terça-feira, março 29, 2016

NOS PASSOS DO MESTRE



A onda de filmes espíritas, que começou até muito bem com obras como CHICO XAVIER e NOSSO LAR, com o tempo foi perdendo a força e cineastas sem muita inspiração começaram a liderar alguns projetos que só são vistos com bons olhos mesmo como manifestações dos ensinamentos da religião kardecista. É o caso de André Marouço, que codirigiu O FILME DOS ESPÍRITOS (2011) e dirigiu CAUSA & EFEITO (2014), possivelmente os dois piores exemplares dessa safra.

Mas, se Marouço não é bom diretor de atores e de filmes de ficção, até que não se saiu tão mal no gênero documentário com NOS PASSOS DO MESTRE (2016), que possui alguns momentos de dramaturgia, mas apenas como ilustradores da mensagem de Jesus à luz da doutrina espírita. E em uma das vezes, essa dramaturgia é interrompida para efeito de comparação da tradução segundo os espíritas da famosa oração ensinada por Jesus no Sermão da Montanha, o que não deixa de ser interessante.

Aliás, o que há de mais interessante em NOS PASSOS DO MESTRE é mostrar as passagens polêmicas, ou seja, o que o Espiritismo interpreta de maneira diferente da Bíblia, em especial o Novo Testamento, em comparação com o que é mais conhecido, através do Catolicismo e das religiões evangélicas. Discutir a questão da paternidade de José como necessidade para que Jesus seja descendente de Davi é mais do que interessante, e nisso discute-se também a questão da impureza com que o sexo é visto.

Apesar de as imagens em Israel com câmera na mão serem mal filmadas e do incômodo banner permanente do título do filme nas partes com depoimentos, é por seu teor curioso que o documentário ganha força. No começo, percebe-se um pouco de atropelamento nas partes que tratam do Antigo Testamento, dando a impressão de que faltou uma edição e roteiro melhores desenvolvidos, mas aos poucos o filme vai se formando, em especial quando chega nas partes que mais interessam: os evangelhos.

Inclusive, como bons estudiosos que são, os espíritas não renegam os evangelhos apócrifos, como os de Tomé ou de Pedro, e também citam trechos do Alcorão, o que conta pontos a favor. O que talvez conte pontos contra seja o desejo de ser uma ciência e com isso procurar explicar, diminuir ou negar certos milagres de Jesus, como o de transformar água em vinho (a água teria modificado o sabor a partir do contato com os vasos) ou o da ressurreição de Lázaro (teria sido um caso de catalepsia). Também parece faltar um melhor elo de ligação quando o filme salta para o momento em que introduz as experiências de Alan Kardec na França do século XIX.

Uma das coisas boas do filme é fazer com que nos sintamos mais humildes no sentido de que precisamos estudar mais História e religião, a fim de que certos eventos sejam melhor compreendidos, como a ascensão do Islamismo, as Cruzadas, a primeira cisão da Igreja Católica etc. No fim da contas, NOS PASSOS DO MESTRE acaba funcionando bem como um convite ao debate e à reflexão, embora não necessariamente vá trazer respostas e convicções definitivas para os espectadores não-espíritas.

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