segunda-feira, abril 30, 2012
ESPELHO, ESPELHO MEU (Mirror, Mirror)
Resolvi encarar este ESPELHO, ESPELHO MEU (2012) apenas para depois fazer uma comparação com BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR, que será lançado em breve e que promete ao menos ser um pouco melhor. Mas nem é preciso muito esforço para ser melhor. Tarsem Singh nem teve a coragem de levar adiante as influências de Bollywood. Deixa a Branca de Neve dançando e cantando apenas nos créditos finais, quando todo mundo já está deixando a sala. Na verdade, fica a dúvida se foi Singh que não teve coragem ou se foi escolha dos produtores no corte final.
Se dá para fazer algum elogio sobre o filme é que ele não é de todo ruim. A garota que interpreta Branca de Neve (Lilly Collins) é uma graça. E é mesmo bela e parecida com a Branca de Neve do desenho animado da Disney. A rainha má, vivida por Julia Roberts, também tem a sua graça, já que o filme desde o começo assume sua intenção de ser cômico. Acontece que ser cômico é uma arte para poucos. E por mais que você esboce um sorriso em algum ou outro momento do filme, é difícil ser conquistado por seu humor.
Quanto ao colorido um tanto carnavalesco geralmente encontrado nas obras do diretor – vide o recente IMORTAIS (2011) -, desta vez ele não se mostrou tão inspirado. Nesse aspecto, um dos momentos de destaque é a interessante passagem da Rainha para uma espécie de outra dimensão, sempre que vai falar com o espelho, que acaba remetendo a outro filme de Singh (A CELA, 2000). Porém, o andamento do filme em si é enfadonho, o príncipe e os anões não têm graça e o que sobra talvez seja apenas a bonita fotografia, especialmente quando destaca os tons de amarelo do manto de Branca de Neve.
No fim das contas, esses dois filmes sobre a Branca de Neve só servem para entrar nas estatísticas de obras que Hollywood faz em duplas. Exemplos mais conhecidos: 1991: ROBIN HOOD - O PRÍNCIPE DOS LADRÕES, de Kevin Reynolds, e ROBIN HOOD – O HERÓI DOS LADRÕES, de John Irvin; 1997: O INFERNO DE DANTE, de Roger Donaldson, e VOLCANO, de Mick Jackson; 1998: FORMIGUINHAZ, da Dreamworks, e VIDA DE INSETO, da Pixar; 1998: ARMAGEDDON, de Michael Bay, e IMPACTO PROFUNDO, de Mimi Leder; e 2006: O ILUSIONISTA, de Neil Burger, e O GRANDE TRUQUE, de Christopher Nolan. Algum outro exemplo?
domingo, abril 29, 2012
O GABINETE DO DR. CALIGARI (Das Cabinet des Dr. Caligari)
Mais uma lacuna preenchida, depois de tanto tempo de apenas ouvir falar e ler a respeito, O GABINETE DO DR. CALIGARI (1920), de Robert Wiene, é daqueles filmes obrigatórios para estudiosos e entusiastas do cinema. Até por ser o filme-chave de um dos movimentos mais importantes do cinema mundial, o chamado Expressionismo Alemão, que também tem como outro grande título NOSFERATU, de F.W. Murnau. Mas O GABINETE DO DR. CALIGARI é mais representativo, pois trabalha de forma mais explícita os cenários disformes e tenebrosos e traz uma sensação de pesadelo que permeia todo o filme.
Desde o seu início, quando dois homens conversam e passa uma
mulher com aspecto zumbiesco - como a mulher zumbi de A MORTA-VIVA, de Jacques
Tourneur - e o mais jovem afirma que ela é sua noiva, que já se percebe que o
tom do filme será assim, sinistro. Em flashback, ele passa a contar a história
de quando ele foi com um amigo a uma feira de variedades, uma espécie de parque
de diversões, no qual um hipnotizador que se autodenomina Dr. Caligari diz
estar de posse de um sonâmbulo, um homem que está dormindo há 23 anos, mas que é
capaz de, quando acordado sob suas ordens, responder a qualquer pergunta da
audiência.
O amigo do protagonista faz então uma triste pergunta: "quanto
tempo eu vou viver?". A resposta do sonâmbulo é perturbadora e um close-up no olhar
assustado do pobre homem aumenta ainda mais o horror daquele momento. Tudo isso
é auxiliado pela fotografia que destaca os olhos fúnebres de Cezare, o
sonâmbulo, interpretado por Conrad Veidt, o homem que ainda interpretaria, anos
depois, outro tipo arrepiante do cinema mudo, em O HOMEM QUE RI.
O GABINETE DO DR. CALIGARI quase foi parar nas mãos de Fritz Lang,
mas como Lang estava ocupado com outro projeto, o filme passaria às mãos de
Robert Wiene. Mas trata-se de um trabalho conjunto, que partiu da ideia dos
roteiristas e que teve um desfecho modificado pelos produtores.
sábado, abril 28, 2012
OS VINGADORES – THE AVENGERS (The Avengers)
E finalmente chega aos cinemas o mais aguardado blockbuster dos últimos anos. Talvez por ser tão aguardado, OS VINGADORES – THE AVENGERS (2012) pode causar certo desapontamento. Afinal, muitos leitores de quadrinhos na faixa dos 20 e 30 anos sempre sonharam em ver a "materialização" dos Vingadores numa produção caprichada para o cinema. Se pensarmos que no passado, o que havia da Marvel eram os desenhos animados do Homem-Aranha, os desenhos "desanimados" do Thor, do Homem de Ferro e do Capitão América e o seriado do Hulk, até que houve um crescimento progressivo e qualitativo no número de adaptações de filmes baseados em personagens da Marvel. Nos últimos anos, então, não houve um sequer que não tivesse pelo menos um filme baseado em um herói da "Casa das Ideias".
Com a criação da Marvel Studios e com o ambicioso projeto de
construir no cinema um universo Marvel semelhante ao dos quadrinhos e que teria como culminação o filme dos "heróis
mais poderosos da Terra", a ansiedade era generalizada entre os fãs. A contratação
de Joss Whedon, querido em mídias diversas como os quadrinhos, com "Os
Surpreendentes X-Men"; a televisão, com BUFFY, A CAÇA-VAMPIROS (1997-2003) e
FIREFLY (2002-2003); e no cinema, com SERENITY - A LUTA PELO AMANHÃ (2005), foi do agrado de todos.
O problema do filme é a preocupação em amarrar todas as pontas dos
anteriores e dar espaço mais ou menos igual para todos os Vingadores.
Com isso, a história ficou comprometida.
Aliás, nem dá para dizer que o filme tem uma história. A fragilidade
do roteiro é um pouco compensada com os bons diálogos de Whedon, mas ainda
assim não se mostra interessante ou inteligente o suficiente para fazer o filme empolgar.
Tanto que os momentos mais empolgantes acontecem justamente perto do
final, quando todos os Vingadores estão reunidos de fato e começa a batalha para
defender a Terra de Loki e dos alienígenas. Antes disso, o público pode se
divertir com as brigas entre os próprios integrantes do grupo, que serve um
pouco para delimitar o grau de poder de cada um. Algumas cenas parecem forçadas
para que diálogos bons aconteçam. Caso de
quando Loki diz que tem um grande exército e Tony Stark diz: "nós temos um Hulk".
E falando em Hulk, a boa surpresa é que ele acaba sendo não só o
grande trunfo dos Vingadores, mas o grande trunfo do filme em si. Afinal, as
cenas mais aplaudidas pelo público são as que envolvem o Golias Esmeralda. E é
muito bom ver a reação entusiasmada da plateia nesses momentos. Chega a
arrepiar, inclusive. Dos três atores que interpretaram Bruce Banner, talvez
Mark Ruffalo tenha sido a melhor das escolhas, ainda que eu, particularmente, tenha
gostado dos dois filmes do Hulk, inclusive o geralmente odiado filme de Ang
Lee. O novo Bruce Banner segue uma tendência atual dos quadrinhos da Marvel,
que é ser menos trágico e mais bem humorado. Para o bem e para o mal.
Assim, OS VINGADORES – THE AVENGERS pode ser visto como um bom e
barulhento filme de ação com heróis já mitológicos e outros que o novo público
deve passar a gostar, caso de Viúva Negra e Gavião Arqueiro. O bom é que há
toda uma série de possibilidades para que a franquia só melhore nas continuações,
com mudanças que seriam bem-vindas na equipe (uma Feiticeira Escarlate, um Hank Pym, um
Visão e uma Vespa fariam a festa de muitos) e com mais chances de os
roteiristas ficarem mais livres para criar histórias mais envolventes e
criativas, agora que o núcleo-base está formado.
quinta-feira, abril 26, 2012
12 HORAS (Gone)
E o diretor Heitor Dhalia foi para os Estados Unidos dirigir uma produção genérica. Ao contrário de Walter Salles, que fez algo parecido com ÁGUA NEGRA, mas que conseguiu colocar elementos próprios de seu cinema em um filme de horror que eu considero bem interessante, apesar de renegado pelo próprio diretor, Dhalia não conseguiu se impor em Hollywood com o seu 12 HORAS (2012). Isso acontece com vários cineastas de diversas nacionalidades quando chegam a Hollywood: aceitam o esquema e não impõem seus próprios termos, aceitando, por exemplo, um roteiro mequetrefe como esse de 12 HORAS.
No filme, o que mais me chamou a atenção foi o fato de a polícia
dar a impressão de que não tem mais nada importante a fazer do que perseguir
uma garota que eles acham que não é muito boa da cabeça. Aí enviam várias
viaturas para perseguir a moça, como se ela fosse um terrorista, um serial
killer ou algo do tipo. Ficou, para dizer o mínimo, um troço muito estranho. Nem
sou tão adepto de um cinema mais verossímil, pois esse elemento não é assim tão
necessário em certas produções de suspense, mas ainda assim fiquei incomodado
com as fragilidades do roteiro.
Na trama, Amanda Seyfried é Jill, uma jovem que já foi sequestrada
por um assassino serial e que conseguiu escapar viva. Acontece que os policiais
não encontraram o local do crime, levando a jovem a ser internada como louca em
um hospital psiquiátrico. Jill nota que sua irmã foi sequestrada e já imagina
que foi o assassino que voltou. A polícia, porém, não acredita em sua teoria e
fica procurando por ela o filme inteiro. Interessante é que a duração de 12
HORAS é curta (apenas 94 minutos), mas que me passou a impressão de que ainda
poderia ser mais enxugado. Ainda assim, alguns críticos consideram-no o melhor
filme de Dhalia. Mas são os críticos que não gostaram de nenhum outro trabalho do
diretor. Nem de O CHEIRO DO RALO (2006).
Agora, com Dhalia de volta ao Brasil para filmar SERRA PELADA, com
Wagner Moura, e muito provavelmente frustrado com sua experiência
hollywoodiana, pode ser que ele retome a curva ascendente que alcançou de NINA
(2004) até O CHEIRO DO RALO.
terça-feira, abril 24, 2012
A CAIXA DE PANDORA (Die Büchse der Pandora)
Com a Liga dos Blogues resolvendo fazer um top 20 anos dos 1920, lá fui eu tirar o atraso de alguns filmes do período, a grande maioria, mudos. Foi aí que eu percebi que além de não ter visto obras essenciais do cinema, não tinha visto o suficiente para somar vinte filmes! A não ser que eu colocasse todos os Hitchcocks mudos que vi, incluindo os de que não gostei. Uma vergonha! A CAIXA DE PANDORA (1929) foi um dos que eu priorizei neste pouco tempo que me foi dado para tirar o atraso e elaborar o mais pobre dos meus tops. E logo em um momento em que eu estou bastante atarefado.
Mas nada como aproveitar a madrugada para ver um bom filme. É o melhor horário para ver qualquer tipo de filme, mas esses mudos são ainda melhores na calada da noite, com o espírito já menos inquieto e sem pensar muito nos problemas da vida e nas coisas que se tem que fazer no dia seguinte. A CAIXA DE PANDORA também tem como atrativo a beleza excepcional de Louise Brooks, essa americana extraordinariamente linda que foi parar na Alemanha, então um dos mais importantes polos de cinema do mundo. O diretor, Georg Wilhelm Pabst, gostou tanto dela que fez, logo em seguida, uma outra parceria com a atriz, DIÁRIO DE UMA PERDIDA (1929).
Como se vê, a personagem Lulu de A CAIXA DE PANDORA fez com que ela ganhasse esse status de grande intérprete de mulher vulgar. Acontece que, por piores que sejam as ações da personagem – não que eu veja algo ruim em qualquer coisa que ela faça no filme -, em nenhum momento ela parece vulgar. É que é impossível não amá-la, não ficar encantado com ela. O filme também é bem ousado e mostra algumas coisas que em Hollywood talvez não fosse possível, como o desejo que uma moça lésbica sente por ela.
O filme acompanha a ascensão e a queda de uma mulher que sempre ganhou a vida por causa de sua beleza e de sua habilidade em seduzir os homens. A CAIXA DE PANDORA é dividido em oito atos e cada um deles mostra uma condição da vida de Lulu, comparada no tribunal à Pandora da mitologia grega, símbolo da mulher causadora de todos os males, à semelhança do mito de Eva, da Bíblia. O filme, porém, não tem nada de misógino. Muito ao contrário: Lulu é vista como a mais humana das personagens e a única a quem acompanhamos, em seus momentos de prazer e dor, até o final.
P.S.: No Blog do Diário do Nordeste, notícia sobre O DUPLO, o novo curta-metragem de Juliana Rojas, a ser exibido em Cannes.
segunda-feira, abril 23, 2012
A PERSEGUIÇÃO (The Grey)
Impressionante como Liam Neeson tem se saído bem como herói de filmes de ação. Sorte dos diretores que podem contar com um ator de seu naipe, pois acaba fazendo toda a diferença no produto final. Depois que Neeson surpreendeu a muitos com o ótimo thriller BUSCA IMPLACÁVEL, à procura de sua filha sequestrada; e com DESCONHECIDO, sendo vítima de um intrincado complô; agora é a vez de o astro interpretar um homem que encara a própria natureza e, em especial, uma matilha de lobos.
A PERSEGUIÇÃO (2011) é a segunda parceria de Neeson com o diretor Joe Carnahan. A primeira havia sido em ESQUADRÃO CLASSE A (2010), aliás, outro exemplar de filme de ação com o ator, mas não listado acima por não ser tão bom quanto os citados. Em A PERSEGUIÇÃO, ele interpreta um atormentado operário de um posto de petróleo no Alasca. Ele sofre a morte de sua esposa, que sempre aparece em seus pensamentos dizendo-lhe para não ter medo. Coincidentemente, a esposa de Neeson também morreu em 2009 em um acidente, e desde então o ator tem se dedicado sem descanso aos filmes. No filme, pensando até mesmo em cometer suicídio, o personagem acaba tendo que liderar o grupo de sobreviventes da queda do avião, que cai em um lugar que, além de ser extremamente gelado, é povoado por enormes e famintos lobos.
Carregado de tensão, mas também com momentos de intimismo nas conversas entre o grupo de homens, o filme deve muito de sua força ao desempenho de Neeson, que compensa as interpretações apenas razoáveis dos demais. A PERSEGUIÇÃO também conta com ótimos efeitos de som, que faz com que nos sintamos rodeados pelos lobos. O aspecto existencialista surge entre um e outro ataque dos lobos, quando os personagens passam a pensar sobre suas vidas, sobre aquelas pessoas que eles deixaram, e sobre a cada vez menor possibilidade de sair vivo daquela situação. Esse tom amargo do filme é um de seus trunfos, bem como o seu belo final.
domingo, abril 22, 2012
JUVENTUDE TRANSVIADA (Rebel without a Cause)
Terceira vez que vejo JUVENTUDE TRANSVIADA (1955) e o filme só cresce a cada revisão. A primeira vez que vi foi em VHS e dá para imaginar o quanto eu perdi do filme, já que ele foi realizado em scope. Agora, vendo na edição especial dupla em DVD da Warner e tendo um maior conhecimento de quem é Nicholas Ray, seus temas recorrentes, e suas preferências estéticas, foi muito mais gostosa a apreciação. Sem falar que conta também o fato de ter uma televisão melhor, fazendo jus às belas cores do filme. Aliás, as cores já haviam sido muito bem utilizadas de forma simbólica em outra obra-prima de Ray, JOHNNY GUITAR (1954).
Gostaria de, antes de falar do filme em si, comentar um pouco sobre a caprichada edição em DVD. A Warner fez edições especiais dos três filmes estrelados por James Dean, sendo os outros dois VIDAS AMARGAS, de Elia Kazan, e ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE, de George Stevens. Não tenho os outros, pois comprei apenas esta edição, mais interessado em Ray do que em Dean, mas depois de ver o excelente documentário RELEMBRANDO JAMES DEAN (1974), um programa de televisão feito em homenagem aos vinte anos de JUVENTUDE TRANSVIADA e que tenta entender o fenômeno James Dean, fiquei igualmente interessado na curta obra do ícone. E qual foi a minha surpresa quando vejo, entre os entrevistados, a maravilhosa Natalie Wood, vinte anos depois do filme e mais linda do que nunca. Quase tive um ataque do coração.
O documentário, de pouco mais de uma hora, entrevista Natalie, Sal Mineo, Sammy Davis Jr e o músico Leonard Roseman, cada um deles mostrando a sua visão de James Dean. O que só aumenta a figura misteriosa do ator. Para Sammy Davis Jr, Dean era um grande amigo, desses que aparecem em sua casa sem avisar - Sammy, inclusive, conta uma história engraçada do primeiro encontro de Dean com Marlon Brando em sua casa. Sammy também fala algo que me deixou bastante emocionado. Para Sal Mineo, assim como acontece no filme, Dean era uma figura que ele admirava, um ícone, mas revela que ele às vezes chegava sem querer falar com ninguém nas filmagens. O curioso é a história do contato dele com o espírito de James Dean. Leonard Roseman conta que Dean gostaria que ele fosse o pai que ele não teve. Na verdade, ele teve um pai, mas ele, depois da morte da mãe, entregou-o para os tios e isso criou uma revolta e um vazio em Dean. Já Natalie, o via como uma pessoa gentil e agradável. O documentário mostra também cenas do ator em outros filmes, inclusive alguns que eu nem sabia que existiam, que ele fez para a televisão. Dos extras, é, sem dúvida, a melhor coisa. O outro documentário, sobre o filme em si, é fraco e tem cerca de meia hora de duração. Há também algumas cenas deletadas e testes de guarda-roupa, mas que não me interessaram.
Quanto ao filme, trata-se de um dos melhores trabalhos de Nicholas Ray, e um dos mais representativos da obra do cineasta, o chamado "poeta da noite". A trama se passa em pouco mais de 24 horas. Começando com a noite em que os três personagens principais, Jim (Dean), Judy (Natalie) e Plato (Mineo) são levados a uma delegacia de polícia. A câmera de Ray capta num só momento os três, separados em diferentes lugares. Os três têm problemas familiares: Jim sente falta de um pai de mais pulso; Judy fica ofendida pelo fato de o pai não aceitar mais seus carinhos, por achar que ela já está bem crescida; e Plato é abandonado pelos pais e mais tarde vê na figura do jovem casal uma espécie de família que ele não tem.
Nota-se que na obra de Ray essa figura da família desestabilizada e de pessoas sentindo a necessidade de se estabilizar, de ter enfim uma família, é um elemento comum. Também é comum vermos essa agitação de espírito em seus personagens, mas em JUVENTUDE TRANSVIADA isso alcança um nível bem alto. Até porque são personagens adolescentes, com os hormônios em ebulição. Além do mais, o ano era 1955, o ano em que o rock and roll surgiu com força. Quer dizer, já havia um clima de rebeldia tomando conta da sociedade, independentemente de classe social.
Quanto às sequências mais memoráveis, sem dúvida a disputa de carros é a mais lembrada. Mas antes disso há uma briga de facas no planetário que mexe com os nervos do espectador. Depois do acidente no penhasco, o filme ganha contornos mais melodramáticos. Acredito que ele só não ganha mais perfeição por carregar um pouco além da conta nas tintas e porque o personagem de Sal Mineo não era tão bom, talvez por causa da própria inexperiência do jovem ator. Ao lado de James Dean e Natalie Wood, que já eram gigantes em suas idades, ele fica bem pequeno e quase chega a comprometer algumas cenas. É o personagem mais frágil, em todos os sentidos. Ainda assim, JUVENTUDE TRANSVIADA é um filme que se aproxima de uma obra-prima.
P.S.: No blog do Diário do Nordeste, confira o texto que escrevi sobre os últimos vencedores da Palma de Ouro, por ocasião da divulgação da lista dos filmes do festival.
sábado, abril 21, 2012
PROTEGENDO O INIMIGO (Safe House)
Apesar do nome de origem hispânica (seu pai é chileno), o diretor Daniel Espionosa pertence a essa leva da invasão de cineastas suecos e dinamarqueses em Hollywood (ou na Inglaterra, o que dá quase no mesmo), que inclui diretores como Mikael Håfström (que começou relativamente bem nos Estados Unidos com FORA DE RUMO, mas depois foi piorando a cada trabalho); Tomas Alfredson, que ganhou prestígio internacional com DEIXA ELA ENTRAR e estreou no cinema em língua inglesa com o elogiado O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS; Susanne Bier, que depois do sucesso de DEPOIS DO CASAMENTO tem transitado entre Dinamarca e Estados Unidos; e há o caso de Nicolas Winding Refn, que depois de DRIVE comprou seu ingresso para o primeiro time de Hollywood.
Quanto a Daniel Espinosa, não cheguei a ver seu trabalho anterior na Suécia, SNABBA CASH (2010), mas os olheiros de Hollywood dificilmente erram. O que pode acontecer é de o diretor virar "pau mandado" e perder a identidade, ao chegar nos Estados Unidos. Mas aí é problema dele. No caso de Espionosa, seu trabalho na Suécia deve ser no mínimo interessante. Ele não teria começado nos Estados Unidos logo com um thriller estrelado por Denzel Washington e Ryan Reynolds em vão. E ele mostra grande competência em PROTEGENDO O INIMIGO (2012), no qual Washington é um sujeito procurado pela CIA, que depois de se deixar ser capturado é levado para os cuidados de um jovem agente (Reynolds), temeroso da reputação daquele homem de tanta autoconfiança, mesmo estando algemado, ali em sua frente.
PROTEGENDO O INIMIGO é um filme de muitas reviravoltas no enredo. E não sei se isso depõe contra ou a favor. O fato é que se trata de um bom e bem movimentado filme, que se sustenta muito no carisma de Denzel. Ele é um ator extraordinário, mas esse papel é fichinha para ele, pela semelhança inicial com DIA DE TREINAMENTO. Por isso ele, às vezes, passa a impressão de estar no piloto automático. Mas Reynolds consegue não ser eclipsado pelo astro, o que já é um grande mérito. Outro mérito do filme está no diferencial das sequências de ação. Uma das mais empolgantes se passa em uma favela da África do Sul.
sexta-feira, abril 20, 2012
HÄXAN – A FEITIÇARIA ATRAVÉS DOS TEMPOS (Häxan)
Eis um filme bem difícil de categorizar. Misto de documentário com momentos de narrativa dramática e de terror, HÄXAN – A FEITIÇARIA ATRAVÉS DOS TEMPOS (1922), de Benjamin Christensen, é, surpreendentemente, em sua maior parte, sobre o quanto a superstição imperou na Idade Média e o quanto a Igreja Católica torturou e queimou mulheres acusadas de bruxaria. Qualquer coisa diferente era motivo para suspeitas: fosse feia e com uma verruga no nariz, como as bruxas tradicionais dos contos de fadas; fosse bonita demais, a ponto de excitar o mais resistente dos sacerdotes.
Dividido em capítulos, o primeiro é bem didático e mostra como a sociedade da Idade Média via o mundo e como eles imaginavam que era o céu, o inferno, o Sol e os planetas. Muito curioso esse capítulo. A Igreja incutia o pavor das chamas do inferno na população e muitas fofocas surgiam a ponto de se criarem histórias de bruxas beijando a bunda de Satã em rituais de magia negra, por exemplo. Na segunda parte do filme, predomina a cor vermelha na fotografia, que mostra o demônio feioso e de chifres seduzindo as mulheres no meio da noite.
Mais adiante o filme se centra mais nas torturas da Inquisição e nos métodos certeiros para descobrir se uma mulher é uma bruxa. Joga-se a mulher no rio. Se ela não afundar é porque é uma bruxa e será imediatamente retirada da água para ser enforcada; se afundar, morrerá em paz. Esse "método", inclusive, pode ser visto no ótimo O CAÇADOR DE BRUXAS, de Michael Reeves. Mas além desse conteúdo muito curioso, o bonito do filme é a força das imagens, remetendo diretamente ao mundo dos sonhos.
Alguns filmes em preto e branco da década de 1920 parecem ter uma magia toda própria e esse é, sem dúvida, um filme único. Porém, confesso que fiquei um tanto decepcionado com a abordagem racional. Esperava algo mais esotérico e horripilante, digamos assim.
P.S.: Saiu ontem a lista dos filmes selecionados para o Festival de Cannes 2012. Confira AQUI.
quinta-feira, abril 19, 2012
À BEIRA DO ABISMO (Man on a Ledge)
Este é mais um daqueles filmes que eu vi há semanas, talvez há meses, mas que estava na minha lista de títulos a escrever a respeito e que foi sendo deixado para trás. Nesse caso, talvez por não ter lhe dado tanto valor. Considero À BEIRA DO ABISMO (2012) apenas um passatempo razoável e esquecível. Diante de toda a trama envolvendo um fugitivo da polícia (Sam Worthington) que ameaça se jogar da sacada de um prédio situado em uma avenida movimentada, o que mais me chamou a atenção foi a presença de uma bela coadjuvante.
Trata-se de Genesis Rodriguez, que interpreta a cunhada do protagonista. Filha de venezuelanos e nascida nos Estados Unidos, essa menina é um estouro. Se deixarem, ela pode se tornar a nova Salma Hayek. Está, inclusive, em THE LAST STAND, o próximo filme estrelado pelo "governator" Arnold Schwarzenneger e dirigido pelo sul-coreano Jee-woo Kim, que tem no currículo os ótimos MEDO e I SAW THE DEVIL. Ela também está em outros projetos de destaque. Assim, estou na torcida pela moça, que em À BEIRA DO ABISMO faz a gente esquecer a história principal e rouba as cenas em que aparece, com sua beleza e seu sex appeal.
Na trama, o personagem de Worthington é um homem que ameaça saltar de um prédio, a não ser que chamem uma psicóloga da polícia de Nova York interpretada por Elizabeth Banks, especialista em negociar com terroristas e situações do tipo. O que os tiras e a população não sabem é que aquele homem na sacada está planejando algo mais do que simplesmente uma chantagem emocional para conseguir algo em troca com isso. À BEIRA DO ABISMO, que no Brasil recebeu o mesmo título de um grande clássico de Howard Hawks, é apenas competente naquilo que se propõe e passa longe de ser imperdível. A não ser, é claro, pela razão de ser do filme: Genesis Rodriguez.
quarta-feira, abril 18, 2012
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (We Need to Talk about Kevin)
A história da relação de uma mãe com um garoto que seria responsável por um assassinato em massa em uma escola é um mote capaz de gerar um terror psicológico bem perturbador. PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (2011), de Lynne Ramsay, tangencia o terror e o drama a partir do ponto de vista da personagem de Tilda Swinton, uma mulher que tentou dar o melhor de si para o filho, muito embora algumas vezes se mostre aborrecida com a criança, ou quase depressiva e apática, como quando passa com o bebê num lugar barulhento, com homens trabalhando.
O filme, aliás, trabalha muito com o barulho, com o ruído, e isso é um elemento que traz incômodo para o espectador. Há também o uso constante da cor vermelha, muitas vezes pingos vermelhos, simbolizando a tragédia que o rapaz cometeria. Kevin, tanto interpretado na fase jovem por Ezra Miller, quanto ainda criança, é pra lá de irritante. Isso para usar de eufemismo. E é possível ver o filme tanto como um derivado de A PROFECIA, sendo o rapaz quase um anticristo, quanto levando para o lado da psicologia, o que parece ser mais a intenção da diretora.
Mas do jeito que o filme mostra, torna-se quase impossível tomar partido de Kevin, que sempre está aprontando. Quando o filme mostra, por exemplo, o olho da irmã mais nova de Kevin com um tampão, já ficamos imaginando que aquilo teria sido obra do rapaz, já que o filme segue uma estrutura de idas e vindas no tempo. E com tantas coisas que o rapaz é capaz de fazer sempre com aquele sorriso maligno, não deixa de ser um alívio quando o filme chega ao seu ápice.
Embora PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN gere discussões interessantes sobre o quanto Kevin sofreu por não ter uma mãe que não tenha lhe dado amor e por causa disso se tornou aquele monstro, não consigo ver dessa maneira. Se fosse assim, a humanidade teria milhões e milhões de maníacos como Kevin ou Charles Mason. Já sigo mais uma linha de que o mal que a pessoa carrega vem além da genética: vem escrito em seu mapa natal. Mas esse é o meu ponto de vista e não tenho aprofundamento nenhum em psicologia para discutir o assunto com um especialista. Nem gostaria, pois estaríamos falando linguagens diferentes.
terça-feira, abril 17, 2012
ÁREA Q (Area Q)
O maior mérito de ÁREA Q (2012) foi ter conseguido chegar ao tão competitivo circuitão brasileiro. Ajudou o fato de já ter trailer anunciado antes dos últimos filmes produzidos pela Estação Luz, que trouxe a grande maioria das produções espíritas, e ao mesmo tempo ser vendido como uma curiosa ficção científica passada no sertão nordestino, mais exatamente em Quixadá e Quixeramobim, no Ceará, chamada no filme de Área Q, devido à sua alta incidência de casos de OVNIS e até de abduções. Inclusive, recentemente, num noticiário local, tive a oportunidade de ver uma pequena reportagem sobre estranhas luzes e barulhos que assustaram um pequeno vilarejo na zona rural de Quixadá.
Assim, o cineasta Gerson Sanginitto (de CADÁVARES 2, 2008) e o produtor Halder Gomes tinham pano pra manga para fazer a primeira ficção-científica Brasil-Estados Unidos. O ator convidado para protagonizar o filme foi Isaiah Washington, mais conhecido por sua participação na série GREY'S ANATOMY, mas que também pode ser visto em alguns trabalhos de Spike Lee. Se o ator já não é do primeiro time de Hollywood, os demais também não são rostos tão conhecidos, exceto, Murilo Rosa. Mas isso dá um gostinho de filme B que faz com que ÁREA Q seja respeitado por aqueles que não têm problemas com produções de baixo orçamento.
Na trama, Washington é um jornalista famoso que tem sua vida abalada pelo desaparecimento do filho. Passados alguns meses na tentativa de encontrá-lo, ele recebe uma proposta de cobrir uma matéria sobre discos voadores no sertão brasileiro. Inicialmente não gostando da ideia, acaba aceitando. E para sua surpresa, a viagem se tornará mais importante para sua vida do que ele jamais imaginaria.
Os problemas no filme são visíveis, desde imagens aéreas tremidas a interpretações problemáticas e uma história um tanto difícil de engolir, embora com uma conclusão até que satisfatória. Ainda assim, todos esses problemas podem ser relevados se o espectador se propuser a se deixar levar por uma história feita claramente com amor por seus realizadores, tentando vencer as dificuldades visíveis da produção. E ainda entregar um filme divertido. Não se trata de ser condescendente, mas de deixar clara a minha relação como espectador dessa obra única.
Quanto ao aspecto espiritualista do filme, ele é o mais difícil de engolir, não que não se possa dar uma boa liga com a ficção científica - um bom exemplo é PRESSÁGIO, de Alex Proyas -, mas em ÁREA Q essa característica é a que parece mais forçada, especialmente na cena em que os personagens de Isaiah Washington e Murilo Rosa se encontram. Ainda assim, não deixa de ser um dos momentos mais curiosos do filme, até pela utilização dos modestos efeitos especiais.
domingo, abril 15, 2012
AS MULHERES DO 6º ANDAR (Les Femmes du 6eme Etage)
A intenção era ficar em casa trabalhando e estudando, mas um carro com um paredão de som com forró em alto volume tornou impossível eu ficar em casa para fazer qualquer coisa que fosse. Assim, um tanto indignado por estar me sentindo expulso de minha própria casa, rumei para o Espaço Unibanco Dragão do Mar, para uma sessão de AS MULHERES DO 6º ANDAR (2011). Era também uma chance de prestigiar os últimos dias desse lugar que fechará as portas no dia 30 deste mês e que ainda tem um destino incerto. Pelo menos, até onde eu sei.
Tenho uma relação de afetividade com os cinemas do Dragão do Mar. Só este ano, dois dos cinco melhores filmes que vi foi lá: A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM e O GAROTO DA BICICLETA. Foi lá o lugar que eu assisti CIDADE DOS SONHOS, de David Lynch, o filme do milênio; foi lá que eu saí, com os olhos marejados e um nó na garganta, após a sessão de FALE COM ELA; foi lá que vi os dois primeiros filmes do Dogma 95; vi o impactante O VERÃO DE SAM, de Spike Lee; quase todos os filmes de Eduardo Coutinho desde SANTO FORTE; uma série de filmes de Luis Buñuel, em película; filmes importantes de jovens cineastas brasileiros, como CÃO SEM DONO, CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS, BAIXIO DAS BESTAS, O CÉU DE SUELY, SANTIAGO; e de cineastas não tão jovens assim, como FALSA LOURA, ENCARNAÇÃO DO DEMÔNIO e CLEÓPATRA. Além disso, foi espaço para muitos momentos felizes e memoráveis.
Mas depois desse longo parágrafo de quem se apega às coisas e às memórias, falemos um pouco de AS MULHERES DO 6º ANDAR, essa comédia muito simpática de Philippe Le Guay. O filme trata de diferenças de classes e se passa na Paris de 1962. Há uma família de burgueses que, após a morte da matriarca, demite sua velha empregada. Eles admitem então uma jovem empregada espanhola chamada Maria, vivida pela bela argentina Natalia Verbeke. O senhor da casa, Jean-Louis Joubert (Fabrice Luchini, de POTICHE – ESPOSA TROFÉU), começa a ficar encantado com a beleza e o jeito de Maria. E, por tabela, passa a se interessar também pela Espanha e pelos problemas das mulheres espanholas que moram em pequenos quartos no 6º andar, em condições não muito boas, todas trabalhando como empregadas das patroas dos outros andares do prédio.
Entre o grupo de espanholas, há três atrizes conhecidas dos filmes de Pedro Almodóvar: Carmen Maura - que dispensa apresentações -, Lola Dueñas e Concha Galán. O filme, a princípio, parece uma comédia quadrada e um tanto aborrecida, mas aos poucos vai conquistando o espectador. Principalmente a partir da entrada em cena de Maria. E do quanto sua presença mudará o rumo dos acontecimentos e a vida de todos ao redor. O quadro final é de uma beleza que deixa a gente feliz de ter saído de casa para ver o filme.
P.S.: No blog do Diário do Nordeste: uma pequena nota sobre o lançamento do teaser trailer do filme de estreia de Kleber Mendonça Filho, O SOM AO REDOR. Clique AQUI.
sábado, abril 14, 2012
A TODA PROVA (Haywire)
Para um cineasta que anunciou recentemente que se aposentaria, até que Steven Soderbergh tem trabalhado bastante, com uma média de dois filmes por ano. A TODA PROVA (2011) é o que ele dirigiu logo após CONTÁGIO (2011), um trabalho mais comercial em sua forma. Já A TODA PROVA se enquadra naquele tipo de filme mais pessoal, com uma característica especial e invulgar, mas que acaba chamando atenção de um bom público, pelas cenas de ação. O filme ainda utiliza um jeito bem interessante de contar a história.
Mas interessante mesmo é a presença forte de Gina Carano, a lutadora de MMA que o cineasta convidou para estrelar este seu movimentado thriller de espionagem. Além de belíssima, a mulher dá um show nas cenas de ação, bem como nas sequências dramáticas, contracenando com gente de peso como Michael Douglas, Antonio Banderas, Ewan McGregor e Michael Fassbender. O filme já começa com uma luta em uma cafeteria, seguida de uma boa sequência de perseguição automobilística.
Alguns momentos são excepcionalmente belos, como quando a câmera acompanha, de frente, a personagem correndo ou andando pela rua. Não é nenhum recurso novo, mas como é pouco usado, pelo menos de maneira assim exposta em Hollywood, essas cenas - e outras que usam ângulos de câmera e iluminação fora do comum - acabam dando ao filme um ar europeu, já que o cinema hollywoodiano tem a tendência de utilizar a câmera "invisível". Por isso, é bem provável que muita gente ache o filme chato, como aconteceu com o belo CONFISSÕES DE UMA GAROTA DE PROGRAMA (2009). Claro que de vez em quando o cineasta faz algumas concessões - caso de CONTÁGIO -, mas até nessas concessões Soderbergh tem acertado ultimamente.
sexta-feira, abril 13, 2012
O ABRIGO (Take Shelter)
Michael Shannon já está ficando estigmatizado com papéis de louco ou algo do tipo. Até na série BOARDWALK EMPIRE, seu papel de homem da lei ganhou um caráter de psicopata. Em O ABRIGO (2011), de Jeff Nichols, ele é um trabalhador de construção que começa a ser assombrado por imagens estranhas e apocalípticas de uma grande e devastadora tempestade. Ele começa a imaginar que o seu mundo irá ruir e, mesmo tendo dúvida sobre se o que ele vê são visões ou alucinações, já que ele busca ajuda de um psicólogo, ele investe todo o seu tempo e até o dinheiro que não tem na construção de um abrigo perto de sua casa.
A esposa é interpretada por Jessica Chastain, essa atriz extraordinária que parece ter surgido do nada em um único ano, quando foi revelada em A ÁRVORE DA VIDA. Sua personagem aqui não foge muito do arquétipo da mãe de família do filme de Malick, mas como o filme se passa nos tempos atuais, seu papel é mais ativo e mais reprovador da atitude maluca do marido. Há também a figura da filha pequena, que é surda.
O filme tem um visual magnífico, que poderia ter alcançado muito mais impacto se visto na telona do cinema – infelizmente, ele saiu direto em DVD. O final ambíguo só me deixou com mais dúvidas, mas o importante é a força do horror psicológico que O ABRIGO possui. Dizem que o filme anterior do diretor, o inédito no Brasil SHOTGUN STORIES (2007), também é muito bom. Até peguei para ver, mas não sei quando entrará na fila de prioridades. É também protagonizado por Michael Shannon.
Lamento não falar mais do filme e de minhas impressões, mas já faz algumas semanas que o vi e quanto mais o tempo passa, mais fácil fica esquecer. Mas pelo que me lembro, e levando em consideração todos os elogios que tinha lido sobre o filme, reconheço que esperava mais.
quinta-feira, abril 12, 2012
TIO BOONMEE, QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS (Loong Boonmee Raleuk Chat / Uncle Boonmee who Can Recall His Past Lives)
Foi preciso um festival de cinema transcendental para que o aclamado TIO BOONMEE, QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS (2010), do cineasta tailandês Apichatpong Weerasethakul, finalmente chegasse em terras alencarinas. Apesar de mais da metade do público da sessão ter saído antes do final, foi uma experiência única poder ver este filme no cinema. Em especial pela excepcional utilização do som, que me fez lembrar os filmes de David Lynch. Aliás, não é só no som que o filme faz lembrar Lynch, mas também no fantástico e no surreal das situações apresentadas. O que talvez diferencie Weerasethakul de Lynch seja o senso de humor e o clima de terror, que me parecem ausentes ou diferenciados.
De um cineasta que já colocou os créditos iniciais passados 45 minutos de filme em ETERNAMENTE SUA (2002) já se espera algo no mínimo desconcertante. E se o filme inteiro já o é, o que dizer de seus instantes finais, que deixam o espectador sem chão? Uma agradável sensação, aliás, proporcionada por poucos e ousados cineastas. No filme, há um clima um tanto claustrofóbico de tanto verde; povos estranhos e peludos ao redor da cabana do moribundo Tio Boonmee, que sofre de insuficiência renal; e o fantasma de uma mulher que surge depois de passados quase vinte anos de sua morte.
Pelo pouco que li das críticas de seus outros dois filmes mais famosos – MAL DOS TRÓPICOS (2004) e SÍNDROMES E UM SÉCULO (2006) -, seria interessante ter um pouco mais de intimidade com o trabalho do cineasta para perceber certos aspectos, certos temas recorrentes. E isso poderia ajudar a interpretar a sequência final, que trabalha com o duplo. A natureza, ao que parece, também é algo muito presente em sua obra. Em TIO BOONMEE, o personagem-título, abandona sua casa para passar seus últimos dias em uma cabana. E depois da cabana, ele resolve se embrenhar no mato, dividindo terreno com os seres da floresta de olhos vermelhos.
Uma das dificuldades de se analisar um trabalho como TIO BOONMEE é a distância da cultura tailandesa com a nossa cultura ocidental, muito mais íntima das produções americanas. Então, além do problema de certo hermetismo da própria forma do filme, há também um desconhecimento maior do folclore que cerca as criaturas que aparecem, como os já citados macacos-fantasmas ou o peixe que transa com a mulher em um rio. Há também a questão religiosa a ser pesquisada com mais afinco, tanto dentro da sociedade tailandesa, como das próprias crenças esotéricas do cineasta. Há também os simbolismos, que devem ser levados em consideração para entendimento pelo menos parcial da obra. É, enfim, um filme a ser revisto, avaliado, estudado e refletido por dias a fio.
P.S.: Saíram duas matérias que escrevi para o blog do Diário do Nordeste. Uma sobre o novo filme estrelado por Mel Gibson, PLANO DE FUGA, e outra, que acredito que seja melhor: a segunda parte da matéria sobre livros de cinema, destacando, desta vez, o cinema brasileiro.
quarta-feira, abril 11, 2012
VALE ABRAÃO
A beleza de Leonor Silveira em VALE ABRAÃO (1993) é algo de indescritível. Impossível não se apaixonar por ela, por seus olhos que parecem trazer a imensidão do mar, por seu sorriso levemente malicioso, por sua voz macia. E sua personagem, a Ema, do romance "Vale Abraão", de Agustina Bessa-Luís, inspirado em "Madame Bovary", de Gustave Flaubert, tem até um defeito de nascença: ela manca de uma perna. Difícil, com esse detalhe, não lembrar aquele trecho de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, na qual o protagonista fica a lamentar o fato de que a moça que ele conheceu é tão bela mas é coxa. "Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?", ele se perguntava.
Mas em VALE ABRAÃO, em nenhum momento esse defeito interfere no fascínio que Ema exerce sobre os homens. Talvez até contribua para torná-la ainda mais única. Sua beleza é tanta que é praticamente impossível não ficar cego em relação a seus defeitos. Incluindo defeitos de caráter. E é impressionante a escolha da personagem quando adolescente, interpretada por Cécile Sanz de Alba, muito parecida com Leonor Silveira, que aparece no auge da beleza neste filme de Manoel de Oliveira. Não à toa, ela se tornou a sua principal atriz durante os anos 1990 e 2000.
As cenas de intimidade com o marido e os amantes são muito discretas, inexistentes até. Manoel de Oliveira parece ter um espírito calcado no século XIX, com valores bem tradicionais. E isso faz com que ele prefira o não mostrar que o mostrar, que ele prefira a sugestão. A palavra é muito importante no filme. Que é praticamente todo narrado pela voz aveludada de Mário Barroso, com trechos inteiros do romance sendo recitados. Assim, há uma aproximação muito forte com a literatura. Há um prazer associado às letras e ao som de uma boa narrativa, que eu já havia observado em SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA (2009) e em UM FILME FALADO (2003). Mas isso é ainda mais explícito em VALE ABRAÃO, justamente por ter uma conexão forte com um romance português, que por sua vez é inspirado no clássico do realismo francês de Flaubert.
O filme, com suas mais de três horas de duração, apesar de se passar nos dias atuais, passa uma sensação de anacronismo que muito provavelmente se deve ao estilo e à personalidade do diretor. Também não há, como nas demais adaptações de "Madame Bovary", uma aproximação com a personagem. Em VALE ABRAÃO, ela se mostra mais distante e enigmática, mesmo com o narrador frequentemente nos dizendo o que se passa pela sua cabeça. Por isso a dúvida que fica ao final do filme. Pois ela não sofre tanto quanto Emma Bovary. Bom, só sei que fiquei apaixonado pela Leonor Silveira.
terça-feira, abril 10, 2012
XINGU
E aos poucos Cao Hamburger vai passando de um cinema infantil para um cinema adulto. Depois de CASTELO RÁ-TIM-BUM, O FILME (1999), que era claramente direcionado ao público infantil, e de O ANO EM QUE MEUS PAIS SAÍRAM DE FÉRIAS (2006), que não era para crianças, mas que mostrava uma narrativa do ponto de vista de um garotinho, embora fosse de natureza política, ele retorna com XINGU (2012). Como uma linha que vai costurando um tecido, dessa vez ele segue a temática política, mas não sem deixar de lado a aventura. No caso, a aventura dos irmãos Villas Bôas, os principais responsáveis por criar o Parque Nacional do Xingu, uma extensa área na região central do Brasil que abriga várias tribos remanescentes e sobreviventes dos massacres que sofreram os povos indígenas no Brasil.
XINGU não enrola muito e já mostra os dois primeiros irmãos, Cláudio e Leonardo, vividos por João Miguel e Caio Blat, respectivamente, a chegar no projeto que intenciona desbravar uma área até então virgem do território brasileiro, no começo dos anos 1940. Eles se fazem de peões para ingressar no grupo e também chamar o terceiro irmão, Orlando (Felipe Camargo). Aos poucos, os irmãos, devido à instrução diferenciada, tornam-se líderes do grupo, principalmente quando eles passam a fazer contato com a primeira tribo indígena que conhecem.
O filme traz algo de romântico ao apresentar o índio para as novas plateias. Esse sentimento ajuda a explicar a associação do índio com o romantismo, a escola literária que predominou no século XIX. Há momentos bem intensos, como quando os irmãos partem para resgatar um grupo de índios que estavam sendo explorados e assassinados por brancos seringueiros. Outro momento interessante é quando o próprio Cláudio, ao apresentar uma família de outra tribo para a tribo grande, diz que eles não são os inimigos: o inimigo é o branco. Naquele momento, ele já havia assumido totalmente a causa dos índios, nem que para isso tivesse que entrar em guerra com outros brancos invasores.
Pode-se dizer que XINGU poderia ser melhor, mas talvez ainda falte na filmografia de Hamburger uma obra poderosa o suficiente para arrebatar os corações ou fazer outro tipo de estrago. Mas não reclamemos. XINGU é um bom filme.
domingo, abril 08, 2012
W.E. – O ROMANCE DO SÉCULO (W.E.)
Até que Madonna foi bem ambiciosa em seu segundo longa-metragem. W.E. – O ROMANCE DO SÉCULO (2011) pode ser um razoável programa duplo junto com O DISCURSO DO REI, de Tom Hooper. Os filmes usam pontos de vista diferentes, mas lidam com assuntos que se cruzam, no caso, o romance do príncipe Edward (James D'Arcy) com uma mulher americana casada, Wallis Simpson (Andrea Riseborough). O rei da Inglaterra morreu pouco antes de eclodir a Primeira Guerra. E o príncipe foi proibido de se tornar rei, a não ser que ele deixasse o romance com a mulher. Ele desistiu do trono por amor a ela e sobrou para o irmão gago, que se tornaria o Rei George V. A história do rei gago continua no filme de Hooper.
Quanto a Madonna, sua intenção foi mostrar o ponto de vista de uma mulher que foi odiada por boa parte da sociedade inglesa da época, e entrecortar a trama com uma história contemporânea, de uma mulher fascinada pelo romance que escandalizou a sociedade inglesa, vivida pela bela Abbie Cornish. Ela visita o museu que guarda joias e pertences do casal, bem como leilões de peças raras. Vivendo um casamento complicado, ela passa a ser flertada pelo segurança do museu, um sujeito simpático e gentil, ao contrário do marido.
O filme não é grande coisa, como todo mundo já deve ter espalhado por aí, mas também não o vejo como essa monstruosidade que se pinta, não. Talvez eu tenha sido levado pelos encantos de Abbie Cornish, pelo seu andar elegante, algumas vezes em câmera lenta, se a memória não me engana, pelo seu rosto belo, que faz remeter a outro filme que ela fez, O BRILHO DE UMA PAIXÃO. Provavelmente eu tenha ficado com uma imagem de pureza atrelada a uma paixão prestes a explodir, depois desse filme. Quanto a ser comparado a anúncio de perfume e de joias, realmente não dá para negar que W.E. parece sim. Pelo visto a convivência com o ex-marido Guy Ritchie não foi lá um grande aprendizado para a cantora e diretora.
P.S.: Tem uma matéria no blog do Diário do Nordeste, a respeito do documentário MARLEY, de Kevin Macdonald. Veja AQUI.
sábado, abril 07, 2012
HELENO
O que muita gente tem criticado em HELENO (2012), o segundo longa-metragem de José Henrique Fonseca, é o fato de ser muito perfeito tecnicamente, a ponto de se tornar um tanto quanto genérico ou próximo dos padrões do cinema produzido nos Estados Unidos. Até o hábito de interpretar personagens que emagrecem assustadoramente foi incorporado por Rodrigo Santoro no filme. Acredito que isso é uma tendência do cinema nacional, inclusive, por mais que o brasileiro tenha um espírito festivo o suficiente para de vez em quando fazer umas comédias escrachadas.
Isso já começou desde a "retomada", quando os valores do cinema produzido até os anos 1980 foram considerados vergonhosos. Em HELENO, essa necessidade de se adaptar aos padrões internacionais tomou proporções gigantescas, a ponto até de cogitarem Santoro para o Oscar do próximo ano. Mesmo assim, não consigo deixar de pensar HELENO como um trabalho bem cuidado o suficiente para que mereça nossa consideração. O cuidado com a direção de arte, a direção de atores, o trabalho fantástico do Santoro no papel do artilheiro do Botafogo de cabeça esquentada, a bela fotografia em preto e branco de Walter Carvalho, as idas e vindas no tempo para costurar a história de maneira caprichada, tudo isso contribui para que o filme seja tão agradável quanto um drama americano caprichado.
Não sei se temos que, a todo tempo, ter que afirmarmos nossa identidade nacional no cinema. De uma forma ou de outra, os filmes falarão por si mesmos. No caso de HELENO, só o fato de ter o futebol como elemento de grande importância na trama, junto com a imagem das praias do Rio de Janeiro, já deixam o filme com cara de brasileiro. Mas o que mais conta mesmo é a trajetória trágica de Heleno de Freitas, considerado o primeiro craque do futebol brasileiro, mas que, por ter sífilis e não se tratar, viveu atormentado por crises terríveis de raiva, que prejudicou suas relações profissionais e amorosas. Sua transformação em uma criatura quase despida de alma num hospício é arrepiante. Rodrigo Santoro deve dividir sua carreira entre antes e depois de HELENO.
sexta-feira, abril 06, 2012
A PEQUENA LILI (La Petite Lili)
Faleceu na última quarta-feira, dia 4, aos 70 anos, Claude Miller, cineasta francês importante, mas cujos filmes tiveram pouca repercussão no Brasil, sendo boa parte deles inéditos. Eu, pelo menos, só tive a chance de ver dois de seus filmes no cinema: LADRA E SEDUTORA (1988), do qual pouco lembro, pois vi na aurora de minha cinefilia, e BETTY FISCHER E OUTRAS HISTÓRIAS (2001), exibido numa das edições do Festival Varilux do Cinema Francês. Como costumo fazer quase sempre com a morte de algum cineasta importante, aproveito a oportunidade para homenageá-lo, fazendo o mínimo: vendo uma obra sua. A única que tinha à minha disposição era este A PEQUENA LILI (2003), que, vou confessar, só baixei por causa do corpo espetacular de Ludivine Sagnier.
O filme, inclusive, já começa com a beleza do corpo nu de Ludivine junto à natureza. Nesses primeiros minutos que acontecem junto com os créditos iniciais e com a câmera muitas vezes bem próxima, ela faz amor com um jovem rapaz, Julien (Robinson Stévenin), aspirante a cineasta que a usa como musa de seu primeiro curta-metragem experimental. Quando vai exibir o filme para sua família, com a presença de Lili, a mãe de Julien (Nicole Garcia) mostra-se nitidamente incomodada com o filme, impaciente, o que faz com que o rapaz tenha um arroubo de raiva e interrompa a sessão, por se sentir desrespeitado. Dá para entender o sentimento de Julien; afinal, o máximo que se poderia querer, principalmente de uma mãe, era o apoio. O rapaz, ainda por cima, perde Lili para um sujeito mais velho (Bernard Giraudeau).
O filme é divido em dois grandes segmentos. O primeiro é todo ligado à estrutura familiar de Julien, com muitas falas (o filme é baseado numa peça de Anton Chekhov, mas o cinema francês é verborrágico, independentemente disso), mas com uma câmera que segue os atores com habilidade. O segundo segmento se passa dois anos após o primeiro e vemos o que mudou na vida das pessoas apresentadas no primeiro. Quem aparece para abrilhantar esse segundo segmento é Michel Piccoli, interpretando a si mesmo. A PEQUENA LILI não é dos melhores trabalhos de Miller, mas vale assistir, principalmente para quem é fã de Ludivine.
P.S.: Tem edição nova da Revista Zingu! no ar, com o dossiê Astolfo Araújo e o especial Carlos Coimbra. Tive pouca participação nessa edição, tendo escrito apenas sobre o filme LAMPIÃO, O REI DO CANGAÇO, de Carlos Coimbra. Confiram AQUI!
quinta-feira, abril 05, 2012
GUERRA É GUERRA! (This Means War)
Primeira grande derrapada da carreira de director de McG, GUERRA É GUERRA! (2012) é um produto escapista e despretensioso. O que já era de se esperar. Afinal, até os melhores trabalhos dele, AS PANTERAS (2000) e AS PANTERAS DETONANDO (2003), são assim, com a diferença que são obras cheias de qualidade e grandes momentos. Que chegam a entusiasmar, com as incríveis cenas de ação e com a graça das meninas. Ajudou também o fato de o diretor ter um background em videoclipes. O trabalho seguinte de McG já é bem mais sério, e revelou um diretor com boa capacidade de condução de um drama, NÓS SOMOS MARSHALL (2006). O EXTERMINADOR DO FUTURO – A SALVAÇÃO (2009) não chegou a empolgar, mas também não chega a denegrir a boa cinessérie.
Assim, apesar de o trailer já avisar do que se tratava, o mínimo que se esperava de GUERRA É GUERRA! era um filme suficientemente divertido e engraçado. Afinal, não há nada mais triste do que uma comédia sem graça. Não que eu não tenha percebido risadas do público na sessão em que estava, mas eu com certeza não estava na mesma sintonia. Quem sabe se fosse uma atriz mais bonita e carismática que a Reese Whiterspoon eu gostasse mais. Mas culpemos o filme mesmo. Afinal, Reese esteve em alguns ótimos filmes (SEGUNDAS INTENÇÕES, JOHNNY & JUNE, E SE FOSSE VERDADE...) e não chegou a atrapalhar.
Na trama de GUERRA É GUERRA!, ela se sente solitária, principalmente quando encontra o ex-namorado passeando com sua nova namorada pelo bairro. Percebendo sua infelicidade, sua mãe e melhor amiga, a cadastra num desses sites de encontros amorosos, o que acaba fazendo com que ela conheça dois rapazes. Os tais sujeitos (Chris Pine e Tom Hardy) são agentes secretos, mas tirando a sequência inicial (e os ridículos momentos finais), os dois passam o dia no escritório sem fazer nada a não ser discutindo sobre a moça, sobre a disputa de quem conquistará o seu coração.
O filme tem uma necessidade tão grande de agradar à grande audiência que se torna um espetáculo anódino e medíocre. E o final, então, é tão sem graça que chega a ser constrangedor. Mas, enfim, já vi coisas piores. Quem sabe, com um pouco mais de bom humor e uma boa companhia, o filme sirva a algum propósito.
quarta-feira, abril 04, 2012
A ÁRVORE DO AMOR (Shan Zha Shu Zhi Lian)
Zhang Yimou não precisa provar mais nada para ninguém depois de ter realizado as obras-primas TEMPOS DE VIVER (1994) e O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (2004), dois filmes totalmente distintos e separados por uma década. Dentro da grande ilha chinesa, ele é o principal e mais importante nome e, ainda que tenha feito três filmes de artes marciais, o que o tornou famoso para o mundo foram mesmo seus melodramas. Alguns são tão carregados nas tintas que muita gente desgosta.
Talvez seja o caso de A ÁRVORE DO AMOR (2010), filme que narra o romance de um rapaz e uma moça na década de 1960, tempo do estabelecimento da Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung. Yimou não se furta a fazer suas críticas ao governo, mas isso acaba servindo como pano de fundo, como mais um obstáculo para o romance de Jing e Sun. As dificuldades financeiras da jovem Jing são mostradas também como pedras no caminho, assim como as convenções sociais. Ela era muito jovem para namorar o bem intencionado Sun. Mas ele não desiste dela. E nem ela quer que ele faça isso.
O momento mais belo do filme ocorre quando a mãe de Jing, depois que descobre o romance secreto dos dois, pede para que ele passe um ano sem vê-la. Os dois ficam arrasadoramente tristes, mas dizem que irão obedecê-la. Ele, inclusive, diz que esperaria a sua vida inteira por ela. Lembrei, nesse momento, daquele lindo soneto de Camões sobre o amor de Jacó por Raquel.
Na continuação dessa sequência, ele pede para, antes de ir embora, trocar as bandagens dos pés de Jing, que estava com queimaduras provocadas pela cal. O choro dos dois nesse momento de despedida, a delicadeza com que Yimou trata esta cena, já faz valer o filme, embora mais emoções ainda surjam. A ÁRVORE DO AMOR conta com passagens escritas indicando a passagem do tempo e acrescentando alguma informação extra. Isso faz com que o filme se aproxime de uma narrativa literária de linha clássica.
terça-feira, abril 03, 2012
JOHN CARTER: ENTRE DOIS MUNDOS (John Carter)
Não é que JOHN CARTER: ENTRE DOIS MUNDOS (2012) é uma aventura até que bem decente?! Acabei resistindo a ver o filme, deixando para vê-lo só agora, na quarta semana de exibição. Achei até estranho ter durado tanto tempo em cartaz aqui, já que só falam do quanto o filme deu prejuízo para a Disney. Mas a julgar pelo número de gatos pingados que estavam na sessão, não deve durar mais uma semana, não. De todo modo, trata-se de uma aventura que tem o sabor de velhos filmes que se assistia antigamente, na Sessão da Tarde. Refiro-me mais à narrativa do que aos efeitos especiais, claro.
Se Brad Bird conseguiu migrar para o live action, com MISSÃO: IMPOSSÍVEL – PROTOCOLO FANTASMA, agora foi a vez de Andrew Stanton, o elogiado responsável pelas animações PROCURANDO NEMO (2003) e WALL-E (2008). Não que ele tenha se livrado de vez das animações por computador, pois as criaturas de quatro braços do planeta Marte que o protagonista encontra são todas animações de última geração. E já estamos tão acostumados com CGI que os efeitos do filme são o que menos impressiona. Na verdade, é o que menos importa.
O que importa é o filme conseguir atrair a atenção com um herói praticamente desconhecido do grande público. Eu, pelo menos, sabia que Edgar Rice Burroughs era o criador de Tarzan, mas não conhecia esse outro personagem importante de sua literatura. E o interessante é que já haviam feito um filme contando basicamente a mesma história de JOHN CARTER chamado PRINCESS OF MARS. Só que é uma produção bem menos ambiciosa, digamos assim, já que a princesa é interpretada por Traci Lords. Como o filme é recente (de 2009), talvez nem mesmo a presença de Traci seja um chamariz, já que ela já não deve ter a mesma beleza dos tempos áureos do pornô, nem dos tempos em que começou a fazer policiais B.
A princesa de Marte de JOHN CARTER é a bela Lynn Collins, que já encantou quem a viu na primeira temporada de TRUE BLOOD e em X-MEN: ORIGENS – WOLVERINE. E o jovem rapaz que interpreta o aventureiro que não quer saber de lutar contra apaches e depois é transportado para Marte, tornando-se uma espécie de super-herói, graças à diferença de gravidade entre os dois planetas, é Taylor Kitsch, com grandes chances de chegar ao estrelato.
Quanto ao filme, a aventura é boa, mas acredito que a duração poderia ser um pouco menor. Essa onda de blockbusters (e até comédias) com mais de duas horas de duração deveria ter os seus limites. Eu não me incomodei tanto, mas vi pessoas desistindo do filme no meio, achando chato provavelmente. Não se esperando muito, é possível, sim, se divertir e curtir JOHN CARTER. Lembrando que o personagem é o precursor de muita coisa que veio depois: Star Wars, Senhor dos Anéis e até Superman e Hulk.
P.S.: Tem uma matéria nova no blog do Diário do Nordeste destacando as heroínas dos filmes a serem lançados nos cinemas brasileiros em 2012. Confiram AQUI.
segunda-feira, abril 02, 2012
RED, WHITE & BLUE
O cinema underground americano produz algumas pequenas pérolas que não chegam sequer às nossas videolocadoras. Aí é que entram em cena os blogs de cinéfilos, que divulgam esses filmes e o burburinho gerado cria um pequeno hype que faz com que muitos queiram conhecer essas obras. É o caso de RED, WHITE & BLUE (2010), filme independente dirigido pelo cineasta inglês Simon Rumley. Pesquisando sobre o cineasta no IMDB, dá para ver que os trabalhos que ele realizou anteriormente em sua terra natal foram quase todos de horror ou afins.
RED, WHITE & BLUE cruza o gênero horror para depois abraçá-lo com força em seus momentos finais. A construção narrativa já merece elogio a partir dos primeiros minutos, que contam a história sem auxílio de diálogos, que só surgem alguns minutos depois, quando somos apresentados a Erica (Amanda Fuller), uma garota que gosta de transar com pessoas desconhecidas e depois não ter mais nenhuma ligação com elas. O estranho é que aparentemente ela não sente prazer durante o ato sexual. A princípio, parece apenas uma espécie de sentimento autodestrutivo, de falta de amor próprio.
Contar mais pode estragar as surpresas desse belo filme. Não dá para dizer que se trata de um dos filmes mais violentos dos últimos anos, pois temos visto cada vez mais filmes violentos. Eu, pelo menos, depois de MÁRTIRES, acho que estou preparado para tudo. E hoje em dia sabe-se que o mérito desses filmes mais pesados não vem de sua violência, que muitas vezes pode provocar apenas asco e desprezo no espectador. O filme deve transcender essa violência e mostrá-la como peça indispensável para a construção do filme. E é assim que eu a vejo em RED, WHITE & BLUE: cruzando o terreno da poesia.
domingo, abril 01, 2012
UM MÉTODO PERIGOSO (A Dangerous Method)
Talvez o roteiro de Christopher Hampton, especializado em filmes de época como LIGAÇÕES PERIGOSAS, DESEJO E REPARAÇÃO, entre tantos outros, tenha prejudicado um pouco UM MÉTODO PERIGOSO (2011), de David Cronenberg, que trata da relação de Gustav Jung com uma de suas pacientes e mais adiante com Sigmund Freud. Há também uma preocupação bem acentuada em procurar ser fiel aos fatos, em não desapontar aqueles que querem ver uma história biográfica dos pais da psicanálise. Isso pode ter engessado um pouco o filme, ainda que se possa ver nas entrelinhas elementos característicos do cinema de Cronenberg.
É possível estabelecer comparações, por exemplo, com MARCAS DA VIOLÊNCIA (2005). Em ambos os filmes vemos personagens que querem afastar de si o passado, apagá-lo de suas vidas. No anterior, isso acontece de maneira consciente; neste filme, de maneira inconsciente. Em ambos, elementos exteriores são catalizadores da mudança em suas vidas. E mudança é outro elemento recorrente na filmografia de Cronenberg, desde filmes como CALAFRIOS (1975), para citar um de seus primeiros trabalhos. O próprio fato de Jung querer modificar os seus pacientes e não apenas aceitá-los como são, como quer Freud, já é cronenberguiano.
Em UM MÉTODO PERIGOSO, temos o caso de Sabina Spielrein (Keira Knightley), que aparece no filme com crises de histeria. Utilizando o método da conversa de Freud, Jung encontra aos poucos os motivos que a levaram a chegar àquela situação. Depois de descoberto e aceito o problema de Sabina, Jung e a jovem ficam amigos e depois amantes. Seu histerismo vai logo embora depois que ela descobre e assume o prazer que sente em apanhar. E Jung, como bom sujeito que é, faz o favor de dar-lhe umas boas palmadas e chicotadas antes ou durante o ato sexual. Para a alegria da moça.
Michael Fassbender, ator alemão em ascenção, que apareceu em filmes como o terror inglês SEM SAÍDA, em BASTARDOS INGLÓRIOS, no épico CENTURIÃO, e em X-MEN – PRIMEIRA CLASSE, no qual faz o papel de Magneto, talvez só agora, com UM MÉTODO PERIGOSO e com SHAME, de Steve McQueen, tenha ganhado maior visibilidade. Viggo Mortensen, no papel de Freud, não entrega uma de suas melhores performances e tem até pouca participação no filme, mais centrado na figura de Jung (Fassbender). Vincent Cassel funciona como uma espécie de demônio interior de Jung, responsável por empurrar o psicoanalista a ter um caso com sua paciente masoquista.
Falta, no entanto, mais força ao filme, no sentido de nos deixar mais entusiasmados. É provavelmente o trabalho de Cronenberg mais decepcionante desde SPIDER – DESAFIE SUA MENTE (2002). Mas isso se deve ao fato de que o cineasta tem conquistado uma legião cada vez maior de cinéfilos. Sendo assim, vale esclarecer que o filme é repleto de bons momentos. De todo modo, não deixa de ser motivo de comemoração termos num só ano o lançamento no país de duas obras do diretor, sendo a próxima, COSMÓPOLIS (2012), agendada para o segundo semestre.
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