Tive a honra pela segunda vez de fazer parte este ano do júri do Noia, o Festival Universitário de cinema que movimenta realizadores de universidades de vários estados do Brasil. Como demorei muito a escrever sobre os filmes, vou ter que me limitar a pequenos comentários. Peço desculpas mais uma vez, mas o tempo e a saúde não contribuíram muito com o bom andamento do blog. Mas não percamos tempo.
ADMIN/ADMIN
Um estudo interessante sobre as imagens de câmeras de segurança e como elas causam tensão dentro de um registro de cinema, ADMIN/ADMIN (2017) foi dirigido pelo coletivo composto por Augusto Daltro, Bebeto Junior, Camila Gregório, Iago Cordeiro Ribeiro, Erick Lawrence e Maria Clara Arbex. É inventivo no uso de imagens pré-existentes e no trabalho de montagem, embora não incomode tanto quanto talvez fosse a intenção.
SIMBIÓTICA
Os estudantes da UFC Gabriel Marques e Letícia Medina fizeram em SIMBIÓTICA (2017) uma espécie de ficção científica kitsch retrô muito bonita, com destaque para a direção de arte. Ainda brinca com o aspecto ridículo do mundo dos youtubers. Uma cena em particular remete a A MONTANHA SAGRADA, de Alejandro Jodorowsky. Eu entrei na viagem e curti a brincadeira.
MERCADORIA
A fotografia de MERCADORIA (2017, foto), de Carla Villa-Lobos, parece ser propositalmente suja, assim como todo o ambiente. Talvez para enfatizar o espírito um tanto incômodo de um ambiente de prostituição underground. Há uma intenção de pautar a discussão sobre a vida das profissionais do sexo. É um dos melhores curtas da seleção. Foi o escolhido pelo júri da crítica.
FERVENDO
O começo de FERVENDO (2017), de Camila Gregório, mostra imagens de celular da protagonista, uma jovem negra que passa o tempo todo dentro do banheiro tentando resolver um problema. Interessante o local escolhido e os embates com a geração do avô e as especificidades da nova geração e as tecnologias. Mesmo quando o drama é universal e quase atemporal.
POR QUE NÃO?
O curta POR QUE NÃO? (2016), de Lucas Memória, trata da dificuldade de mercado de trabalho para os travestis. O filme tem a vantagem de ter conseguido duas personagens muito boas para entrevistar. Mas é estranho focar apenas em duas. Tem cara de render um longa melhor e mais bem acabado. A personagem Aila é fascinante. Em certo momento ela diz: "Como se adequar fisicamente ao que ela quer ser ganhando um salário mínimo?"
LUIZA
Um filme que cresce à medida que vamos entendendo a situação da menina com deficiência mental (não fica claro qual é o problema dela) e que está namorando um rapaz, LUIZA (2017), de Caio Baú, nos faz perguntar: a partir de que idade o namoro dessa menina pode evoluir para algo mais íntimo e quando será o momento para os dois casarem?
SAM
Filme de olhares e gestos e que também sabe ser sintético em suas intenções, em SAM (2017), de Miguel Moura e Julia Souza, a câmera se interessa mais pela menina calada e pelo amor/desejo que ela sente pela colega de escola. Há alguns momentos bem inspirados. E a cena de sexo, discreta, das duas meninas é bonita de ver.
ALGUM ROMANCE TRANSITÓRIO
Concentrando-se basicamente no drama de um jovem que encontra um homem mais velho e mantém uma relação de sexo, ALGUM ROMANCE TRANSITÓRIO (2017), de Caio Casagrande, aos poucos vai mostrando seu protagonista procurando seu lugar, sua liberdade e enfrentando as complexidades da vida. Interessante o diálogo/monólogo com a amiga. Quando ela fala e permanece sempre calado.
VELHA CASA
Acho que VELHA CASA (2016), de Pedro Clezar, foi um dos mais prejudicados pela projeção ruim. Tem tudo para ter uma dessas fotografia bem bonitas, com destaque para as paisagens. Gosto do quadro parado da casa, mas acho um pouco problemática a narrativa. Ainda assim, é bom de ver.
ENQUANTO CALAM-ME OS AGUDOS
Interessante como exercício de falar sobre várias coisas ao mesmo tempo este ENQUANTO CALAM-ME OS AGUDOS (2017), de Laís Perini, Laysa Elias e Letícia Bina. Das estrelas no céu ao feminismo, passando por uma reflexão sobre a cidade de São Paulo. Podia ser mais focado, mas vai ver a intenção era ser assim plural mesmo. Sabe lá.
LUTO
Interessante a construção da atmosfera e o poder de síntese de LUTO (2017), de Edu Camargo, um curta bem curto dividido em três atos explicitamente intitulados. Gosto da cena da escuridão tomando de conta. Na parte técnica, porém, há problemas de som. Às vezes não dá pra entender o que as personagens estão dizendo. Umas legendas ajudariam.
PERAMBULAÇÃO
Brincadeira divertida sobre um sujeito que quer se livrar dos pesadelos recorrentes e estranhos. Pena que a gente só percebe que é uma comédia lá pelo meio. Mas tá valendo. PERAMBULAÇÃO (2017), de Samuel Peregrino, é um dos mais divertidos do festival, se a intenção for fazer rir.
HABILITADO PARA MORRER
Por falar em fazer rir, o que é este HABILITADO PARA MORRER (2017), hein? Um sarro. O filme de Rafael Stadniki Morato Pedreira começa bem estiloso e com uns efeitos especiais bem interessantes, tentando emular filmes policiais. Depois sacamos que é uma comédia bem escancarada e que rendeu uma das melhores cenas de sua noite. Podia ser menos atrapalhado na narração, tendo tantos personagens pra dar conta. Mas acho que isso não era preocupação do realizador.
DUMMIES
Apesar de um tanto incômodo, DUMMIES (2017), de Bruno Barrenha, é um filme bem divertido e engraçado. A busca por humanização dos bonecos usados para testes de acidentes de automóveis é bem inventiva. Há umas passagens geniais, eu diria. Pena que é irregular.
OS ANOS 3000 ERAM FEITOS DE LIXO (QUANDO A DIGNIDADE DA RAÇA HUMANA SE AFOGOU NO CHORUME ESTÁTICO DA ARTE DA HIPOCRISIA)
Esse tinha torcida organizada e a porralouquice toma de conta. Para o bem e para o mal. OS ANOS 3000 ERAM FEITOS DE LIXO (QUANDO A DIGNIDADE DA RAÇA HUMANA SE AFOGOU NO CHORUME ESTÁTICO DA ARTE DA HIPOCRISIA), de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Ana All, é o tipo de filme que faz com que a gente pare de fazer anotações. Entenda isso como quiser. :)
TERREIROS
Embora seja bonito em algumas falas e cantos, falta foco em TERREIROS (2017), de Felipe Lovo e Maurício Santos . Não sabemos se é sobre a mãe de santo que foi para o Paraguai, sobre o orixá Exu ou sobre a cultura do candomblé em geral.
LAMBARI
O meu favorito do festival, embora não tenha sido o escolhido pelo júri. Acho que até a fotografia meio feia (ou era a projeção ruim, não sei) de LAMBARI (2016), de Rodrigo Freitas, contribui para o efeito de horror da lama tóxica que acabou com a rotina e a alegria de um senhor de uma cidadezinha. O filme tem as suas fragilidades, mas o diretor ainda compensa com o personagem principal cantando uma música do Lupicínio Rodrigues. Emocionante.
SINTERA
É triste ver essa movimentação bonita das ocupações nas escolas do ano passado não ter surtido efeito. Pelo menos não agora, já que o governo está fazendo o que quer nessas reformas do ensino. SINTERA (2017), o filme de Fellipe Farias, em si é um pouco sem força. Mas vale para lembrar de momentos mais esperançosos de nosso país.
MUROS
Criativa a ideia de pegar imagens do Google Earth para contar essa história do muro do Campus do Pici (UFC) que serve para afastar a universidade dos habitantes das imediações. MUROS (2016), de Pedro Palácio e Sunny Maia, procura meter o dedo na ferida do abismo de classes em Fortaleza e muitas vezes consegue.
FORA DE QUADRO
Um exemplo de filme com uma ótima ideia mas que renderia muito melhor se tivesse feito mais entrevistas e selecionado melhor seus personagens, esse FORA DE QUADRO (2016), de Txai Ferraz. A ideia de buscar memórias a partir de fotos e de dar espaço para a fala dos habitantes de um determinado lugar humilde do Recife é bem bacana. Lembra os pontos de partida de alguns filmes do Eduardo Coutinho. E gosto especialmente de uma das entrevistas.
VAZIO DO LADO DE FORA
É o mais sofisticado dos filmes exibidos (tanto que foi parar em Cannes), mas VAZIO DO LADO DE FORA (2017), de Eduardo BP, não me ganhou, embora valorize sua mise-en-scene e seu trabalho de direção de arte. Foi um filme bastante prejudicado pela projeção ruim da Caixa Cultural.
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