sábado, março 05, 2016

MIA MADRE



Que o cinema italiano anda mal das pernas (em comparação com seu passado glorioso), isso a gente percebe já faz mais de uma ou duas décadas. Claro que há algumas exceções vez ou outra, e entre elas está o trabalho de Nanni Moretti, que com uma sensibilidade toda especial sabe tratar de assuntos tão pessoais e ao mesmo tempo tão universais, como questões políticas e familiares.

A questão política passa um pouco de leve em MIA MADRE (2015), mas as questões afetivas estão presentes com muita força na história de uma cineasta que precisa lidar com a rotina difícil de sua profissão em um momento particularmente complicado de sua vida, quando está passando por uma separação, e principalmente por ver a vida de sua mãe se esvaindo aos poucos, internada em um hospital.

Moretti já havia tratado a questão da perda de maneira até mais devastadora em O QUARTO DO FILHO (2001), e por isso é muito bom que ele não tenha se repetido e tenha abordado a perda de outro ente querido de forma um pouco mais distante – aqui, a protagonista é Margherita Buy e não o próprio cineasta, que interpreta um coadjuvante, o irmão da cineasta Margherita (Moretti deu à personagem o mesmo nome da atriz) .

MIA MADRE é autobiográfico. O cineasta escreveu o roteiro enquanto sua mãe estava doente e ele filmava HABEMUS PAPAM (2011). E foi um acerto e tanto ele oferecer o papel principal para uma atriz que trabalhou com ele em seus dois trabalhos anteriores e manter uma relativa distância. O seu personagem, o irmão companheiro Giovanni, talvez represente aquilo que ele gostaria de ter sido durante os últimos dias de vida da mãe: alguém que largou o emprego para ficar com ela.

Por isso MIA MADRE é também implacável, ainda que de maneira muito gentil, consigo mesmo, ou seja, com a protagonista, que é alguém que não dá a devida atenção às pessoas próximas a ela, embora a gente não consiga, ao longo do filme, também perceber isso. Afinal, é muita coisa para essa personagem processar e o ar sereno de Margherita passa sempre a impressão de que estamos vendo alguém quase isento de culpas.

O estado de confusão mental da protagonista durante esse período também é muito bem explorado por Moretti. Muitas vezes não sabemos o que é sonho e o que é realidade, como na cena em que o apartamento de Margherita fica cheio de água, como simbolizasse um transbordar de emoções que ela não está mais conseguindo lidar. Mas tudo é muito bem conduzido e o filme flui como um belo e tranquilo rio. A presença de uma canção do Leonard Cohen ("Famous blue raincoat") em uma dessas cenas de sonho da protagonista é especialmente bela.

E o final é tão delicadamente lindo, prestando tributo à personagem do título, que faz com que queiramos que todo o filme seja assim, embora em nenhum momento da projeção fiquemos aborrecidos. Ao contrário, é tudo muito gostoso de ver, desde a relação conturbada da diretora Margherita com um ator americano (John Turturro), passando pelas visitas ao hospital para ver a mãe e o relacionamento distante com a filha adolescente. MIA MADRE é dessas obras cheias de tanto amor e mansidão, que Moretti parece feito para perdoar a si mesmo. E isso faz muito bem ao coração do espectador, também.

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