quarta-feira, maio 06, 2020

ENIGMA DO PODER (New Rose Hotel)

A primeira coisa que fez eu me apaixonar por ENIGMA DO PODER (1998) foi o quanto o espírito de seu tempo saiu da tela e me provocou uma excitação semelhante à daquela época, especialmente nas primeiras cenas, que se passam em uma boate que toca música boa e um tanto melancólica. É como se fosse uma mistura de céu e inferno em um só lugar. É lá que aparece pela primeira vez Sandii (Asia Argento), apresentando-se para as pessoas em italiano mesmo, mas cantando uma canção em inglês, "Don't kill me", faixa escrita por Abel Ferrra em parceria com Harper Simon.

O momento que ela canta já é o suficiente para que ela nos ganhe, mas há ainda a cena da proposta, e depois a cena do ciúme... Refiro-me à proposta feita pelo criminoso Fox (Christopher Walken) a Sandii para sabotar o casamento e os negócios de um japonês milionário chamado Hiroshi (Yoshitaka Amano); e, em seguida, à cena de ciúme de X (Willem Dafoe), que ficou um tanto chateado depois que Sandii voltou da primeira parte de sua missão de sedução. "Você gostou de chupar o pau de Hiroshi?", pergunta ele, enciumado. Ela faz algo que o deixa ainda mais apaixonado: pergunta se ele quer se casar com ela.

Como praticamente todo filme de Ferrara, ENIGMA DO PODER é um filme de vampiros. Não como O VÍCIO (1995), claro, que apresenta sugadores de sangue de verdade, mas criaturas da noite. Isso vale para os três personagens principais, mas vale principalmente para Sandii. Em determinada cena ela se aproxima de um grupo de mulheres seminuas em uma boate para executar uma performance sensual de cair o queixo. A cena parece uma espécie de orgias de vampiros.

Mesmo depois de ter visto BLACKOUT (1997), que pode ser considerado um filme hermético se comparado ao cinema mais clássico produzido em Hollywood, é difícil estar preparado para ENIGMA DO PODER (1998), ainda que ambos os filmes tenham muito em comum, como o namoro com o visual sujo do vídeo em contraste com a limpidez da película. E também o jogo com o vazio, com a falta. Mas no novo filme este vazio é ainda mostrado (ou não mostrado) de maneira ainda mais sofisticada.

Praticamente todos os acontecimentos que representam ação são limados da narrativa. Não são mostradas, por exemplo, a abordagem de Sandii a Hiroshi e todas as repercussões que acarretaria; não é mostrado o ato de liberação do vírus. Em vez disso, muito dessa ação é conhecida através de imagens em uma espécie de celular retro-futurista ou de televisões de tamanho gigante para os padrões daquela época.

E Ferrara prega uma peça no espectador ao fazê-lo perceber o quanto ele pode ser relapso em seu olhar. Isso acontece nos quinze minutos finais, com flashbacks de X, que não consegue tirar Sandii de sua mente, mesmo estando sob risco de perder a vida. Os momentos-chave que perturbam a memória borrada de X, passeando por pequenos sinais em falas, olhares, gestos. E não há nenhum gesto mais representativo e mais forte do filme do que o sorriso final de Sandii, talvez um dos momentos mais poderosos do cinema da década de 1990.

Ferrara conseguiu adaptar William Gibson de maneira brilhante. E encerrou sua bem-sucedida parceria com Christopher Walken iniciada em O REI DE NOVA YORK (1990) com chave de ouro, e começou outra parceria, agora com Willem Dafoe.

+ TRÊS FILMES

O FAROL (The Lighthouse)

Daqueles filmes que nos deixam sem chão. Há várias passagens que parecem saídas de pesadelos. E, por isso, um tanto confusas e assustadoras. O aspecto teatral que o filme vai ganhando no duelo dos personagens talvez seja o que o torne um pouco mais duro para as plateias. Mas é justamente o trabalho dos dois atores que ficará sendo um ponto em comum na discussão sobre o que há de melhor no filme. A propósito, por causa da janela de aspecto, recomendo a experiência de ver o filme mais próximo da tela. Ajuda a tornar as imagens mais fortes. Direção: Robert Eggers. Ano: 2019.

TABU

Acho que a lembrança que eu tinha de trechos vistos na televisão de tempos atrás despertou mais afeição do que esta vez, quando vi o filme completo. A melhor coisa continua sendo o Caetano Veloso cantando marchinhas de carnaval à capela. Já o Colé como Oswald de Andrade, não entendi o motivo e a escolha, ou a graça. Os filmes do Júlio Bressane não são feitos para entender tudo e há muita brincadeira metalinguística neste trabalho que ele prefere fazer sem roteiro. Outros atrativos são as rápidas cenas de sexo de filmes bem antigos, enxertados. Bressane é um tarado pelo corpo feminino e vejo isso como uma qualidade. Ano: 1982.

EL TOPO

Há algo de muito fascinante nessa trajetória espiritual do protagonista, mas acho que o filme lá pela metade começa a cansar. E também não sei se gostei dessa divisão inspirada na Bíblia, ao contrário das brincadeiras com a astrologia e o tarô em A MONTANHA SAGRADA (1973). Esse sim, muito me diverte e me encanta. Direção: Alejandro Jodorowsky. Ano: 1970.

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