domingo, fevereiro 23, 2025

RENEGANDO MEU SANGUE (Run of the Arrow)



As primeiras imagens de RENEGANDO MEU SANGUE (1957) são bem impactantes e retratam de maneira compacta a violência de uma guerra em seus estágios finais, no caso a Guerra da Secessão. Um soldado nortista cansado e possivelmente ferido segue em seu cavalo, que trota devagar, igualmente cansado. De repente ele é atingido por uma bala. A bala que vem do protagonista, que estava à espreita, um combatente sulista, que aparece todo sujo. Seu rosto está impregnado de sangue alheio e terra. Ele parece um animal abandonado. Depois de atirar no homem, verifica seus bolsos, encontra um pedaço de pão e come ali mesmo, apoiando-se sobre o corpo desse homem atingido. Ele encontra também cigarro. Ele faz isso com muita naturalidade, como matar um homem e buscar algo em seus bolsos fosse algo corriqueiro. É neste momento que o título do filme surge na tela.

Uma das coisas mais fascinantes no cinema de Samuel Fuller é o quanto eles são ambíguos. E o quanto, muitas vezes, nos pegamos vendo defeitos neles, quase na mesma medida que vemos suas qualidades – como é o caso do citado prólogo. O personagem de Rod Steiger é um autêntico herói fulleriano. Uma pessoa marcada por uma angústia e um inconformismo que o dilaceram. Na conversa com sua mãe, mais à frente, isso se tornará bem explícito. 

Após lutar na Guerra da Secessão pelos Estados Confederados (e perder) recusa-se a aceitar os Estados Unidos como se tornou, sob o domínio do norte. E é interessante sua defesa, de como ele quer defender um lugar "livre, branco e cristão". Ou seja, é um pensamento muito parecido com o dos fascistas a que estamos, infelizmente, acostumados a ouvir. Não à toa que alguns dos fascistas de hoje têm por hábito colocar a bandeira dos estados confederados como símbolo: símbolo justamente dessa exaltação do branco, desse momento em que eles defendiam a escravidão. Afinal, ela era importante para a manutenção da boa economia.

No entanto, ao fugir de seu país, e passar por uma prova muito perigosa feita por um grupo de indígenas rebeldes e perversos, ele se junta a uma tribo Sioux, casa-se com uma indígena que o salva (vivida pela espanhola Sarita Montiel) e adota uma criança muda junto com ela. Chegando na tribo, o chefe, vivido por Charles Bronson, o aceita como um deles.

Quando encontra, aparentemente, uma vida de paz, é convidado a guiar os brancos do norte para a construção de um forte em terras ainda não invadidas pelo homem branco. Uma construção aceita, a princípio pelos líderes indígenas. Esse posicionamento politicamente dúbio de Fuller deixou muito crítico confuso, mas desde o começo de sua filmografia, com a obra-prima EU MATEI JESSE JAMES (1949), que ele faz questão de dar voz a figuras que normalmente são desvalorizadas ou mesmo odiadas.

Acho que me incomodou um pouco no filme o aspecto demasiado artesanal, por assim dizer (não queria dizer desleixado ou imperfeito), das interpretações, das cenas de combates e da própria condução narrativa em si. É como se ele antecipasse um tipo de narrativa menos naturalista, como alguns filmes modernos europeus, por exemplo, mais preocupados com o símbolo e a força das imagens do que num realismo. Ou seja, não é muito diferente do que já víamos em outros de seus filmes de orçamento menor, como CAPACETE DE AÇO (1951) e BAIONETAS CALADAS (1951), filmes de guerra que ousavam contar uma história em que normalmente seria necessário muito dinheiro envolvido para a produção. Não à toa, RENEGANDO MEU SANGUE parece mais um filme de guerra do que um western – diferentemente de seus dois primeiros filmes do gênero, EU MATEI JESSE JAMES e O BARÃO AVENTUREIRO (1950).

Assim é Fuller: quanto mais pensamos sobre seus filmes, maior a tendência de gostarmos deles. Acho também importante lermos textos apaixonados sobre seu cinema, como o do cineasta e crítico francês Luc Moullet. Sua defesa de RENEGANDO MEU SANGUE é muito bonita. Tem traduzida na Foco – Revista de Cinema.

+ TRÊS FILMES

O BRUTALISTA (The Brutalist)

Talvez se o epílogo de O BRUTALISTA (2024) não fosse tão horroroso eu teria saído da sessão com uma impressão um pouco mais positiva deste terceiro longa-metragem de Brady Corbet (o primeiro dele que vejo). Gosto de quando o filme retorna do intervalo de 15 minutos (gostei da ideia e de ter saído para tomar outro expresso) e de como Felicity Jones o torna mais agradável quando entra em cena. Até então, todos os personagens ao redor do arquiteto vivido por Adrien Brody me pareciam sombras, apenas. Depois, dá até para entender o motivo e até são mesmo sombras, se pensarmos no quanto são terríveis, e não apenas por serem bilionários. Inclusive, uma das coisas que me agrada numa fala de Jones é aquela em que ela diz que aquele país é podre, se referindo aos Estados Unidos. Não deixa de ser interessante de ouvir de um diretor nascido no Arizona. Eu vejo O BRUTALISTA como o TÁR que não deu certo, no sentido de buscar criar uma espécie de cinebiografia de alguém que não existe, com uma diferença que Brody está a milhas e milhas de uma Cate Blanchett.

CAPITÃO AMÉRICA – ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (Captain America – Brave New World)

Parece que já deu. A parada estratégica da Marvel para retomar o rumo e chamar novamente a atenção do público não funcionou. E este retorno, com um novo Capitão América sem carisma, uma história boba que tenta emular o clima de thrillers de espionagem sem sucesso e com o personagem do Hulk vermelho surgindo só para ter um momento de pancadaria no final, nada parece atraente aqui. A única personagem que me chamou a atenção em CAPITÃO AMÉRICA – ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (2025), de Julius Onah, e que às vezes me tirava do sono intenso que o filme provoca foi a chefe de segurança do presidente Thaddeus Ross, vivida por Shira Haas (série BODIES), uma atriz de 1,5 m de altura e de rosto expressivo que está em surpreendentes cenas de ação. No mais, a vontade que dá ao final, com mais uma cena pós-créditos que convida o espectador a continuar vendo o que vem a seguir, é de desistir. Mas, como vem filme do Quarteto Fantástico por aí, vou me segurando. Pelo menos por enquanto.

DINHEIRO FÁCIL (Dumb Money)

É verdade que DINHEIRO FÁCIL (2023) lembra um pouco os filmes de Adam McKay, em especial A GRANDE APOSTA, mas é um bocado menos ambicioso. A intenção do diretor Craig Gillespie (CRUELLA, 2021), junto com as roteiristas, é contar essa história fascinante de um jovem de família simples e humilde (Paul Dano) que resolve investir na bolsa e apostar todas as suas fichas numa empresa com valor de mercado muito pequeno. Ele acaba ficando conhecido nacionalmente, até por ter um canal no YouTube, principalmente quando essa empresa tem o preço de suas ações crescido assustadoramente. Além de uma interessante história recente americana, trata-se também de um filme que fica marcado pela pandemia - uma história que se passa nos anos de 2020 e 2021 raramente conseguiria fugir desse fato. A comparação com os filmes de McKay também se dá pela presença de um elenco de rostos famosos (ainda que não tão milionários quanto os de McKay). Mas isso até ajuda a trazer o filme para aquilo que ele parece querer buscar: a torcida pelos pobres em detrimento dos milionários, os caras de Wall Street que estão acostumados a ganhar sempre. E muito. Do elenco de apoio, adoro Shailene Woodley (que faz a esposa do protagonista).

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