quinta-feira, maio 07, 2020

OS MISERÁVEIS (Les Misérables)

Acumularam-se muitos filmes importantes que eu acabei não falando aqui no blog. E vários deles eu até já desisti de escrever a respeito, já que necessitaria de uma revisão ou de ter uma boa memória, o que não é o meu caso. Mas façamos um exercício de memória para escrever um pouco sobre OS MISERÁVEIS (2019), de Ladj Ly. Trata-se do primeiro longa-metragem do realizador nascido em Mali e residente na França. Tendo como base o curta de mesmo nome de 2017, seu longa foi premiado em Cannes com o Prêmio do Júri, empatado com BACURAU, de Kleber Mendonça Filho.

São, aliás, dois filmes que têm muito em comum, tratando de uma explosão que nasce a partir de imposições e autoritarismos de forças oficiais. Ambos os filmes, apesar de diferentes em muitos aspectos, estão entre as obras recentes que melhor refletem o seu tempo. Muitos o comparam a FAÇA A COISA CERTA, de Spike Lee, devido ao final explosivo. E a comparação de fato tem tudo a ver.

A trama segue o ponto de vista, principalmente, de uma dupla de policiais. Um deles sai da província para ir trabalhar em Paris, mais especificamente, na brigada anti-crime de Montfermeil. O lugar serviu de locação para o romance clássico de Victor Hugo, daí principalmente o motivo de adotarem o título do filme como homenagem ao romance e também como atualização de uma situação social ainda muito complicada.

O policial que está chegando, Pento, vivido por Damien Bonnard, ator de NA VERTICAL, de Alain Guiraudie, é o que mais se aproxima do espectador, já que tem uma visão mais pacífica e totalmente desconhecedora da rotina daquela sociedade e da atuação de seus colegas policiais, de nomes Gwada (Djibril Zonga) e Chris (Alexis Maneti). Como o público, ele acha estranho o estilo de trabalho de seus novos companheiros, bastante violentos e cheios de si.

E há as figuras das crianças marginalizadas. Há o garotinho que brinca com um drone que filma tanto espaços privados quanto imagens públicas e que será crucial para a trama; há um outro que rouba um filhote de leão de um circo e que sofrerá violência mais adiante; e há toda uma fauna de outros personagens adultos e crianças que têm sua importância para a história. O que se deve destacar como um dos méritos do filme é o quanto o jovem cineasta é capaz de montar essa trama com vários personagens e várias situações e conseguir dar complexidade e profundidade a todos, tanto os policiais quanto os que vivem à margem.

Para parte da imprensa e da audiência que já conhecia o trabalho de Ly desde os curtas, alguns ficaram surpresos com o fato de o diretor começar e terminar o filme com o ponto de vista dos policiais. Provavelmente eles não eram figuras muito simpáticas nos curtas e também pelo trabalho social do cineasta, que visa a dar mais voz às classes mais desfavorecidas. De todo modo, a escolha foi feliz e não tirou a voz das crianças. Ao contrário, é fácil se sentir incomodado com a atitude dos policiais e torcer por uma revolta. Quanto a isso, o filme não decepciona.

+ TRÊS FILMES

EM PEDAÇOS (Aus dem Nichts)

Filme bem bom de ver, mas acho que as sequências de tribunal me pareceram um tanto difíceis de comprar, ainda que no final tenha gostado. Inclusive da Diane Kruger, que talvez esteja em seu melhor papel. No mais, certas coisas que parecem improváveis já viraram rotina no Brasil, inclusive esse negócio de botar culpa na vítima. Direção: Fatih Akin. Ano: 2017.

AMANDA

Uma beleza de filme sobre seguir em frente apesar das tragédias e do quanto a vida pode ser cruel. Lindo como o filme constrói de maneira tão sutil a aproximação do relacionamento entre o personagem de Lacoste e sua sobrinha, Amanda. Gosto muito dos hiatos na trama, e é impressionante como o sentimento de pesar continua presente e forte mesmo assim. Um dos melhores filmes dos últimos anos. Direção: Mikhaël Hers. Ano: 2018.

ROMA

Ter a chance de ver no cinema ROMA não deixa de ser uma oportunidade e tanto. Ainda mais na sala 2 do Cinema do Dragão, que é ótima. Mas tira um bocado do impacto ter visto uma primeira vez na telinha. Continuo achando o filme um primor de técnica, mas um tanto frio de emoções, ainda mais revendo uma vez mais. Acho que a cena que mais me impactou foi a que se segue a um terremoto e depois a um evento numa loja de bebês, enquanto está havendo um caos nas ruas. Alfonso Cuarón sabe filmar muito bem o caos. E também a geografia da casa e das ruas do bairro. Mas principalmente da casa. Ano: 2018.

Nenhum comentário: