E tudo isso é contado em um misto de ficção e documentário, num estilo bem particular e envolvente.

E o mais curioso é que João Carlos Castanha é uma pessoa real. Uma pessoa real e famosa em Porto Alegre, onde atua no submundo das artes e até já trabalhou em alguns filmes. Então o que Davi Pretto constrói é uma interessante mistura entre personagens e pessoa real, deixando o espectador querendo saber o quanto dali é verdade e o quanto é ficção. Para quem não sabe quem é o protagonista, isso fica ainda mais confuso.

O segredo para apreciar o filme é aceitá-lo como é. Momentos inspirados e admiráveis não faltam. Momentos de pura força imagética quase sempre com o uso da câmera parada ou com poucas acrobacias, apesar do registro pendendo para o documentário, ainda que saiba costurar o enredo como ficção ao longo de sua metragem como poucos. A fronteira entre ficção e documentário é tão nublada quanto o fato de Castanha estar o tempo todo atuando, até mesmo quando está em sua casa, conversando com a mãe, que reclama da doença e da velhice.

CASTANHA é o primeiro longa de Davi Pretto. Já havia conhecido um de seus curtas, em parceria com Bruno Carboni, QUARTO DE ESPERA (2009), uma ficção científica distópica interessante, mas que não prenuncia a excelente estreia na direção de longas de Pretto. Seu trabalho em CASTANHA é tão admirável que parece de um cineasta com mais bagagem na estrada. A estrutura é fragmentada, mas essa característica casa bem com a proposta. E o fato de o filme terminar de maneira brusca faz com que queiramos vê-lo novamente. Isso porque a experiência de vê-lo causa também prazer, mesmo sendo uma obra inquieta por natureza. Ou talvez por isso mesmo.

A busca por um tipo de dramaturgia menos óbvia, a presença de um ator da envergadura de João Carlos Castanha que interpreta a si mesmo – ou um alter-ego similar – e a segurança de Pretto na direção, tudo faz de CASTANHA um dos mais intrigantes e primorosos filmes do ano. É para ficar de olho assim que entrar em cartaz em nosso circuito.

sexta-feira, setembro 19, 2014

MESMO SE NADA DER CERTO (Begin Again / Can a Song Save Your Life?)























E John Carney, que ficou mundialmente famoso por um musical abordando relacionamentos, APENAS UMA VEZ (2006), volta a essa agradável mistura no novo MESMO SE NADA DER CERTO (2013). Se o anterior teve destaque no Oscar, ganhando o prêmio de melhor canção para "Falling Slowly", o novo tem como vantagem uma produção americana e a presença dos astros Mark Ruffalo e Keira Knightley.

A linda e magricela atriz inglesa, inclusive, mostra outro de seus dons: saber cantar. Ela não só canta como toca violão. Ela teve que aprender a tocar violão com a ajuda do marido músico. E é justamente nas cenas em que ela canta que o filme chega a um estado de graça. MESMO SE NADA DER CERTO é, antes de tudo, uma declaração de amor à música, deixando um pouco de lado o amor romântico, que nos filmes de Carney parece estarem fadados a serem tratados de maneira mais agridoce. Melhor para seus filmes, que fogem dos clichês de comédias românticas.

É a música que une o casal de protagonistas. Keira Knightley é Gretta, uma jovem inglesa que vem a Nova York acompanhar o namorado músico (Adam Levine, do Maroon 5) em sua primeira turnê americana. Mark Ruffalo é Dan, um produtor musical em crise financeira e existencial devido principalmente à falência da indústria fonográfica. Definitivamente são novos tempos para quem quer se aventurar no mundo da música.

E o filme se situa muito bem nesse período de dificuldade para velhos e novos artistas. Mas os novos conseguem se virar nas redes sociais para divulgarem seus trabalhos. Além do mais, muitos preferem hoje em dia trabalhar em estúdios caseiros, montados em suas próprias casas. Um dos amigos de Gretta, inclusive, apesar de cantar na rua, tem um pequeno estúdio em sua pequena casa.

O ponto de convergência acontece no momento em que Gretta e Dan se conhecem, no momento em que os dois estão vivendo situações difíceis em suas vidas, quando Gretta é convidada a cantar uma de suas canções em um pequeno bar. Dan fica maravilhado e quer contratá-la, embora sua situação na empresa não esteja nada bem. Esse momento é tão importante que é mostrado de três diferentes e interessantes maneiras, dando ao filme uma narrativa que parece uma maré, cheia de indas e vindas, pelo menos até certo ponto.

A grande maioria das canções cantadas por Keira e também pelo cara chato do Maroon 5 são de autoria de Gregg Alexander, aquele sujeito que fundou uma banda de um álbum só, os New Radicals, que fez sucesso em fins dos anos 1990. Até dá para perceber em algumas faixas a semelhança, mas fica muito melhor no formato de balada suave, cantada por Keira e encorpada com os vários instrumentos que compõem a banda, que inicialmente só existe na cabeça de Dan.

A ideia de Dan, já que gravar em um estúdio está longe de suas economias, é gravar na rua, em diversos pontos de Nova York, sem autorização da polícia, inclusive. É em uma dessas sessões ao ar livre que acontece um dos momentos mais bonitos do filme: quando a filha de Dan, Violet, vivida por Hailee Steinfeld, toca guitarra e surpreende a todos com um belo solo.

Outro momento mágico: Dan e Gretta andando nas ruas ouvindo músicas no mesmo headphone com um adaptador. O momento representa uma celebração da vida, dando até vontade de sair para dançar, de tão contagiante que é. Claro que o filme seria chato se as canções não fossem boas. Pelo menos as cantadas por Keira, pois Dan Levine consegue estragar as canções boas nas vezes em que aparece. Assim, MESMO SE NADA DER CERTO se aproxima não apenas de APENAS UMA VEZ, mas também de LETRA & MÚSICA, outro que trata do fazer música.

quarta-feira, setembro 17, 2014

BREAKING BAD – A SEGUNDA TEMPORADA COMPLETA (Breaking Bad – The Complete Second Season)























Faço minhas as palavras de Oscar Wilde, "posso resistir a tudo, menos a tentações". Depois de ver tantos amigos elogiando BREAKING BAD e a tendo como melhor série de todos os tempos, eu sabia que mais ou cedo ou mais tarde eu daria continuidade à série, que só tinha visto a primeira temporada e não fiquei suficientemente empolgado para prosseguir. Mas acho que o que me fez parar pra ver a série imediatamente foi uma entrevista com o David Lynch. Nem sei onde está a tal entrevista, mas Lynch elogia bastante a série. Tinha que ver. E que bom que tomei esta decisão, embora tenha criado para mim um novo vício.

A segunda temporada de BREAKING BAD (2009) é bem superior à primeira, fazendo com que nos importemos mais com os personagens e seus dramas. A história de Walter White (Bryan Cranston), o pacato professor de química que, depois de descobrir que está com um câncer agressivo no pulmão, resolve produzir e vender metanfetamina com a ajuda de um jovem com pinta de malandro, Jesse (Aaron Paul), é um estouro. A intenção de Walter é das melhores: fazer um bom pé de meia para a família.

Se a apresentação dos personagens na primeira temporada foi boa, na segunda, temos a oportunidade de os conhecermos mais, de ver o negócio de Walter e Jesse crescer, fazendo com que eles corram risco de morrer nas mãos de algum traficante psicótico, como é o caso de Tuco, personagem importante nos primeiros episódios e definidor de uma série de perigos que os dois ainda irão correr.

Ao mesmo tempo, cresce o cerco em torno de Walter. Sua família quer saber onde ele está quando desaparece de casa, quais são os seus segredos. E ele vai conseguindo enganar a bela esposa grávida Skyler (Anna Gunn) como pode. Também vale destacar outra personagem feminina de destaque, a bela morena Jane, a moça que aluga uma casa para Jesse, depois que sua família o expulsa de casa por irresponsabilidade. Trata-se de uma jovem apaixonante. Pena que as drogas estão ali para tentá-la e levá-la para o abismo.

Destaque também desta segunda temporada é a primeira aparição do advogado Saul Goodman (Bob Odenkirk), que lida com criminosos de toda espécie e pouco está se lixando para a lei. Acaba sendo o homem perfeito para ajudar Walt e Jesse em algumas situações complicadas. Dizem que farão uma série spin-off só com o personagem, tal o sucesso que fez.

BREAKING BAD é mais uma série a engrossar a lista de grandes personagens foras-da-lei que se tornam queridos pela audiência, casos de FAMÍLIA SOPRANO e DEXTER. Fundem-se a transgressão desses personagens e a transgressão através da arte, pelo menos do ponto de vista da ética e de uma nova paleta de cores para construção de seus heróis. Assim, BREAKING BAD nos convida a adentrar o lado sombrio da mente e da vida desses personagens, nos tornando não apenas cúmplices, mas solidários diante até mesmo de atos terríveis.

O final da temporada aponta novos rumos e estou bastante curioso para ver a terceira, que muitos dizem ser a melhor. Outros já preferem a quinta e última. Mas eu chego lá. Enquanto isso, vou evitando spoilers como posso.

terça-feira, setembro 16, 2014

3 DIAS PARA MATAR (3 Days to Kill)























Muito se esperava de McG quando ele surgiu com aqueles deliciosos dois filmes das Panteras, trazendo para o cinema um popular seriado de televisão dos anos 1970 numa linguagem pop bem devedora da década de 1990 (quem não fica animado ao ouvir Prodigy nos filmes?) e do videoclipe, que é de onde o cineasta veio, afinal.

Eis que, depois de alguns filmes interessantes, mas não muito brilhantes, como SOMOS MARSHALL (2006) e O EXTERMINADOR DO FUTURO – A SALVAÇÃO (2009), esse cineasta de nome extremamente curto meio que se apagou. 3 DIAS PARA MATAR (2014) embora lembre um pouco os bons tempos de AS PANTERAS (2000) é bem mais um filme de Luc Besson, o mais americano e mais pop dos cineastas franceses contemporâneos.

Isso porque Besson, além de produtor é também autor do roteiro e da história. E de Besson não dá pra esperar muita sofisticação no texto, nos diálogos e mesmo na ideia. O que se aproveita é, sobretudo, a aura de herói de ação que Kevin Costner possui e que Hollywod tem esnobado nos últimos anos, talvez devido ao fato de o ator estar envelhecendo. A velhice cai bem no personagem e Costner continua mantendo o seu brilho.

Uma coisa que logo se estranha é o prólogo, que em nenhum momento vai nos dizer que o que assistiremos será um filme de ação pendendo para a comédia. Essa decisão pela comédia surge bruscamente, depois de cerca de meia hora, e não surge no prólogo, sério e que funciona muito bem para antecipar os créditos e dar o suposto tom – que não se confirma.

Na trama, Kevin Costner é um agente freelancer que trabalha para a CIA em operações em que precisa matar alguém. Ou várias pessoas. Nisso ele é muito bom. Sua vida vira de cabeça pra baixo quando ele descobre que está com câncer em estágio avançado e resolve sair da vida que leva e voltar a entrar em contato com a ex-esposa (Connie Nielsen) e a filha adolescente que não vê há muito tempo (Hailee Steinfeld, de BRAVURA INDÔMITA). Porém, surge uma agente da CIA (Amber Heard, em um sex appeal um tanto acima do tom) que o chama para um servicinho que poderá lhe trazer mais tempo de vida.

E assim ele entra na velha rotina de novo, sendo desta vez também pai de família dedicado, por mais que a filha seja resistente e a ex-esposa o evite. Essa vida dupla é que acaba deixando o filme mais interessante e traz alguns momentos divertidos, como na relação dele com os homens que ele captura – um deles é italiano e ajuda a filha numa receita de molho para espaguete, enquanto o outro lhe dá conselhos sobre como lidar com filhas adolescentes.

3 DIAS PARA MATAR é um filme que sofre inicialmente de indecisão quanto ao tom. Porém, não deixa de ser uma diversão leve, despretensiosa, com um pouco da sombra do que foi McG nas cenas de ação e um simpático grupo de astros hollywoodianos passeando por terras francesas, uma característica cada vez mais presente hoje em dia, graças às produções pop de Besson.

sábado, setembro 13, 2014

RIO, EU TE AMO (Rio, I Love You)























Tenho especial apreço por filmes em segmentos, especialmente quando dão total liberdade para que os realizadores possam fazer o que quiserem nesse curto espaço de tempo. RIO, EU TE AMO (2014) pode não ser lá um grande filme e há sim alguns episódios bem ruins, mas há outros que compensam a ida ao cinema. E são justamente filmetes que não tratam de enaltecer a "cidade maravilhosa", querendo apenas se concentrar na história.

Dos dez episódios, o mais belo e que já impacta logo nas primeiras imagens é "Texas", de Guillermo Ariaga (VIDAS QUE SE CRUZAM, 2008). A imagem de um homem sem braço levando a esposa numa cadeira de rodas já tem um poder imagético e dramático fenomenal. Na trama, ex-boxeador que perdeu o braço em um acidente automobilístico precisa de dinheiro para a cirurgia que pode fazer com que sua esposa volte a andar. Um dia, ele recebe uma proposta indecente.

O segundo mais interessante de RIO, EU TE AMO é "Vidigal", de Sang-soo Im (THE HOUSEMAID, 2010), que traz Tonico Pereira como um vampiro dos trópicos. O segmento é tão divertido que nem dá pra acreditar na coragem do cineasta sul-coreano em ter aproveitado o convite para integrar o filme-homenagem ao Rio e fazer uma brincadeira que muitos considerarão de mau gosto.

Outro que talvez possa ser visto como sendo de mau gosto é "Grumari", de Paolo Sorrentino (A GRANDE BELEZA, 2013). Em vez de uma história de amor, o diretor italiano nos presenteia com uma história de ódio entre um casal formado por um senhor idoso e uma mulher que lhe humilha (Emily Mortimer, da série THE NEWSROOM).

Enquanto isso, Andrucha Waddington (CASA DE AREIA, 2005) opta pelo convencional e pela história com moral, estrelada por sua sogra Fernanda Montenegro, uma mulher que prefere viver na rua. Os brasileiros, aliás, tiveram todos resultados fracos, como foi também o caso de José Padilha (TROPA DE ELITE, 2007) e sua polêmica com o principal cartão postal da cidade; Carlos Saldanha (RIO, 2011) e sua história fraca envolvendo casal de bailarinos (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer); e principalmente Fernando Meirelles (CIDADE DE DEUS, 2002), com a mais fraca de todas as histórias, estrelada por Vincent Cassel fazendo escultura de areia. César Charlone (que é uruguaio, mas faz filme no Brasil) e Vicente Amorim, como diretores responsáveis por ligar as histórias, não contam.

Quanto a Stephan Elliot (PRISCILA, A RAINHA DO DESERTO, 1994), ele é responsável pela história gay estrelada por Ryan Kwanten (série TRUE BLOOD) e Marcelo Serrado; John Turturro opta por uma história com mais cenas interiores e com discussão de relacionamento, e Nadine Labaki dirige e atua em uma das mais simpáticas histórias, “Milagre”, com participação de Harvey Keitel e de um garoto-revelação, Cauã Antunes.

Entre mortos e feridos e alguns momentos realmente tediosos, é bem provável que RIO, EU TE AMO, graças a seus pontos altos, se torne mais memorável que o insosso NOVA YORK, EU TE AMO (2008).

sexta-feira, setembro 12, 2014

ERA UMA VEZ EM NOVA YORK (The Immigrant)























Será que temos, na atualidade, um cineasta como James Gray, que só possui em seu currículo obras excelentes? Tudo bem que, dos anos 1990 pra cá, quando estreou com FUGA PARA ODESSA (1994), ele só contabiliza cinco filmes, mas todos eles são de uma força extraordinária que nos permitem afirmar que se trata de um dos maiores cineastas do mundo contemporâneo. Se ERA UMA VEZ EM NOVA YORK (2013) não tem o mesmo impacto de dilacerar a alma de AMANTES (2008), trata-se de uma obra mais ambiciosa em diversos aspectos.

A começar pela produção, direção de arte, figurinos, fotografia, tudo feito com a intenção de recriar velhas fotografias que Gray conseguiu da Nova York da década de 1920, de um tempo muito mais sombrio. Se já eram tempos difíceis para os americanos, é de se imaginar o quanto foi para os estrangeiros que desembarcaram naquela nova terra, em busca de felicidade, fugindo da guerra e da fome que infestavam muitos países da Europa.

É o caso da polonesa Ewa Cybulska, vivida pela linda e talentosa francesa Marion Cotillard. Ela desembarca com a irmã tuberculosa, mas precisa se virar sozinha, já que a irmã é obrigada a ficar presa em uma ilha, em quarentena. Quem a salva de ser deportada é um estranho, Bruno Weiss (Joaquin Phoenix, em quarta parceria com Gray), que paga para tirá-la dali e a apresenta a um novo mundo, um mundo de apresentações de nudez e prostituição em teatros decadentes. No fundo, o sentimento que ele nutre por ela é de amor, mas isso não impede que ele a explore como faz com as outras. E por causa da beleza, ela se destaca das demais.

Assim como nos quatro filmes anteriores de Gray, ERA UMA VEZ EM NOVA YORK toca fundo na temática da família. A família que, paradoxalmente, é um elemento de grande apreço (Ewa se anula e se prostitui com a finalidade de resgatar a irmã), como também de infortúnio (Ewa é abandonada pelos tios e Bruno e o primo são inimigos mortais).

Falando no primo de Bruno, vale destacar a importância de Emil (Jeremy Renner), que trabalha como mágico e que se encanta por Ewa. Estabelece-se rapidamente um triângulo amoroso, com Emil representando a tão sonhada liberdade desejada pela protagonista em solo americano, enquanto Bruno representa o realismo brutal, já que foi ele quem a apresentou àquele circo de horrores.

Joaquin Phoenix mais uma vez mostra que é um dos grandes atores de sua geração, principalmente na cena final com Cotillard, na ilha, quando fala o quanto é nada, quanto também se anula naquele momento, despido da fachada de poder que inicialmente vestia. Essa fachada, aliás, já se quebrava na presença daquela mulher frágil, mas ao mesmo tempo intocável. E como nos demais filmes de Gray, em ERA UMA VEZ EM NOVA YORK, seus personagens acabam chegando a finais indesejados, em tom amargo, e com os corações quebrados pelo destino e pelas paixões.

quinta-feira, setembro 11, 2014

LA PRINCESA DE FRANCIA























O Farol, o primeiro festival internacional de cinema de Fortaleza, encerrou-se nesta quarta-feira com um resultado muito positivo para a organização e para o público, que se fez presente ao evento, assistindo tanto aos filmes quanto aos debates. Destaco, em especial, o delicioso debate que houve sobre o cinema americano dos anos 70 com Paulo Santos Lima, crítico da Folha de S. Paulo.

O filme a encerrar o festival que começou com chave de ouro (com o excelente A HISTÓRIA DA ETERNIDADE, de Camilo Cavalcante) foi o argentino LA PRINCESA DE FRANCIA (2014), um filme que foge ao que se costuma ver do estereótipo que se criou do cinema daquele país, isto é, dramas melancólicos, ainda que bastante sensíveis.

O filme de Matías Piñeiro é de outra ordem: não faz concessões, mostrando-se até um tanto hermético ao misturar possibilidades temporais, como na cena em que uma das personagens pensa em possíveis situações, criando quase que um tempo subjuntivo no cinema, com seu experimentalismo. Há também outra curiosidade: os jovens se reúnem para encenar uma comédia de Shakespeare (Trabalhos de Amores Perdidos, que foi adaptada como um musical por Kenneth Branagh em 2000) não para os palcos, mas para o rádio.

Em meio a conversas com telefones celulares, o rádio aparece como um elemento anacrônico. Além disso, o filme se inicia convidando o espectador a ouvir a bela Sinfonia da Primavera de Schumann, preparando o público para um universo não apenas erudito, com pinturas, Shakespeare e música clássica, como também a um tipo de cinema mais alternativo, num sentido mais radical do termo.

Ainda assim, apesar da quantidade relativamente grande de personagens e da confusão que se engendra em cirandas amorosas, principalmente para quem nunca viu ou leu a peça do bardo inglês, LA PRINCESA DE FRANCIA é um filme que dá vontade de rever. Não apenas para tentar entender melhor a trama em sua curta duração de 70 minutos, mas também porque é de uma beleza admirável em se tratando de direção cinematográfica. Para um filme que namora o teatro (e o rádio e a pintura e a música erudita), o cinema está em primeiro lugar nesta terceira obra de Piñeiro a brincar com a obra de Shakespeare.

Na trama, Victor, um jovem burguês que retorna a Buenos Aires, pretende retomar o trabalho de seu falecido pai no teatro. Não faltam amigos interessados em participar, e nem mulheres interessadas nele, embora sua intenção seja justamente se manter afastado de namoros para não se distrair. Mas isso é complicado, pois ele acaba entrando em contato com a ex-namorada, bem como com outras meninas do grupo de teatro. Um dos problemas para o espectador é não se confundir entre as tantas mulheres do filme em tão curto espaço de tempo.

O namoro de Piñeiro com Shakespeare já ganhou tanta fama no circuito de festivais que seu próximo trabalho será em língua inglesa, a partir das personagens femininas de uma das comédias mais famosas do bardo, Sonhos de uma Noite de Verão.

Mal posso esperar para que LA PRINCESA DE FRANCIA caia na rede ou, melhor ainda, chegue ao nosso circuito, com legendas embutidas na própria imagem, já que as legendas eletrônicas lá no cantinho chegam a incomodar, por causa dos diálogos espirituosos em ritmo de metralhadora.

terça-feira, setembro 09, 2014

ANJOS DA LEI 2 (22 Jump Street)























Ao que parece, em se tratando de comédias, até os críticos andam nivelando por baixo. Um caso impressionante é o de ANJOS DA LEI 2 (2014), que teve aprovação de 84% da crítica no site Rotten Tomatoes. Talvez seja pelo fato de o filme não ser exatamente um desastre. Ainda assim, não justifica. A melhor coisa do filme está nos créditos finais, que brincam com a questão das continuações, dando até para ter uma visão mais simpática deste novo trabalho da dupla Phil Lord e Christopher Miller, diretores do primeiro filme dos policiais desastrados e também das animações TÁ CHOVENDO HAMBÚRGUER (2009) e UMA AVENTURA LEGO (2014).

Sabemos que comédia é um gênero complicado, difícil, que depende, inclusive, de nosso estado de espírito para que achemos determinados momentos engraçados ou divertidos ou bobos e dignos de indiferença ou, pior, constrangedores. Quando entra nessa terceira categoria, é até mais fácil julgar, mas quando fica entre a primeira e a segunda situação, podemos culpar a nossa saúde, o fato de termos dormido mal, de não estarmos de bem com a vida etc. É rara uma comédia que faz um ranzinza gargalhar.

Um dos pontos que ANJOS DA LEI 2 mais toca ao longo de sua narrativa é o já velho tema da amizade masculina, bastante utilizada em várias comédias recentes. Pode-se dizer que o bromance chegou para ficar nas comédias americanas. Mas há também a possibilidade de ele se esgotar, deixar de ser interessante e desgastado. É o que se sente com ANJOS DA LEI 2, por mais que Jonah Hill se esforce em seu personagem do policial carente e com um pouco de afetação e que Channing Tatum esteja melhorando como ator.

Na trama do novo filme, os dois agora recebem a missão de descobrir quem está fabricando uma nova droga, parecida com a anfetamina, dentro de uma universidade. Assim, do mesmo modo que eles eram considerados velhos demais para estar no colegial, também são vistos como tiozões na faculdade, com aquelas regras bobas de fraternidades e coisas do tipo, tão comuns de se ver nos filmes americanos e bem melhor aproveitadas no recente VIZINHOS, de Nicholas Stoller.

Diferente de outros trabalhos da turma de Jonah Hill (Seth Rogen aparece numa ponta), ANJOS DA LEI 2 é mais suave no que se refere a piadas envolvendo sexo, palavrões e drogas. Parece que foi feito mesmo para conquistar uma plateia muito maior de espectadores. E, a julgar pelo belo faturamento nas bilheterias americanas, os produtores conseguiram o que queriam. Quanto a Hill e Tatum, que ficaram amigões desde o primeiro filme, eles terão a chance de trabalharem juntos novamente no novo trabalho dos irmãos Coen, a comédia HAIL, CAESAR!, prevista para estrear no próximo ano.

domingo, setembro 07, 2014

THE SECOND GAME (Al Doilea Joc)























Uma das experiências mais desconcertantes e ao mesmo tempo mais interessantes neste festival de cinema internacional que está acontecendo no Cinema do Dragão, o Farol, foi a de ver THE SECOND GAME (2014), o mais recente longa-metragem de Corneliu Porumboiu, que nada mais é do que um jogo de futebol gravado em 1988 no qual o pai do cineasta trabalhou como árbitro. Trata-se de um jogo entre o time da polícia secreta contra o time do exército. Ao fundo, ouvimos/lemos a conversa entre o cineasta e o seu pai sobre o tal jogo.

O curioso é que apesar desse formato inusitado de se fazer cinema, do fato de o jogo ser extremamente chato e de não acontecer quase nada de interessante durante todo esse tempo, apenas três pessoas desistiram do filme durante a sessão. O que é uma boa mostra do tipo de público do festival, pronto para experiências diferentes, não importando o quão dolorosa ou tediosa possa ser.

O que eu senti falta no filme veio mais de minha falta de conhecimento da obra do cineasta de POLÍCIA, ADJETIVO (2009). Acredito que um pouco mais de intimidade com a poética do diretor potencializaria a reflexão ao longo e após a projeção, ao trocar ideias com os amigos a respeito do que se acabou de ver.

A primeira coisa que me veio à cabeça é comentada pelo próprio pai do diretor, o árbitro, que diz que a tal filmagem do jogo não iria interessar a ninguém. Depois disso ele ainda cita o aspecto efêmero da importância que se dá a certos jogadores, citando, inclusive, Ronaldinho e Messi. Enquanto isso, o filho cineasta tenta extrair daquelas imagens possíveis elementos poéticos.

O fato de não acontecer quase nada no jogo também contribui para o caráter contemplativo tão próprio da vida e de algumas obras mais lentas como a do próprio Porumboiu, que brinca com isso ao longo do jogo. O curioso é que essa experimentação do diretor pode até mesmo ser questionada se se trata ou não de um filme.

Aliás, um jogo de futebol pode ser considerado uma obra de arte? Afinal, trata-se de algo de valor tão ligado ao imediatismo, ao acaso, às transmissões ao vivo. Raramente alguém vai se interessar em rever um jogo integralmente. Talvez alguns poucos aficionados. Mas nem esses diriam que estariam vendo uma obra de arte ou algo próximo de um filme, mas o registro de seu esporte favorito.

Em tempos de áudio de comentário de diretores, historiadores de cinema ou membros do elenco ou da equipe técnica em extras de filmes, a experiências às vezes de rever um filme com essas intervenções pode ser equivalente a um estudo sobre a obra. Outras vezes, os diretores nem têm muito o que falar sobre o seu próprio filme e acabam deixando muitos espaços de silêncio.

Em THE SECOND GAME, o pai do diretor fala das principais curiosidades na primeira metade do jogo, ficando a impressão de que na segunda metade ele já não tinha mais nada pra falar ou já estava de saco cheio daquele jogo sem graça, embora haja aspectos curiosos, como o fato de a câmera desviar a atenção para o público sempre que havia brigas dentro de campo, um reflexo da política do bloco comunista da época. A visão do público impassível em meio àquela nevasca não deixa de ser curiosa também. Quase tanto quanto o jogo.

Há também uma questão que já é comum em alguns documentários, que é a de apropriação de uma obra que não é originalmente sua e que passa a ser a partir de então. No caso de THE SECOND GAME, isso é levado às últimas consequências, mas o jogo deixa de ser menos importante do que o ato de olhar. E talvez daí venha o seu valor.

O filme lembra algumas experiências semelhantes em curtas-metragens brasileiros, como PÁTIO, de Aly Muritiba; FANTASMAS, de André Novais Oliveira; e NOSSOS TRAÇOS, de Rafael Spínola. Os três contam com narrações em voice-over e se aproximam, em maior ou menos medida, da linguagem documental.

quinta-feira, setembro 04, 2014

A HISTÓRIA DA ETERNIDADE























O nosso primeiro festival internacional de cinema, o Farol, começou com o pé direito na noite desta quarta-feira com o filme A HISTÓRIA DA ETERNIDADE (2014), de Camilo Cavalcante, grande vencedor da última edição do Festival de Paulínia, em categorias importantes como filme e atriz (prêmio dividido entre a trinca de atrizes Débora Ingrid, Marcélia Cartaxo e Zezita Matos). E é fácil entender por que o filme foi tão querido por público e crítica.

Há um rigor formal da parte do diretor em seu trabalho de estreia que faz parecer obra de um diretor veterano. A primeira imagem já impressiona: um garoto atira em um pássaro com um estilingue e enquanto a câmera mostra em primeiro plano o animal abatido, vemos um cego tocando sanfona debaixo de uma grande árvore retorcida. Ao fundo, um céu azul e um vasto horizonte que parece não ter fim. Essa solidão do cego só diminui quando entra em cena um cortejo fúnebre.

Um pequeno caixão levado por um grupo surge do lado direito da tela em direção ao lado esquerdo, lembrando aquela frase de Fritz Lang sobre o formato scope só ser bom para mostrar funerais e cobras. Aliás, como é belo o uso da tela larga em A HISTÓRIA DA ETERNIDADE. Passa uma dimensão de grandiosidade não apenas ao filme, mas àquele mundo atemporal criado por Cavalcante.

Dividido em três capítulos, com três curiosos títulos, o filme se encaminha para um desenrolar trágico, mas há momentos de alívio cômico e outros de puro contentamento, especialmente dois estrelados por Irandhir Santos. Seu personagem é um homem deslocado no tempo e no espaço. Mora de favor em uma casa pertencente ao irmão, tentando a todo custo levar adiante a sua proposta de fazer arte naquele lugar em que arte, especialmente a performática, é visto como algo vergonhoso para alguns.

Um desses momentos arrepiantes acontece quando Irandhir coloca uma vitrola e caixas de som para exibir para aquele povo sofrido e que parece viver no fim do mundo uma performance ao som de "Fala", dos Secos & Molhados. Não apenas a música e os gestos do ator são impressionantes, mas a própria câmera entra num estado de êxtase e elevação espiritual através da arte.

A arte sim é mostrada como um elemento libertador e de elevação, não a religião, que perturba com o sentimento de culpa. É o que acontece com a personagem de Zezita Matos (de MÃE E FILHA), que começa a ficar bastante desnorteada quando sente atração sexual pelo próprio neto, recém-chegado de São Paulo. Ao pensar que aquilo é tentação do demônio, só lhe resta maltratar violentamente o próprio corpo.

A violência é um elemento não apenas importante, mas decisivo para os momentos finais e catárticos do filme, quando uma chuva forte chega, não para expurgar os pecados, mas para trazer os simbolismos do sexo e da morte, que na astrologia dividem a mesma casa. Mas até chegar esse momento impactante, o único momento em que Cavalcante usa câmera na mão, com o objetivo de incomodar o espectador, a violência está presente principalmente na intensa repressão da família da jovem vivida por Débora Ingrid.

Prestes a completar 15 anos, a jovem sonha em ver o mar, mas o que recebe diariamente é a figura carrancuda do pai, que leva a família formada por quatro filhos homens e ela com mão de ferro. Sua visão de mundo é estreita e por isso ele reprova o comportamento do irmão (Irandhir), que por sua vez é idolatrado pela jovem sobrinha. Há uma cena dos dois, tio e sobrinha, que é também outro grande momento do filme. Lembra também apresentações teatrais, mas o filme de Camilo absorve o teatro sem nunca deixa de ser (grande) cinema.

Também digno de nota é o eixo da personagem de Marcélia Cartaxo (A HORA DA ESTRELA), que passa do luto a uma possibilidade de encontrar o amor na figura do sanfoneiro cego, que rende alguns momentos de alívio cômico, mas também de muita ternura. É, certamente, o eixo menos afetado pela tragédia entre os três.

A geografia do filme é outro elemento muito valorizado, o que só mostra o quanto A HISTÓRIA DA ETERNIDADE se agiganta na tela grande. Há um plano geral que mostra as casas do núcleo principal daquela pequena cidade, todas juntas, numa sugestão de lugar abandonado por Deus. E o trabalho de encenação dentro desse e de outros espaços é admirável. Como é admirável todo o trabalho de Cavalcante, que vem somar mais uma grande obra produzida em Pernambuco.

terça-feira, setembro 02, 2014

O GRANDE HOTEL BUDAPESTE (The Grand Budapest Hotel)























Uma projeção ruim pode afetar bastante a apreciação de um filme. No caso, uma muito ruim, pois saí do cinema Del Paseo com muita dor de cabeça e com a certeza de jamais botar os pés naquela sala novamente. Aquilo ali é caso de chamar as autoridades responsáveis e pedir não só o dinheiro de volta, mas alguma espécie de indenização. Mesmo assim, passada a raiva, fiquei pensando no quanto eu gosto da obra de Wes Anderson. Ou se eu gosto verdadeiramente. Digo isso pois o único filme dele que me deixou realmente emocionado foi OS EXCÊNTRICOS TENENBAUMS (2001). E lá se vão 13 anos.

Por outro lado, sabemos que Anderson não é bem um cineasta que busca a emoção vulgar por assim dizer, mas que prefere a estranheza proposital que ajuda a definir a sua marca autoral. Entra então a questão: não gostar de um cineasta por não se identificar ou não entrar em sintonia com sua obra deve ser levado em consideração em uma crítica séria? (Não que esta seja uma crítica séria, mas resolvi colocar a questão em pauta, caso fosse.)

Sei que O GRANDE HOTEL BUDAPESTE (2014) é um filme que merece sim uma revisão em casa, mas enquanto isso não vem, vamos da impressão inicial, fazendo de conta que eu assisti em condições normais. A primeira coisa que salta aos olhos é a quantidade de gente famosa no cartaz: Ralph Fiennes, F. Murray Abraham, Mathieu Amalric, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Harvey Keitel, Jude Law, Bill Murray, Edward Norton, Saoirse Ronan, Jason Schwartzman, Léa Seydoux, Tilda Swinton, Tom Wilkinson e Toni Revolori como ator-revelação.

Um elenco desses, em quantidade, não se encontra nem nos trabalhos de Woody Allen. Todos estão ali para prestigiar a grande brincadeira do diretor, já que o filme é uma comédia atípica (não para Anderson, claro) que brinca até mesmo com a janela, alternando de 1,85:1 (no "presente") para 1,33:1 (nos flashbacks). Os personagens são mostrados quase como heróis de desenhos animados.

Daí lembrarmos imediatamente do tom (seja na fotografia, seja no andamento narrativo) de O FANTÁSTICO SR. RAPOSO (2009). No meio de tanto gosto pela forma, o conteúdo deixa de ser tão importante, embora a história seja divertida e bem conduzida, mostrando as aventuras do gerente de um hotel de luxo (Fiennes) cuja amante idosa (Swinton) morre e ele recebe como herança um valioso quadro. O problema é que a família dela não aceita aquele homem, tido como um cafajeste aproveitador. Ao lado do personagem de Fiennes está seu fiel escudeiro Zero Moustafa (Revolori), um lobby boy novato sempre disposto a ajudar o chefe, mesmo nas mais arriscadas ações.

As histórias se passam no período entre as duas grandes guerras e isso acaba tornado o filme mais interessante. O GRANDE HOTEL BUDAPESTE é inspirado em escritos de Stefan Zweig, cujas obras podem ser vistas adaptadas para o cinema em filmes tão diferentes como CARTA DE UMA DESCONHECIDA, de Max Ophüls, e A COLEÇÃO INVISÍVEL, de Bernard Attal.

segunda-feira, setembro 01, 2014

OS MARIDOS (Husbands)























Embora tenha gostado bastante de SOMBRAS (1959) e FACES (1968), ainda estou esperando o filme de John Cassavetes que me converta em um fã de seu trabalho. Definitivamente não é com OS MARIDOS (1970) que isso acontece. Ao contrário, com pouco mais de duas horas de duração, o filme passa a impressão de ter quatro. Não que isso seja um critério de valorização de uma obra, mas ainda sou do tempo em que é preciso haver uma ligação forte entre espectador e obra para que se faça a magia.

Ainda assim, não dá pra dizer que OS MARIDOS não seja uma obra admirável em certos aspectos. Há uma intenção clara de incomodar com os longos planos, com os personagens masculinos patéticos (como já é comum de se ver em outros trabalhos de Cassavetes), com cenas em que esses mesmos homens agem feito adolescentes na rua, como a imitar personagens retirados de algum filme da Nouvelle Vague francesa.

Essas criaturas um tanto imbecis e que ainda assim conseguem agradar em parte a plateia já foi antecipada em outras obras do diretor, que parece se compadecer da insegurança. E isso é admirável em Cassavetes: amar e entender aquela pessoa que fala as coisas na hora errada, que não sabe lidar com a autoridade feminina, que tenta ser forte, mas que só consegue isso através da fuga. Seja ela de uma viagem para Londres, seja através do álcool.

Aliás, nos filmes mais autorais de Cassavetes que eu vi até o momento os momentos etílicos parecem quase uma obrigação. E muitas vezes são lindos, como numa das cenas finais de FACES, noutros um tanto chatos e repetitivos como a longa cena da cantoria de MARIDOS, em que os protagonistas, depois de terem voltado do funeral de um amigo, resolvem encher a cara na companhia de várias pessoas, cada uma delas cantando alguma canção à capela, nem que para isso seja escarnecida pelo trio.

OS MARIDOS é mais um filme em que o plot deixa de ser importante. O mais importante é o personagem. E mesmo o personagem foge do padrão hollywoodiano. Não há bons ou maus. Apenas pessoas comuns. Não há nem mesmo falas bem construídas, o que não quer dizer que cada cena não tenha sido ensaiada e filmada exaustivamente de modo a parecer improvisada.

E a beleza deste trabalho ou da obra de Cassavetes como um todo é sua necessidade intensa de se apegar à vida real e muito pouco à arte. Daí tanta hesitação, tantos momentos constrangedores, tanta incerteza no olhar dos personagens e em suas falas. Ainda assim, mesmo levando em consideração as qualidades de OS MARIDOS, estou esperando pelo grande e arrebatador filme de Cassavetes. Acredito que deve vir em breve.