quinta-feira, dezembro 08, 2016

O FILHO ETERNO























Tarefa complicada adaptar uma obra sobre um pai que não aceita a condição do filho, que tem Síndrome de Down, e não resvalar na pieguice, no dramalhão. O mérito está em toda a equipe envolvida, passando pelo roteiro adaptado de Leonardo Levis (CANÇÃO DA VOLTA, 2016); pela produção sempre competente de Rodrigo Teixeira, que só este ano se mostrou atuante em quatro produções importantes; pela direção contida, mas sem perder o interesse na emoção de Paulo Machline (de TRINTA, 2014); nos dois protagonistas, vividos por Marcos Veras e Débora Falabella; e também no trabalho comovente do garoto Pedro Vinícius, que empresta seu coração gigante para o último ato do filme, sem parecer se esforçar muito para isso.

O FILHO ETERNO (2016) também tem o mérito de nos colocar nas décadas de 1980 e 90, já que a história se passa no intervalo entre duas Copas, a de 1982, quando a seleção brasileira de Zico e cia. perdeu naquele histórico 3x2 para a Itália e deixou um gosto amargo no país inteiro, e termina em 1994, com a conquista do título de tetracampeão, com a seleção de Romário e a memorável disputa por pênaltis. Percebemos não apenas o bom trabalho de direção de arte, mas também o próprio espírito desse período, exemplificado no próprio modo mais duro e até desumano como as coisas eram ditas. Naquela época, era natural chamar um garoto com Síndrome de Down de mongol; ou dizer coisas que não deveriam ser ditas para os próprios amigos, como se pode ver em um diálogo entre o personagem de Veras e um amigo, em uma festa regada a vinho em sua casa.

Esse jeito duro de mostrar as coisas também se traduz na condução narrativa do filme, que evita, na maior parte do tempo, o caminho fácil da emoção. Afinal, trata-se de uma história de não-aceitação de um pai do próprio filho, que para ele é um grande problema, um grande desgosto. Marcos Veras, em seu primeiro trabalho dramático para o cinema, confere verdade a seu personagem, embora sua performance seja apenas correta. Como ele é o condutor da narrativa, também não é fácil para o espectador olhar, ainda que com certo distanciamento, o modo como ele vê a situação, seja fugindo para a bebida ou para outras mulheres, seja tratando o filho de forma agressiva e impaciente, seja até mesmo ficando feliz ao saber que crianças com Down podem morrer cedo.

Mas o interessante de tudo é que o filme consegue não transformar esse personagem em um monstro ou um sujeito odiável. Ele é apenas um homem que demora a enxergar o presente que lhe foi dado de uma maneira amorosa. Até lá o amor aparece na figura da mãe, vivida por Débora Falabella. E é dela o grande momento do filme. Desses de fazer muito espectador chorar. Trata-se de um monólogo em que ela conta sobre um dia na vida dela com o filho. Percebemos que a emoção está ali de verdade, não apenas uma técnica de interpretação. É o tipo de cena que já eleva o filme a um outro patamar.

Baseado na história real de Cristóvão Tezza, que desabafa em forma de romance sobre esse difícil processo de aceitação da condição do filho, O Filho Eterno também ganhou uma adaptação para os palcos na forma de monólogo. E em ambos os casos, a personagem da mãe aparece muito pouco. Na adaptação cinematográfica ela está não só mais presente, mas também representando o amor incondicional, ajudando a tornar mais palatável aquela situação dura de negação do diferente. Foi uma escolha muito feliz dos realizadores (roteirista e diretor) e por causa disso o filme ganhou uma força maior, embora muito disso também se deva à escalação do ótimo garoto que interpreta o Fabrício pré-adolescente, um amor de menino, que empresta sensibilidade e espontaneidade à obra.

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