quinta-feira, outubro 30, 2008
O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II (The Godfather: Part II)
Faz mais de dois anos que eu fiz a revisão de O PODEROSO CHEFÃO (1972) e não imaginava que passaria esse tempo todo para ver a sua seqüência, O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II (1974), que havia visto pela única vez há cerca de vinte anos num Corujão na Rede Globo. Lembro que comecei a ver o filme na madrugada e, apesar da longa duração e de o filme contar com um andamento lento, eu não conseguia desligar a TV – na época ainda não contava com o conforto do videocassete em casa e não tinha esse negócio de deixar para ver o restante no dia seguinte. Da mesma forma, não achava que teria paciência de ver o filme todo de uma só sentada em DVD. Mas a obra-prima de Francis Ford Coppola é tão poderosa que termina o filme e a gente ainda fica sentado absorto, olhando os créditos do filme no final, admirado com o que acabou de ver e curtindo a bela música de Nino Rota.
Acredito que demorei tanto para rever o filme porque sabia que iria querer rever com os comentários em áudio do Coppola, gastando, portanto, mais três horas e vinte minutos do meu tempo. Mas a revisão com os comentários, eu pude fazer em três etapas e foi muito bom, aprendi muito sobre a produção. Com tanto tempo entre a primeira vez que vi o filme e essa segunda, obviamente era quase como se eu estivesse vendo o filme pela primeira vez. Algumas cenas permaneceram em minha memória, como a morte de Fredo Corleone no barco e o jovem Don Vito andando sobre os telhados de Nova York, mas a maior parte do filme ficou nublada em minha memória.
Interessante que inicialmente Coppola não queria fazer o filme, pois a experiência de dirigir o primeiro não havia sido muito agradável, com os executivos da Paramount na cola dele, enchendo o saco, contrariando até mesmo as suas escolhas para papéis fundamentais como Marlon Brando e Al Pacino. Então, para a segunda parte, o diretor disse que não dirigiria, mas que poderia produzir e convidar um talentoso jovem cineasta para a tarefa. Esse diretor seria ninguém menos que Martin Scorsese. Mas depois os produtores não quiseram mais outro, teria que ser ele mesmo e, dessa vez, ele poderia fazer qualquer exigência.
A primeira imagem do filme, do jovem Al Pacino, convertido agora a chefão, ao som da música familiar de Nino Rota pega o espectador de imediato. Mas o filme começa de verdade na Sicília, nos tempos da infância de Vito Corleone, quando ele teve que fugir depois de ver sua mãe assassinada por um chefão local, seguindo para os Estados Unidos no início do século, num tempo em que o país tinha uma abertura maior para os emigrantes, que foram quem afinal ajudaram a construir o país. E assim, o filme vai alternando as aventuras de Don Vito Corleone com a continuação do reinado do agora frio e perverso Michael Corleone. As cenas com Michael levam a maior parte da metragem do filme.
Interessante que as duas partes do filme flagram momentos históricos da História mundial, como por exemplo a cena em que Michael Corleone vê o presidente de Cuba anunciando sua renúncia numa noite de ano novo, para dar lugar aos revolucionários liderados por Fidel Castro e evitar mais derramamento de sangue. Algumas seqüências funcionam como homenagens ao primeiro filme, com a longa seqüência da festa de primeira comunhão do filho de Michael, Anthony. Assim como no primeiro filme, enquanto a festa rolava, ocorriam as tais reuniões privadas com o novo "padrinho".
Do primeiro filme, quase toda a turma retorna: Além de Al Pacino, temos de volta Robert Duvall, Diane Keaton, John Cazale, Talia Shire e até mesmo James Caan, o filho de Don Vito assassinado no primeiro filme, aparece. Só Marlon Brando que não quis participar do belo flashback final, mas Coppola acabou solucionando a ausência de Brando de maneira bem criativa.
E por falar em Brando, fantástico como Robert De Niro trouxe elementos sutis de sua personificação Don Vito para constituir o personagem jovem, em momento de construção de uma vida de crimes e de uma vida também a serviço da família. E, ao mesmo tempo em que Don Vito soube criar e manter unida a sua família, paralelamente, Michael vai destruindo a sua, ainda que tivesse a intenção de protegê-la. Tanto De Niro quanto Pacino foram indicados ao Oscar, mas só De Niro ganhou a estatueta, de ator coadjuvante.
O PODEROSO CHEFÃO – PARTE II é um filme muito mais ambicioso que o primeiro, até porque a Paramount deu toda a liberdade para Coppola fazer o que quiser. Assim, Coppola aproveitou e o filmou em locações em diversas cidades americanas e até fora do país como na Sicília e na República Dominicana, já que, por razões óbvias, não foi possível filmar em Cuba. Há muito a se falar sobre o filme, sobre como cada personagem tem papel fundamental para a trama, como Robert Duvall está excelente como o advogado da família, dando uma dignidade que se contrapõe à sujeira que é o negócio da máfia, como as tramas são cuidadosamente elaboradas ou como a cena da separação de Michael e Kay é dolorosa. Mas se eu for falar tudo que me lembro ou gosto do filme o texto vai ficar enorme, então paro por aqui e deixo meus respeitos a essa obra magistral e continuo na esperança do retorno de Coppola à boa forma.
quarta-feira, outubro 29, 2008
MORTE SÚBITA (Rogue)
A Austrália representa hoje – principalmente no que se refere às regiões menos populosas da enorme ilha - o que os Estados Unidos eram no passado: um lugar selvagem e perigoso, mesmo com praticamente todos os aborígenes tendo sido exterminados. E Mclean soube aproveitar isso, tanto em seu primeiro sucesso - WOLF CREEK - VIAGEM AO INFERNO (2005) – quanto neste novo trabalho, que no Brasil foi batizado de MORTE SÚBITA (2007), título que já havia sido usado para um filme estrelado pelo Van Damme. Mas isso não importa, o que importa é que o filme é uma beleza. Surpreendente. Dizer que é o melhor filme de crocodilo gigante jamais feito é só um palpite forte, já que a maioria dos filmes de crocodilos e jacarés gigantes são, digamos, de procedência duvidosa ou que sofrem de fortes restrições orçamentárias.
E só não comparo o enorme crocodilo gigante e o seu covil com cenas de O HOSPEDEIRO porque provavelmente eu estaria exagerando. Mas digamos que o filme sul-coreano pode ter inspirado MORTE SÚBITA. O fato é que muito da culpa da proliferação desses filmes de animais ferozes se deve ao sucesso de TUBARÃO. E no final dos anos 70 e início dos 80 houve uma avalanche de filmes B que tentaram faturar em cima do sucesso do filme de Spielberg.
Radha Mitchell, grande atriz que é, demonstra ter gostado de trabalhar em filme de horror depois de ter brilhado no excelente TERROR EM SILENT HILL e mais uma vez ajuda a valorizar o gênero nessa co-produção EUA-Austrália, assinada por Mclean. Se o filme não deixa o espectador com o sangue gelado como em WOLF CREEK, ele possui qualidades que até superam o trabalho anterior do diretor.
Em MORTE SÚBITA, Michael Vartan (da série ALIAS) é um escritor de artigos sobre turismo que perde sua mala no aeroporto de uma cidade da Austrália e que se junta a um grupo de outros turistas dentro de um barco, cuja capitã é Radha Mitchell. O principal atrativo do passeio para os turistas são os crocodilos, que conseguem nadar a uma velocidade espantosa e têm um bote mais rápido ainda. O passeio vai bem até o momento em que um dos turistas vê uma luz, provavelmente, um sinalizador. Eles resolvem ir até lá, um território que não faz parte do itinerário e o barco é atacado pelo crocodilo gigante, ficando todos os passageiros presos numa ilhota prestes a ser coberta pela maré. Não é preciso dizer que isso é só o começo do terror e do desespero que o monstro gigante vai trazer. Falar mais é estragar as boas surpresas que esse filme vai proporcionar. Só complemento que, diferente de O HOSPEDEIRO, que entrega o visual do monstro logo em uma de suas primeiras cenas, MORTE SÚBITA segue a cartilha de Spielberg (TUBARÃO, JURASSIC PARK), demorando um bom tempo para mostrar o bichão, o que eu achei uma decisão acertada.
terça-feira, outubro 28, 2008
ÚLTIMA PARADA 174
ÔNIBUS 174, o documentário que José Padilha e Felipe Lacerda realizaram em 2002, já deixou muito espectador admirado com sua linguagem jornalística, dando um tom de desespero à estrutura do filme. Já ÚLTIMA PARADA 174 (2008), como previsto, até por ter sido dirigido por Bruno Barreto, não foge muito do academicismo e do filme de interpretações. Como um filme em que a narrativa é o principal interesse, em seu sentido formal, não se pode dizer que o filme decepciona. Há um bom cuidado no trabalho com os atores, que realmente estão muito bem, e um interesse mais forte no aspecto familiar e social. Barreto, depois de ter visto o documentário de Padilha, ficou fascinado pela história e desejoso de saber mais sobre quem era Sandro, o jovem que parou o país por algumas horas depois de ter seqüestrado um ônibus e de ter provocado reações ensandecidas na população, que certamente queria sangue, depois que ele atira em uma de suas reféns, numa troca de tiros com a polícia.
O recurso adotado por Bruno Barreto e pelo roteirista Bráulio Mantovani é inteligente: ligar as histórias dos dois Alês: o Sandro, que recebeu o apelido de Alê e por isso mesmo é confundido com o filho de uma mãe que perdeu o filho para os traficantes e depois se converteu em evangélica, e o Alessandro, ou Alê Monstro, o verdadeiro filho dessa mulher, que se torna um bandido de rua, depois da vida que teve. O que ele aprendeu com o seu suposto pai foi que "a gente não pede, a gente toma" e por isso tem uma visão moral distorcida e nociva para a sociedade.
Lembro que quando eu assisti o documentário de Padilha, o que mais me deixou tocado foi a cena do enterro de Sandro, que teve apenas a sua suposta mãe como presente. No fim das contas, as mães são quem mais sofrem com esses filhos rebeldes e que se tornam deliqüentes. Foi mais ou menos o que aconteceu quando eu vi CARANDIRU, de Hector Babenco, tendo me solidarizado com o sofrimento das mães dos detentos. Sandro, apesar de começar o filme como uma criança normal e inocente, tem sua vida modificada quando sua mãe é esfaqueada e morta num assalto e ele passa a viver com a tia, para depois deixar a sua casa e ir em busca da morte no Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa cuja carta de apresentação para ele, no que se refere aos contatos sociais, é um grupo de garotos cheiradores de cola que moravam na rua, perto de um chafariz na Candelária, local que se tornaria nacionalmente (ou talvez mundialmente) famoso devido à terrível chacina que faria história.
No fim das contas, temos mais um filme que faz refletir sobre a triste realidade daqueles que não têm o privilégio de terem uma educação e um meio social que os favoreça, embora, no fim das contas, como mostrado em CIDADE DE DEUS, de Fernando Meirelles, há sempre um momento em que o sujeito tem a chance de seguir um outro caminho. No caso de ÚLTIMA PARADA 174, isso se mostra representado principalmente através da personagem de Walquiria, a líder de uma ONG que tem como objetivo tirar as crianças das ruas e oferecê-las uma educação minimamente adequada. Infelizmente, nem sempre as escolhas que as pessoas fazem são as melhores. E gosto de pensar que ÚLTIMA PARADA 174 é também um filme sobre escolhas.
segunda-feira, outubro 27, 2008
MEU IRMÃO É FILHO ÚNICO (Mio Fratello È Figlio Unico)
Interessante notar o quanto a Itália tem uma forte tradição em tratar de temas políticos, que o digam os grandes exemplares do gênero nos anos 70, e como se pode mais uma vez se comprovar no belo MEU IRMÃO É FILHO ÚNICO (2007), de Daniele Luchetti. Como se tem notado, o cinema italiano há tempos vem passando por uma crise criativa e uma falta de grandes diretores novos. Os melhores filmes italianos surgidos nos últimos anos são de diretores da geração sessentista, como Marco Bellocchio e Bernardo Bertolucci, que curiosamente também trataram de política em seus últimos trabalhos (BOM DIA, NOITE e OS SONHADORES). Só de vez em quando que surgem filmes interessantes como esse.
Mas o que eu estou querendo dizer, ou apenas supor, é que eu acredito que o povo italiano foi - e é - muito mais politizado que o povo brasileiro. É muito comum vermos filmes brasileiros tratando da ditadura militar e da resistência e isso pode passar uma impressão para as novas gerações de que toda a geração que viveu nos tempos da ditadura estava de alguma maneira envolvida com aquilo, quando na verdade o que existia era uma quase que completa ignorância na sociedade com o que estava de fato acontecendo. O fato de o Brasil ser um país bem maior e de que os meios de comunicação eram censurados também contribuiam para isso.
Na Itália, a situação era um pouco diferente, já que o país havia passado por uma guerra cruel, que dividiu o país entre extremistas de direita, os fascistas, e os de esquerda, os comunistas. MEU IRMÃO É FILHO ÚNICO trata desse assunto, abordando-o com certa leveza e pondo o contexto político mais como pano de fundo para o relacionamento entre dois irmãos de uma típica família italiana. Por típica, quero dizer, dessas em que todo mundo fala alto, fica gritando e dando pontapés e porradas uns nos outros. (Falo isso com todo o respeito que eu tenho para com os nossos irmãos carcamanos, que são mais parecidos nesse aspecto com a gente do que os portugueses.)
O protagonista é Accio, o irmão caçula que começa o filme estudando para ser padre num seminário, mas que resolve sair depois que se deixa levar pelas tentações da carne, através de uma foto de uma bela moça que o seu irmão mais velho trouxe para ele. E haja masturbações à noite. E ele se sentia depois culpado e contava para os padres, que achavam aquilo normal. Aí depois de ver a hipocrisia dentro do seminário, ele resolve voltar para casa, mas devido à influência da igreja, ele já havia criado uma simpatia pelo fascismo, já que os comunistas eram anti-cristãos. Assim, ele se filia a um partido fascista e fica de briga com o irmão mais velho, que é comunista e organizador de greves na fábrica onde trabalha. Para aumentar ainda mais a disputa entre os irmãos, surge a linda Francesca, interpretada por Diane Fleri, um nome que deve ser anotado, pois a menina é realmente encantadora, com um sorriso lindo. E como o filme é contado pelo ponto de vista do irmão mais novo, temos a tendência a torcer por ele ou pelo menos partilhar um pouco de sua dor de estar apaixonado pela namorada do irmão e não poder fazer muita coisa, a não ser agüentar a tristeza e o gancho no coração. E é graças a esse aspecto emocional que o filme conquista o espectador, apesar de eu também ter gostado de ver e aprender um pouco mais sobre esse contexto sócio-político da Itália nos anos 60.
domingo, outubro 26, 2008
MEU FILHO É MEU RIVAL (Come and Get it)
Depois do entusiasmo de DUAS ALMAS SE ENCONTRAM (1935), vem a decepção de MEU FILHO É MEU RIVAL (1936), filme quase que inteiramente dirigido por Howard Hawks, mas depois concluído por William Wyler. O que mais me deixou incomodado no filme foi o tom excessivamente melodramático da versão antiga de "Love me Tender", cuja versão original é mais antiga do que eu imaginava. Trata-se de "Aura Lee", uma canção triste dos tempos da Guerra Civil americana. E o filme não se contenta em mostrar Frances Farmer cantando-a duas vezes no saloon: depois ela canta de novo e o filme ainda utiliza a música como fundo musical dezenas de vezes. Acho que não vou querer ouvir o Elvis cantando essa música tão cedo.
Claro que há muito de Hawks em MEU FILHO É MEU RIVAL, afinal, ele mesmo admitiu que o filme foi quase todo dirigido por ele, mas houve uma série de contratempos que fez com que ele largasse a produção. Principalmente as interferências do produtor Samuel Goldwin. Aliás, foi a primeira vez que eu vi um filme em que o último nome apresentado nos créditos iniciais é o do produtor. Samuel Goldwin, nesse sentido, devia ser tão controlador quanto David O. Selznick, que também tem essa fama e com quem Hawks já havia trabalhado e não gostado nada durante as filmagens de VIVA VILLA! (1934). Em VIVA VILLA!, aliás, o nome de Hawks é sequer creditado. Então, não dá pra saber qual dos dois produtores era mais carrasco e control freak. O que se nota é que havia, naqueles anos 30, um embate muito forte entre produtor e diretor. Não que ainda não haja, mas depois da "política dos autores", os produtores talvez tenham começado a acreditar que o verdadeiro "dono" do filme é afinal o diretor.
E raramente esses filmes onde os produtores demitem diretores a torto e a direito dão certo. Talvez E O VENTO LEVOU (do Selznick) seja um dos raros casos em que as coisas funcionaram bem no produto final. No caso de MEU FILHO É MEU RIVAL, porém, que apesar de tudo tem os seus momentos, e que eu ainda pretendo destacar, é um exemplo de como esse tipo de embate pode prejudicar o resultado final. E para aqueles que gostam do filme, quero dizer que uma das suas principais qualidades é a semelhança com UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock, uma das obras mais influentes da história do cinema. Fico imaginado se o mestre do suspense não foi influenciado pela estória desse filme.
Na trama, que começa em fins do século XIX, Barney Glasgow (Edward Arnold) é um cortador de árvores de uma indústria de papéis que detém uma sincera amizade com Swan, seu colega de trabalho interpretado por Walter Brennan (Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel). Os dois conhecem Lotta (Frances Farmer), uma jovem e bela mulher em um saloon da fria cidade onde eles estão trabalhando, e Barney, como tinha um espírito de tomador, leva a mulher para si. Ela fica apaixonada por ele, mas depois de um tempo ele a abandona para se casar com a filha do dono da empresa onde trabalha. Ela, triste e desamparada, aceita se casar com Swan, que também a amava. Passados vinte anos e já no início do século XX, Barney, agora um empresário milionário da indústria de papel, recebe uma carta do amigo do passado e resolve visitá-lo. O que o deixa surpreso e obcecado é que a filha de Swan se parece muitíssimo com a mãe, Lotta, então morta. Pra completar, o pai ainda a batizou com o mesmo nome. Assim, Frances Farmer tem papel duplo no filme. Barney resolve, então, levar a família de Swan para Chicago, com a intenção de ficar com a jovem pra ele. No fim das contas, quem acaba atrapalhando seus planos é o próprio filho (Joel McCrea, um galã da época), que fica logo encantado com a beleza da moça. E como ela também cai de amores pelo rapaz, tudo leva a crer que ele leva mais vantagem na disputa com o pai. A estória apresenta similaridades com as tramas de O TUBARÃO e DUAS ALMAS SE ENCONTRAM. Nos três filmes, os homens mais velhos e perversos acabam perdendo a mulher para rapazes jovens de coração puro.
No que se refere aos bastidores do filme, conforme li no capítulo destinado ao filme do livro "Howard Hawks: The Grey Fox of Hollywood", de Todd McCarthy, soube que o papel duplo de Lotta quase pertenceu a Miriam Hopkins, a belíssima moça de DUAS ALMAS SE ENCONTRAM. Porém, vendo um musical da Paramount, Hawks se encantou por Frances Farmer. Assinado o contrato, Hawks chegou a visitar com ela as ruas cheias de prostitutas de Los Angeles para que Farmer obtivesse inspiração para o papel da dançarina de saloon. Quem acabou a inspirando foi uma garçonete de bar que serviu como modelo para a personagem. Quanto às desavenças entre Hawks e Meyer, a história é grande demais para ser contada aqui, mas devido ao atrito, William Wyler assumiu o filme até onde a produção havia parado. A meia hora final do filme é mais parecida com os filmes de Wyler, mais enfeitados, com uma maior ênfase na decoração dos espaços e no sentimentalismo. Mas acredito que Wyler também influenciou na montagem final, já que nem mesmo as seqüências iniciais têm a cara de Hawks, que raramente faz filmes tão açucarados.
P.S.: Saiu o trailer do novo Clint Eastwood, GRAN TORINO!! Uau!! The old Clint is the man! O filme estréia nos Estados Unidos em dezembro e deve aportar nos nossos cinemas no começo do ano que vem.
sexta-feira, outubro 24, 2008
FEAR ITSELF - SKIN AND BONES
E eis que FEAR ITSELF entra em hiato, deixando no ar uma ótima impressão. SKIN AND BONES (2008), o episódio dirigido por Larry Fessenden, é aterrorizante e me deixou curioso para conhecer a obra do diretor. Lembro que o Renato havia me falado do seu interesse pela obra do diretor de WENDIGO (2001, acredito eu, inédito no Brasil) e COLAPSO NO ÁRTICO (2006, lançado em DVD pela Imagem). Fiquei tão entusiasmado com SKIN AND BONES que senti necessidade de conhecer também esses filmes de Fessenden, já que ele foi responsável pelo melhor episódio da antologia até o momento.
SKIN AND BONES apresenta um prólogo no mínimo instigante, que não entrega do que o filme tratará. Vemos uma casa isolada, próxima de uma montanha fria, e um jovem que deseja sair a cavalo em busca de seu pai que partiu já há alguns dias e não deu notícia. O irmão desse homem desaparecido não permite que ele arrisque sua vida e que aguarde mais um pouco. Em questão de minutos, o pai do garoto aparece, magro, fraco e com um aspecto muito sinistro. Diferente da grande maioria dos episódios – lembro especialmente de COMMUNITY, de Mary Harron -, SKIN AND BONES não utiliza uma trilha sonora constante que antecipa o medo ou algo ruim prestes a acontecer. O filme se beneficia dos uivos dos ventos e dos sons naturais, o que acaba tornando tudo mais interessante.
O melhor (ou pior, depende do ponto de vista) estaria por vir quando a família passa a ficar muito preocupada com o estado do homem, que chega com uns olhos arregalados, um aspecto cadavérico e as pontas dos dedos e das orelhas totalmente pretos. Não se sabe o que aconteceu na montanha, mas logo adiante esse homem falará, deitado na cama sobre o seu encontro com um wendigo. Ao que parece, Fessenden retoma o tema de seu filme mais conhecido e se sai muito bem. Pode até ser que ele esteja se repetindo, já que eu não vi os trabalhos anteriores do diretor, mas visto em separado, SKIN AND BONES é um poderoso filme de horror que traz um personagem tão horripilante quanto o Nosferatu de Murnau. Se você tiver que escolher para ver apenas um entre os episódios exibidos de FEAR ITSELF, escolha SKIN AND BONES sem medo. Ou com medo, se for o caso.
Abaixo, segue meu ranking de FEAR ITSELF (até o momento):
1. SKIN AND BONES, de Larry Fessenden
2. EATER, de Stuart Gordon
3. NEW YEAR’S DAY, de Darren Lynn Bousman
4. FAMILY MAN, de Ronny Yu
5. IN SICKNESS AND IN HEALTH, de John Landis
6. COMMUNITY, de Mary Harron
7. THE SACRIFICE, de Breck Eisner
8. SPOOKED, de Brad Anderson
Ficam faltando os episódios dirigidos por Ernest Dickerson, John Dahl, Rupert Wainwright, Rob Bowman e Eduardo Rodriguez. Não tenho informações de quando (ou se) a série voltará ao ar.
quinta-feira, outubro 23, 2008
ESPELHOS DO MEDO (Mirrors)
Os espelhos têm algo de misterioso, enigmático e já foram utilizados bastante durante a história do cinema, em especial em filmes de terror. Há, inclusive, um velho clichê do gênero que costuma mostrar um personagem olhando para o espelho de um banheiro e logo em seguida aparece a figura de um serial killer, um fantasma ou um monstro. Mesmo cineastas que não estão diretamente ligados ao gênero têm uma fixação por espelhos, como é o caso, por exemplo, de Brian De Palma e Tinto Brass, que os incorporaram em suas obras de maneira bastante enfática. Não sei se já falei aqui, mas o único filme brasileiro que me meteu medo foi ESPELHO DE CARNE, de Antonio Carlos da Fontoura (em especial em sua seqüência final), que mostrava um espelho que mudava o comportamento de quem dele se aproximava. No cinema de horror, lembro de ter ficado impressionado com os espelhos cobertos com panos, mostrados em PRELÚDIO PARA MATAR, de Dario Argento. Muito sinistro. O fato é que os espelhos até hoje são utilizados para rituais de magia e afins por quem é interessado ou chamado para esse caminho. Não se trata apenas de conto de fadas apresentados em filmes como BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES.
O pouco apreciado e muito malhado ESPELHOS DO MEDO (2008), segundo trabalho do francês Alexandre Aja em Hollywood, saiu melhor do que a encomenda pra mim, que esperava, ao ver o trailer, mais um filme de horror bem genérico e excessivamente influenciado pelo horror oriental, como OS MENSAGEIROS, dos irmãos Pang. Inclusive, Aja nem podia fugir muito disso, já que ESPELHOS DO MEDO é refilmagem do coreano ESPELHOS (2003), de Sung-ho Kim, lançado em DVD no Brasil pela Europa. Como não vi o original, não tenho como estabelecer critérios de comparação, mas diria que Aja foi bastante feliz em seu trabalho, oferecendo momentos de real terror, como as cenas escuras que se passam dentro do prédio incendiado - cujos espelhos permaneceram intactos apesar do incêndio – e, principalmente, na cena da banheira, que pra mim é o ponto alto do filme no quesito horror.
Na trama, Kiefer Sutherland – esforçando-se para sair um pouco do estigma de Jack Bauer – é um ex-policial que sofreu um trauma depois que matou um homem que o levou ao alcoolismo e, conseqüentemente, à perda de sua família. Necessitando de um emprego, ele aceita o trabalho de vigia noturno de um prédio incendiado, que era no passado um hospital psiquiátrico. Seu relacionamento com a ex-esposa não anda muito bem e ela fica irritada quando o vê em sua casa para ver as crianças sem ter avisado antes. As coisas pioram bem mais quando os espelhos do tal prédio em chamas passam a perturbar a já não muito saudável mente do ex-detetive. O filme tem um final memorável e uma atmosfera de terror que não deixa ninguém dormir. Eu, sinceramente, não entendi a saraivada de críticas negativas que o filme ganhou. Fica parecendo às vezes que os críticos combinam entre si qual filme deve ou não ser respeitado ou execrado. Mas esse é um outro assunto, de natureza muito polêmica de que não quero me estender. Quanto a Alexandre Aja, ele continua sendo um diretor que respeito, só acho que ele deveria não ficar "se especializando" em refilmagens, enquanto estiver trabalhando em Hollywood. Depois de VIAGEM MALDITA (2006) e desse ESPELHOS DO MEDO, ele vem aí com uma versão em 3-D de PIRANHA, o clássico B de Joe Dante.
quarta-feira, outubro 22, 2008
EXORCISMO NEGRO / O EXORCISMO NEGRO
Continuando a peregrinação pelos filmes de José Mojica Marins, chegamos a um dos mais importantes filmes de sua carreira: EXORCISMO NEGRO (1974), o primeiro filme que ele fez sem preocupação com dinheiro, sem ter que ficar catando pedaços de negativo do lixo ou pedindo ajuda aos amigos. Dessa vez, a produção ficou a cargo do endinheirado Aníbal Massaini Neto, mais conhecido por produzir pornochanchadas e alguns filmes de Walter Hugo Khouri. O filme foi feito na esteira do sucesso de O EXORCISTA nos cinemas. A intenção de Mojica e Massaini era lançar o filme exatamente no mesmo dia da estréia do longa-metragem de William Friedkin no Brasil. Naquela época, o terror passou a ser um gênero mais respeitado pelo público e parecia um momento ideal para trazer de volta o Zé do Caixão.
Antes desse filme, Mojica havia realizado o western feijoada D’GAJÃO MATA PARA VINGAR (1972) e a pornochanchada A VIRGEM E O MACHÃO (1974), que dirigiu por encomenda e não quis "sujar" o nome, assinando com o pseudônimo J. Avelar. EXORCISMO NEGRO começa bem e a premissa do filme é criativa, embora a idéia de explorar a própria fama já houvesse sido utilizada em RITUAL DOS SÁDICOS (1969), cujos planos de exibição foram frustrados pela censura. O filme começa com Mojica, interpretando a si mesmo, recebendo a imprensa para falar de seu recente sucesso na Europa.
O Mojica do filme é um sujeito intelectual, que discute sobre parapsicologia e Arthur Conan Doyle, fuma cachimbos e bebe do melhor numa casa de campo toda chique, onde se hospeda para ver se encontra idéias para um novo filme, já que estaria sofrendo de bloqueio criativo. Uma das frases que ele diz na coletiva de imprensa, quando perguntado quem é mais importante: José Mojica Marins ou o Zé do Caixão, é: "claro que é José Mojica Marins. Zé do Caixão não existe." Provavelmente para se vingar do seu criador, a casa de campo passa a ser aterrorizada por fenômenos sobrenaturais. O primeiro a ser possuído por uma entidade maligna é o personagem de Jofre Soares, que sofre um delírio e ataca Mojica. Logo depois, outras pessoas também são possuídas e outros fenômenos ocorrem, como cadeiras andando sozinhas pela casa, livros sendo arremessados contra Mojica, entre outras coisas. Há também uma subtrama envolvendo um pacto que a mulher do dono da casa havia feito com uma bruxa no passado para ter uma filha e a promessa de que quando a criança crescesse teria que casar com Eugênio, interpretado por Adriano Stuart, também creditado como um dos roteiristas. Inclusive, a não-inclusão do nome de Rubens Luchetti nos créditos deixou o roteirista bastante chateado.
Como, por causa do atraso da censura para liberar o filme, Massaini não conseguiu fazer com que EXORCISMO NEGRO estreasse no mesmo dia de O EXORCISTA, Mojica aproveitou as enormes filas que se formavam para ver o filme mais aguardado do ano e se vestiu de Zé do Caixão, dizendo que americano não sabia nada de diabo, que quem sabe de diabo era brasileiro etc. E ainda deu entrevistas xingando o filme gringo, encontrando defeitos no trabalho de Friedkin. Com toda essa publicidade, EXORCISMO NEGRO rendeu um bom dinheiro. Enquanto isso, a vida privada de Mojica passava por problemas. Ele começou a beber muito nessa época depois que suas outras duas mulheres (Maria e Rosita) ameaçaram-no de não deixá-lo mais ver as crianças. E com tanta bebedeira, Nilce, sua mulher mais fiel e presente, até quis se separar, depois que ele, bêbado, deu um soco em seu nariz, tendo sido socorrida por Mário Lima que chegou a empurrar o amigo com um pontapé. Mojica ficou desesperado com a possibilidade da separação e implorou para que ela não o deixasse, tornando-a sócia de uma produtora que fundaria: a Produções Cinematográficas Zé do Caixão, cujo primeiro filme a sair da fornada seria A ESTRANHA HOSPEDARIA DOS PRAZERES (1976).
P.S.: Agradecimentos ao amigo Renato Doho, que gravou esse filme do Canal Brasil pra mim há séculos, no tempo em que a gente ainda trocava filmes em fitas VHS. Foi bom poder reutilizar o meu videocassete, que já devia estar se sentindo desprezado. :)
terça-feira, outubro 21, 2008
CORRIDA MORTAL (Death Race)
E continua a fase de vacas magras no circuitão. É sempre assim nos meses que antecedem as mostras internacionais do Rio e de São Paulo. Há perspectivas de melhoras a partir de novembro. Enquanto isso, a gente vai aturando, com alguma boa vontade, filmes como este CORRIDA MORTAL (2008), de Paul W.S. Anderson, livremente baseado no filme B CORRIDA DA MORTE – ANO 2000 (1975). Uma das qualidades deste novo exemplar é que há mais dinheiro para quebrar mais carros e explodir mais coisas.
Até que eu gosto de cenas de batidas de carro. Mas eu prefiro aquelas que pegam a gente de surpresa, que geralmente acontecem em filmes de horror. Do jeito que elas são mostradas em CORRIDA MORTAL, com o tempo vai ficando tudo banal, muito barulho por nada. Um dos aspectos interessantes do filme é mostrar os Estados Unidos no futuro, passando por uma crise braba, como se o país tivesse voltado aos tempos da Grande Depressão e onde as redes de televisão aproveitam para angariar fundos com os torneios sangrentos realizados, já que as prisões passaram a ser gerenciadas por empresas privadas. Nesses torneios, os pilotos têm toda a liberdade, aliás, têm o dever, de bater no carro do outro e a morte faz parte do espetáculo. Nesse sentido, o filme é quase profético, em tempos de bancos americanos quebrando, bolsas de valores em queda vertiginosa e redes de televisão cada vez mais desesperadas com os downloads de séries e conseqüentes quedas de audiência.
Nesse cenário, sem perder muito tempo, o prólogo mostra, em poucos minutos, a dificuldade financeira do personagem de Jason Stathan, quando, ao levar os poucos trocados que ganha para casa, tem sua esposa assassinada e é levado como culpado para uma penitenciária. Como ele já foi um piloto de corridas famoso no passado, o fato de ele substituir o mascarado Frankenstein faz com que ele suspeite de que ele está ali no presídio por intervenção da diretora, interpretada por Joan Allen, a grande vilã do filme. A corrida é dividida em três etapas, como num videogame, e os corredores dirigem ao lado de co-pilotos, em sua maioria, mulheres gostosas com trajes que valorizam os decotes, que serve como maneira de o filme se tornar mais apelativo para a platéia masculina. Pena que a adrenalina não corra solta no filme, que é esquecido rapidinho assim que saímos do cinema. Por enquanto, os melhores da curta filmografia de Paul W.S. Anderson continuam sendo RESIDENT EVIL: HÓSPEDE MALDITO (2002) e O ENIGMA DO HORIZONTE (1997).
segunda-feira, outubro 20, 2008
DUAS ALMAS SE ENCONTRAM (Barbary Coast)
Numa semana onde prevaleceram filmes medíocres ou que não me agradaram, embora tivessem algo de bom, uma obra subestimada de Howard Hawks salvou minha semana. DUAS ALMAS SE ENCONTRAM (1935) é um filme esquecido ou pouco comentado de Hawks. Nem o próprio cineasta gostou, conforme disse quando perguntado a respeito na entrevista para Peter Bogdanovich contida no livro "Afinal, Quem Faz os Filmes". O próprio Bogdanovich, aliás, perguntou a ele sobre o filme como se fosse um trabalho realmente esquecível ("Você se lembra de BARBARY COAST?"). E, no entanto, o filme é uma delícia de ver, com uma protagonista que é um arquétipo das mulheres hawksianas: independentes, fortes, sensuais e obstinadas.
Assim é Mary Rutledge, a personagem de Miriam Hopkins, que na época estava tão bela que lembra muito a Kate Hudson. E imaginem uma mulher linda daquelas aparecendo numa San Francisco em processo de construção, no final do século XIX, quando a região se tornou povoada de homens em busca de ouro. As ruas ainda não estavam pavimentadas, então era lama por todos os lados e a principal diversão dos homens era a bebida e os cassinos. Mary Rutledge chegou lá em busca de um homem com quem iria se casar; não por amor, mas pelo dinheiro. Ela buscava na verdade um milionário. Logo que desembarca na cidade, porém, recebe a notícia de que o sujeito havia morrido. Em vez de pegar o navio e voltar para Nova York, Mary decide ficar e usar de sua beleza para subir na vida naquela cidade suja, arranjando outro milionário para bancá-la.
É aí que entra o personagem de Edward G. Robinson, num papel bem mais crível do que o português "capitão gancho" de O TUBARÃO (1932). Ele é um homem inescrupuloso, dono não apenas do cassino da cidade, mas, com seu poder, dinheiro e crueldade, é o dono de San Francisco. Nem os xerifes nem a imprensa conseguem detê-lo. Robinson, que na época já havia assimilado a persona perversa de um gângster, assim que põe os olhos na bela Mary a toma para si. Ou pelo menos, tenta negociar com ela uma espécie de contrato. O negócio não resulta muito bem para ele, já que a mulher sempre arranja uma maneira de se desviar dele na hora do sexo e fica trabalhando no cassino. A reviravolta acontece com a entrada em cena, na segunda metade do filme, do personagem de Joel McCrea, uma espécie de poeta, que também veio de Nova York em busca do ouro, mas encontra o verdadeiro ouro ao se deparar com Mary numa noite chuvosa. O encontro dos dois mudará o modo de perceber a vida da jovem e mexerá com o coração de ambos.
DUAS ALMAS SE ENCONTRAM traz em cena um dos coadjuvantes mais simpáticos da filmografia de Hawks, Walter Brennan, que sempre faz o papel do velho desdentado e engraçado, que hoje é mais lembrado por sua participação na obra-prima ONDE COMEÇA O INFERNO (1959), embora, entre esses dois filmes, ele tenha trabalhado com Hawks em mais quatro outros títulos. Na época de DUAS ALMAS SE ENCONTRAM, ele não era tão velho, tanto que Hawks conta que ao vê-lo com dentadura e bem vestido não o reconheceu. Walter Brennan ganharia o Oscar de ator coadjuvante pelo filme seguinte de Hawks, MEU FILHO É MEU RIVAL (1936), o próximo que verei do diretor.
sábado, outubro 18, 2008
QUINTETO (Quintet)
A idéia de ver QUINTETO (1979) foi mais para fazer uma homenagem tardia a um dos maiores astros do cinema, Paul Newman (1925-2008), que nos deixou em setembro último. Eu acreditava que não tinha nenhum filme estrelado por ele no meu acervo. Depois foi que me lembrei que tinha o DVD de BUFFALO BILL (1976), coincidentemente, também dirigido por Robert Altman (1925-2006) e ainda para ser visto. Interessante notar que tanto o ator quanto o diretor nasceram no mesmo ano, em datas próximas. O astro, se não fosse o câncer no pulmão, que mata rapidinho, teria ficado mais tempo entre nós. Coloquei QUINTETO à frente de minhas prioridades quando o vi estampado como destaque no site makingoff.org, talvez o melhor fórum para se baixar filmes do Brasil, tudo com legenda em português-br. Acredito que QUINTETO não chegou a ser lançado em DVD no Brasil. Falha da Fox.
Trata-se de uma obra bem estranha. Uma ficção científica pessimista, na qual a Terra se transforma numa espécie de geladeira e onde pessoas fazem jogos cujo único prêmio é permanecer vivo. Nesse jogo, seis pessoas jogam, uma escapa, as outras cinco serão mortas por alguém que será incumbido da tarefa. Paul Newman é um forasteiro que chega a esse lugar onde acontecem esses torneios em busca do irmão e acaba se envolvendo numa teia de intriga e mortes que acontecem de maneira tão fria quanto o gelo que envolve o planeta, a fotografia esbranquiçada que às vezes parece estar congelando nos cantos, e a própria direção de Altman, que parece gostar de frio, vide um de seus melhores trabalhos, o western QUANDO OS HOMENS SÃO HOMENS (1971).
Um dos destaques de QUINTETO é o elenco globalizado: além de Newman (americano), temos a presença do italiano Vittorio Gassman, do espanhol Fernando Rey, da sueca Bibi Anderson e da francesa Brigitte Fossey (essa, eu confesso que eu não conheço, mas como ela desempenha um papel importante, julguei também ser importante mencioná-la). Isso para ficar apenas entre os nomes mais conhecidos do elenco, já que há gente da Dinamarca, da Inglaterra, da Índia, do Canadá, da República Tcheca... As locações foram em Montreal, no Canadá, provavelmente durante um inverno bem pesado. Talvez a intenção de Altman ao utilizar um elenco tão multinacional seja o de mostrar que todos estavam no mesmo barco ali, o planeta inteiro estava prestes a atingir o seu fim, já que a comida se tornava cada vez mais escassa e as focas, que eram uma fonte de alimento até alguns anos, foram se tornando cada vez mais raras. (Se bem que faltaram representantes dos negros, dos orientais e dos árabes se a gente for levar isso em consideração.)
No que se refere ao cinema de Robert Altman, confesso que ainda sou devedor de seus filmes. Dizem que ele foi um dos grandes na década de 70 e eu um dia procurarei confirmar isso com calma, aos poucos, pois só conheço praticamente os filmes dos anos 90-2000. O fato é que esse filme em particular me causou mais sono do que interesse, apesar de ter uma trama bem enigmática e toda própria. Quem sabe no próximo, eu acerto. De qualquer maneira, fica aqui, minha homenagem ao grande Paul Newman. E uma promessa de retomar à filmografia de Altman.
sexta-feira, outubro 17, 2008
NOITES DE TORMENTA (Nights in Rodanthe)
Talvez os problemas dos romances americanos que se utilizam de fórmulas das comédias românticas ou do melodrama seja justamente o fato de que eles utilizam fórmulas. NOITES DE TORMENTA (2008), estrelado por Richard Gere e Diane Lane, tem muitas semelhanças com BODAS DE PAPEL, de André Sturm. No entanto, o exemplar brasileiro, que conta quase a mesma estória, resolveu beber da fonte dos diretores franceses e fez um filme muito mais sensível, poético e mais capaz de despertar emoções.
O momento, por exemplo, em que Richard Gere beija pela primeira vez Diane Lane, em um trabalho melhor e mais sensível, resultaria numa explosão de sensualidade, numa liberação de tensões como a que pode ser vista em filmes do quilate de um ANTES DO AMANHECER. Por mais que Gere e Lane sejam charmosos e bonitos e que formem um belo par de amantes maduros, o diretor de televisão e estreante nos cinemas George C. Wolfe não soube como fazer um trabalho suficientemente emocionante. Acho que o único momento que quase me levou às lágrimas foi o diálogo final entre a personagem de Diane Lane e sua filha, interpretada por Mae Whitman, a garota que faz o papel da filha do terapeuta na série IN TREATMENT.
A trama é um pouco batida - médico com um trauma recente encontra numa pousada de praia uma bela mulher carente e separada do marido e os dois se apaixonam -, mas a locação do filme é uma maravilha e a idéia da tormenta, bem como a cena em que a tempestade chega, é muito boa, causa boa impressão. Vale lembrar que Diane Lane alcançou o estrelato tardiamente, com um filme ao lado de Richard Gere, INFIDELIDADE (2002), de Adrian Lyne, que muita gente torce o nariz, mas que me agradou bastante. James Franco interpreta o filho de Richard Gere no filme, numa participação pequena.
quarta-feira, outubro 15, 2008
FEAR ITSELF - COMMUNITY
Mary Harron, diretora de EU MATEI ANDY WARHOL (1996) e PSICOPATA AMERICANO (2000), tem trabalhado pouco no cinema e tem sido vista dirigindo esporadicamente um ou outro episódio de algumas boas séries de televisão como THE NINE, THE L WORD, A SETE PALMOS, BIG LOVE e OZ. Provavelmente por causa de PSICOPATA AMERICANO no currículo, a diretora foi parar no elenco de diretores de FEAR ITSELF com COMMUNITY (2008), estrelado pelo "Superman" Brandon Routh.
A trama de COMMUNITY guarda algumas semelhanças com VAMPIROS DE ALMAS (e seus três remakes), entre outros filmes que mostram sociedades estranhas e que guardam segredos, como O HOMEM DE PALHA (e seu remake, O SACRIFÍCIO). Há também um clima perturbador à BEBÊ DE ROSEMARY. Afinal, por que a comunidade insiste tanto para que o casal engravide logo? Na trama, Routh e Shiri Appleby formam um jovem casal que deseja mudar de vida. Ela quer muito engravidar e não consegue. Ao saber de um condomínio localizado no subúrbio, ela fica logo interessada em recomeçar uma nova vida e persuade o marido, que faz o possível para agradá-la. Apesar de o lugar ser muito chique para os seus padrões, eles, estranhamente, são logo aceitos pela comunidade, que se comporta de maneira estranha e excessivamente simpática e calorosa para com os novos moradores. Aos poucos, eles vão percebendo que há algo de bizarro naquele aparente exemplo de perfeição em sociedade.
COMMUNITY poderia ser melhor, mas tem o mérito de prender a atenção e consegue em muitos momentos ser instigante, afinal, o espectador quer saber qual o mistério. Entretanto, o final, que se pretende chocante, não alcança o efeito provavelmente desejado. Depois desse episódio, fica faltando apenas mais um para ser visto, entre os que já foram exibidos na televisão americana. E aparentemente não se sabe quando a série vai retornar. Pelo menos, não consta no site www.tv.com a data de exibição do nono episódio. E falando em série de televisão, não é oficial ainda, mas acho que desisti de FRINGE. Os episódios estão muito ruins. Uma mistura mal feita de ARQUIVO X com LOST e HEROES. Bola fora de J.J. Abrams. Nisso, a gente vê que o sucesso de LOST se deve muito mais à dupla Lieber e Lindelof, que foram quem afinal assumiram a série, depois de sua partida.
terça-feira, outubro 14, 2008
AS DUAS FACES DA LEI (Righteous Kill)
O encontro de Al Pacino e Robert De Niro no mesmo filme é sempre um acontecimento. Pena que AS DUAS FACES DA LEI (2008), dirigido por um cineasta sem personalidade como Jon Avnet e com um roteiro esquemático e previsível, não honre a tradição do encontro dos dois astros. Na verdade, tanto Pacino quanto De Niro estão carentes de grandes filmes em suas carreiras recentes. Talvez os últimos grandes filmes da carreira dos dois tenham sido RONIN (1998) e O INFORMANTE (1999). Os anos 2000 não foram muito generosos com os astros. Talvez os fãs da dupla não fiquem irritados se eu disser que a melhor coisa de AS DUAS FACES DA LEI é a presença de Carla Gugino. Na pele de uma policial que namora o personagem de De Niro e adora um sexo mais violento, ela nunca esteve tão bela e sexy. Melhor que isso, só se o filme explorasse mais a intimidade dos dois. Acho que agora vou valorizar mais a sua presença quando ela aparecer em ENTOURAGE. Mas para quem é fã dos dois atores (afinal, quem não é?), o bom é que nenhum outro filme os mostra tantas vezes no mesmo quadro. Afinal, ambos interpretam velhos policiais parceiros, prestes a se aposentar.
O filme começa com um estranho relato em preto e branco de De Niro sobre quando e como começou a matar e como isso foi se tornando um prazer. Depois, numa edição um pouco mal arrumada, o filme descreve o momento em que os dois agem de maneira ilegal, de modo a incriminar um sujeito que merecia ser preso. Esse é o único momento em que os dois agem com cumplicidade, mas é um momento que mais na frente será de fundamental importância para que um dos dois mude seu jeito de ver a justiça. Ambos são encarregados de resolver o caso de um serial killer que mata as pessoas (geralmente criminosos) e cujo modus operandi é sempre deixar um bilhete com uma poesia barata. A coisa começa a pegar quando o personagem de John Leguizamo chega com a teoria de que o assassino só pode ser um policial e de que o principal suspeito seria mesmo o personagem de Robert De Niro. Também no elenco, 50 Cent (creditado como Curtis Jackson) no papel de um gângster e o veterano Brian Dennehy como o chefe da divisão.
O filme sofre com uma edição que às vezes nos deixa perdidos temporalmente e com interpretações pouco esforçadas de De Niro e Pacino, talvez por saberem que estavam fazendo um trabalho pouco especial. Ou por não conseguirem mais sair do piloto automático que suas personas foram adquirindo com o tempo. Diria que dos dois, o que está melhor ainda é De Niro, até porque Pacino pegou o papel mais ingrato dos dois e não sei se ele poderia fazer milagre naquele final constrangedor. E o roteiro é do mesmo sujeito que fez UM PLANO PERFEITO, do Spike Lee, que eu nem gostei muito, mas que foi bastante elogiado pela crítica e pelos fãs. Ainda assim, acredito que um grande diretor (um Mann, um De Palma, um Scorsese) faria toda a diferença. Jon Avnet não tem feeling para trabalhar o suspense e a violência. E o resultado é esse prato morno para se comer só quando a fome bater.
segunda-feira, outubro 13, 2008
CANÇÕES DE AMOR (Les Chansons d'Amour)
Enquanto o cinema americano, que tem uma tradição muito maior no gênero musical, está decrépito, em franco declínio (por mais que algumas pessoas ainda curtam musicais à moda antiga como CHICAGO, SWEENEY TODD: O BARBEIRO DEMONÍACO DA RUA FLEET e DREAMGIRLS – EM BUSCA DA FAMA), na Europa, tem-se notado uma renovação no gênero, que vem utilizando canções pop, bem mais agradáveis aos ouvidos do público atual, como foi o caso do irlandês APENAS UMA VEZ e desse belíssimo filme de Christophe Honoré. O trabalho anterior de Honoré, EM PARIS (2006), já havia terminado com os personagens cantando. Em CANÇÕES DE AMOR (2007), Honoré assume de vez o musical e o resultado é esplêndido. Cantadas pelo próprio elenco, as canções são maravilhosas, cheias de genuino sentimento, tão belas que dá vontade de fazer o download da trilha sonora.
O roteiro foi escrito por Honoré a partir das canções já existentes, escritas pelo amigo Alex Beaupain, que as compôs em homenagem à sua namorada que morreu. E sim, eu já entreguei com essa última frase que, por mais que o filme comece alegre e cheio de vida, acontece uma tragédia envolvendo um dos personagens logo no final do primeiro ato. CANÇÕES DE AMOR é dividido em três atos entitulados: "A Partida", "A Ausência" e "O Recomeço". Ainda sobre o compositor das músicas, vale destacar que Beaupain é colaborador de Honoré desde seu primeiro longa-metragem – 17 FOIS CÉCILE CASSARD (2002), inédito no Brasil.
O filme inicialmente acompanha a rotina extravagante de um relacionamento a três, um assumido ménage à trois entre um rapaz (Louis Garrel) e duas jovens moças bonitas (Ludivine Sagnier e Clothilde Hesme, de AMANTES CONSTANTES). A relação vai transcorrendo normalmente, embora haja de vez em quando sentimentos de ciúme da parte dos três. Até que um dia um dos três morre e o filme vai se tornando um musical trágico. Depois dessa surpreendente guinada, o protagonista sofre com a ausência da pessoa amada, e o filme passa para o espectador até mesmo aquele sentimento de negação que normalmente acontece com mortes inesperadas. O personagem de Louis Garrel passa a lidar com a perda da pessoa amada de maneira estranha, tentando se esquivar, sempre que possível, da família dela. Inclusive, na família, há a irmã da personagem de Ludivine Sagnier, interpretada por Chiara Mastroianni.
Outro personagem de destaque e que passa a ser de fundamental importância para a estória a partir do segundo ato é o homossexual persistente vivido por Grégoire Leprince-Ringuet. A presença do personagem e o final do filme podem causar certo desconforto para o público hetero, já que o filme vai se tornando mais gay. Ainda assim, apesar de não ter ficado satisfeito com os rumos do personagem de maior identificação do filme, deve-se dar o devido crédito à coragem de Honoré em fazer um trabalho sempre ousado e cheio de surpresas, sem abrir mão das já costumeiras homenagens à Nouvelle Vague – a figura do casal na cama lendo livros - eternizado por DOMICÍLIO CONJUGAL, de Truffaut - aparece divertidamente no início do filme, com os três namorados lendo livros na cama.
Legal que pelo andar da carruagem, Honoré vai se tornar o cineasta cuja obra descobrirei num intervalo de tempo relâmpago. Ao final do ano, devo ter visto pelo menos quatro filmes do diretor. Seu novo trabalho, LA BELLE PERSONNE (2008), será exibido no Festival Varilux de Cinema Francês desse ano. Além do mais, consegui com um amigo uma cópia em DVD de MA MÈRE (2004). E se tomar gosto mesmo, de repente eu até procuro trabalhos inéditos dele na internet.
P.S.: Vi o filme em cópia digital e agora me veio à cabeça a dúvida: essas cópias digitais têm quantos Gigas de tamanho? Teriam uma capacidade maior que a de um disco de blu-ray? Se é assim, por que a imagem não fica tão boa, fica escura? Aparelhagem ruim? Má configuração?
domingo, outubro 12, 2008
SUPREMA CONQUISTA (Twentieth Century)
Depois de se desentender com Louis B. Mayer por não ter total controle da produção VIVA VILLA! (1934), Howard Hawks resolveu pedir umas férias de vinte dias da MGM. Tempo suficiente para que ele dirigisse e produzisse e ainda agendasse uma sessão de testes para SUPREMA CONQUISTA (1934), a comédia que revolucionaria o jeito de se fazer humor na década de 30. O filme foi o pioneiro das screwball comedies. E sabendo disso, acabei por me decepcionar um pouco com o resultado do filme, mas acho que me incomodei mesmo foi com a presença de John Barrymore. Eu já não havia gostado dele no papel de Mercuccio em ROMEU E JULIETA, de George Cukor, e nesse filme de Hawks, ele parece estar o tempo todo num teatro, desempenhando de maneira exagerada alguma peça de Shakespeare. E por mais que ele tenha sido admirado como ator na época, seu jeito de atuar não me agradou e hoje eu vejo SUPREMA CONQUISTA apenas como um ensaio para o que Hawks, McCarey e outros diretores da época fariam de bom nas screwball comedies. Hawks ainda faria duas pérolas do gênero: LEVADA DA BRECA (1938) e JEJUM DE AMOR (1940), ambos com Cary Grant no papel principal. Esse sim, foi um ator ideal para as comédias de Hawks, mais azeitadas e realmente engraçadas.
SUPREMA CONQUISTA, por mais que eu tenha gostado e que admita que seja um bom filme, é uma produção um pouco estragada pela presença de cena, praticamente o tempo inteiro, de Barrymore. Gosto mais da primeira parte do filme, antes de Carole Lombard largar o diretor de teatro louco e possessivo (Barrymore) e embarcar no tal trem que dá nome ao título original. Nessa primeira parte, a presença mais constante de Lombard torna o filme mais agradável e gostei do início, com Barrymore se esforçando para transformar uma modelo em atriz de teatro. Depois que ele a transformou em estrela, tentou usar meios pouco nobres para manter a mulher presa sentimentalmente a ele, seja dramatizando exageradamente que iria pular da janela do prédio se ela saísse, seja usando de outro tipo de chantagem emocional para aquebrantar o coração da pobre moça.
A partir do momento em que o filme se desloca para o trem, onde se desenrolará a maior parte da estória e onde vemos o divertido personagem de um protestante fanático que fica colando às escondidas em todos os lugares do trem adesivos com os dizeres "arrependam-se". Esse e mais outros dois loucos barbudos que se dizem fãs do diretor de teatro são algumas das figuras que passam pelo filme de modo a tornar o humor mais maluco, quase como num desenho animado ou numa comédia de Buster Keaton ou Charles Chaplin. Isso se tornaria ainda mais forte nas comédias seguintes de Hawks, mas tudo começou aqui. Por mais que tenha havido improvisação nas cenas entre Barrymore e Lombard, os diálogos sobrepostos eram uma novidade e um avanço na já famosa rapidez de cenas e diálogos que já marcavam o cinema de Howard Hawks, desde quando ele começou a fazer cinema falado.
quinta-feira, outubro 09, 2008
FINIS HOMINIS (O FIM DO HOMEM)
Entrando em sintonia com a Revista Zingu!, que está fazendo um dossiê super-caprichado sobre o trabalho de José Mojica Marins, continuo minha peregrinação pela obra de Mojica. Ou pelo pouco que consegui dentro de sua vasta e irregular filmografia. Não sei como a turma que escreveu sobre os filmes na Zingu! conseguiu tanto material raro.
Depois de ter feito um trabalho de encomenda intitulado SEXO E SANGUE NA TRILHA DO TESOURO (1972), Mojica resolveu voltar a fazer um trabalho autenticamente seu. Daí veio a idéia para FINIS HOMINIS (1971), que apresenta um personagem que é o oposto de sua mais famosa criação: o Zé do Caixão. Finis Hominis é o nome de um misterioso homem que sai pelado de dentro do mar e passa a mudar a vida das pessoas por onde passa. A primeira maravilha operada por Finis acontece quando ele aparece nu na casa de uma senhora que está numa cadeira de rodas e ela se levanta assustada, o que os pescadores da região acreditam se tratar de um milagre. Em seguida, com sede, entra numa igreja e bebe o vinho consagrado pelo padre, que vê esse ato como sendo uma heresia e diz "finis hominis", o termo em latim que ele ouve e adota como seu nome.
Nesse fiapo de roteiro, escrito pro Mojica e R.F.Lucchetti, a solução encontrada foi encher o filme de situações que mostrariam o tal Finis como um ser superior, ou acima da maior parte dos mortais. Até o estilo hippie de viver, tão apregoado na década de 70, é posto à prova quando ele joga um saco cheio de moedas para os hippies, que recebem o dinheiro com avidez e alegria e se revelam tão capitalistas e materialistas quanto o sistema a quem eles dizem negar. No meio da trama, há também lugar para uma "Maria Madalena" e até para um "Lázaro", confirmando a intenção de Mojica de fazer um personagem próximo de Jesus.
Por falta de verba, o filme foi realizado com negativos em cores e em preto e branco, bem como com sobras de filmes. Nos comentários em áudio, Mojica conta que o preço do negativo colorido era três vezes o valor do negativo em preto e branco. E as sobras de filmes em preto e branco – alguns trechos do filme são claramente riscados e de tonalidades diferentes das demais – eram oito vezes mais baratas. Para a maior parte das cenas em preto e branco, Mojica usou tom sépia para disfarçar o contraste com o colorido. Para a cena da procissão, onde uma multidão de pessoas segue Finis pelas ruas, Mojica teve a manha de filmar uma procissão de uma santa, às escondidas, com medo de que a polícia pegasse a sua equipe em flagrante. Carlão Reichenbach (que é creditado nos créditos apenas como "Carlão") aparece no filme no papel de um médico. Andrea Bryan, a jovem que fez a cena do strip-tease em RITUAL DOS SÁDICOS (1969), aparece em FINIS HOMINIS como uma mulher que chifra o marido impotente, fazendo sexo anal com o personagem de Mário Lima. Fazer sexo anal é a única coisa que a faz chorar. Inclusive, uma das cenas mais polêmicas do filme é a cena de sexo em pleno velório do marido.
Apesar disso tudo, de parecer divertido, FINIS HOMINIS não me empolgou e me pareceu mesmo o já alertado começo da decadência de Mojica como diretor. Uma pena que depois de uma obra impressionante como RITUAL DOS SÁDICOS, que nem pôde ser exibida na época por causa da censura, Mojica tenha "perdido a mão". Além disso, ele passou por uma série de dificuldades financeiras. E mesmo quando ele acreditava que estava finalmente com sua vida em ordem, filmando ao mesmo tempo FINIS HOMINIS e sua continuação, QUANDO OS DEUSES ADORMECEM (1973), Mojica acabou se dando mal, quando, com o dinheiro que conseguiu com a venda dos direitos da continuação, gastou com uma perua que ele nem precisava. Comprou para ajudar o amigo Mário Lima, que também estava endividado. A perua só durou três dias e logo o motor pifou. Mojica deixou-a num estacionamento durante alguns meses, tanto tempo que ele acabou por dar a perua para o dono do estacionamento em troca da dívida. Pra completar, ele ainda foi processado por um rapaz que disse ter trabalhado com ele e não ter recebido dinheiro. Por causa disso, Mojica estava no zero novamente. Perguntado qual seria o seu filme preferido, o cineasta afirmou ser FINIS HOMINIS, para ele, uma obra incompreendida. Ele acredita ser, como afirmou Leon Cakoff em crítica sobre o filme na época do lançamento, uma obra feita trinta anos antes de seu tempo.
O documentário presente como extra do filme é o média-metragem DEMÔNIOS E MARAVILHAS (1976-1987), um trabalho autobiográfico iniciado pouco antes de Mojica se reerguer com DELÍRIOS DE UM ANORMAL (1978). Foi uma fase bastante difícil para Mojica, onde ele teve que lidar com a morte do pai e um enfarto. O documentário contém cenas reais e cenas dramatizadas e também mostra um momento de alegria para o diretor, que aconteceu quando ele soube que O ESTRANHO MUNDO DE ZÉ DO CAIXÃO (1968) foi premiado no Festival Internacional do Cinema Fantástico e de Horror em Sitges, na Espanha. Ele nem sabia que o filme havia sido inscrito e ficou felicíssimo com a notícia. Foi o começo do descobrimento do trabalho do diretor no exterior. DEMÔNIOS E MARAVILHAS estava até então inédito em cinema e em vídeo no Brasil, tendo sido lançado somente nos Estados Unidos, em vídeo, em 1996.
O DVD ainda conta com trechos de 5ª DIMENSÃO DO SEXO (1984), de Mojica e Mário Lima, e A DAMA DE PAUS (1985), de Mário Vaz Filho, um pornô da Boca do Lixo estrelado por Débora Muniz, onde Mojica faz uma ponta como um pastor bêbado que, durante o culto, sempre está escondendo uma garrafa de cachaça debaixo do púlpito. Os "especiais" são fracos: clipes de abraços para Mojica, um clipe da Liz Vamp e um making of da trilha de comentário. Os entrevistados da edição são: Satã, que comenta o longo tempo que trabalhou com Mojica como guarda-costas e de como o considera um pai, chegando a ficar até com os olhos marejados; Crounel Marins, filho do Mojica, que conta de como sofrieu preconceito na escola quando criança, quando as outras crianças achavam que ele era filho do Zé do Caixão; Mariliz Marins, a Liz Vamp, que tentou seguir os passos do pai e criou uma personagem que seria a filha do Zé do Caixão com uma vampira européia (não deu muito certo, mas parece que ela insiste); Dona Conceição, tia do Mojica, que fala da infância do cineasta e até de antes da infância, dos tempos em que ela e o marido moravam com os pais de Mojica num cinema; a prima Lourdes, que fala de quando descobriu que o pequeno Mojica enganava as outras crianças fazendo cineminha de mentira, usando uma caixa, bonecos e marionetes e já se mostrava bastante inventivo desde pequeno; e, finalmente, R.F. Luchetti, que fala do fato de que a idéia para FINIS HOMINIS era da criação de uma série de tevê para a Bandeirantes que não deu muito certo e daí se transformou em dois filmes para cinema. Quanto a Mojica, na sua seção em separado de entrevistas, dessa vez, a ele é perguntado o que pensa sobre as religiões e qual a sua visão de Deus.
quarta-feira, outubro 08, 2008
BUSCA IMPLACÁVEL (Taken)
De vez em quando tem-se a impressão de que a salvação do cinema de ação ocidental está na mão dos cineastas europeus. Um bom exemplo disso foi o recente REFÉM, de Florent Emilio-Siri. Que, aliás, foi tão subestimado pela crítica quanto este ótimo e empolgante "filme de resgate", dirigido pelo novato na direção Pierre Morel. Antes de BUSCA IMPLACÁVEL (2008), ele havia dirigido apenas o thriller B13 - 13º DISTRITO (2004), lançado em dvd no Brasil e meio perdido nas prateleiras das locadoras. Eu, pelo menos, quando vou à locadora, diante de tantas opções já "garantidas", não costumo me aventurar na prateleira dos filmes de ação e deixo passar, assim, algumas pequenas pérolas. O que pode ser o caso do francês B13 - 13º DISTRITO.
BUSCA IMPLACÁVEL (esses títulos genéricos são ruins e fáceis de a gente se esquecer) é também uma produção francesa com o nome de Luc Besson como um dos produtores e roteiristas, mas que pode se passar facilmente como uma produção americana, já que é falado em inglês e conta com um time de protagonistas americanos. Na trama, o personagem de Liam Neeson costumava trabalhar como uma espécie de espião do Governo americano que atualmente encontra-se aposentado. Quando trabalhava para o Governo, não tinha tempo para se dedicar à família, que acabou perdendo. Agora tenta recuperar o tempo perdido, pelo menos no que se refere ao tempo com sua filha adolescente (Maggie Grace, de LOST). Durante esse período, ele perdeu a esposa (Famke Janssen) para um milionário e vive sozinho e melancólico, sendo às vezes animado pelos amigos, que agora trabalham como guarda-costas de celebridades.
O trailer do filme já entrega do que se trata: sua filha, em viagem para Paris, é raptada por um grupo de albaneses que utilizam as jovens seqüestradas para serem drogadas e se tornarem prostitutas ou serem vendidas em leilões quase tão bizarros quanto aqueles mostrados em O ALBERGUE 2. E embora BUSCA IMPLACÁVEL não seja sangrento como o horror de Eli Roth, o filme não economiza na violência dos atos do pai, que se mostra um "Rambo" na coragem e na habilidade para lidar com vários homens ao mesmo tempo. E um ator tão bom quanto Liam Neeson ajuda a passar um pouco mais de credibilidade e interesse para a platéia. Como eu vi o filme depois de ter saído do trabalho, havia grandes chances de eu dar umas cochiladas. Felizmente, não foi o caso de BUSCA IMPLACÁVEL, que, ao contrário, me deixou ligadão. Impressionante como se fica animado com as cenas de ação e os atos do protagonista se tornam tão pessoais para o espectador quanto são para o próprio personagem. BUSCA IMPLACÁVEL é uma bela surpresa que merece ser conferido, de preferência nos cinemas. O negócio é ignorar as críticas preconceituosas de gente que não aprecia filmes de ação (de vingança, resgate, vigilante etc) e se divertir com esse empolgante trabalho.
P.S.: Fazendo um update depois de algumas horas de ter postado. É que essa informação tem que ser passada. A Zingu! está fazendo 2 anos e, para comemorar, a edição desse mês foi totalmente feita em homenagem a José Mojica Marins, um dos nossos maiores cineastas. Eu também dei minha colaboração na sessão de artigos, falando sobre os extras da Coleção Zé do Caixão, mas a edição desse mês está tão recheada de nomes ilustres como colaboradores especiais que é de dar gosto e se eu for citar o nome de todos aqui não vai adiantar muito. O melhor mesmo é ir lá e conferir esse belo trabalho que a dupla Matheus Trunk e Gabriel Carneiro fizeram com todo o carinho. Tem entrevistas, críticas de quase todos os filmes de Mojica, diversos depoimentos e artigos e até links do youtube. É muito material coletado e muito texto de qualidade escrito. Mojica merece. E parabéns ao time!!
terça-feira, outubro 07, 2008
ALBERT LAMORISSE EM DOIS FILMES
Provavelmente o sucesso de A VIAGEM DO BALÃO VERMELHO, de Hou Hsiao-hsien, no Festival de Cannes do ano passado fez com que o mundo voltasse os olhos para o quase esquecido trabalho pré-nouvelle vague O BALÃO VERMELHO (1956), de Albert Lamorisse. Talvez até mais marginalizados que os curtas-metragens, os médias-metragens são até um pouco mais complicados de serem exibidos no cinema. Mas a exemplo do que ocorreu quando da exibição de ANTOINE E COLLETE, de François Truffaut, que foi exibido com outro curta do cineasta, OS PIVETES, O BALÃO VERMELHO teve sua exibição possibilitada por conta da inclusão na programação de outro curta de Lamorisse - ou média, não sei até quantos minutos o filme pode ser considerado curta ou média -, o também premiado, O CAVALO BRANCO (1953). Assim, a distribuidora Pandora disponibilizou para o circuito alternativo esse programa duplo bem interessante que me fez descobrir um pouco da curta obra de um cineasta que até então eu não tinha sequer lido a respeito. Em texto de Luiz Carlos Merten, Lamorisse foi chamado de "o poeta da infância".
O BALÃO VERMELHO (Le Ballon Rouge)
Pascal, o personagem interpretado pelo próprio filho do diretor, é o astro desse colorido e belo filme sobre um garoto que se encanta por um balão vermelho que ele encontra no caminho da escola. Mesmo depois que os adultos tentam barrar a passagem de seu novo brinquedo (no ônibus elétrico ou na escola), o balão fica do lado de fora esperando, com a fidelidade de um cachorrinho. O belo colorido do filme é tão empolgante quanto os efeitos utilizados para fazer com que o balão se comporte não como um objeto, mas como algo com vida. E o diretor leva isso às últimas conseqüências até o final, poético e enigmático. Alguns dizem que o filme é sobre altruísmo e sacrifício (da parte do balão), mas pode ser também sobre o modo como as pessoas, mesmo as que se tornam superiores, são discriminadas pela sociedade: o menino, assim que adquire esse balão que tem vontade própria, passa a ser perseguido pelos outros meninos invejosos, que tentam raptar o balão vermelho de Pascal.
O CAVALO BRANCO (Crin Blanc: Le Cheval Sauvage)
Li por aí que Truffaut não era fã do trabalho de Lamorisse, o que me deixou até surpreso, a julgar pelo modo como ele respeita e vê com freqüência o ponto de vista das crianças e dos adolescentes em seus filmes. Independente de Truffaut gostar ou não da obra de Lamorisse, seus filmes guardam elementos em comum. Em O CAVALO BRANCO, temos uma estória que, assim como O BALÃO VERMELHO, tem pouquíssimos diálogos e se beneficia muito mais das imagens, sendo herdeira direta do cinema mudo – assim como também foi o maior diretor de comédias do cinema francês, Jacques Tati. No entanto, O CAVALO BRANCO tem um narrador, que funciona como um elo de ligação para as crianças. Talvez não mais as crianças dos dias de hoje, que provavelmente não tenham paciência de ver o filme, mas nota-se que a narração tem aquele tom de pai ou mãe contando uma estória para criança dormir. Nessa estória, há um cavalo branco selvagem, o Crina Branca, que se recusa a ser dominado pelos homens. Um garoto, admirado pela beleza e pela força de Crina Branca, tenta domá-lo. E consegue via amor. O cavalo se afeiçoa ao garoto, que em vez de batê-lo violentamente como os homens, trata-o com carinho. O filme, se não tem uma beleza e uma força poética tão forte quanto a de O BALÃO VERMELHO, tem o seu valor e faz um elogio à rebeldia, coisa bastante ousada para um trabalho que também pode ser direcionado ao público infantil.
segunda-feira, outubro 06, 2008
VIDAS SECAS
É muito raro quando um cineasta consegue ser bem sucedido na transposição de uma obra literária para as telas. Principalmente quando se trata de uma obra já consagrada, como o romance "Vidas Secas", de Graciliano Ramos. Se bem que a obra de Graciliano já flertava um pouco com o cinema, utilizando-se, por exemplo, de onomatopéias para descrever o som das sandálias de couro de Fabiano e Sinhá Vitória, para que imaginássemos esse som e o silêncio sepulcral ao fundo. E seguindo esse caminho, Nelson Pereira dos Santos fez um VIDAS SECAS (1963) tão seco quanto a prosa do livro, tanto que praticamente não há trilha sonora, apenas o som ambiente, dos pássaros, dos galhos secos das árvores, do som da cachorra, além dos poucos diálogos. Além da música-ambiente em algumas seqüências, a única música que ouvimos é algo parecido com um lamento indígena, que se ouve no início e no fim do filme, que dá um ar de circularidade, ao mostrar a família sempre em estado de fuga. Fuga da seca e da fome e em busca sempre de um lugar melhor.
A família se compõe de um casal, Fabiano (Átila Iório) e Sinhá Vitória (Maria Ribeiro), dois filhos pequenos e a cachorra Baleia, animal que é creditado no filme e tem a força de aquebrantar o coração do espectador, mais até do que os próprios intérpretes, até por eles representarem pessoas endurecidas pela vida difícil. Como visto recentemente em CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, de Marcelo Gomes, a fotografia de VIDAS SECAS aparece estourada. Como a fotografia, sob os cuidados de Luiz Carlos Barreto, é em preto e branco, esse recurso estilístico se destaca ainda mais. No começo, a família encontra uma casa vazia, aparentemente abandonada por uma família que resolveu emigrar. Fabiano e sua família se estabelecem por lá até a chegada do dono, um coronel interpretado por Jofre Soares, que os bota pra correr de lá, mas que, devido aos apelos de Fabiano, aceita-o como boiadeiro. Um dos destaques do filme é o uso do fluxo de consciência dos personagens numa cena que mostra Fabiano e Sinhá Vitória falando para a tela os seus pensamentos sobre a vida com suas vozes se sobrepondo. Seqüência muito interessante e ajuda a enriquecer ainda mais esse belo trabalho. Também gosto muito da cena do menino perguntando para a mãe o que é o inferno.
Marco do cinema novo e fortemente influenciado pelo neo-realismo italiano, VIDAS SECAS teve grande repercussão internacional, sendo a seqüência mais memorável, sem dúvida, a da morte da cachorra Baleia, que se constitui o ápice do filme. Inclusive, quando o filme foi exibido no Festival de Cannes, boa parte do público pensou que a produção havia realmente matado a cachorrinha. E muita gente ficou feliz ao vê-la sendo apresentada junto com o elenco, tendo sido aplaudida como uma estrela!
Há outras histórias curiosas sobre as filmagens de VIDAS SECAS, como o fato de Nelson não ter conseguido realizar o filme em 1959, no sertão baiano. Ao chegar lá, estava chovendo, e ele, meio que de improviso, acabou dirigindo outro filme: MANDACARU VERMELHO (1961). Depois, ele se mandou para a cidade onde morava Graciliano Ramos, no interior de Alagoas. Chegando lá, as filmagens não davam certo, tudo dava errado. Até o dia em que um dos atores do filme caiu no chão e numa espécie de transe afirmou ser o espírito do próprio Graciliano, pedindo que rezassem uma missa para ele. Nelson achou estranho, principalmente pelo fato de que Graciliano era ateu, mas acabou rezando essa missa e tudo depois deu certo.
Como adquiri o livro "Nelson Pereira dos Santos", de Helena Salem - que é mais um a engrossar a minha coleção de biografias e de livros sobre cinema -, em breve saberei mais detalhes sobre a realização desse filme e de todos os demais do cineasta.
quinta-feira, outubro 02, 2008
PELÍCULAS PARA NO DORMIR – LA HABITACIÓN DEL NIÑO
Da pequena antologia para a tevê espanhola PELÍCULAS PARA NO DORMIR, só havia visto PARA ENTRAR A VIVIR, por causa do meu particular interesse pela filmografia de Jaume Balagueró, mas como consegui os demais curtas e estava precisando apurar meus ouvidos para a prova auditiva de espanhol que vou fazer no próximo sábado, achei por bem pegar este LA HABITACIÓN DEL NIÑO (2006), apesar de não ser exatamente um apreciador da filmografia de Álex de la Iglesia. Tenho há tempos para ver em casa O DIA DA BESTA (1995), considerado por muitos o seu melhor trabalho, mas até agora não surgiu o momento de assistí-lo. Dos quatro filmes de Iglesia que vi, o meu favorito continua sendo A COMUNIDADE (2000). Ao que parece, sua filmografia é um pouco irregular e algumas pessoas entram no clima de certos filmes que eu sinceramente não vejo muita graça, caso de AÇÃO MUTANTE (1993), o primeiro longa-metragem do diretor.
LA HABITACIÓN DEL NIÑO, se é um trabalho mais convencional do diretor, é um dos melhores e mais aterrorizantes filmes de la Iglesia, que já trafegou por outros gêneros, mas todos sabem que o cinema de horror é o seu eixo. Provavelmente la Iglesia se torne mais popular nos próximos anos, já que ele anda fazendo uns trabalhos falados em inglês, como THE OXFORD MURDERS (2008), estrelado por Elijah Wood, John Hurt e Leonor Watling, protagonista de LA HABITACIÓN... junto com Javier Gutiérrez. Leonor, pra quem não se lembra ou não sabe, é a jovem bailarina que está em coma na obra-prima de Almodóvar, FALE COM ELA.
Em LA HABITACIÓN DEL NIÑO, o casal formado por Gutiérrez e Leonor está se mudando para uma casa grande. Os dois têm um filho de poucos meses de idade e, para evitar a preocupação e o incômodo de ter de se levantarem para ver se o bebê está bem, resolvem comprar alguns aparelhos eletrônicos para se certificarem de que a criança não está chorando ou algo parecido. O que eles não imaginam é que a casa é mal-assombrada. A primeira cena do sujeito aparecendo no vídeo ao lado do bebê é de arrepiar, entre outras do filme. La Iglesia aproveita bem a trama já tão batida de fantasmas e adiciona elementos novos e recursos inteligentes para tornar o filme sempre interessante.
quarta-feira, outubro 01, 2008
OS DESAFINADOS
Uma pena que um cineasta tão importante quanto Walter Lima Jr., com um passado glorioso e uma filmografia por vezes brilhante, tenha retornado com um filme tão cheio de falhas como OS DESAFINADOS (2008). Depois de ter feito dois belos e estranhos trabalhos nos anos 90 – O MONGE E A FILHA DO CARRASCO (1994) e A OSTRA E O VENTO (1997) – o cineasta ficou um pouco perdido na virada do século, tendo se aventurado com uma não muito bem sucedida co-produção com a Itália no drama UM CRIME NOBRE (2001). Esse longo hiato talvez não tenha feito muito bem para Lima Jr., que parece ter perdido a mão nesse novo trabalho. Não me refiro ao estilo de dramaturgia pré-retomada, coisa que até me agrada, passa um ar de agradável anacronismo, mas a diversos pontos e escolhas tomadas pelo diretor.
Tento não me incomodar com dublagens, mas às vezes isso chega a incomodar a apreciação de um filme. Ouvir, por exemplo, a voz de Selton Mello dublando seu personagem maduro não deixa de ser muito estranho. E não gostei da opção de substituição da voz original de Cláudia Abreu pela voz da filha do diretor nas cenas cantadas. Tudo bem que Claudiinha não é uma cantora profissional e talvez não tenha mesmo técnica suficiente para ser a cantora no filme, mas eu achei tão bonito vê-la cantando "Como é grande o meu amor por você", de Roberto e Erasmo Carlos, em O CAMINHO DAS NUVENS que lamentei o fato de não poder ouví-la cantar novamente. Mesmo assim, é graças à personagem dela e ao personagem de Rodrigo Santoro que o filme se sustenta em alguns momentos. Não é difícil entender o coração de Joaquim (Santoro), dividido entre sua esposa vivendo no Brasil (Alessandra Negrini) e a jovem cantora aventureira com passagem nos Estados Unidos (Cláudia Abreu). Não apenas porque as duas atrizes são de uma beleza fantástica, mas porque Santoro desempenha essa divisão e essa paixão por Glória (Cláudia Abreu) de forma tão convincente quanto tocante. Quem já teve o coração dividido sabe o quanto é duro lidar com esse sentimento cruel e que é sintetizada na frase em que Joaquim diz, com olhos marejados, ao seu colega Davi (Ângelo Paes Leme): "Eu amo a Luiza (Negrini), mas estou apaixonado por Glória".
Outra fraqueza do filme está nas seqüências que mostram os personagens no presente. Já citei aqui o problema da dublagem na voz do personagem mais velho de Selton Mello, mas todas essas cenas passadas no presente bem que poderiam ser totalmente excluídas do filme. Não só não fariam falta como tornariam o trabalho mais redondo e bonito. Só bastaria arranjar um final, mas aí qualquer bom roteirista encontraria um meio para solucionar esse problema. Mas como não sou eu o dono do filme, e se Walter Lima Jr. preferiu optar pela nostalgia, apesar dos sérios problemas políticos da época, é responsabilidade dele tornar esse sentimento próximo do palpável para o público. Agora aquele final ridículo, nem toda a versatilidade e técnica de Santoro conseguiram dar uma melhorada nessa seqüência, que foi motivo de riso na sessão em que estive. Para o bem do filme, é melhor deletar essas cenas e as demais do presente da memória e nos lembrarmos apenas da estória de amor de Joaquim e Glória, que em alguns momentos, principalmente na seqüência em que eles se encontram pela primeira vez num lugar arborizado e agradável, chega a lembrar alguns filmes franceses da Nouvelle Vague. Curiosamente, o filme não deixa espaço para Selton Mello roubar a cena, como normalmente acontece. Por mais que o personagem dele fosse o mais próximo do que seria um elo de identificação com os cinéfilos, pelo fato de ele ser um aspirante a cineasta, citando Antonioni e Rossellini de vez em quando, o modo como ele é mostrado no filme é caricato demais para convencer.
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