quinta-feira, dezembro 29, 2016
ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (Once upon a Time in America)
Lembro da primeira vez que vi ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (1984), de Sergio Leone. Foi na televisão, se não me engano na Band, exibido em duas partes, em dois dias diferentes, dada a longa duração do filme (3h49min). O filme-testamento de Leone é uma obra e tanto e fico muito feliz que ela tenha sido materializada, que algum produtor maluco tenha aceitado a proposta de construir esse épico sobre gângsteres em uma década já marcada por um cinema mais pop. 1984 foi o ano de O EXTERMINADOR DO FUTURO, de A HORA DO PESADELO, de OS CAÇA-FANTASMAS, de O CLUBE DOS CINCO, muito embora houvesse espaço, sim, para um cinema mais adulto.
Além do mais, ERA UMA VEZ NA AMÉRICA contava com Robert De Niro encabeçando o elenco, e o ator estava no auge da popularidade, graças principalmente às suas parcerias com Martin Scorsese. Para o bem e para o mal, ele acabou ficando marcado por esse tipo de papel, o de gângster, desde CAMINHOS PERIGOSOS, de Scorsese, e de O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II, de Coppola.
Em comparação com seus outros papéis, talvez haja mais sutileza e amor em ‘Noodles’, seu personagem em ERA UMA VEZ NA AMÉRICA. Embora ele mostre seu lado assustador, a ponto de estuprar a mulher que ama em uma cena bem desconfortável, o olhar de tristeza de seu personagem já velho, assim como a construção de sua infância vista em um longo flashback, faz com que gostemos de seu herói problemático. A melancolia que o filme passa é auxiliada pela linda trilha de Ennio Morricone.
Já na infância, duas coisas ficam marcadas na vida de 'Noodles': a paixão pela bela Deborah Gelly, que na infância é interpretada por Jennifer Connelly (a cena de nudez da jovem certamente seria inadmissível nos dias de hoje, por mais que na verdade a nudez tenha sido feita por uma dublê); e o envolvimento com a gangue, que em certo momento vai culminar com a morte de um de seus amigos, algo que o deixará traumatizado.
Entre as amizades, o destaque é Max, que na versão adulta é interpretado por James Woods, um ator que tem um tipo físico de alguém pouco confiável. Perfeito, portanto, para o papel. Por outro lado, há algo de muito carismático em Max (tanto em sua persona juvenil quanto na fase adulta), que faz com que a plateia goste dele.
O filme se passa em três momentos e décadas distintas: a juventude dos personagens, quando eles descobrem da maneira mais difícil de sobreviver sendo pobres; a fase adulta, bastante envolvidos com a máfia da Lei Seca; e a velhice, quando poucos deles estão vivos mas ainda há negócios pendentes e algo a se descobrir.
ERA UMA VEZ NA AMÉRICA foi um projeto que Sergio Leone levou muitos anos de sua vida para realizar. Desde os anos 1970 que ele tentava levar para as telas o livro The Hoods, de Harry Grey, mas sempre encontrou muitos obstáculos. Finalmente, em 1982, ele pôde dar seguimento ao seu sonho. Ainda assim, ele ainda queria que John Millius assumisse a direção, mas, como o diretor de CONAN, O BÁRBARO não aceitou, ele assumiu a função. Leone estava afastado das câmeras há um bom tempo – desde a direção não-creditada de TRINITY E SEUS COMPANHEIROS (1975).
O cineasta adota o andamento lento já apresentado em ERA UMA VEZ NO OESTE (1968), o que pode afastar alguns espectadores apressados. Mas há tanta coisa interessante e atraente, que é difícil não ficar encantado, especialmente nas cenas que se passam durante a fase da infância dos personagens. Além do mais, trata-se de um filme sobre amizade e lealdade, o que já o diferencia de outros filmes de máfia. Leone não tem interesse aqui em mostrar de forma aprofundada os negócios ilícitos de seus personagens. O contexto histórico já deixa isso claro.
Enfim, há muito o que se falar do filme. Há tantas histórias que ainda não sei e que certamente um bom documentário a respeito poderia ajudar. Ou um livro contando detalhes tanto dos bastidores quanto uma análise da própria trama e de seus personagens. É um filme e tanto, que mereceria mais revisões e páginas e páginas de textos mais bem-cuidados.
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