sexta-feira, agosto 30, 2013
VIOLÊNCIA NA CARNE
Tem uma cópia linda de VIOLÊNCIA NA CARNE (1981), de Alfredo Sternheim, disponível na internet. Mas isso porque é de edição estrangeira. Caso raro de cópia de qualidade dos filmes deste interessante diretor que marcou com elegância o cinema da Boca do Lixo. Não tinha gostado muito de A HERANÇA DOS DEVASSOS (1979), até pelos problemas que listei: o áudio de péssima qualidade, não mixado, mal dando para entender o que os atores e atrizes falam.
Com VIOLÊNCIA NA CARNE é outra história. Até o colorido da fotografia está caprichado. A história é só uma desculpa para o erotismo, mas funciona que é uma beleza. Dos que vi de Sternheim até agora só perde para ANJO LOIRO (1973). No elenco, há a beleza dos corpos nus de Helena Ramos e Neide Ribeiro. Tem o par que faz o casal de lésbicas também (Sonia Garcia e Nadia Destro), mas eu destaco mesmo as duas primeiras. Principalmente Neide Ribeiro, no auge da gostosura e com uma cena de striptease deliciosa. Até porque não dá pra levar muito a sério o suspense dos três bandidos que fazem o grupo de atores e atrizes de reféns.
É o típico exploitation dos bons. Quem reclamar que o filme tem cenas de sexo gratuito é porque não entendeu o espírito da coisa e deve catar coquinho (estou sendo elegante). Há que se valorizar também o dinamismo da direção de Sternheim, que começa como que homenageando AMARGA ESPERANÇA, de Nicholas Ray, mas depois logo mostra, com a lenta sequência do carro pegando fogo, o quanto o cinema brasileiro era pobre: queimar um carro, por exemplo, era algo que poucos podiam se dar ao luxo. Mesmo sendo um carro velho.
VIOLÊNCIA NA CARNE também conseguiu colocar o personagem de um preso político falando sobre suas convicções e o fato de ter se juntado a dois bandidos comuns para sair da prisão. Como há personagens que criticam os seus atos, o cineasta pôde disfarçar o seu posicionamento político diante daquela situação complicada que era filmar durante a ditadura.
No fim das contas, o filme consegue muitas coisas: sabe aproveitar as boas cenas de sexo simulado, inclusive a desta foto cima, de um dos bandidos encontrando uma loira na praia; conta uma história envolvente e com um pouco de tensão; manifesta um pensamento político; agradou o diretor e a audiência e ainda mostrou casais de gays e lésbicas em cenas um tanto ousadas para a época. Destaque para a primeira cena de sexo entre Helena Ramos e Zé Carlos de Andrade. A câmera inicialmente focaliza os dois deitados no tapete, para só em seguida abrir para uma tomada que mostra a sala toda assistindo o espetáculo de amor dos dois. Sensacional.
quinta-feira, agosto 29, 2013
JASÃO E OS ARGONAUTAS (Jason and the Argonauts)
Por estes dias rolou na Liga dos Blogues Cinematográficos o chamado "Mondo Harryhausen", uma homenagem feita pela turma a um dos maiores mestres dos efeitos especiais da história do cinema, Ray Harryhausen. Acontece que o tempo não tem sido muito meu amigo e acabei vendo poucos filmes com o dedo do mago dos efeitos. Sobre um deles, já comentei a respeito aqui, A 20 MILHÕES DE MILHAS DA TERRA, de Nathan Juran. O outro, apesar de não ser dele, faz parte do "Mondo", GODZILLA, O MONSTRO DO MAR, de Ishirô Honda. Agora foi a vez de um dos mais importantes, JASÃO E OS ARGONAUTAS (1963), de Don Chaffey.
Acontece que tenho um pequeno problema com filmes de fantasia e aventuras épicas: é quase certo que esse tipo de filme vai me dar sono. Por mais movimentado que seja. Por isso eu valorizo tanto o universo de O SENHOR DOS ANÉIS, pois conseguiu me manter bem aceso. No caso de JASÃO E OS ARGONAUTAS eu até tinha motivos para me manter bastante acordado, pois nos últimos anos eu aprendi a gostar de Homero, lendo a sensacional A Ilíada. Acontece que ler é uma coisa; ver filmes baseados em epopeias da literatura é outra. Vejamos, por exemplo, o meu frequente desgosto com relação às adaptações de quadrinhos de super-heróis. Pois bem. É quase a mesma coisa. Talvez seja o excesso de música que me incomoda, não sei. Se bem que a música de JASÃO... é do Bernard Herrmann. Respeito, hein.
De todo modo, sei muito bem listar as qualidades de JASÃO E OS ARGONAUTAS. Principalmente em relação a filmes que querem tirar os deuses da trama. Tirar os deuses das epopeias é como negá-las, já que elas foram escritas num tempo em que os deuses (ou Deus) viviam em maior proximidade com os homens. Pelo menos dentro da literatura. Com a "morte de Deus" e o advento do romance, o homem ficou só, com suas angústias, mas em compensação ganhou em profundidade. Assim, é natural ver os personagens do filme apenas como arquétipos, criaturas um tanto rasas, por mais que possamos antever uma grande e tenebrosa sombra em cima da personagem Medeia, que em determinada obra será lembrada como uma das mais perturbadoras criações da Antiguidade.
No filme, ela se une ao herói Jasão, que no início também está vinculado a outro personagem famoso dos helênicos, Hércules. E como não poderia deixar de ser, com a presença de Harryhausen, o filme aproveita bastante o dom do mestre em saber criar imagens de criaturas fantásticas em cenas em conjunto com os personagens de carne e osso. Como nas cenas envolvendo um gigante de pedra (um deus), guerreiros esqueletos e outras criaturas. Mas o que mais impressiona é a cena que envolve Poseidon, que, saindo imenso do mar, salva os heróis de serem mortos.
No mais, JASÃO E OS ARGONAUTAS também tem o mérito de encerrar antes de fechar o ciclo de aventuras. Quer dizer, ele fecha uma espécie de arco, mas não dá um desfecho definitivo para a história do Velo de Ouro e o destino de Jasão quando retorna dessas aventuras. Deste modo, até lembra o recorte feito em A Ilíada, que trata apenas de um momento da Guerra de Troia, não um resumão da guerra toda. Don Chaffey, o diretor, é o mesmo de MIL SÉCULOS ANTES DE CRISTO (1966), que traz Raquel Welch em trajes sumários na idade das cavernas. Acredito que neste eu não deva cochilar.
quarta-feira, agosto 28, 2013
A VISITANTE FRANCESA (Da-reun na-ra-e-seo)
Uma das graças de A VISITANTE FRANCESA (2012), de Hong Sang-soo, está justamente em algo que também pode ser o seu calcanhar de Aquiles: a repetição, que é um elemento que contribui para acentuar o senso de humor do filme, mas que pode cansar um pouco a audiência.
O filme se estrutura em três histórias imaginadas por uma jovem roteirista de cinema, todas protagonizadas por uma francesa passando uns dias em uma pequena cidade do litoral sul-coreano. A personagem se chama Anne e é vivida nas três histórias pela sempre bela e elegante Isabelle Huppert. Aliás, tantas vezes dizem que ela é linda no filme, que isso acaba sendo um fato e não um mero "achismo".
Um dos aspectos mais interessantes em cineastas que utilizam bastante a câmera parada e investem mais na mise-en-scène é que, quando há um simples movimento, ele é percebido como forte, poderoso até. Por isso os zooms de A VISITANTE FRANCESA são tão desconcertantes. Às vezes fica no ar a pergunta: por que este zoom neste momento?
O ideal seria ver o filme já tendo um pouco de intimidade com a poética de Sang-soo, que já tem mais de uma dúzia de trabalhos no cinema, mas, quando isso ainda não é possível, podemos analisar a obra por ela mesma. Assim, o que percebemos neste filme "três em um" é o quanto os personagens masculinos são ridículos em suas abordagens frente às mulheres. No caso, frente a Anne, a personagem tríplice de Huppert, que passa, ao longo do filme, de diretora de cinema e mulher independente para esposa adúltera e, em seguida, para mulher traída e com sentimento de abandono.
Um aspecto curioso de A VISITANTE FRANCESA é a dificuldade de comunicação. Como o inglês é a língua estrangeira falada pela protagonista com os demais, há, com frequência, ruídos de comunicação e uma preferência óbvia por uma vocabulário bem básico. Principalmente nas cenas envolvendo o divertido salva-vidas. Aliás, tem como não ficar encantado com a cena da canção que ele faz pra ela na barraca?
Um modo de encarar essas diversas histórias é imaginá-las como pequenas variações e repetições de um universo paralelo (adoro a moça da pousada, que sempre empresta a Anne um guarda-chuva). No caso, um universo criado por um deus representado por uma jovem roteirista. Que, não por acaso, é abandonada ao final do filme. Uma espécie de narradora marginal. Isto é, coerente com personagens que se sentem estrangeiros em seu próprio país.
domingo, agosto 25, 2013
SEM DOR, SEM GANHO (Pain & Gain)
A primeira coisa que pode ser dita sobre SEM DOR, SEM GANHO (2013) é o fato de ser o primeiro filme de Michael Bay digno de ser chamado de ótimo, embora essa afirmativa seja questionável. Como toda afirmativa assim tão incisiva o é. Mas, enfim, o que vale destacar é o fato de sair da sessão de um filme desse diretor entusiasmado e satisfeito. As principais referências são os trabalhos de Oliver Stone e Quentin Tarantino, nos anos 1990.
A fotografia emula o colorido da época, com a história se passando na ensolarada Flórida. A história, baseada em fatos reais, é também carregada de humor, o que torna um pouco mais leves sequências bem violentas. É mais ou menos como a cena do tiro que sai por acidente dentro de um carro em PULP FICTION, de Tarantino. Você sabe que aquilo ali é muito sangrento e violento, mas não consegue parar de rir. Em SEM DOR, SEM GANHO, o elemento mais representativo desse humor negro é a cena do churrasco.
A trama envolve um grupo de fisiculturistas que articulam o sequestro de um milionário e acabam por complicar as suas vidas. Mas antes disso, o filme faz uma bela crítica ao American way of life, à necessidade de ser forte (ou exageradamente forte, a ponto de prejudicar até mesmo a potência sexual) e de ser rico naquele país das oportunidades. Porém, para Daniel Lugo (Mark Wahlberg), alguma coisa está errada quando um latino-americano está muito rico e ele mal consegue pagar as contas, mesmo sendo um dos melhores personal trainers da cidade.
A cena da palestra do sujeito que diz que o mundo é dividido em pessoas realizadoras e pessoas acomodadas ainda é bem atual, se pensarmos nos inúmeros cursos de coaching e liderança que crescem a cada dia no mercado. Além do mais, é fácil se identificar, ter aquela vontade de vencer do protagonista. Pelo menos até determinado momento, já que, para atingir aquilo que almeja, ele resolve partir para o crime. E com isso se junta a dois outros colegas da musculação, vividos por Dwayne Johnson e Anthony Mackie. O primeiro é um ex-presidiário cristão e um tanto ingênuo, o segundo é um cara que também não tem muita inteligência e que adora mulheres mais gordinhas.
E é justamente por causa da falta de uma maior inteligência do grupo que algumas cenas do filme ficam engraçadas, apesar da violência e das tragédias e do fato, claro, de sabermos que aquilo ali é baseado em uma história real, acontecida entre os anos de 1994 e 1995. E em certo momento do filme, de forma espirituosa, o narrador onisciente faz questão de dizer que ainda se trata de uma história real. Afinal, há coisas ali difíceis de acreditar.
E entre essas coisas difíceis de acreditar está a excelente direção de Michael Bay. Há uma sequência em especial que se destaca: a câmera simula um plano-sequência, adentrando duas ou três vezes um buraco na parede para vermos a ação transcorrendo e voltando pelo outro lado. Trata-se de algo que chega a lembrar o trabalho de David Fincher, mais especificamente uma cena de O QUARTO DO PÂNICO, embora dê para lembrar a violência grotesca e o senso de humor de O CLUBE DA LUTA também.
Há também um uso de voice-overs, do ponto de vista de vários personagens, que pode até cansar a alguns, mas que, especialmente no cinema, cai muito bem e ajuda a engrandecer o filme. Lembremos que trabalhos maravilhosos de Martin Scorsese, como OS BONS COMPANHEIROS e CASSINO, também são recheados de voice-overs, além de também lidarem com crimes, violência e suas consequências na vida dos personagens.
Com isso, essa mais do que bem-vinda opção de Bay por uma produção de menor orçamento e de mais "tutano" acaba por mostrar o quão habilidoso o cineasta pode ser. Pena que já vem um quarto TRANSFORMERS por aí. :/
sábado, agosto 24, 2013
QUELLA ETÀ MALIZIOSA
Quem viu Gloria Guida em AVERE VENT'ANNI, de Fernando Di Leo, com certeza não esqueceu desta linda e encantadora atriz que fez a festa nas comédias eróticas italianas das décadas de 1970 e 1980. Há semelhanças entre esse gênero de filme produzido no país da bota e as nossas pornochanchadas, que também atingiram o seu auge no mesmo período. Inclusive no quesito “ultrapassar a barreira do humor e do erotismo”. Daí AVERE VENT'ANNI ter aquele final tão impactante.
QUELLA ETÀ MALIZIOSA (1975), de Silvio Amadio, lançado três anos antes, não pega tão pesado quanto o citado filme. E nem tem o mesmo brilho. Mas há a presença exuberante de Gloria, seus belos olhos verdes e grandes, seu corpo perfeito e natural, seu sorriso cativante. E há aquela que é uma das cenas mais sensuais do cinema, acontecendo dentro de um ônibus lotado.
Na tal cena, o protagonista (Nino Castelnuovo) vai com ela até a casa onde ele vai trabalhar como jardineiro. A casa da mãe dela. Na cena do ônibus, ela se aproxima dele de todas as maneiras, como se simulando sexo em diversas posições, com a diferença que aqui há um pouco mais de sutileza. E ela é a agente ativa da situação. Ele fica quase imóvel, tentando resistir à tentação.
O protagonista, de nome Napoleone, é um sujeito que, cansado da esposa chata (que a gente nunca vê, apenas a voz, num início de filme muito interessante), resolve sair de casa e atender a um emprego de jardineiro, nos classificados. Para estar no emprego, ele deveria ser independente, sem família, coisa que ele afirma ser.
Chegando na tal casa, ele conhece a dona e sua filha, vivida por Gloria Guida. Não é nenhuma surpresa que o filme tratará do relacionamento entre os dois, algo proibido pela mãe da jovem. Nessas primeiras cenas entre os dois, destaque para um rápido strip-tease que a moça loira oferece a ele, sem que ele saiba, já que está escondido atrás das árvores, espiando-a.
Assim como AVERE VENT'ANNI, este filme também se encaminha para um final que muda o gênero, encaminhando-se para o suspense dramático. Mas trata-se de um filem bem mais leve em todos os sentidos. Nem por isso deixa de ser bem agradável. Quero ver mais Gloria Guida.
sexta-feira, agosto 23, 2013
OS INSTRUMENTOS MORTAIS – CIDADE DOS OSSOS (The Mortal Instruments – City of Bones)
Está complicado acompanhar esta atual safra de filmes juvenis de fantasia. São raros os casos bem-sucedidos e OS INSTRUMENTOS MORTAIS – CIDADE DOS OSSOS (2013) não é exceção. Há, claro, quem vá fazer vista grossa para o filme, principalmente os fãs da coleção de livros de Cassandra Clare, que traz uma salada de elementos fantásticos para compor sua obra e disfarçar a falta de inventividade.
Estão lá bruxas, bruxos (warlocks), lobisomens, vampiros e demônios no mesmo mundo em que habitamos, mas apenas visualizados por quem possui certas marcas e atributos. É o caso de Clary, a personagem de Lily Collins. No início do filme, que é até bem interessante, remetendo a alguns filmes de horror tradicionais, a garota passa a desenhar um estranho símbolo e a vê-lo em determinados lugares.
A mãe (Lena Headey, não tão à vontade quanto em GAME OF THRONES) começa a perceber que é hora de contar certas coisas para a filha, mas o relacionamento entre as duas não é tão bom: há a natural distância entre os adolescentes, que querem descobrir o mundo sozinhos ou com seus amigos, e os adultos, que tentam ajudar, mas nem sempre conseguem.
Aliás, o filme até tem pano para manga para trazer discussões sobre a adolescência, com temas como o escapismo (representado pelas figuras fantásticas), a rebeldia com um desejo de transgredir (ao procurar coisas proibidas ou perigosas), além das primeiras descobertas e tensões amorosas, representadas no filme pelo triângulo amoroso entre Clary, seu amigo Simon (Robert Sheehan) e o novo amigo, vindo do universo oculto, Jace (Jamie Campbell Bower).
Além da beleza ascendente da jovem Lily, há pouco a louvar em relação ao filme. As aventuras leves em tom, mas rápidas em ritmo, não causam agitação a nosso espírito. Ao contrário, as várias cenas envolvendo seres fantásticos (cerca de 95% da duração) acabam por cansar ou aborrecer o espectador. Às vezes dinamismo em excesso torna o filme um sonífero para determinadas audiências. Bem mais do que ver trabalhos mais lentos.
E no aspecto mais humano, como na relação de Clary com Jace, por exemplo, a química é próxima do zero entre os dois. A cena do beijo e o momento que a precede, então, só devem fazer emocionar garotinhas muito jovens mesmo. Mas, não sei, posso estar errado e o filme de Harald Zwart, quem sabe, tem mais defensores do que imagino.
Se eu já entrei na sala pra ver este filme porque a cópia de SEM DOR, SEM GANHO não havia chegado, já estou devidamente preparado para não ver as sequências.
quinta-feira, agosto 22, 2013
GODZILLA, O MONSTRO DO MAR (Gojira)
Depois de me decepcionar um pouco (ou bastante, na verdade) com CÍRCULO DE FOGO, do Del Toro, bateu aquela vontade de finalmente conferir um dos filmes mais importantes do gênero kaiju, ou seja, os filmes de monstros gigantescos que se tornaram tão populares no Japão a partir da década de 1950, quando os japoneses ainda estavam curando as feridas das bombas atômicas despejadas cruelmente sobre duas cidades em 1945. Quando do lançamento de GODZILLA, O MONSTRO DO MAR (1954), de Ishirô Honda, esse sentimento de medo e trauma da radioatividade ainda estava os assombrando.
Se até os americanos andavam paranoicos com a bomba (por causa da Guerra Fria), espelhados em seus filmes de ficção científica e horror, é muito mais fácil imaginar o que esse período representou para o povo japonês. Assim nasceu este filme que se destaca não apenas por apresentar um monstro icônico, pré-histórico e que chega à superfície por causa da radioatividade, mas também porque é um filme que destaca o drama do povo, seu desespero diante de tanta destruição e morte.
Há quatro figuras de destaque entre os personagens: o velho zoólogo, que não quer que matem o Godzilla, mas que o capturem para fins de estudo; o cientista com tapa-olho, que descobre uma forma de destruir os átomos de oxigênio e, consequentemente, trazer uma única arma possível para deter, isto é, matar a criatura; e o casal de namorados, um militar e a filha do zoólogo.
Mas o filme dá espaço também para outros personagens anônimos, que ganham voz e dramaticidade, como na cena da mãe com os filhos na rua, dizendo para os pequenos que em breve eles se juntarão ao pai, enquanto o monstro passeia pelas ruas, deixando um rastro de destruição.
Vale destacar também os efeitos especiais, que hoje estão naturalmente um tanto datados, mas que, devido ao potencial dramático do filme, acabam se tornando tão eficientes quanto o atual CGI. Assim, é possível perceber as maquetes de casas, trens e helicópteros , as cenas em que Godzilla é um homem vestido com uma roupa de borracha, as back projections, tão necessárias para criar as cenas envolvendo os homens e o monstro. E há até mesmo utilização de imagem de arquivo da marinha japonesa, na cena em que os militares lançam mísseis no mar, na tentativa de matar o monstro.
No fim das contas, GODZILLA, O MONSTRO DO MAR é um filme poderoso, que sobreviveu ao tempo e que hoje em dia tem um charme ainda maior – na época deve ter causado muito alvoroço. E há o tradicional sacrifício do herói no final, um tanto já esperado lá pela metade do filme. Ao final, o gosto de vitória é amargo, com o velho zoólogo prevendo que outros godzillas poderão surgir, que o pesadelo ainda não acabou. E que tudo isso é culpa do homem.
terça-feira, agosto 20, 2013
TRUE BLOOD – A SEXTA TEMPORADA COMPLETA (True Blood – The Complete Sixth Season)
Pode-se dizer que houve uma queda de qualidade em relação à temporada anterior. Mesmo assim, pra uma temporada que começou bem desinteressante e maçante, a partir do terceiro ou quarto episódios, a sexta temporada (2013) de TRUE BLOOD voltou aos trilhos, ainda que não dê para classificá-la como sendo uma das melhores. Ao contrário, é toda torta e cheia de falhas, tem uma história meio boba envolvendo um vampiro-fada, mas consegue se segurar muito bem com a trama paralela, a da prisão dos vampiros.
Não deixa de ser interessante vê-los agora na posição de vítimas, mesmo torcendo por eles. Até personagens que começaram como malvados ou antipáticos, como Eric e Pam, acabaram conquistando a simpatia da audiência. E hoje nem dá para imaginar a série sem eles. Ainda assim, corre-se o sério risco de haver uma sétima temporada sem o Eric, embora eu ache difícil de acontecer.
Falando em livrar-se de personagens, interessante como esses produtos televisivos são guiados não só pela audiência, mas também pela simpatia ou antipatia que determinados personagens causam no espectador. Deve ter sido o caso de um dos coadjuvantes, que não era mesmo tão interessante e foi para o saco. Mesmo assim, sua saída de cena acabou rendendo o momento mais emocionante da temporada, com o discurso de Sookie em seu funeral. Confesso que chorei.
No mais, continua o distanciamento de Sookie com os vampiros que fizeram a sua cabeça nas primeiras temporadas. Foi também uma temporada que deu pouco destaque para Sam, um dos personagens mais interessantes da série e o terceiro nome a aparecer nos créditos.
O problema é que as tramas envolvendo Warlow (o tal vampiro-fada apaixonado por Sookie) e principalmente a perseguição e prisão dos vampiros, bem como os poderes adquiridos por Bill, depois de ter bebido o sangue de Lilith, acabaram não deixando espaço para os transmorfos e muito menos para os lobisomens. No fim das contas, parecia que os roteiristas não sabiam mais o que fazer com esses personagens. Outro coadjuvante muito bom e subaproveitado é Lafayette.
Quanto ao aspecto erótico da série, infelizmente a sexta temporada diminuiu bastante a temperatura, que se mostrou realmente forte apenas em uma cena envolvendo sexo a três com a turma dos lobisomens no meio da floresta. O ménage envolve duas mulheres e um homem, Alcide, outro cara caidinho pela Sookie. No mais, Jessica continua espetacular e teve mais espaço nesta temporada. Uma boa ideia seria matarem todos os personagens e fazerem uma série do zero chamada "As aventuras sexuais da vampira Jessica". Levanta o braço quem concorda! o/
domingo, agosto 18, 2013
CINE HOLLIÚDY
“Como já dizia o grande diretor de Hollywood, Genghis Khan: o astista nunca é assassino, o caba do mal é que é morredô” (Francisgleydisson)
A pergunta que não quer calar: será que CINE HOLLIÚDY (2012) repetirá o mesmo sucesso fenomenal que está tendo nas salas cearenses quando avançar para os demais estados? Ou se tornará um exemplar de um humor exótico, com tanto cearensês explícito? Em breve saberemos. Mas de uma coisa eu sei: o filme fica ainda melhor na revisão. Até porque CINE HOLLIÚDY tem tantas sequências divertidas que dá vontade de ver mais vezes, para decorar certas passagens. E não duvido que muitos estejam fazendo isso.
E se durante a exibição no Cine Ceará o trabalho de Halder Gomes trazia legendas apenas nas falas das crianças ou em outra sequência menos audível, para a exibição comercial ele está totalmente legendado. Uma boa ideia, eu diria. Falando em ideia, a estratégia de começar a distribuição apenas no Ceará, para depois expandir para o Norte e Nordeste, e só então exibi-lo nos demais estados, pode vingar, já que a essa altura muita gente lá do Sul e Sudeste anda muito curioso para conferir as presepadas de Francisgleydisson (Edmilson Filho), o herói da história, o homem que quer construir um cinema em um tempo em que a televisão já está dominando tudo.
E por mais que saibamos que o filme é uma declaração de amor ao cinema como veículo narrativo, há também uma grande valorização da oralidade, já que o protagonista adora contar histórias fantásticas para o filho, seja de disco voador ou de lutas de artes marciais impressionantemente fabulosas. Lá pelo final do filme, a linguagem oral é que servirá de salvação para o herói.
É bom deixar claro que o cinema homenageado por Halder é principalmente o cinema de artes marciais, que é o gênero que mais o fascinou e que teve um apelo popular bem acentuado, principalmente nos anos 1970. Inclusive, a estreia de Halder na direção de longas-metragens foi com a produção americana SUNLAND HEAT – NO CALOR DA TERRA DO SOL (2004), um filme de pancadaria passado em Fortaleza, e que não esconde o jeitão de filme B amador.
E se há essa saudade dos filmes de artes marciais, há também a saudade da própria terra, o Ceará. Que em momentos de valorização da cultura popular, com a ascensão de um fenômeno das redes sociais chamado “Suricate Seboso”, torna-se cada vez mais divertido lembrar o modo como se falava ou ainda se fala ou se comporta neste que é um dos estados que mais sabe rir de si mesmo, no Brasil.
Essa fala popular está bem representada no elenco presente na inauguração da sala na cidade de Pacatuba, com participações especiais de humoristas famosos do Ceará, como Falcão, no papel do cego “ignorante”; João Netto, como o bêbado; e Karla Karenina, como a torcedora do Fortaleza. Está representada também nas crianças, que dão um show à parte. Muito bom o momento em que os mais pobres, que não tem uma televisão Telefunken colorida em casa como o menino mais abastado, pedem para que ele conte como foi o filme de kung fu que passou na tevê na noite anterior. “Pedido de amigo”, suplicam.
Outro destaque do filme: a fotografia em cores quentes, que privilegia tanto o azul do céu e da fachada do cinema, quanto o amarelo do carro. E há também a trilha sonora, que prestigia Odair José, Fernando Mendes e Márcio Greyck. Este último, inclusive, faz uma ponta, no papel do comprador do carro. Bom, há quem vá achar o filme coisado ou fuleragem, mas é o que a gente tem mais perto de um CINEMA PARADISO por ora.
sexta-feira, agosto 16, 2013
FLORES RARAS
O 19º longa-metragem de Bruno Barreto está longe de ser um de seus melhores trabalhos, apesar de ser um tanto ambicioso, ao mexer com a vida de uma poeta tão importante quanto Elizabeth Bishop, interpretada no filme pela australiana Miranda Otto. É mais uma cinebiografia a se juntar a tantas outras medíocres, mas que pelo menos têm o mérito de apresentar ao público que desconhece a vida dessas pessoas, ainda que a figura retratada seja menos do que uma sombra do que foi a pessoa real.
No caso de FLORES RARAS (2013), o recorte é para um dos momentos mais importantes da vida da escritora: quando esteve, durante as décadas de 50 e 60, no Brasil, mantendo um romance com a arquiteta Lota de Macedo Soares, vivida aqui por Glória Pires. No início, o contraste entre as personalidades de Elizabeth e Lota são interessantes de notar, como o filme acaba explicitando em uma cena: enquanto Lota faz questão de mostrar para todos e com orgulho aquilo que ela faz, a tímida e retraída Elizabeth tem até vergonha de ver alguém recitando um de seus poemas.
O filme é adaptado do livro "Flores raras e banalíssimas: a história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop", de Carmen L. Oliveira. Logo, a intenção é mesmo focar na relação amorosa dessas duas mulheres que desafiaram a sociedade, muito embora esse aspecto não seja tão explorado. Há também a oportunidade de vermos o Rio de Janeiro e o Brasil em períodos políticos distintos, inclusive mostrando o posicionamento político de Bishop, que não entendia como o país seguia comemorando e fazendo festas, mesmo depois de ter sofrido um golpe militar. Golpe este apoiado por Lota e por seu amigo Carlos Lacerda.
Mas a política tem pouco espaço no enredo. Serve apenas para ajudar a emoldurar a história um tanto insossa tecida por Barreto. Desde o começo falta paixão no relacionamento das duas. Por mais que Glória Pires seja uma boa atriz, não chega a convencer no papel. E os beijos entre as duas são despidos de paixão. Poderíamos dizer que é porque ela é a menos feminina das duas e por isso aparece assim mais agressiva, mas não creio que isso sirva como desculpa.
No fim das contas, a terceira personagem, Mary, a mulher que é apaixonada por Lota e que foi colega de escola de Elizabeth no passado, acaba funcionando melhor como uma pedra na continuidade da relação das duas. Falta também dramaticidade no momento que separa as duas. Barreto definitivamente parece ter perdido a mão. E o pior é que o próximo filme dele não é nada animador: CRÔ, baseado no personagem da novela FINA ESTAMPA. Se fosse para fazer televisão, que continuasse a dirigir episódios de minisséries de qualidade como AMOR EM 4 ATOS (2011).
quinta-feira, agosto 15, 2013
KÁTIA
Acho que se eu visse a quantidade enorme de filmes que alguns amigos cinéfilos veem por ano, não daria conta de escrever sobre todos. Afinal, um filme como este, visto em 9 de junho, já se perdeu bastante na minha memória. Então, escrever sobre KÁTIA (2012), de Karla Holanda, é um exercício de memorização.
O documentário segue uma linha até comum, abordando uma personagem da vida real com algo de extraordinário e que funciona como condutora da narrativa. A intenção de seguir a personagem, como se aproveitando do acaso, para gerar uma boa seleção de cenas, é de certa forma bem-sucedida, embora no final não fique aquela impressão de que acabamos de ver um grande filme.
KÁTIA acaba sendo um exemplo representativo de um momento em que os GLBT buscam um lugar de respeito na sociedade, que por outro lado vem se mostrando cada vez mais hostil, já que o número de homossexuais que são violentados a cada dia parece estar crescendo. No entanto, o que vemos em KÁTIA é uma amostra do quanto uma pequena cidade do interior do Nordeste pode ser progressista, ao eleger a primeira travesti brasileira para um cargo político no país (ela é ex-vereadora).
Outra curiosidade é perceber o quanto a diretora deixa nas mãos de Kátia Tapety a própria condução do filme. A personagem se mostra bastante entusiasmada com aquela câmera a seguindo por todos os lados e ela mesma dá a ideia de que lugar ir logo em seguida, seja o seu local de trabalho na cidade, seja o lugar onde dá comida aos bichos, no campo, mostrando ser “mulher, homem”, o que for, como ela mesmo diz, já que cresceu fazendo o que o seu pai queria que ela fizesse: trabalhando na roça.
KÁTIA é cheio de cenas interessantes, mas falta mais força a essas cenas. Falta o real sentimento do preconceito sofrido pela personagem no passado (e no presente), que é atenuado; falta a tensão com a família mais explicitada; falta algo que encerre o filme de maneira mais intensa. O que vemos é apenas uma boa e agradável seleção de cenas de uma personagem muito interessante.
quarta-feira, agosto 14, 2013
CÍRCULO DE FOGO (Pacific Rim)
É bastante desagradável quando você está com expectativas altas em relação a um filme e acaba se decepcionando no final. Foi o que aconteceu comigo com CÍRCULO DE FOGO (2013), de Guillermo Del Toro, que tem sido alçado a um dos melhores filmes do ano por muitos cinéfilos a quem respeito.
O que ocorre é que a percepção varia bastante de espectador para espectador, mesmo quando há toda uma predisposição para gostar de determinado filme. Um fã de NEON GENESIS EVANGELION como eu, teria, supostamente, maiores chances de embarcar na proposta do filme. No entanto, o que sinto de empolgação e emoção com o anime passa longe de acontecer com este trabalho de Del Toro.
Acabei criando, sem querer, uma regra de que os melhores filmes do diretor mexicano são os realizados no México ou na Espanha, como é o caso de sua obra-prima, O LABIRINTO DO FAUNO (2006). Assim, acabei incluindo CÍRCULO DE FOGO na mesma categoria de BLADE II (2002), HELLBOY (2004) e HELLBOY II – O EXÉRCITO DOURADO (2008). Os dois últimos, inclusive, também lidam com grupos de cientistas e militares trabalhando com algo fantástico. Não coloco MUTAÇÃO (1997) no mesmo grupo, pois, quando revi, tempos depois, acabei gostando.
No mais, por mais que as cenas de ação tenham me dado sono, deu para notar o quanto o cineasta fez o trabalho com amor, colocando monstros gigantes semelhantes aos de filmes B japoneses, sem muita preocupação em caprichar no visual, ou torná-los sofisticados visualmente. Isso faz com que o grande orçamento do filme (na faixa de 180 milhões de dólares!) seja mais percebido nas cenas envolvendo os robôs gigantes manipulados por homens e mulheres para enfrentar os monstros também gigantes vindos das profundezas do Pacífico para destruir o planeta.
Talvez o que tenha faltado ao filme tenha sido um elemento mais humano que desse mais empolgação às sequências de luta, que acabam pecando pela frieza. Há também dois atores que se parecem tanto um com o outro que chegam a confundir. Mesmo sendo rivais. Pareceu um problema de seleção de elenco. Por outro lado, gostei da japonesa (Rinko Kikuchi). Uma pena que seja uma personagem tão rasa quanto os demais, por mais que tentassem criar uma história de traumas de infância para ela.
De todo modo, saí do cinema com sono, mas disposto a ver um autêntico kaiju, começando logo pelo clássico GODZILLA, de Ishirô Honda..
terça-feira, agosto 13, 2013
FERRUGEM E OSSO (De Rouille et d'Os)
Um dos grandes destaques do Festival Varilux de Cinema Francês deste ano, FERRUGEM E OSSO (2012), antes mesmo de sua exibição por essas praças, já estava recebendo uma ótima acolhida nos lugares por onde havia passado. Tanto por causa do sucesso do filme anterior de Jacques Audiard, o mais ambicioso O PROFETA (2009), quanto pelas qualidades do novo filme em si, que devem bastante à beleza e ao talento de Marion Cotillard.
Claro, a história é outro fator impressionante. A princípio, parece um desses melodramas bem carregados nas tintas, já que trata da história de uma jovem mulher, Stéphanie (Cotillard), que perde suas pernas durante um acidente em seu trabalho – ela trabalhava como adestradora de baleias orca. E aí há o relacionamento da moça com um rapaz que ela conheceu em uma festa, o ex-boxeador Ali (Matthias Schoenaerts).
Ele, apesar de saudável e cheio de magnetismo pessoal, tem também os seus problemas, principalmente financeiros, além da responsabilidade de cuidar do filho pequeno. Apesar da aparente incompatibilidade, os dois se mostram cada vez mais próximos, até porque ele não trata Stéphanie com pena. Ao contrário, às vezes até esquece que ela precisa de cuidados especiais, como em uma cena em que ela está em seu carro. A intimidade dessa relação de sexo e amizade é também bastante interessante e tratada com cuidado pelo diretor. Aliás, não consigo imaginar nenhum problema no filme. Embora ele guarde os momentos mais lacrimosos para o final, ainda assim, trata-se de um filme contido nas emoções. O que depõe a favor, embora eu não reclamasse se o filme adentrasse no caminho de um sentimentalismo mais carregado.
Seus personagens, inclusive, são bem mais interessantes do que os de O PROFETA, que é um filme que se apresenta um pouco distanciado do espectador. Vale destacar também a bela fotografia com cores quentes, que contrastam com o drama dos personagens, valorizando o sol do sul da França como um elemento responsável por tratar mais rapidamente as feridas dos personagens. Um bom exemplo disso é a cena em que Ali leva Stéphanie para tomar um banho de mar, um dos momentos mais bonitos do filme.
E mesmo quando o filme centra mais em Ali do que em Stéphanie, já estamos suficientemente interessados nele para aceitarmos essa leve mudança. Até porque as cenas de luta trazem uma bem-vinda selvageria ao filme. De todo modo, falta a mim mais conhecimento da poética de Audiard para poder destacar elementos possivelmente recorrentes em sua filmografia ou até mesmo apontar problemas em seu filme. Mas talvez isso não seja necessário se considerarmos que cada filme é único e independente. Sendo assim, só tenho a elogiar este trabalho em particular, sua adaptação cuidadosa do livro do canadense Craig Davidson e a dupla de protagonistas que parece ter nascido para os papéis.
segunda-feira, agosto 12, 2013
OS ESCOLHIDOS (Dark Skies)
2013 não tem sido um ano muito bom para os filmes de horror. Pelo menos, dentre os que chegam ao nosso circuito. Até mesmo o tão alardeado A MORTE DO DEMÔNIO acabou decepcionando. Mas eis que de onde a gente menos espera surge um filme do gênero muito bom, OS ESCOLHIDOS (2013), de Scott Stewart. Tendo no currículo LEGIÃO (2010) e PADRE (2011), o diretor se despe dos aspectos estilosos do filme anterior para elaborar um trabalho mais simples, mas ainda assim merecedor de nossa atenção.
O filme lida com uma família atormentada pela visita de criaturas extraterrestres. Mas os trata como se fossem fantasmas ou demônios de filmes de casas assombradas. E por isso há muitos clichês reconhecíveis. Porém, até no uso dos clichês o filme é bem-sucedido. Por exemplo, na cena em que centenas de pássaros atingem a casa da família Barrett, esse clichê é ampliado de modo a se diferenciar de outros filmes que utilizaram tal recurso. A cena da primeira aparição da criatura também é um sucesso, assustando de verdade.
Isso acontece porque Stewart conduz o filme com os eventos progredindo de maneira gradual, deixando a narrativa sempre intrigante. Na trama, a família Stewart, formada pelo casal Lacy (Kerry Russell) e Daniel (Josh Hamilton) e pelos meninos Jesse (Dakota Goyo) e Sam (Kadan Rocket), começa a ser perturbada por coisas estranhas que acontecem na casa. Para tornar o drama da família ainda mais intenso, há uma crise financeira gerada pelo desemprego de Daniel, o que provoca atritos de vez em quando na casa.
Há também um cuidado com o uso de lendas anglo-saxônicas, como a do Sandman, o senhor dos sonhos, que numa das histórias de terror que o menino mais velho conta para o caçula, é uma criatura que arranca os olhos de suas vítimas. Assim, no primeiro contato que o caçula tem com uma das criaturas, ele o vê como o Sandman. Ou João Pestana, em algumas traduções.
O modo gradual como as coisas vão acontecendo na vida dos personagens faz com que entremos no inferno que se tornou a vida deles. Assim, OS ESCOLHIDOS acaba não ficando atrás de alguns dos melhores filmes de fantasmas e demônios. Afinal, até mesmo a suspensão da descrença se torna mais fácil, já que se aproxima da ciência. Ou pelo menos do que os ufólogos dizem ser uma ciência. Daí, quando entra o personagem de J.K. Simmons como o especialista em alienígenas, o filme só tem a ganhar, chegando a um clímax e a um final que faz jus ao ótimo desenvolvimento.
Esperemos que mais filmes de horror de qualidade como esse cheguem aos cinemas brasileiros. Há uma boa expectativa quanto a INVOCAÇÃO DO MAL, de James Wan, previsto para chegar por aqui no próximo mês. Oremos.
domingo, agosto 11, 2013
AS SESSÕES (The Sessions)
Uma pena que AS SESSÕES (2012) tenha chegado aos cinemas de Fortaleza vários meses depois de sua estreia em boa parte dos cinemas brasileiros, que aconteceu no período do hype em torno do Oscar, quando Helen Hunt recebeu indicação como atriz coadjuvante pelo seu papel como a terapeuta sexual Cheryl, e tanto a atriz quanto John Hawkes receberam indicações ao Globo de Ouro. Nada mais justo.
AS SESSÕES é um sensível filme sobre um homem de 38 anos (Hawkes) que só movimenta a cabeça e ainda tem problemas com respiração, tendo que passar a maior parte do tempo em uma máquina chamada "pulmão de aço". É essa máquina que o mantém vivo. Porém, o que mais o incomoda naquele momento é o fato de não ter tido nenhuma relação sexual e saber que o seu corpo pede por sexo. Como bom católico que é, foi pedir a bênção e a permissão do padre, vivido por William H. Macy. Eis um belo exemplo de um padre amigo e compreensivo. Além do mais, sua participação é fundamental não só para o desenvolvimento do enredo, mas também para a emocionante cena final.
Baseado em uma história real, por mais que o filme trate de tornar tudo mais romântico para fins dramáticos, não dá para deixar de pensar que boa parte do que está ali na tela foi vivido de fato por um ser humano de verdade, que sofreu as consequências da poliomielite, tem o coração partido por amar e sentir necessidade de amar, mas o mais comovente não é isso: é o fato de ele ter sido amado também. E não apenas por uma única mulher.
A interpretação corajosa de Helen Hunt, sentindo-se totalmente à vontade nas cenas de nudez e intimidade com Hawkes, é também um ponto alto do filme, assim como a performance do próprio Hawkes, mais famoso por papeis de homens malvados ou suspeitos, em filmes como INVERNO DA ALMA, de Debra Granik, e MARTHA MARCY MAY MARLENE, de Sean Durkin. AS SESSÕES é também dirigido por um desses diretores de nome pouco conhecido, o polonês Ben Lewin, que tem dirigido filmes e séries desde a década de 1970, na Inglaterra, na Austrália e nos Estados Unidos, mas que só agora ganha reconhecimento internacional.
E é do cinema independente americano que tem saído as melhores produções atualmente, já que os blockbusters entraram numa zona de conforto que têm prejudicado até a si mesmos. Assim, de vez em quando, filmes como esse recebem os holofotes da mídia, por serem captados por distribuidoras como a Fox, mas principalmente por serem feitos com sensibilidade.
O fato de o personagem de Hawkes ser um poeta contribui para que o filme procure encontrar também uma poesia própria do cinema, por mais que se trate de uma obra relativamente convencional, sem vanguardismos ou nada do tipo. E talvez seja por isso que AS SESSÕES não tenha sido recebido de maneira tão entusiasmada pela crítica, que em geral o classifica como um filme comum. O que pode até ser. Mas é um filme comum que emociona, faz valer as suas quase duas horas e é uma experiência que não é esquecida no momento em que os créditos sobem.
sábado, agosto 10, 2013
VENDO OU ALUGO
A concorrência anda desleal por aqui, com a estreia na mesma semana de VENDO OU ALUGO (2013), de Betse de Paula, e de CINE HOLLIÚDY, de Halder Gomes. Enquanto as salas lotam para ver o filme falado em cearês mais simpático dos últimos anos, a comédia da Betse de Paula, vencedora do Cine PE, amarga sessões mirradas, praticamente vazias. Foi assim que testemunhei a sessão de VENDO OU ALUGO, que trata de questões sociais interessantes, embora não seja tão divertido como comédia, mesmo com o bom elenco, principalmente o feminino, formado por quatro gerações diferentes de mulheres: da bisavô à bisneta.
Além das quatro atrizes da família, interessante perceber que o time de roteiristas é formado por quatro mulheres e um homem, ou seja, não é apenas a direção de Betse que confere a VENDO OU ALUGO um filme feito por mulheres, mas também as próprias personagens da casa. Há alguns poucos homens que se destacam, como o personagem do traficante, vivido por Marcos Palmeira, e o gringo que quer comprar a casa, vivido por Pedro Monteiro. Daria para citar também André Mattos, no papel do pastor corrupto, mas o personagem é tão caricato, que não tem a menor graça. E até já virou tradição pegarem no pé de evangélico em filmes. Fizeram algo parecido no horrível GIOVANNI IMPROTTA, de José Wilker.
Na trama, Marieta Severo é Maria Alice, a líder do clã e a mais interessada em vender a casa, já que está atolada em dívidas e sua casa, rodeada por favelas com frequentes tiroteios e balas perdidas, está prestes a ser leiloada. Sua mãe (Nathália Timberg) vive gastando dinheiro em jogo, o que agrava ainda mais a situação. Maria Alice busca salvação mandando uma oferenda para Iemanjá. Enquanto isso, sua filha (Silvia Buarque) retorna do Acre, toda hippie e natureba, dizendo que ficar preocupada com dinheiro é bobagem. A neta (Bia Morgano), por sua vez, sente-se deprimida por estar sem namorado e sem emprego à vista.
É do ponto de vista delas que o filme se desenvolve, além de criar também situações engraçadas envolvendo os possíveis compradores da casa, sendo os principais o gringo e o pastor. Nem sempre as cenas são boas para dar gargalhadas. Talvez seja o caso de estar com o humor muito em alta ou se identificar com o drama das personagens para rir das situações.
O filme se diferencia das outras comédias mais populares por tratar de maneira mais inteligente dos problemas sociais, do modo como a maioria das pessoas prefere dizer "favela", mas há aquelas que preferem dizer que aquele lugar é uma comunidade. Aliás, a ideia que a personagem de Silvia Buarque traz, de dizer que o futuro é a favela, é o caos, é bem interessante.
Pena mesmo que Betse de Paula não tenha um timing tão bom para comédias mais abertamente escrachadas. Mesmo assim, tocar em questões como a invasão da polícia nos morros, a crise da classe média, a simpatia dos pobres em meio a guerras de gangues, sem deixar tudo em tom de deboche acaba contando pontos a favor do filme. Betse de Paula está com outro filme em festival este ano: o documentário REVELANDO SEBASTIÃO SALGADO, na mostra competitiva de Gramado.
sexta-feira, agosto 09, 2013
A 20 MILHÕES DE MILHAS DA TERRA (20 Million Miles to Earth)
Os filmes de ficção científica da década de 50 têm um sabor especial. Mesmo os que não se mostram tão brilhantes assim. Como é o caso de alguns dirigidos por Nathan Juran. Ligo o nome do diretor a certa falta de maior brilhantismo por causa principalmente de A MULHER DE 15 METROS (1958), um desperdício de uma mulher como Allison Hayes em um filme um tanto vagabundo, mas que tem os seus momentos de diversão, resultado da própria intenção do filme de trabalhar com os resultados de radioatividade extraterrestre na protagonista.
Como naquela época havia o pânico dos americanos de serem vitimados por uma bomba atômica, talvez por causa do que eles fizeram aos japoneses em 1945, juntando ao fato de estarem constantemente achando que poderiam iniciar uma guerra nuclear com os soviéticos, o cinema de horror praticamente se juntou com a ficção científica. E nunca em nenhuma outra década os dois gêneros estiveram tão unidos.
No caso de A 20 MILHÕES DE MILHAS DA TERRA (1957), o terror também vem do espaço, quando um grupo de astronautas voltando de uma missão a Vênus cai no mar da Sicília e um deles é salvo por pescadores. Um garoto encontra uma cápsula estranha e a leva para um cientista local, que fica impressionado com o que vê: uma pequena criatura parecida com um réptil com algo próximo de um humanoide. Mas o mais interessante: sua velocidade de crescimento é assustadora.
O que diferencia bastante A 20 MILHÕES DE MILHAS DA TERRA de A MULHER DE 15 METROS é a qualidade do trabalho de Ray Harryhausen, falecido no último dia 7 de maio, conhecido como o grande mago dos efeitos especiais. Este homem fazia milagres com animação stop-motion e efeitos especiais que encantaram audiências de todas as idades. Quem é da minha geração deve lembrar com saudade dos filmes de Simbad nas sessões da tarde. Boa parte deles tiveram auxílio desse fantástico senhor.
A 20 MILHÕES DE MILHAS DA TERRA perde um pouco da força à medida que se aproxima do final, quando nos acostumamos com os efeitos especiais, embora não deixe de ser divertido ver o monstro venusiano atacando um elefante, por exemplo. Essa e a sequência final lembram bastante KING KONG, o imbatível original, dos anos 1930. Pena que Juran não seja um grande diretor e não garanta que a diversão e o excelente trabalho de Harryhausen façam de mais este filme B daquela época algo maior.
quinta-feira, agosto 08, 2013
ORPHAN BLACK – PRIMEIRA TEMPORADA (Orphan Black – Season One)
Uma das melhores novidades em séries este ano foi esta divertidíssima ORPHAN BLACK (2013), que lida com ficção científica e situações deliciosamente absurdas. Como bem disse a turma que acompanha as premiações para a televisão, é realmente uma pena que Tatiana Maslany, que interpreta várias personagens ao longo da temporada com muita desenvoltura, não tenha sido indicada à categoria de melhor atriz ao Emmy.
A série já começa com um momento muito instigante, que remete aos filmes sobre doppelgängers, ou duplos, que, dependendo do filme, pode ser algo bastante aterrador. Sarah Manning, vivida por Tatiana, é uma jovem com uma vida desregrada e que trabalha com tráfico de drogas. Ao sair do metrô, vê uma mulher deixando seus pertences no chão. Chega a olhar para ela e toma um susto ao ver que a tal estranha é igualzinha a ela. Maior susto ainda quando a mulher se joga para a morte na frente do trem.
Uma pessoa normal talvez fosse entregar os pertences da suicida à polícia, mas Sarah fez diferente. Verificou seus cartões, sua conta bancária, sua casa e resolveu assumir o lugar da tal mulher. Mal sabia ela que estaria enredada em uma trama que se complicaria a cada momento. Aliás, eis uma série que é melhor assistir sem saber muita coisa a respeito, para que cada novidade que apareça ao longo da trama seja sempre um prazer.
Não chega a ser uma série do tipo "séria", com diálogos lapidados ou coisas do tipo. É série para divertir mesmo, mas nem por isso deixa de ser bem inteligente. Tanto que o enredo chega a lembrar alguns trabalhos feitos para mangás ou animes, com histórias bem boladas e um ritmo sempre envolvente. Só não sei se essa animação toda vai ter fôlego para oito temporadas, que é a intenção de Graeme Manson, cocriador da série, que ainda quer fechar ORPHAN BLACK com um longa-metragem.
quarta-feira, agosto 07, 2013
THE KILLING – A TERCEIRA TEMPORADA COMPLETA (The Killing – The Complete Third Season)
THE KILLING foi umas melhores séries surgidas em 2011, junto com GAME OF THRONES e HOMELAND. As três continuam mandando muito bem, mas o que aconteceu com THE KILLING foi o problema de ter esticado demais o mesmo caso durante duas temporadas, o que fez com que muitos desistissem de ver a série. Quem fez isso está deixando de acompanhar o ponto mais alto da série, que nesta terceira temporada (2013) chegou a lugares mais obscuros e espiritualmente pesados da alma de um ser humano. E nos arrasta junto. Alguns episódios, inclusive, não são recomendados a pessoas com problemas de depressão. O doloroso episódio "Six Minutes", exibido na semana passada, por exemplo, elevou a série a um status jamais imaginado pelo maior dos fãs.
Do elenco das duas primeiras temporadas, só ficaram mesmo os detetives Sarah Linden (Mireille Enos) e Stephen Holder (Joel Kinamann), personagens que, cada um à sua maneira, já imprimiram suas marcas na História das séries policiais. Mesmo que THE KILLING não seja tão popular assim. Até foi ameaçada de ser cancelada depois da segunda temporada e ainda não se sabe se haverá uma quarta.
Além dos dois heróis melancólicos, há um terceiro personagem que continua firme e forte: o clima sempre chuvoso de Seattle, que funciona como um intensificador da melancolia que os personagens carregam. Nesta terceira temporada, somos apresentados a um grupo de jovens garotas que caem no mundo da prostituição por serem abandonadas pela família. Elas acabam sendo alvo de um serial killer que já matou mais de duas dezenas dessas moças.
Paralelamente somos apresentados também a Ray Seward, interpretado brilhantemente por Peter Sarsgaard, como o prisioneiro prestes a ser executado pela justiça do Estado, acusado de ter matado a esposa. Foi a própria Linden que o colocou na cadeia e agora que novos fatos parecem apontar sua inocência, começa uma batalha por parte da detetive para, no mínimo, adiar sua execução. Sarsgaard está um gigante em sua interpretação multifacetada. Vale mencionar também os atores que interpretaram os carcereiros, personagens comoventes em sua humanidade, nos dois sentidos que este termo possa ter.
Outro ator bem-vindo à série é Elias Koteas, que faz o papel do chefe de polícia que já teve um caso com Linden no passado. A detetive tinha se afastado da polícia para ter uma vida mais pacata, mas acaba aceitando com muito interesse o retorno às atividades, afinal, por mais que sua vida profissional tenha lhe custado a presença do filho, é o que ela gosta de fazer, sua obsessão.
Com relação à semelhança com TWIN PEAKS, explicitada principalmente na primeira temporada, há outra homenagem à cultuada série de Lynch, através da participação especial de Grace Zabriskie, a eterna mãe de Laura Palmer. Deixo meus parabéns a todos os envolvidos, principalmente aos roteiristas Veena Sud e Søren Sveistrup, este último criador da série original dinamarquesa, FORBRYDELSEN (2007-2012), que inspirou a versão americana.
segunda-feira, agosto 05, 2013
PIETA
O principal problema de PIETA (2012), de Kim Ki-duk, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza do ano passado, é a sua incrível superficialidade. Já havia visto vários amigos cinéfilos falando cobras e lagartos de outros trabalhos do diretor sul-coreano, mas, se em outros trabalhos ele pode esconder a fragilidade de sua mensagem, neste filme, que tenta chamar a atenção com o uso da violência, essa falta de profundidade é explicitada. Perguntas como "O que é o dinheiro?" ou "O que é a morte?" parecem incrivelmente tolas ao longo do filme, que pelo menos tem o mérito de manter o interesse do espectador até o fim, ainda que não necessariamente o agradando.
Se CASA VAZIA (2004) é um cartão de visitas bem decente para o cinema de Kim Ki-duk (não vi os demais filmes do cineasta), PIETA é aquele tipo de filme cujo principal questionamento é: o que deu no júri do Festival de Veneza para premiar justamente este filme? Nem razões políticas parece haver. Seriam, portanto, de ordem estética. Ou seria para mostrar que eles são progressistas o suficiente para premiar uma obra com cenas de violência? Mas aí esquecem que não basta ser violento: tem que ser muito bom em saber trabalhar a violência, além de aspectos ligados mais especificamente ao cinema, como direção, roteiro, fotografia etc.
PIETA destoa bastante do trabalho de outros diretores coreanos que lidam com a beleza da fotografia e dos enquadramentos. Aqui, até podemos entender que Ki-duk preferiu imagens cruas para buscar coerência com a crueldade das cenas e com a própria ambientação: as casas e as pessoas pobres do país. No caso, a maioria das pessoas são pobres diabos que pediram dinheiro emprestado a um sujeito que cobra juros exorbitantes e, caso o devedor não pague no dia, o cobrador o transformará em um aleijado, de modo a ganhar também o dinheiro do seguro por acidentes.
Assim, esse início de filme, com o violento cobrador Gang-do (Jeong-jim Lee) se mostrando extremamente cruel é até mais interessante, justamente pela violência quase gráfica. Mas depois aparece a mulher que diz ser sua mãe, Mi-son (Min-soo Jo). Como ele cresceu sem nunca ter conhecido a mãe, aos poucos, mesmo depois de tê-la ofendido, agredido e até estuprado, passa a criar um elo afetivo. Como é de se esperar, há uma surpresa na conclusão dessa relação, que até pode ser adivinhada pelo espectador, caso ele preste atenção no próprio prólogo do filme.
Um dos destaques da direção de Ki-duk é o uso de zooms e de empurrões bruscos na câmera em cenas que mostram perturbação mental de determinados personagens, o que não deixa de ser um recurso interessante. Mas o que incomoda mesmo é a explicação simplista dos motivos dos personagens, principalmente de Mi-son. Além do mais, as supostas ligações com os simbolismos cristãos padecem também de maior aproximação, o que seria algo de extrema importância, dado o título e a imagem do cartaz. Enfim, pura enganação este trabalho de Kim Ki-duk.
domingo, agosto 04, 2013
UM ALGUÉM APAIXONADO (Like Someone in Love)
Segundo longa-metragem fora de seu país do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, UM ALGUÉM APAIXONADO (2012), se não rendeu todo o estardalhaço de CÓPIA FIEL (2010), é, sem dúvida, um filme que merece muito a nossa atenção. Kiarostami continua seu gosto por longos planos e o início do filme, com um uso de câmera parada nos mostrando um restaurante em Tóquio pelo ponto de vista da protagonista Akiko (a bela Rin Takanashi), faz lembrar o cinema de Hou Hsiao-hsien, que trabalha bastante neste registro, privilegiando a mise-en-scène. Há também cortes para imagens aproximadas da personagem, que é mostrada sempre separada dos demais no contracampo, talvez para enfatizar seu deslocamento.
Akiko é uma garota de programa que lida com o ciúme do namorado Takashi (Ryo Kase) e tem um encontro marcado com um homem desconhecido. Coisas do ofício. Enquanto isso, no restaurante, conhecemos um pouco a extrovertida amiga e o chefe de Akiko. Aos poucos vamos entendendo o que está acontecendo e nos vemos diante de um autêntico e reconhecível Kiarostami nos vários momentos de locomoção, que lembram filmes como GOSTO DE CEREJA (1997) e DEZ (2002), que se passam, em boa parte do tempo, dentro de um carro.
A mudança de uma região da Itália com um passado longo ligado a museus, de CÓPIA FIEL, para um Japão moderno com a fragmentação da contemporaneidade só mostra o talento do cineasta em conseguir se adaptar e continuar fazendo grandes obras em territórios tão distintos do seu país natal. No Irã, por exemplo, seria um tanto complicado abordar o tema da prostituição. Mas o diretor faz isso com muita delicadeza, nos apresentando a um senhor idoso (Tadashi Okuno) que contrata os serviços da moça. Ele provavelmente só quer a agradável companhia de uma bela e jovem mulher para aplacar a sua solidão. Muito bonito ver a sua timidez quando ela começa a se mostrar mais atrevida. Em toda essa sequência ela é vista pelo espelho do quarto, como se tivesse se transformado em outra pessoa, ou estivesse usando uma máscara para encobrir quem realmente é. E o filme tem pudores de apresentar tão diretamente essa sua faceta.
UM ALGUÉM APAIXONADO segue surpreendendo, com um andamento deliciosamente lento e uma direção firme de Kiarostami, que se mostra a cada novo filme um dos maiores cineastas da atualidade. Seu encontro com a cultura e a sociedade japonesas, com pessoas que parecem ter mais dificuldade de se relacionar uns com os outros do que nos países ocidentais, é um feliz momento de sua filmografia. Aos poucos, seus personagens vão nos ganhando, à medida que suas vidas vão ficando cada vez mais complicadas ao longo do filme. É um cinema que requer um pouco de boa vontade no início por parte do espectador, mas é impressionante o quando somos recompensados.
sexta-feira, agosto 02, 2013
O CAVALEIRO SOLITÁRIO (The Lone Ranger)
Aqueles que não curtem as aventuras inchadas e maçantes da franquia PIRATAS DO CARIBE (como eu) provavelmente festejaram o fracasso comercial de O CAVALEIRO SOLITÁRIO (2013), nova parceria do ator Johnny Depp com o diretor Gore Verbinski e o produtor Jerry Bruckheimer. Afinal, são 250 milhões investidos em um filme bobo, ainda que traga algumas ousadias no roteiro.
São elas: colocar o índio Tonto (Depp) na mesma posição de importância do protagonista, vivido pelo apagado Armie Hammer. Isso pode ser visto como uma inversão do que Hollywood costumava fazer nos antigos westerns, relegando o índio em posição inferior ou como um vilão cruel e selvagem. Os índios do filme são conscientes do fim iminente de sua raça e são mostrados como seres sábios. Há também inversão no modo como a cavalaria é mostrada, representada por homens corruptos e inescrupulosos. Há também críticas ao governo, desacreditando totalmente os responsáveis pela ordem e entregando o papel de ordenador a um homem mascarado.
Porém, por mais que isso possa contar pontos a favor do filme, não é suficiente para justificar sua própria existência, principalmente levando em consideração a sua longa duração (149 minutos). Talvez se tivesse uma hora a menos, descesse melhor. Do jeito que está, é uma obra insuportavelmente chata. Desses filmes que se assiste ora olhando para o relógio, ora cochilando, principalmente nas cenas de ação, que supostamente seriam as mais animadoras.
Johnny Depp continua reprisando seus personagens parecidos. Tonto nada mais é do que uma variação do pirata Jack Sparrow, com a maquiagem no rosto e um corvo morto na cabeça para diferenciar. Além do mais, a ligação de Depp com Helena Bonham Carter só contribui para a sensação de déjà vu, já que os dois costumam aparecer bastante nos filmes de Tim Burton. Diria que se a personagem fosse interpretada por outra atriz, seria uma das mais interessantes do filme: uma dona de uma casa de prostituição que usa uma perna de pau com armas de fogo embutidas.
Outra coisa: essa intenção de Verbinski e Bruckheimer de revitalizar ou trazer de volta o gênero western para o grande público não cola, assim como a franquia PIRATAS DO CARIBE também não trouxe de volta os filmes de aventuras nos mares. O filme, apesar de se passar no velho oeste e ter alguns dos clichês do gênero americano por excelência, não tem a beleza ao mesmo tempo grandiosa e simples dos grandes westerns. Que entreguem a tarefa a quem entende: gente como Clint Eastwood ou Kevin Costner, estes sim representantes de alguns dos poucos e ótimos westerns realizados nas últimas décadas.
O CAVALEIRO SOLITÁRIO é, portanto, só mais uma produção barulhenta que Hollywood teima em despejar, mas que depois de quebrar a cara, precisar pensar duas vezes antes de investir tão alto.
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