
31 de janeiro de 2016 foi um dia histórico para este cinéfilo aqui. No final do ano passado já havia experienciado a força e a duração de uma obra de Lav Diaz, com o maravilhoso NORTE, O FIM DA HISTÓRIA (2013) e suas gloriosas 4h10min de duração. Ver NORTE acabou sendo um ensaio para o que viria em seguida, quando o pessoal da organização da Mostra Cinema em Transe exibiu DO QUE VEM ANTES (2014), o trabalho seguinte do genial cineasta filipino, que conta com 5h30min de duração.
Podemos até deixar de lado essa questão da duração dos trabalhos do diretor, mas sabemos o quanto isso vem sempre à tona, até pela dificuldade de encaixar o filme em uma grade. Afinal, um filme como DO QUE VEM ANTES ocupa o espaço de três de duração normal. Exibir os filmes de Diaz é, portanto, um exemplo de coragem por parte de seus exibidores, e por isso eles acabem restritos a poucas praças do país. O que é uma pena, pois isso faz com que muitos interessados deixem de ter a experiência extraordinária de ver esses trabalhos na tela grande.
E, diferente do maior diálogo com o cinema ocidental que NORTE, O FIM DA HISTÓRIA apresenta, DO QUE VEM ANTES é mais desafiador, já que está bastante conectado com a história política das Filipinas. Inclusive, o filme se passa no início da década de 1970, quando o ditador Ferdinand Marcos estava no poder – seu governo durou de 1965 a 1986. E o que o filme mostra é o país vivendo esse momento de terror, através do que acontece com os moradores de um pequeno vilarejo litorâneo.
É lá que uma mulher deixa com frequência oferendas a uma deusa do mar, acreditando que ela pode lhe ajudar com a filha com deficiência mental. Como país pobre que é, as oferendas são roubadas por outros dois personagens. Além do mais, o padre não gosta nada desse tipo de crença alternativa, muito menos do que é mostrado no início do filme, uma espécie de ritual pagão (levando em consideração não ser de origem cristã).
Como Diaz opta pelos tempos longos, a história vai sendo construída aos poucos, mas há sim uma narrativa relativamente clássica por trás desse formato com mais respiros, embora a palavra "respiro" passe longe de ser usada para descrever qualquer momento que supostamente possa ser encarado como alívio para o espectador, já que tudo é muito sofrido na vida dos personagens.
Há uma cena excepcionalmente impactante, que é o choro dolorido de uma mãe diante da morte de uma criança. Lembro que, durante a sessão, havia pessoas que se sensibilizaram tanto com a cena que choraram bastante também. Diaz passa muita verdade nesta cena. E há o caso também do homem que é acusado de matar as vacas do patrão, e por isso acaba por perder o seu emprego.
Depois de mais de três horas de duração, entra em cena o exército e vemos a imposição da Lei Marcial e tornando aquele ambiente ainda mais hostil, até chegar o ponto em que vai se tornando uma cidade fantasma. E esse é um aspecto fantástico de uma história que, até por ter uma fotografia em preto e branco, parece imprimir sempre a impressão de que estamos vendo algo mais próximo de um registro documental, ainda que vez ou outra o filme entre num território do melodrama.
Nesse filme sobre crenças, mentiras, maldade, mistério, abuso sexual e crueldade, o mais celebrado cineasta filipino da atualidade mostra o quanto seus trabalhos possuem uma força descomunal, a ponto de não querermos nos distanciar desse universo. O circuito seria bem mais abençoado se nos oferecessem mais oportunidades como essa para que o público, ainda que muito restrito e corajoso, pudesse entrar em contato com um trabalho tão especial como esse, que ganha ainda mais força na tela grande do cinema.
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