sábado, fevereiro 22, 2025

SOL DE INVERNO (Boku no Ohisama)



Uma das notícias mais legais do ano passado foi a criação de uma distribuidora brasileira chamada Michiko Filmes. Isso porque se trata de um empreendimento de dois grandes amigos, que conheço há mais de duas décadas e que agora, além de amigos, e ex-colegas do saudoso podcast Cinema na Varanda, são também sócios de uma pequena empresa que compra e apresenta filmes para o circuito brasileiro. Imagino que não deva ser uma tarefa fácil para Chico Fireman e Michel Simões, que fundaram a companhia depois de uma passagem pelo Festival de Cannes, onde o filme teve sua primeira exibição. Porém, lendo recentemente uma postagem do Chico, soube de uma premiação que SOL DE INVERNO (2024) recebeu no exterior, fiquei muito feliz. Transcrevo aqui suas palavras:

“Sol de Inverno”, filme de Hiroshi Okuyama, distribuído no Brasil pela Michiko Filmes, empresa criada por mim e pelo Michel Simões, foi o 4º colocado no respeitadíssimo Top 10 de melhores filmes japoneses do ano da tradicional revista Kinema Junpo. A publicação, surgida em 1919, é a mais antiga revista de cinema do país e uma das mais antigas em atividade no mundo.

“Sol de Inverno”, que chegou a sua sexta semana de exibição no Brasil, ficou à frente de longas renomados como “Cloud”, de Kiyoshi Kurosawa, indicado oficial do Japão ao Oscar, e a animação “Look Back”, um fenômeno no Japão.

O longa ainda ganhou três prêmios individuais: melhor ator coadjuvante (Sôsuke Ikematsu, que vive o treinador Arakawa), revelações masculina (Keitatsu Koshiyama, o Takuya) e feminina (Kiara Takanashi, a Sakura). Os três têm sido bastante indicados e premiados no país. Recentemente, Ikematsu e Koshiyama venceram também o Mainichi Film Award, prêmio que existe desde os anos 1940.


Chico finaliza sua postagem dizendo que ainda há praças muito importantes do Brasil que ainda não receberam o filme em seus circuitos, como é o caso de Salvador e Belo Horizonte, mas espero que esse belíssimo trabalho chegue a essas cidades logo. Quanto ao prestígio do filme citado pelo Chico, fiquei de fato impressionado, já que CLOUD e LOOK BACK estão entre os títulos japoneses mais aclamados do ano passado.

A história de SOL DE INVERNO é simples e até caberia num registro bem convencional de narrativa, mas o que Hiroshi Okuyama faz aqui é trabalhar com planos diferentes e inventivos, e com uma estranheza no próprio visual de cores esmaecidas (que faz lembrar os últimos trabalhos de Wes Anderson) e excesso de luz, inclusive nos interiores, com essa luz penetrando fortemente o ambiente. A trama se passa numa cidadezinha do interior do Japão de décadas atrás (anos 80 ou 90), em que um menino tímido e gago se mostra interessado na patinação artística ao ver as meninas rodopiando e aparentemente levitando sobre os patins. O treinador, ao vê-lo interessado no esporte, o incentiva a continuar, e também tem a ideia de inscrevê-lo, junto com uma das meninas, numa competição a acontecer em breve.

Até determinado momento, a história do filme até poderia se encaixar numa sessão da tarde, mas algo acontece em seu terço final que muda o rumo dos acontecimentos e traz um pouco de amargor para o enredo, tornando o filme ainda mais interessante e também mais doloroso. SOL DE INVERNO trata da intolerância, do silêncio e de uma terrível aceitação diante de um mundo conservador. Ver o filme num mundo ao mesmo tempo mais livre, mas também com uma onda conservadora mais feroz, torna-o um ótimo retrato de nossa época, embora se passe noutro tempo.

O diretor Okuyama é também o montador e o diretor de fotografia do filme, o que torna esse trabalho ainda mais artesanal e mais autoral. SOL DE INVERNO é seu segundo longa-metragem. O primeiro, BOKU WA IESU-SAMA GA KIRAI (2018), inédito no Brasil, também trata de uma história do ponto de vista de uma criança.

+ TRÊS FILMES

KASA BRANCA

Luciano Vidigal já tem uma boa experiência na direção, por mais que KASA BRANCA (2024) seja sua estreia solo num longa-metragem. Falo isso não só por ter checado sua filmografia, mas por perceber sua segurança em contar a história dessas pessoas que vivem vidas bem difíceis, em áreas menos privilegiadas do Rio de Janeiro. O que carrega o maior fardo é Dé (Big Jaum), que cuida sozinho da avó com Alzeihmer e deve o aluguel atrasado da casa. O fato de ser um rapaz acima do peso o deixa também em situação de desvantagem em relação a seus dois melhores amigos, que têm mais sorte com as mulheres. Se bem que um deles está sofrendo de amor por uma ex que ele magoou no passado e agora é ele quem sofre de dor por ela. E é justamente desse rapaz a cena que mais me tocou: aquela em que sua mãe adentra seu quarto para trazer-lhe consolo com a sabedoria de alguém mais vivida. Gosto também de ser um filme que trata das mazelas sociais, da falta de dinheiro e também por não deixar barato para o governo. KASA BRANCA também dialoga com a juventude contemporânea, ao trazer um artista novo, o rapper L7NNON.

SAUDADE FEZ MORADA AQUI DENTRO

A câmera na mão e muitas vezes muito próxima dos personagens faz com que o sentimento de angústia de Bruno (Bruno Jefferson) nos contagie. Ele, por mais que jogue futebol com os colegas, brinque com o irmão e dance forró em festas de sua cidadezinha do interior da Bahia, está triste pois em breve estará completamente cego. SAUDADE FEZ MORADA AQUI DENTRO (2022) claramente pode ser dividido em duas partes. E a segunda parte é ainda mais dura, tanto para Bruno quanto para nós, espectadores. Haroldo Borges faz um registro realista, e com o ator que faz o protagonista entregando momentos de cortar o coração. O título em inglês do filme é "Bittersweet Rain" (chuva agridoce) e que remete à cena final. Em determinado momento, Bruno celebra a alegria de ter conseguido chegar a sua casa sozinho, e seu sucesso, ainda que junto com uma desgraça que lhe acometeu, é sim motivo de estar feliz. E com isso o filme diminui um pouco o tom trágico e acolhe algum contentamento, o primeiro de muitos, se espera, na vida de Bruno. Sendo este um filme sobre perda, é também um filme sobre aprender a lidar com essa perda. Não é assim, afinal, a vida?

CHICO BENTO E A GOIABEIRA MARAVIÓSA

Dá prazer ver uma produção assim, tão inteligente e tão respeitosa ao espírito dos personagens, tão artesanal, principalmente se compararmos com outras produções endereçadas ao público infantil, principalmente as americanas. O menino Isaac Amendoim é um achado! Que menino carismático, que estreia impressionante! Nos faz rir nas cenas que planeja suas presepadas e nas cenas que se mostra ingênuo quanto à "amizade" que tem com o dono do terreno onde fica a goiabeira (Luís Lobianco), e nos deixa emocionados quando a trama se encaminha para um lado mais dramático, que tem toda uma questão respeitosa com a natureza também, com um apego do menino com a goiabeira. A fotografia de CHICO BENTO E A GOIABEIRA MARAVIÓSA (2024), de Fernando Fraiha, carrega a cor viva que destaca as vestimentas do personagem, usada também nos outros dois longas da Turma da Mônica (2019, 2021), mas com uma intenção de fazer a natureza, o verde, se fazer tão personagem quanto as crianças e os adultos. Além do mais, é um filme que faz uma crítica ao capitalismo e exalta a vida simples. Não sei se vão fazer um segundo filme do Chico Bento (o filme não está sendo tão bem assim de bilheteria), mas deviam aproveitar e fazer, pois as crianças crescem rápido.

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