Se o cinema é visto pela maior parte dos espectadores como uma distração, algo para fugir da realidade dura da vida, o que dizer desses filmes que não se importam em não apenas mostrar mas nos colocar também dentro de realidades extremamente duras e cheias de desesperança? Mas o mais belo de tudo é perceber o quanto, mesmo assim, somos gratos à realizadora portuguesa Teresa Villaverde pela experiência sentimental e sensorial tão singular que ela nos presenteia com seu novo filme, COLO (2017), ainda inédito em circuito comercial em Portugal.
O próprio título traz uma palavra que é própria da língua portuguesa. Algo que remete a uma necessidade de conforto em momentos de carência. Quando a vida bate muito forte e estamos perto de não mais aguentar, queremos colo, queremos um pouco de alento para continuar seguindo.
A primeira cena importante do filme é um pouco a síntese ou a semente do que veríamos ao longo da narrativa: a adolescente Marta (Alice Albergaria Borges) volta desamparada para casa à noite e procura pelos pais e por jantar. Em vez disso, encontra um desesperançado pai (João Pedro Vaz) dizendo que sua esposa provavelmente não voltará mais para casa, não voltará mais para ele. A cena é carregada de um misto de tensão, angústia e um ar intrigante, acentuado pelas cores dos interiores fotografados lindamente pelo veterano Acácio de Almeida.
A mãe (Beatriz Batarda) reaparece, contando ao marido o motivo do atraso: ela havia conseguido um novo emprego, à noite, que aquilo era uma notícia boa, pois traria um pouco mais de dinheiro para aquela casa, necessitada. O pobre homem desempregado e já perdido em um mundo de desesperança volta para casa sem conseguir ainda processar muito alívio pela volta da esposa.
Embora a mãe apareça como alguém forte, esforçada e que se torna, contra a própria vontade, a única provedora da família, trabalhando três turnos, é Marta e seu pai, em seus caminhos mais à deriva, que COLO acompanhará com mais ênfase. A menina está passando por uma fase difícil, pelo abandono do namorado, mas é pelo desarranjo familiar e o esfacelamento daquela instituição que ela se tornará mais triste. Ela pergunta à mãe o que está acontecendo com aquela família.
Enquanto isso, também vemos a jornada de declínio de um homem que é despido de sua honra masculina de provedor, não conseguindo emprego algum por muito tempo, e passando por situações de humilhação, que ele parece aceitar, como forma de atenuar algum sentimento de culpa que talvez atormente o espírito, já que o papel do homem da casa lhe está sendo negado. Sem dinheiro, sem amigos, sem contatos, com a ausência da esposa, ele consegue encontrar algum alívio na figura de outra adolescente, a colega de escola da filha que aparece grávida.
Ler tudo isso faz parecer que estamos diante de um filme carregado de exageros na sentimentalidade. De certa forma, até é possível lembrar de alguns trabalhos de realizadores que trabalham ricamente com o melodrama, como Rainer Werner Fassbinder e Pedro Almodóvar, mas o que Teresa Villaverde faz é diferente. Ela prefere os silêncios aos diálogos. Os silêncios casam melhor com o sentimento que fica entalado na garganta, como se até o chorar fosse negado aos personagens e ao próprio espectador.
É admirável o modo como o filme constrói pinturas emmolduradas: as imagens dos quartos mostrados do lado de fora do apartamento; o que vemos através de janelas, como os animais vistos na casa da avó; ou a visão da paisagem vista de dentro da casinha onde vai parar a protagonista. As molduras parecem prisões, e prisões servem também para matar aos poucos. Como mata o pequeno passarinho de Marta, que fica doente na gaiola, talvez contaminado pelo clima pesado daquela casa.
O contraste entre a beleza da fotografia e da direção de arte e a dor e a desesperança dos personagens não é algo que incomode. Ao contrário: o mundo não deixa de ser belo quando as pessoas passam por situações de desencanto.O sentimento, aliás, fica ainda mais acentuado, como se alguém dissesse: o mundo é belo, mas tu não terás o direito de desfrutá-lo.
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