quarta-feira, outubro 03, 2018

UMA NOITE DE 12 ANOS (La Noche de 12 Años)

Nós, brasileiros, estamos vivendo um dos momentos mais perigosos de nossa História, com a possibilidade de eleição de um candidato à presidência que flerta com a ditadura militar e com os torturadores, tendo deixado isso bem claro em diversas declarações. Por isso que a primeira coisa que eu pensei ao sair da sessão de UMA NOITE DE 12 ANOS (2018), de Álvaro Brechner, foi: este filme deveria passar numa Tela Quente da vida, para que a maior quantidade possível de brasileiros pudesse assistir. É lamentável que ele fique relegado ao pequeno circuito, um espaço que costuma já ser frequentado por pessoas de linha progressista.

O filme conta uma história que foi repetida em quase todos os países da América Latina: o surgimento de ditaduras militares nos anos 1960 e 1970, patrocinadas pelo governo americano, com medo de uma possível transformação desses países em repúblicas comunistas. Os tempos eram outros, mas atualmente a falta de noção domina e o velho discurso anticomunista volta à tona com a ascensão da extrema direita no mundo.

Por isso a urgência de uma obra como UMA NOITE DE 12 ANOS, desde já candidato do Uruguai ao Oscar de filme estrangeiro. Muito do interesse do filme se dá pela presença de um personagem muito importante e querido dos sistemas democráticos recentes, José Mujica, ex-presidente do Uruguai. Ele e mais dois amigos foram presos e torturados durante 12 anos e o filme acompanha esse processo com muita desenvoltura narrativa. Não que seja um filme novo do ponto de vista formal. É até bastante tradicional. Mas isso é até positivo, para alcançar um público maior.

Na trama, Mujica, (Antonio de la Torre), o poeta Mauricio Rosencof (Chino Darin) e o político e jornalista Eleutério Fernández Huidobro (Alfonso Tort) passam por várias prisões diferentes ao longo dos anos, impossibilitados de se comunicar um com o outro ou com qualquer outra pessoa. São tratados como se fossem elementos extremamente perigosos para o sistema implantado. Uma vez que o ódio aos comunistas era comum entre os militares, o tratamento que eles recebiam era proporcional a esse ódio.

A cada contagem dos dias e da mudança dos espaços, sentimos a perda da esperança daqueles homens. Dos três, Mujica foi o que mais se aproximou de enlouquecer, já que não obteve um elo de comunicação como os dois outros conseguiram em determinado momento, através de batidas na parede, criando códigos. Para não ficar tão carregado de tragédia, Brechner até traz um pouco de humor, embora o riso surja às vezes do ridículo da situação, como na cena em que um dos prisioneiros está algemado e não consegue sentar na privada para defecar. Os militares imbecis não conseguem tomar uma decisão sem perguntar a seus superiores.

Rosencof até conquistou a simpatia de um sargento ao ajudá-lo a conquistar a mulher que ele desejava, através da escrita de cartas. São esses talvez os momentos mais leves do filme, cujo tom é de uma escuridão tão penetrante que até sentimos uma diferença enorme na fotografia sempre que vemos as poucas imagens de exteriores. Há uma cena em que um deles pede para que lhe tire por favor as vendas, de modo que ele possa pelo menos olhar para o céu por um minuto.

À medida que o tempo da ditadura se aproxima do fim, a partir de um plebiscito, assim como aconteceu também no Chile, vamos ganhando um pouco mais de alegria e esperança, embora esse sentimento mais positivo seja nublado pelo fato de que os 12 anos que aqueles homens perderam na prisão jamais serão recuperados novamente. Ainda assim, não deixa de haver um sentimento agridoce de vitória, principalmente quando lemos sobre os destinos desses três homens no campo da política e das artes. Mas, como o tempo é cíclico, a luta continua. As ameaças também.

+ TRÊS FILMES

Z

O começo do filme é confuso pra caramba, mas depois, com as investigações, tudo passa a fazer mais sentido. O tom de confusão do começo era pra ser mesmo. Era o tom da França em 1968. E o filme se parece demais com o mundo de hoje. Inclusive com o Brasil de hoje. Impressionante. Direção: Costa-Gavras. Ano: 1969.

CAMOCIM

Da série de documentários que se constroem como dramas e que têm enriquecido o cinema brasileiro contemporâneo, CAMOCIM tem sua urgência, pois apresenta a imagem do Brasil dividido a partir das eleições municipais de uma pequenas cidade de Pernambuco. Ótima a protagonista, cabo eleitoral de um vereador. Bom também ver o ridículo de ambos os lados e o quanto o povo vira fantoche fácil dos políticos. Direção: Quentin Delaroche. Ano: 2017.

UMA QUESTÃO PESSOAL (Una Questione Privata)

Fui com muito interesse e muita boa vontade ver o último filme dos irmãos Taviani, mas infelizmente achei muito difícil de me sensibilizar ou mesmo de me envolver com a obra. Até fico me perguntando novamente se é uma espécie de mal do cinema italiano contemporâneo. Este filme em particular tem o problema de não trazer envolvimento emocional nas cenas de flashback do protagonista com a garota que ele ama. Acerta um pouco no que há de maior, que é a questão da guerra, enquanto ele passa por essa busca interior. Direção: Paolo Taviani. Ano: 2017.

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