quinta-feira, outubro 04, 2018

FERRUGEM

A carreira de Aly Muritiba, nascido no interior da Bahia, é bastante curiosa. Diretor interessado na temática do presídio, até por ter trabalhado como agente penitenciário por sete anos, chegou a ganhar visibilidade nos festivais com a maneira pungente com que tratava aquele ambiente e as pessoas que lá trabalhavam, cumpriam pena ou as que visitavam os presos, como no curta A FÁBRICA (2011). Mas a virada na carreira de Muritiba se deu mais recentemente, quando ele mudou o foco de suas atenções, a partir do thriller PARA MINHA AMADA MORTA (2015) e do horror TARÂNTULA (2015).

Se em PARA MINHA AMADA MORTA o conteúdo de um vídeo seria o catalisador do destino do protagonista – ele descobre que sua esposa falecida tinha um caso com outro homem através de uma fita VHS -, no novo FERRUGEM (2018) é também um vídeo o responsável pelo estrago que acontece na vida dos dois protagonistas.

O vídeo em questão foi filmado com câmera de celular e mostra um momento de intimidade entre dois adolescentes colegiais. A primeira parte do filme foca em Tati (Tiffany Dopke), que terminou um namoro recentemente e começa a conversar com um rapaz mais tímido e arredio, Renet (Giovanni de Lorenzi). O filme parece dar a impressão de que a partir da conversa que os dois têm vai surgir uma história de amor, mas a garota fica logo assustada quando seu aparelho celular desaparece.

No entanto, isso não é nada perto do que se transformará a sua vida no dia seguinte, ao saber que o vídeo íntimo presente no celular foi viralizado e ela passa a ser vista por toda a escola como vadia ou algo parecido. Ao abordar em especial esta parte do filme, Muritiba deixa bem claro o modo diferente com que o vídeo atinge os presentes: o ex-namorado de Tati leva tudo na brincadeira. Para ela, porém, o vídeo representa um pesadelo insuportável.

Acabei lembrando do que uma professora amiga minha falou sobre a necessidade de as mulheres se unirem para ajudar a desestruturar a sociedade machista instituída e principal motor para tragédias como a mostrada no filme. Afinal, na trama, as próprias garotas se afastam de Tati, a família é ausente em apoio e as famílias das colegas incentivam o afastamento de suas filhas dessa menina de comportamento impróprio. Hipocrisia e falta de empatia imperam.

A segunda parte do filme, mais longa, mais angustiante e mais contemplativa, lança seus holofotes para Renet, o jovem com quem Tati havia conversado na primeira parte. O papel do pai de Renet, vivido pelo excelente Enrique Diaz, ganha mais força nesta segunda parte, enfatizando o aspecto. A história dessa vez se passa em uma cidade litorânea, e há a importante visita da mãe até então ausente de Renet, que aparece grávida.

Essa questão da gravidez da mãe e o fato de ela ter abandonado os filhos para viver a sua vida não é algo visto com bons olhos por Renet. Ao contrário, o rapaz evita atender os telefonemas da mãe ou qualquer contato com ela. Eis mais um elemento importante para dar pano para a manga no que se refere à maior cobrança das mulheres na sociedade machista, que vive em um momento de crescimento com a onda conservadora, na contramão de uma linha mais progressista que vinha até então se formando.

FERRUGEM pode não ser o tipo de filme que agrada imediatamente durante a metragem, mas que aos poucos vai ganhando força na memória afetiva, tanto pela beleza da construção das cenas, quanto pelas discussões que levanta.

+ TRÊS FILMES

O NOME DA MORTE

Um filme herdeiro de um tipo de cinema que se fazia muito bem no Brasil dos anos 1970. Uma pena que deve acabar sendo visto por poucas pessoas, pois tem uma narrativa muito enxuta e fluida e um veneno bem próprio nascido do drama do personagem pistoleiro. O título internacional do filme é 492, o número de mortes do protagonista. Baseado em uma história real. Direção: Henrique Goldman. Ano: 2017.

ALGUMA COISA ASSIM

Acho o curta mais redondinho e mais bem resolvido, mas o longa traz mais coisas para a discussão, como a questão do aborto. A brincadeira com os três tempos também ficou boa, ainda que não tão boa quanto gostaríamos. O problema do filme talvez seja o personagem masculino, já que Caroline Abras arrasa de novo. Nos três tempos. Direção: Esmir Filho e Mariana Bastos. Ano: 2017.

A DESTRUIÇÃO DE BERNADET

Considerado por muitos como o maior crítico de cinema do Brasil, Jean Claude Bernadet ganha aqui mais um filme em torno de si. Provavelmente o mais importante, no sentido de ser um longa-metragem sobre ele, mas também sabendo brincar com a ficção, com a performance. Achei o monólogo final um pouco cansativo, mas talvez esteja ali muito do significado do filme. Por isso é importante prestar bem atenção. Direção: Claudia Priscilla e Pedro Marques. Ano: 2016.

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