A estrutura de idas e vindas no tempo não chega a ser uma novidade. Hollywood faz isso há muito tempo, recorrendo a flashbacks emprestados da literatura e enriquecendo muitas narrativas desde muito tempo. Por isso não é esse o elemento novo de JACKIE, esse filme que acompanha a personagem de Jacqueline Kennedy principalmente após o assassinato do Presidente John F. Kennedy, fato que representa um dos momentos de maior ruptura da inocência, ou de algo perto disso, do povo americano, que já estava vivendo uma situação delicada, devido à Guerra Fria.
Mas JACKIE não se detém em falar sobre algo que já foi abordado em tantos outros filmes. Ou seja, o assassinato em si e toda a trama de conspiração e a série de eventos que ocorreram em seguida e que são facilmente encontrados nos livros de História. O importante aqui é o foco em uma personagem que estava importante e que estava lá, e em choque, enquanto segurava o corpo sem vida do marido, numa das imagens mais impactantes do século XX.
O filme de Larraín constrói a partir de documentos históricos e também de licenças poéticas esse ponto de vista todo particular de uma mulher que passou por diversos momentos de crise logo após o assassinato de JFK: o choque, o luto, o medo, a coragem, um turbilhão de emoções até difícil de enumerar, mas que o filme sabe muito bem trabalhar através das imagens e também das palavras e da música, que muitas vezes enfatiza o ar grave.
A estranheza já começa de cara com a fotografia, que, assim como em outros trabalhos de Larraín, não se caracteriza pela nitidez das cores e pelo contraste. O diretor já havia feito algo parecido em NO (2012), emulando algo parecido com a imagem de uma fita VHS, mas que, sem muitas explicações, também optou por uma fotografia um tanto esmaecida em filmes posteriores, como O CLUBE (2015) e o já citado NERUDA. A fotografia de JACKIE remete a algumas imagens de arquivo dos anos 1960, algumas que são muito brevemente aproveitadas em sequências externas.
O fato de termos um cineasta chileno refletindo sobre um tema tão americano torna o projeto ainda mais especial. Ainda que o roteiro não seja de Larraín, as escolhas estéticas são suas. É muito feliz, aliás, o filme dar início a partir de uma entrevista que Jacqueline Kennedy deu a um jornalista cujo nome não é mencionado, mas que na vida real foi Theodore H. White, da revista Life. Muito do que conhecemos da personagem vem dessa entrevista e do modo como ela narra os dias que se seguiram após o assassinato do marido.
Interessante terem escolhido Peter Sarsgaard, um ator que não tem uma imagem de pessoa confiável, para viver Bobby Kennedy, mas curiosamente funciona muito bem. Assim como outras escolhas de elenco. Inclusive, John Hurt, na figura de um padre a quem a personagem conversa é uma excelente aquisição. Ainda mais agora, sabendo que o ator faleceu recentemente. Vê-lo falando sobre as angústias e as dúvidas de não saber o sentido de tantas coisas que acontecem em nossas vidas chega a ser um dos poucos momentos em que o filme traz um pouco de paz tanto para a personagem quanto para nosso espírito.
Além do mais, é sempre um alívio quando vemos um trabalho de um cineasta por quem não temos muito carinho e finalmente vemos o quanto ele pode de fato ser interessante. Isso nos faz refletir e querer reavaliar sua obra pregressa. Até porque inquietude é o que não falta no cinema de Larraín. E isso já conta pontos a favor. No mais, Natalie Portman está sensacional, saindo de um registro naturalista para algo aparentemente mais estranho, mas que por isso mesmo se destaca e a engrandece.
JACKIE foi indicado a três Oscar: atriz (Natalie Portman), figurino e trilha sonora (composta por uma mulher chamada Mica Levi, que trabalhou no ótimo SOB A PELE, de Jonathan Glazer).
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