terça-feira, janeiro 31, 2012
THE SINS OF MADAME BOVARY (Die Nackte Bovary / I Peccati di Madame Bovary)
A única coisa que valoriza essa livre adaptação do romance de Gustave Flaubert é a presença exuberante de Edwige Fenech, a deusa dos gialli, os filmes de suspense com assassinos à solta produzidos na Itália. THE SINS OF MADAME BOVARY (1969) é também um produto de seu tempo, e por isso, como filme de época, toma mais liberdades, mostrando uma Emma Bovary muito mais ousada. A cena, por exemplo, em que ela sai de casa quase nua (usando apenas um vestido transparente) para se encontrar com o amante é difícil de esquecer, do ponto de vista erótico.
O começo do filme, mostrando a beleza de Emma misturando-se ao verde do local faz lembrar LADY CHATTERLEY, de Pascale Ferran. Até diria que os produtores do filme se sairiam muito melhor se tentassem adaptar o romance de D.H. Lawrence, que tem tantos elementos mais eróticos a serem explorados. Bem mais fácil do que pegar a difícil obra de Flaubert, por mais que ela já carregue algo de cinematográfico. Mas como já sabemos que THE SINS OF MADAME BOVARY não é bem um filme a se levar a sério, mas uma obra docemente apelativa, muita coisa deve ser relevada.
O que não dá para relevar é o andamento narrativo que faz com que o olhar para o relógio seja constante. THE SINS OF MADAME BOVARY é um filme que se sustenta apenas na nudez e no erotismo, no corpo nu de Fenech. Pelo menos algumas soluções são interessantes, como começar o filme já com Emma casada com Charles, ou livrar-se de vez do farmacêutico, personagem dos mais importantes no romance. A mudança no final também foi prudente, já que o diretor (Hans Schott-Schöbinger, creditado como John Scott) não teria talento suficiente para construir a tragédia da personagem. Em certas horas é bom ser humilde.
segunda-feira, janeiro 30, 2012
J. EDGAR
Certamente um filme menor na carreira desse gigante que é Clint Eastwood. Mesmo assim, J. EDGAR (2011) tem sua importância na filmografia do diretor. Foge das tendências de seus filmes mais sombrios e espirituais – MENINA DE OURO (2004), GRAN TORINO (2008) e ALÉM DA VIDA (2010), tão belos e dolorosamente poéticos -, e faz parte de outra linha de filmes de Clint, o das biografias, como BIRD (1988) e INVICTUS (2009), coincidentemente dois filmes que estão entre os menos empolgantes da filmografia do diretor.
J. EDGAR é um tanto quadrado e cheio de problemas, como a maquiagem pouco convincente de Leonardo Di Caprio, Naomi Watts e Armie Hammer quando velhos. Soterrados em látex, os três atores parecem mais bonecos de cera. Não à toa, o filme ficou de fora do Oscar até na categoria maquiagem. Compreensível. Relevando esse problema, o filme faz um apanhado interessante da vida de J. Edgar Hoover, o homem que criou o FBI, tendo chefiado o departamento durante 48 anos.
Assim, como o filme mostra a sua vida da juventude até a morte, muitos eventos da História americana são passados. A guerra urbana contra os gângsters nos anos 1930, a luta contra os comunistas, a morte do Presidente Kennedy e a ascensão de Nixon são alguns dos momentos importantes que são vistos ao longo do filme, que opta por um registro de idas e vindas no tempo, começando com o personagem já velho na década de 1960, contando a sua história para um sujeito que faria sua biografia. Um dos melhores momentos: num cinema, o público fica aborrecido ao ver a propaganda de Hoover e fica feliz quando começa o filme: INIMIGO PÚBLICO Nº 1, com James Cagney, o ator com cara de bandido mais amado pela sociedade.
J. EDGAR também dá especial atenção ao relacionamento homossexual de Hoover com o seu subordinado mais próximo, Clyde Tolson. Coincidência ou não, o roteirista de J. EDGAR é Dustin Lance Black, que ganhou o Oscar por seu trabalho em MILK – A VOZ DA IGUALDADE, de Gus Van Sant, filme que lidava mais especificamente com a questão da homossexualidade. No filme de Clint, a questão é tratada com mais sutileza, além de também destacar a solidão do personagem e sua forte ligação com a mãe (Judi Dench). Com mais contras do que prós, suspeito que FBI – ARQUIVO SECRETO, de Larry Cohen, que trata dos arquivos secretos de J. Edgar Hoover, seja bem mais interessante que este novo trabalho de Clint Eastwood.
domingo, janeiro 29, 2012
O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS (Tinker Tailor Soldier Spy)
Sou um dos que saíram da sessão de O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS (2011) tão perdido quanto cego em tiroteio. Mas pelo menos fiquei bravamente até o final. Diferente da multidão de espectadores que iam saindo aos poucos. Nunca vi tanta gente desistindo de um filme antes em toda minha "carreira" de cinéfilo. Eu fiquei até o fim, esperando uma "iluminação", algo que trouxesse respostas para tantas perguntas. Aliás, é difícil formular as perguntas quando se está tão confuso.
O que eu mais curti foram os aspectos plásticos do filme, como a fotografia em tons setentistas; a maravilhosa trilha sonora de Alberto Iglesias; o variado uso de planos gerais, com cenas que remetem diversas vezes a JANELA INDISCRETA, do mestre Hitchcock. Mas algumas coisas me deixavam irritado, como a tão elogiada interpretação de Gary Oldman, como o Mr. Smiley, todo o tempo com aquela expressão excessivamente contida, como se estivesse acima de todos os mortais; e principalmente o enredo complicado, com excesso de nomes e personagens, dando claramente para se notar que se trata de uma adaptação de um romance. No caso, um romance de John le Carré, homem que já foi secretário de embaixada e cônsul da Inglaterra, tendo, portanto, grande conhecimento de política e espionagem durante a Guerra Fria.
Na trama, Mr. Smiley é "convidado" por Control (John Hurt) a sair de sua aposentadoria para descobrir quem do seu grupo é um agente infiltrado, um traidor do MI-6 que está trabalhando como espião para os soviéticos. O filme segue então mostrando cenas do passado, tanto através de uma interessante montagem, como do recurso do flashback em voice-over, como na história contada pelo personagem de Tom Hardy. Isso ajuda o espectador a conhecer um pouco alguns personagens – outros permanecem na sombra e não passam de peças no tabuleiro. Todos, até o protagonista, são vistos de maneira superficial, o que faz com que pouco nos importemos com eles. O filme é, então, mais um exercício do olhar. Do olhar frio e investigativo, embora possa haver algum envolvimento afetivo entre espectador mais atento e personagem solitário.
O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS recebeu três indicações ao Oscar: ator (Gary Oldman), trilha sonora e roteiro adaptado.
sábado, janeiro 28, 2012
MILLENNIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (The Girl with the Dragon Tattoo)
O nono longa-metragem de David Fincher prova que ele é um diretor do qual não se dá para imaginar o resultado de cada novo trabalho seu. Não há como negar que ele é um cineasta talentoso, mas tenho uma relação bem estranha com seus filmes. A maioria de seus trabalhos mais aclamados, eu não gosto ou tenho uma relação ambígua com eles, caso de SEVEN – OS SETE CRIMES CAPITAIS (1995), CLUBE DA LUTA (1999) e ZODÍACO (2007). Por outro lado, filmes não muito badalados e até esnobados, como VIDAS EM JOGO (1997) e O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON (2008), muito me agradaram. O filme mais próximo da unanimidade que eu gostei e que eu considero o seu melhor trabalho é A REDE SOCIAL (2010).
E o que dizer de MILLENNIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (2011)? Diria que vi o filme com certo desapontamento. No fim, acredito que não foi uma boa ideia Fincher ter aceitado fazer um filme que já foi adaptado tão recentemente no país de origem, a Suécia. Claramente, Hollywood quer capitalizar em cima dos best-sellers de Stieg Larsson. Isso não tem necessariamente a ver com a qualidade do trabalho; o problema é que fica a impressão de que eles querem provar que podem fazer melhor e meio que apagar os rastros da ainda quentinha primeira adaptação, OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES (2009), de Niels Arden Oplev. Que é bem mais eficiente na construção do suspense e da atmosfera fria e agressiva do romance.
A Lisbeth de Fincher parece uma cópia da do filme anterior, talvez porque não se pudesse fugir muito da descrição do romancista. Por outro lado, a presença de Daniel Craig já muda um pouco a situação, já que estamos falando do atual James Bond. Assim, ele não passa em momento algum o mínimo de fragilidade que o personagem talvez devesse ter diante das circunstâncias de sua vida atual. Já Rooney Mara, é sim uma boa atriz, e há uma preferência da parte de Fincher de torná-la mais sensível no relacionamento que passa a ter com o jornalista investigativo Mikael Blomkvist (Craig).
Não sei se por causa da semelhança com a trama do filme de 2009 – claro, a história é a mesma -, vi a narrativa como o maior problema desta adaptação. Provavelmente o filme agradará mais a quem não viu a versão sueca, pois tudo será novidade. A cena do estupro, por exemplo, perde o impacto na nova versão. Pra quem viu, enfim, há algumas poucas novidades, como o final alternativo e os créditos de abertura, ao som de "Immigrant Song", do Led Zeppelin, em versão "fim do mundo", por Trent Reznor e Karen O. O que nos faz lembrar o passado videoclipeiro de Fincher.
MILLENNIUM – OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES recebeu cinco indicações ao Oscar: atriz (Rooney Mara), fotografia, montagem, edição de som e mixagem de som.
sexta-feira, janeiro 27, 2012
2 COELHOS
Que bela surpresa que é este 2 COELHOS (2012), longa-metragem de estreia de Afonso Poyart que tem sido comparado aos filmes de Quentin Tarantino, Guy Ritchie e Zack Snyder. Comparar com Tarantino tudo bem, pois é um cineasta dos mais talentosos, mas comparar com os outros dois é diminuir o belo trabalho de Poyart, que apesar de ter um jeitão de filme hollywoodiano, carrega características de filmes brasileiros também, em especial, CIDADE DE DEUS. Se for para comparar com outro cineasta americano, por que não lembrar do Scorsese de OS BONS COMPANHEIROS e CASSINO, que utilizava uma estrutura narrativa similar e até voice-over?
A utilização massiva de efeitos especiais, diferente do que dá para se pensar ao ver o trailer, em nenhum momento chega a incomodar. Ao contrário, faz parte do charme do filme, um atrativo a mais para uma obra que tem como seus principais méritos a boa condução narrativa, que deriva de um roteiro caprichado; uma história complicada, mas não confusa, levando o espectador numa viagem poucas vezes experimentada; e um ótimo elenco, sem necessariamente ter grandes astros – os rostos mais conhecidos são os de Alessandra Negrini (sempre encantantadora) e de Caco Ciocler.
Há também Thayde, em papel muito divertido, e Aldine Muller, ainda uma bela mulher, em papel pequeno. Porém, curiosamente, os dois atores que mais se destacam não são conhecidos do grande público: Fernando Alves Pinto, o Edgar; e Marat Descartes, o Maicon. Seus nomes, se não são "artísticos" o suficiente, são de difícil memorização. Mas são esses dois sujeitos os principais condutores da ação. E conduzem com classe.
A trama não deixa muito espaço para tipos bonzinhos e honestos. Existem os bandidos e os menos bandidos. Talvez o único exemplo de honestidade seja o personagem de Ciocler, que ainda sofre com a perda da mulher e da filha em um terrível acidente de automóvel. Esse acidente está conectado diretamente com Edgar. Na verdade, o ideal é ver o filme sem saber muito da história, que vai sendo contada em idas e vindas, com o narrador pedindo para o espectador esperar um pouco antes de apresentar tal personagem ou de surpreendê-lo com algum fato interessante de suas vidas.
Mas não é só de uma trama intrincada que se faz 2 COELHOS, mas também de muitas sequências de ação, violência, explosões, humor e efeitos especiais dignos dos melhores exemplares de Hollywood e de uma trilha sonora que aproveita muito bem canções do Titãs ("Será que é disso que eu necessito?") e do Radiohead ("Exit music (for a film)") e que resultam em um final arrepiante. Não sei se o filme aponta um novo caminho para o cinema brasileiro, como muita gente anda dizendo - afinal, eu prefiro que o nosso cinema continue diversificado -, mas espero que depois de 2 COELHOS, outros trabalhos tão bons do gênero pipoquem.
quinta-feira, janeiro 26, 2012
PROCURANDO ELLY (Darbareye Elly)
Com A SEPARAÇÃO (2011), filme atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros e fazendo muito sucesso em festivais, tendo inclusive recebido indicações ao Oscar, o diretor Asghar Farhadi tem chamado a atenção da mídia com seu cinema mais cosmopolita, mas que também não dá as costas à tradição iraniana. Até porque é praticamente impossível fugir dela. Com Abbas Kiarostami fazendo filme na França e Jafar Panahi em prisão domiciliar em seu país, proibido de filmar, o cinema iraniano tem voltado a ser alvo de interesse e discussão em todo o mundo.
Antes de ver A SEPARAÇÃO, que só entra em cartaz nesta próxima sexta-feira em Fortaleza, quis conferir o trabalho anterior do diretor, PROCURANDO ELLY (2009), um thriller dramático que é diferente do que se costuma ver do cinema produzido no país. Tudo bem que Kiarostami já havia feito exercícios de tensão em filmes como ONDE FICA A CASA DO MEU AMIGO? e GOSTO DE CEREJA, mas Farhadi trata do assunto de maneira mais próxima do cinema produzido no Ocidente. Se não fosse o hijab, o véu que cobre os cabelos das belas mulheres iranianas, PROCURANDO ELLY poderia ser confundido com um filme de qualquer outra nacionalidade não islamita.
O filme começa com um grupo de casais e amigos a caminho do que seria um divertido fim de semana numa casa de praia com os filhos. Eles se mostram muito alegres e espontâneos, diferente do que se costuma ver em filmes produzidos no Irã, que em geral enfocam a rigidez moral, a pobreza e os problemas sociais e políticos. No grupo, há um rapaz que voltou recentemente da Alemanha e uma bela moça chamada Elly que parece interessada nele. O possível romance foi armado pela amiga do rapaz, que conheceu Elly, achou-a bonita e uma ótima parceira para seu amigo. Pena que as coisas não são tão simples assim. E o pior é que os segredos de Elly não são os mais graves problemas que aquele grupo irá enfrentar.
Lembrei de um filme com Meryl Streep, em que ela perde seu filho recém-nascido em um acampamento. O filme se chama UM GRITO NO ESCURO e é bem dramático e até desesperador. PROCURANDO ELLY tem premissa semelhante, mas envolve também outros problemas. Tudo muito bem conduzido pela excelente direção de Farhadi. Depois desse filme, mal posso esperar para ver A SEPARAÇÃO.
quarta-feira, janeiro 25, 2012
A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM
Não é sempre que se tem a oportunidade de ir ao cinema para conferir um novo filme de Nelson Pereira dos Santos. Isso já é motivo suficiente para o cidadão sair de sua casa para ver o novo trabalho do pai do moderno cinema brasileiro. Mas acontece que há também outro bom e principal motivo para ver A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM (2012): a música desse homem que se transformou numa espécie de lenda da música. Ele projetou o Brasil para o mundo. E não o Brasil da pobreza e da miséria, mas um Brasil sofisticado, como ele, Antonio Carlos Jobim (1927-1994) era, em suas composições. Não se trata, portanto, de esconder os males da sociedade brasileira, mas de mostrar outra faceta, que também existe.
Além do mais, para o filme, a música de Tom Jobim é o que basta. Tanto que A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM não apresenta nenhum depoimento, nenhuma apresentação oral, nem mesmo os nomes dos diversos artistas que cantam ou tocam as suas canções aparecem. Para saber quem é aquele artista que você não conhece, vai precisar esperar os créditos finais. E o público espera mesmo, fica até o finalzinho, na esperança, talvez, de ouvir mais uma dessas canções que elevam a alma.
O filme começa com Gal Costa, mas vai passando por diversos outros nomes conhecidos e não tão conhecidos. No início, vemos as primeiras composições, as imagens do Rio de Janeiro da década de 1950, a aclamação internacional, o surgimento da Bossa Nova, o encontro com Frank Sinatra. Depois, o filme vai optando mais pela temática do que pelo registro cronológico. Quem faz falta é João Gilberto, entre os artistas que cantam, mas parece que negociar direitos autorais ou de imagem com esse homem é uma novela.
Alguns momentos são como pequenas espetadas no coração, como as interpretações de "Insensatez", uma de minhas eternas favoritas; outros são de se esboçar um sorriso no rosto, quando vemos Tom em parceria com Elis Regina cantando "As águas de março"; ou as diversas versões de "Garota de Ipanema", uma das canções mais cantadas e conhecidas do mundo, em vários idiomas e roupagens. Outras canções consagradas como "Desafinado", "Luiza", "Corcovado", "Anos Dourados", "Eu sei que vou te amar", entre outras, fazem a alegria até de quem não é um aficionado pela MPB. E a montagem é de uma suavidade e um cuidado que combinam com a música de Tom.
Chico Buarque, Elizeth Cardoso, Milton Nascimento, Gal Costa, Elis Regina, Maysa, Nara Leão, Nana Caymmi, Sylvia Telles, Miucha, Fernanda Takai, Carlinhos Brown, Adriana Calcanhotto e os estrangeiros Frank Sinatra, Sarah Vaughn, Ella Fitzgerald, Sammy Davis Jr., Oscar Peterson, Dizzy Gillespie, Diana Krall, Judy Garland, entre outros, aguardam o espectador com suas interpretações das canções do maestro. Sair da sessão desse filme, feito em família, tanto da parte de Nelson, quanto da neta Dora Jobim (creditada como codiretora), é uma das melhores e mais agradáveis experiências que alguém pode se presentear.
terça-feira, janeiro 24, 2012
A SEDUTORA MADAME BOVARY (Madame Bovary)
Depois de conferir a adaptação de Jean Renoir para a obra-prima de Gustave Flaubert, chegou a vez de ver o resultado do tratamento dado pelo mestre Vincente Minnelli a esse romance realista que marcou a História da Literatura no Ocidente. A SEDUTORA MADAME BOVARY (1949) já se diferencia por se afastar mais da obra de origem em várias sequências. A Emma Bovary de Minnelli, interpretada por Jennifer Jones, é mais glamorosa, e Charles Bovary não é o sujeito bobo de Flaubert e do filme de Renoir. Minnelli dá mais dignidade a Charles.
Uma opção muito boa foi iniciar o filme com o julgamento de Flaubert, que na época do lançamento do romance foi acusado de estar influenciando a sociedade com um livro de obscenidades sobre uma mulher que comete adultério sem se sentir culpada. Assim, Flaubert, interpretado por James Mason, começa a se defender no tribunal e inicia a narração em voice-over da história de Emma, que de tanto ler romances românticos viu na figura do médico Charles Bovary (que nesse filme não é visto como um viúvo) uma espécie de príncipe encantado chegando a cavalo, quando ele vem cuidar da perna quebrada de seu pai.
Os dois logo sentem uma atração um pelo outro, mas Emma é muito exigente e com poucos dias descobre que não gosta do marido nem de sua humilde casa e cidade. Ela gosta de luxo e riqueza e também de uma visão mais "romântica" de um relacionamento, coisa que Charles não a oferece, com seu jeito simples de ser. Daí a se deixar encantar por homens como Leon e Rodolphe é um pulo. Como se vê, até aqui o essencial da trama permanece igual. O que Minnelli muda são alguns detalhes.
E há, também, claro, o traço do diretor, conhecido como o cineasta da beleza e que acabou ficando mais famoso por seus musicais do que por seus melodramas, embora se saísse muito bem em ambos os gêneros. Uma cena que é característica do cinema de Minnelli é a cena do baile de Vaubyessard, que é bem estendida em comparação às demais sequências. Os rodopios de Emma dançando freneticamente a ponto de também nos deixar tontos estão entre os momentos mais memoráveis do filme. A cena do baile também é marcada pela humilhação de Charles.
Se o resultado de A SEDUTORA MADAME BOVARY não combina perfeitamente com o tom do livro, que é realista e sóbrio, ao passo que o filme é romântico e embriagante, é porque as escolhas do diretor e o seu estilo predominaram. Não há nada de errado nisso. O problema é que nem Renoir, nem Minnelli conseguiram finalizar suas obras com o mesmo baque, a mesma catarse que o romance de Flaubert provoca no leitor. Mas talvez aí seja querer demais desses tão hábeis diretores.
segunda-feira, janeiro 23, 2012
AS AVENTURAS DE TINTIM (The Adventures of Tintin)
Se já não conhecêssemos essas duas facetas de Steven Spielberg – a do cineasta de tons melodramáticos e a do fã de filmes de aventura –, não diríamos que CAVALO DE GUERRA (2011) e AS AVENTURAS DE TINTIM (2011) seriam obras da mesma pessoa. Mas Spielberg já é conhecido e bem estabelecido e uma longa carreira é também sinal de que há alguns deslizes. E felizmente AS AVENTURAS DE TINTIM é tudo que INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL (2008) queria ser e não foi: um exemplar de cinema de aventuras como há tempos não se via.
O filme já começa com uns créditos de abertura de dar gosto, que pelo jeitão deliciosamente anacrônico remetem aos créditos de outro acerto de Spielberg: PRENDA-ME SE FOR CAPAZ (2002). E é até covardia comparar a técnica de captura de movimento que Robert Zemeckis experimentou já em três obras com essa maravilha da união entre tecnologia e arte tão caprichosamente dirigida por Spielberg. Mas parte do sucesso vem também do produtor Peter Jackson. Os dois amavam o material original, os quadrinhos de Hergé, que infelizmente faleceu em 1983, sem poder ver o seu material sendo propagado mundialmente com a força massiva de Hollywood.
O roteiro de AS AVENTURAS DE TINTIM, a cargo de Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish (também fãs do personagem), junta três histórias do jornalista aventureiro Tintim e seu cãozinho Milu em uma narrativa non-stop, que só peca talvez por não dar fôlego para que o espectador respire um pouco. É tudo muito rápido, mas é também tudo tão bem orquestrado e detalhista, que nem dá para cansar durante o tempo de projeção. Se os traços dos quadrinhos belgas eram de uma simplicidade franciscana, a riqueza de detalhes do filme se aproxima do barroco. Cada objeto parece ter sido pensado com muito cuidado e carinho.
A história envolve um pequeno barco comprado por Tintim em uma feira, que é cobiçado por dois homens misteriosos. Ao mesmo tempo, há a subtrama de um batedor de carteiras que vagueia pela cidade e está sendo alvo dos desastrados agentes da Interpol, Dupond e Dupont, que se liga à trama principal. A utilização do 3D também é ótima, sem exageros ou efeitos especiais vulgares. Agora é esperar para ver se vai haver mesmo um segundo filme com o personagem, já que AS AVENTURAS DE TINTIM não tem faturado muito bem dentro do território americano.
domingo, janeiro 22, 2012
AS AVENTURAS DE AGAMENON, O REPÓRTER
Imagine ir ao cinema para assistir a uma versão estendida de um programa do Casseta & Planeta, só que com bem mais liberdade para as baixarias. Tanto que, durante a sessão em que estava, várias pessoas se levantaram e foram embora na metade do filme. Não via isso acontecer com tanta força desde a sessão de TODO MUNDO TEM PROBLEMAS SEXUAIS. Não sei se o povo faz isso porque acha o filme ruim ou porque acha grosseiro. Se for a segunda opção, deve ser porque o frequentador atual do cinema está cada vez mais fresco, menos tolerante. Se for por que o filme é ruim, bom, eles têm toda a razão. Mas há uma terceira possibilidade: o formato pouco comum de "falso documentário".
Saí de casa para ver AS AVENTURAS DE TINTIM, quando estava em pré-estreia, e acabei vendo este AS AVENTURAS DE AGAMENON, O REPÓRTER (2012). Essas coisas podem acontecer quando você se engana com os horários, já está na fila há muito tempo, não tem outras opções e não quer voltar pra casa sem ver nada. Aí resolvi arriscar e encarar esse falso documentário com roteiro em quatro mãos de Hubert e Marcelo Madureira, ambos do Casseta. Hubert interpreta o Agamenon adulto, depois da Segunda Guerra Mundial, e Madureira é o Dr. Jacintho Leite Aquino Rêgo.
O filme começa com "depoimentos" de pessoas famosas como Caetano Veloso, Jô Soares, Fernando Henrique Cardoso, Ruy Castro, Paulo Coelho e Nelson Motta, todos entrando na brincadeira. O engraçado é que na hora do Nelson Motta, ele mesmo diz que nem sabe de quem está falando, já que está em tudo quanto é documentário. Essa tirada inteligente foi o que me fez ter a mínima simpatia pelo filme, embora depois perceba que a maioria das piadas não tenha mesmo a menor graça.
AS AVENTURAS DE AGAMENON, O REPÓRTER guarda semelhanças com FORREST GUMP, de Robert Zemeckis, e com ZELIG, de Woody Allen, pois mostra, através de esquetes em formato "documental", a vida desse repórter desde a sua juventude, interpretado por Marcelo Adnet, até a maturidade, que é quando passa a ser encarnado por Hubert. Ele passa por vários eventos importantes do século XX, como a Segunda Guerra Mundial, a morte de Getúlio Vargas, a queda do Muro de Berlim e contracena às vezes com figuras famosas, como Gandhi e Albert Einstein. O resultado seria até interessante se as piadas não fossem tão sem graça e requentadas. Casseta & Planeta, há tempos já passou do prazo de validade. E a participação de gente nova como Adnet e Luana Piovani não ajuda a melhorar a situação, não.
sábado, janeiro 21, 2012
STAKE LAND – ANOITECER VIOLENTO (Stake Land)
Acredito que o que mais tenha me desagradado em STAKE LAND – ANOITECER VIOLENTO (2010), de Jim Mickle, tenha sido a sensação de já ter visto aquilo antes. Já vi muitos filmes sobre universos apocalípticos povoados por criaturas estranhas, parecidas com zumbis. E, atualmente, com uma série de qualidade como THE WALKING DEAD passando na televisão, estou ficando mais exigente com relação a filmes do tipo.
Não que STAKE LAND não tenha suas qualidades. O filme é redondinho e os zumbis não são exatamente zumbis, mas vampiros selvagens, como os vistos em outro trabalho recente, PADRE. Mas em STAKE LAND há uma tentativa de se fazer também algo mais intimista, como em A ESTRADA, mas sem atingir o grau de sensibilidade do filme de John Hillcoat. Há em ambos as figuras de um homem mais velho e de um jovem. Com a diferença que aqui não é um pai e um filho, mas uma figura paterna e um rapaz que perdeu os pais durante o ataque dos tais vampiros.
O homem mais velho ensina o jovem a sobreviver nesse mundo em que a quantidade de humanos diminui cada vez mais. Com o objetivo de chegar ao norte, o Canadá, eles vão passando por diversas cidades, enfrentando os mais diversos perigos, inclusive de outros homens mesmo, e conhecendo outras pessoas que se juntam ao grupo, sem necessariamente garantirem passaporte de salvação com isso. O filme tem a sua beleza, os efeitos especiais são caprichados para uma produção modesta e o grau de melancolia é bem acentuado com uma eficiente trilha sonora. Mas, como disse, fiquei mal acostumado e querendo mais do que simples eficiência.
sexta-feira, janeiro 20, 2012
MACAO
Já faz algum tempo que tenho interesse pela obra de Josef von Sternberg, conhecido por seus filmes barrocos, por seu cuidado com os detalhes, por suas imagens suntuosas e por sua parceria com Marlene Dietrich, o seu grande amor. Ainda pretendo um dia voltar a ele, mas por enquanto fico só com MACAO (1952), uma de suas obras tardias, só porque por acaso Nicholas Ray esteve envolvido.
No livro "Afinal, quem faz os filmes", de Peter Bogdanovich, o cineasta parece extremamente rude para com o entrevistador, passando uma má vontade enorme. Só para dar um exemplo, sobre MACAO, Bogdanovich perguntou: "O que foi mudado em MACAO? Consta que Nick Ray redirigiu diversas cenas". Ele respondeu: "Não sei, não vi o filme." E basicamente todas as respostas são assim. Curtíssimas, frustrantes para um entrevistador. Mas ele devia ter lá suas razões. Falemos um pouco do filme.
O que mais me deixou intrigado com MACAO foi o fato de que o filme se concentra mais na história de amor dos personagens de Robert Mitchum e Jane Russell do que na trama policial. No prólogo, um policial americano de Hong Kong é assassinado pelos policiais corruptos de Macau. Que, aliás, é um lugar que por si só já é um achado de tão diferente. Macau, cujas línguas oficiais são o chinês e o português, tem uma arquitetura única, poucas vezes aproveitada no cinema. Só lembro de ter visto o lugar em um filme uma única vez: em EXILADOS, de Johnny To.
Depois do prólogo, o filme volta os olhos para três viajantes chegando a Macau de barco: os personagens de Robert Mitchum, Jane Russell e William Bendix. Cada um deles guarda segredos sobre suas vidas, passando um ar misterioso que permanece até os momentos finais do filme. E esse mistério se mistura com o incômodo do policial local, que quer, a todo custo, se livrar de Nick Cochran, o personagem de Mitchum. Este, por sua vez, quer mais é mostrar o seu charme para Julie Benson, a atraente personagem de Jane Russell. Ela passa uma imagem de mulher forte e independente, embora no fundo queira mesmo encontrar um homem que a respeite e a ame, como se pode notar na bela sequência do passeio de barco à noite.
E é graças ao aspecto romântico que se sobressai sobre a trama policial que eu mais gostei do filme. Mas claro que não só por isso. O conjunto em si é bem agradável: o clima noir, as noites perigosas, o mistério envolvendo os personagens, a geografia de Macau, a grande surpresa no final. Tudo isso contribui para o sucesso artístico de MACAO, uma bela parceria involuntária de dois grandes cineastas.
quinta-feira, janeiro 19, 2012
O GAROTO DA BICICLETA (Le Gamin au Vélo)
Para quem teve como cartão de apresentação dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne um filme "difícil" como O FILHO (2002), com sua câmera incômoda na nuca do protagonista, ver O GAROTO DA BICICLETA (2011) é como experimentar algo refrescante. Trata-se do filme mais acessível da dupla, por mais que se assemelhe a uma obra de Robert Bresson, o que não deixa de ser uma contradição. O filme narra, pelo menos inicialmente, a busca de um garoto por seu pai, que o deixou num internato e não deu mais notícia. O garoto não quer admitir que o ato do pai, de ter vendido a sua bicicleta e de ter dado um chá de sumiço, foi puramente por falta de caráter.
O garoto, com seu jeito por vezes selvagem e ao mesmo tempo capaz de despertar instintos maternais – que o diga Samantha, a personagem de Cécile De France -, lembra bastante o jovem Antoine Doinel, de OS INCOMPREENDIDOS, que se pode dizer que seja a principal influência do filme. Como os Dardenne costumam expor o lado mais sórdido do ser humano, aqui podemos ver esse mal representado na figura do pai do garoto e na do jovem traficante.
A opção por um registro seco numa história com tons dramáticos, mas com pouca utilização de música, faz a diferença e não transforma o filme em um melodrama lacrimoso, como um outro título que guarda parentesco com o dos Dardenne: LADRÕES DE BICICLETA, de Vittorio De Sica. Diferente desse marco do neorrealismo italiano, O GAROTO DA BICICLETA só de vez em quando se utiliza da música (de Beethoven), mas apenas para fechar alguma cena triste, dando-lhe um ar quase fúnebre ou ameaçador.
A busca da figura masculina para suprir a falta do pai e a figura maternal em Samantha, que em um dos momentos mais bonitos do filme é obrigada a escolher entre o namorado e o garoto, são elementos que fazem com que O GAROTO DA BICICLETA desperte sentimentos fortes no espectador. O garoto que faz Cyril, o estreante Thomas Doret, tem um desempenho espetacular, como se tivesse nascido para o papel. E não é à toa que o filme tenha figurado em tantas listas de melhores do ano passado. É mesmo um dos mais belos trabalhos dos brilhantes irmãos belgas.
quarta-feira, janeiro 18, 2012
A HORA DA ESCURIDÃO (The Darkest Hour)
Com gostinho das boas produções de terror e ficção científica da década de 1950, A HORA DA ESCURIDÃO (2011), de Chris Gorak, é também uma espécie de reconciliação entre americanos e russos. Em quase todos os filmes americanos, vemos as duas nacionalidades como rivais, mesmo depois de a Guerra Fria ter terminado há muito tempo. Trata-se de uma diversão descompromissada, mas bem eficiente. Apesar de ser vendido como um filme de horror, são poucos os momentos em que há uma atmosfera de medo. O que há é um leve suspense e uma agradável sensação de aventura temperada com tom apocalíptico.
Em A HORA DA ESCURIDÃO, dois rapazes (Emile Hirsh e Max Minghella) viajam a Moscou para apresentar um software a um grupo de executivos. Chegando lá, descobrem que foram traídos por seu "amigo" (Joel Kinnaman, conhecido de quem viu a série THE KILLING). Não restando muito a fazer, eles vão conhecer a "night" de Moscou. Num bar, eles conhecem uma dupla de simpáticas garotas americanas. Até que de repente acontece um blecaute geral, inclusive de aparelhos eletrônicos e carros. A cidade estava sendo invadida por estranhos seres alienígenas, que aos poucos começam um massacre geral na população.
Por ser um inimigo invisível, lutar contra eles é ainda mais difícil. O fato de o filme apresentar os E.T.s como invisíveis é uma inteligente maneira de torná-lo mais barato, já que os gastos com efeitos especiais são praticamente todos feitos com computação gráfica. Inclusive, há um tom retrô oitentista com o tipo de efeito usado para mostrar os alienígenas tentando pegar os humanos. Em alguns momentos, A HORA DA ESCURIDÃO lembra também um filme de guerra, com os nossos jovens heróis com armas esquisitas na mão, prontos para enfrentar bravamente o inimigo. Devido a sua curta duração, o filme fica parecendo um piloto de uma série de televisão. Mas um bom piloto, eu diria.
terça-feira, janeiro 17, 2012
50% (50/50)
Filmes com pessoas que descobrem que têm câncer são produzidos aos montes. Ainda assim, o tema continua tendo o seu apelo e para quem gosta de um bom melodrama é um prato cheio. Mas não é fácil dirigir um filme desse tipo e sair com um bom trabalho em mãos, desses de provocar catarse. O caso de 50% (2011), de Jonathan Levine, é bem particular, pois lida com o assunto de maneira leve, muito por causa da presença do comediante Seth Rogen, que equilibra o clima pesado da situação do amigo, vivido por Joseph Gordon-Levitt.
Ele é Adam, um sujeito solteiro, que namora uma bela moça (Bryce Dallas Howard), que tem uma mãe que para ele é um tanto intrusiva (Angelica Huston), um pai que sofre de Alzheimer, e cujo melhor amigo é o personagem de Rogen, que praticamente interpreta o mesmo papel em todos os filmes. Além do mais, parece que todo filme com ele tem que ter maconha na história. Mas enfim, o importante nem é tanto ele, mas Adam, e seu drama de descobrir que tem um câncer na coluna, do tipo raro, que segundo ele viu na internet tem 50% de chances de ser curado com tratamento.
50% mostra bem os estágios que Adam passa ao descobrir a doença: a negação, a raiva, a aceitação, a depressão, não necessariamente nessa ordem. A cena em que o médico fala para ele do tumor é muito boa e o filme utiliza algumas canções bem bonitas para tornar aquele momento ao mesmo tempo melancólico e belo. Mas o trabalho de Levine não seria completo se não fosse a personagem de Anna Kendrick, que desde AMOR SEM ESCALAS vem mostrando que é mais do que um rostinho bonito. Em 50%, ela é a jovem e inexperiente psicóloga encarregada de cuidar de Adam nesse difícil momento de sua vida. Eu diria que as sequências mais comoventes envolvem Kendrick.
50% é mais um caso de título de qualidade que vai direto para o mercado de vídeo. Até recebeu duas indicações para o Globo de Ouro – filme (comédia ou musical) e ator, para Gordon-Levitt. Essa visibilidade das indicações ajuda o público a ficar interessado no filme. Há também a boa aceitação pela maioria dos blogueiros, outro fator que tem ajudado na divulgação. Mesmo lamentando um pouco o fato de o filme não chegar aos cinemas, vê-lo no conforto do lar e poder chorar sozinho nos momentos mais emocionantes também não deixa de ser uma experiência bastante prazerosa.
segunda-feira, janeiro 16, 2012
GLOBO DE OURO 2012
Geralmente costuma-se dizer que o Globo de Ouro é o termômetro do Oscar. Mas isso não quer dizer que os escolhidos pela imprensa estrangeira serão os mesmos da Academia. Ao contrário, os escolhidos raramente coincidem. No ano passado, por exemplo, o vencedor de melhor filme dramático no Globo de Ouro foi A REDE SOCIAL, enquanto que o Oscar escolheu O DISCURSO DO REI; em 2010, AVATAR faturou o Globo de Ouro, mas perdeu para GUERRA AO TERROR no Oscar; o ano de 2009 foi um caso em que ambas as premiações tiveram o mal gosto de escolher QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?. Neste ano, a vitória de OS DESCENDENTES para melhor filme dramático e de O ARTISTA para melhor filme (comédia ou musical) deixa a brecha para que o filme francês possa ganhar o prêmio da Academia. Será?
Mas falar de premiações como o Globo de Ouro é mais comentar sobre trivialidades do que fazer esse tipo de especulação, coisa que não é a minha praia. O que eu mais reparo nessa festa é a beleza das atrizes, a reunião do pessoal do cinema com o pessoal da televisão, o comportamento dos astros e estrelas, o diferencial na cerimônia, as piadas do apresentador etc. E no primeiro quesito, o da beleza das estrelas, a apreciação já começou no tapete vermelho, quando pudemos ver beldades como Paula Patton, Zooey Deschanel, Evan Rachel Wood, Emily Blunt, Kate Winslet, Charlize Theron, Sofia Vergaro, Kate Beckinsale e Natalie Portman desfilando para as câmeras.
As minha maiores alegrias da noite foram as premiações para Claire Danes e sua excelente série HOMELAND; para a Meryl Streep, por seu papel em A DAMA DE FERRO (nem vi o filme, mas já estava cansado de ver a atriz sendo indicada todo ano e perdendo); para o grande Peter Dinklage, o anão de GAME OF THRONES; e para Kate Winslet, por sua tocante interpretação na minissérie MILDRED PIERCE.
Quanto a Ricky Gervais, infelizmente o apresentador não pôde despejar sua já famosa acidez. O humorista britânico parecia estranhamente contido, como se estivesse estritamente proibido de fazer piadas mais picantes com os astros. Mesmo assim, quando foi fazer piada com a Madonna, ela retribuiu na mesma moeda. De todo modo, nem dá para tomar as dores de Gervais, pois o sujeito tem se mostrado muito arrogante.
No mais, o prêmio especial para Morgan Freeman foi um ponto alto da noite; a Tilda Swinton estava parecendo o David Bowie, só que bem mais estranha; Claire Danes estava se comportando igualzinho à sua personagem em HOMELAND, isto é, meio psicótica; Natalie Portman continua com aquela estranha melancolia no olhar; ao contrário do elenco de O ARTISTA, Steven Spielberg não teve coragem de levar o cachorrinho de AS AVENTURAS DE TIN TIM para a festa; e Woody Allen, "excepcionalmente", não compareceu para pegar o seu prêmio.
Prêmios da noite:
Cinema
Melhor Filme (Drama): OS DESCENDENTES
Melhor Filme (Comédia/Musical): O ARTISTA
Melhor Ator (Drama): George Clooney (OS DESCENDENTES)
Melhor Ator (Comédia/Musical): Jean Dujardin (O ARTISTA)
Melhor Atriz (Drama): Meryl Streep (A DAMA DE FERRO)
Melhor Atriz (Comédia/Musical): Michelle Williams (SETE DIAS COM MARILYN)
Melhor Ator Coadjuvante: Christopher Plummer (TODA FORMA DE AMOR)
Melhor Atriz Coadjuvante: Octavia Spencer (HISTÓRIAS CRUZADAS)
Melhor Direção: Martin Scorsese (A INVENÇÃO DE HUGO CABRET)
Melhor Roteiro: Woody Allen (MEIA NOITE EM PARIS)
Melhor Trilha Sonora: Ludovic Bource (O ARTISTA)
Melhor Canção Original: Madonna por "Masterpiece" (W.E.)
Melhor Animação: AS AVENTURAS DE TIN TIM
Melhor Filme em Língua Estrangeira: A SEPARAÇÃO (Irã)
Televisão
Melhor Série (Drama): HOMELAND
Melhor Série (Comédia/Musical): MODERN FAMILY
Melhor Minissérie ou Telefilme: DOWNTON ABBEY
Melhor Ator de Série (Drama): Kelsey Grammer (BOSS)
Melhor Ator de Série (Comédia): Matt LeBlanc (EPISODES)
Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme: Idris Elba (LUTHER)
Melhor Atriz de Série (Drama): Claire Danes (HOMELAND)
Melhor Atriz de Série (Comédia): Laura Dern (ENLIGHTENED)
Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme: Kate Winslet (MILDRED PIERCE)
Melhor Ator Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Peter Dinklage (GAME OF THRONES)
Melhor Atriz Coadjuvante em Série, Minissérie ou Telefilme: Jessica Lange (AMERICAN HORROR STORY)
domingo, janeiro 15, 2012
O ALBERGUE 3 (Hostel – Part III)
Eli Roth começou como uma boa promessa para o cinema de horror americano com CABANA DO INFERNO (2002), mas acabou se transformando em coadjuvante nos trabalhos de amigos como Quentin Tarantino e Robert Rodriguez, além de produtor de algumas fitas de gênero menores, lançadas direto no mercado de vídeo. Quanto à sua criação mais conhecida, O ALBERGUE (2005), que teve uma continuação bem decente em 2007, ela ganhou um terceiro filme, lançado direto em vídeo, mas sem envolvimento nenhum de Roth. O ALBERGUE 3 (2011) é dirigido pelo mesmo Scott Spielgel que dirigiu o divertido UM DRINK NO INFERNO 2 (1999), lançado também em esquema "direto para dvd".
Pena que não haja nesta continuação bastarda a menor criatividade. É tudo feito seguindo a cartilha dos anteriores, mudando apenas o lugar: da Europa para Las Vegas. Até porque fica mais barato para os produtores. Não poderiam faltar também cenas de violência, mas até elas são fracas e pouco criativas em comparação com a dos filmes anteriores e até mesmo em comparação com algum exemplar da franquia JOGOS MORTAIS. Aliás, talvez Roth tenha pulado fora de uma continuação por causa da banalização da violência que JOGOS MORTAIS acabou provocando.
Na trama, grupo de quatro amigos vai para Las Vegas para uma despedida de solteiro de um deles. Daí em diante é só esperar o óbvio: eles serão capturados pelos membros do clube de sádicos, que pagam para assistir a morte brutal das vítimas. Só resta saber quem do grupo escapará, já que isso também é previsível. Em O ALBERGUE 3, não há exatamente cenas memoráveis ou boas. O filme, pelo menos, sai da chatice no momento em que é dada a chance de o prisioneiro lutar e fugir. Mas com um final tão preguiçoso e besta, acredita-se que O ALBERGUE 3 pode ter enterrado de vez a franquia. Tomara.
sábado, janeiro 14, 2012
SCARFACE
São poucos os filmes de Brian De Palma que não me agradam. De certa forma, SCARFACE (1983) era um deles, mesmo sendo uma superprodução ambiciosa de cerca de três horas de duração. Havia visto em vhs na aurora de minha cinefilia e não tinha gostado muito e agora, em dvd, com a janela correta em scope e som 5.1, a minha impressão não mudou muito. Continuo vendo o personagem de Tony Montana como um dos mais caricatos da carreira de Al Pacino, por mais que digam que ele foi supervisionado por uma equipe de cubanos. Mas não se trata de falar bem como um cubano; a questão é de interpretação mesmo. Que eu vejo como acima do tom. Aliás, não é só a interpretação de Pacino, mas todo o filme parece cheio de excessos. Nem falo da violência, que para os dias de hoje nem chega a incomodar.
Assistindo os bons extras, o documentário do sempre ótimo Laurent Bouzereau, talvez eu tenha encontrado as respostas para o porquê de eu não gostar do filme. Uma delas talvez seja por não ser um "autêntico" De Palma. É mais um filme de produtor (Martin Bregman) e roteirista (Oliver Stone) do que exatamente de diretor. Inicialmente, o diretor contratado para dirigir SCARFACE, refilmagem do clássico de Howard Hawks de 1932 (que aproveito para dizer que não é também um dos meus favoritos de um dos meus cineastas favoritos), era Sidney Lumet. O experiente Lumet não gostou do roteiro, achou muito violento etc, e acabou caindo fora do projeto.
Daí Martin Bregman convidou De Palma para dirigi-lo. Oliver Stone adoraria ter dirigido, mas, devido a sua pouca experiência e ao fracasso comercial do horror A MÃO, não o deixaram. Aí chega De Palma para botar ordem em casa e contratar a então iniciante Michelle Pfeiffer para viver a mulher do traficante Frank Lopez (Robert Loggia) e que seria interesse amoroso (se é que dá pra chamar assim) do ambicioso psicopata Tony Montana, que, embarcando nos Estados Unidos, afirma ser um preso político e assim é aceito, já que o país ainda vivia em forte rixa com a Cuba de Fidel.
Assim como no filme de Hawks, o SCARFACE de De Palma também aproveita o interessante subtexto do amor doentio de Montana pela própria irmã (Mary Elizabeth Mastrantonio). O clima anos 80, ainda influenciado pela disco do fim dos 70, dá um colorido especial à produção e também combina com o submundo da cocaína. Claro que o filme tem muitas cenas memoráveis, mas não as vejo com muita admiração. Talvez a minha cena preferida e que é mais credora do cinema de Alfred Hitchcock seja a que Pacino vai negociar pela primeira vez com um traficante colombiano e o sujeito usa uma serra elétrica para matar o seu colega. E a câmera desce para mostrar o outro amigo (Steven Bauer) esperando no carro, brincando com uma moça de biquíni. Esse é um bom momento de tensão. Mas nada que não possamos encontrar em escala muito superior em obras melhores e mais intensas de De Palma.
sexta-feira, janeiro 13, 2012
180º
Às vezes penso que fui equivocado ao dizer que 2011 foi um ano ruim para o cinema nacional. O que pode ter acontecido é que os melhores filmes foram lançados em pouquíssimas cópias, ficando restritos, pelo menos inicialmente, a Rio e São Paulo. Mesmo quando vejo que, ao sair da sessão de 180º (2011), a maior parte do público ficou rindo com o final, como se estivesse se sentindo enganado, sinto que é tudo questão de se adaptar a novos estilos de narrativa, a novas experimentações. E é isso que eu tenho percebido nesses novos filmes brasileiros, de cineastas novos: uma vontade de inovar e de não se preocupar muito com o sucesso comercial. Mesmo quando tem no elenco um ator conhecido como Eduardo Moscovis.
A opção por um roteiro intrincado, com idas e vindas no tempo, faz do longa-metragem de estreia de Eduardo Vaisman uma espécie de quebra-cabeças que vai se revelando aos poucos, à medida que as peças do passado e do futuro vão se juntando. Na trama, Moscovis é Russell, um ex-jornalista que teve um relacionamento sério com Anna (Malu Galli). Agora ele vive sozinho num lugar afastado da cidade, onde se cultiva laranjas. Ele recebe a visita de Anna, que também era jornalista e agora é editora e namora Bernardo (Felipe Abib), que também fazia parte do mesmo grupo de jornalistas, mas que se transformou num escritor bem-sucedido após escrever um livro inspirado num bloco de anotações que encontrara.
No campo das interpretações, quem mais se destaca no filme é Malu Galli, que compõe uma Anna sofrida quando se separa de Russell. A atriz parece ter passado por algum tipo de regime, já que quando se mostra feliz nos flashbacks com Russell, Anna é bela, feliz, de bem com a vida. A mudança e a insatisfação com o novo parceiro ficam visíveis logo no começo. Mas o ideal é ver 180º sem saber nada a respeito, deixar-se levar pela trama. A montagem acertada contribui para impor um ritmo ágil e tenso. 180º pode até não ser um grande filme, mas traz, sem dúvida, um fôlego novo e bem-vindo para o nosso cinema.
quinta-feira, janeiro 12, 2012
MADAME BOVARY
Este é o primeiro dos posts que pretendo dedicar às adaptações da obra-prima de Gustave Flaubert, o romance realista "Madame Bovary". Selecionei seis traduções ou livres adaptações do romance, começando em ordem cronológica por MADAME BOVARY (1933), de Jean Renoir. As obras seguintes serão A SEDUTORA MADAME BOVARY (1949), de Vincente Minnelli; THE SINS OF MADAME BOVARY (1969), de Hans Schott-Schöbinger; MADAME BOVARY (1991), de Claude Chabrol; MAYA (1993), de Ketan Mehta; e VALE ABRAÃO, de Manoel de Oliveira (1993). Não sei o quanto essa overdose de "Madame Bovary" vai me aborrecer ou me fazer ficar ainda mais apaixonado pela obra de Flaubert, mas, junto com a leitura do capítulo dedicado ao assunto presente no livro "A literatura através do cinema", de Robert Stam, me ajudará a compreender melhor as diferentes traduções das obras cinematográficas e os desafios enfrentados pelos diretores em transpor o romance para as telas.
A primeira das adaptações que vi, a de Renoir, me decepcionou um pouco, o que já era de certa forma esperado, mas muito dos problemas deste filme se deve ao próprio cinema produzido no início da década de 1930, que tinha a dificuldade de incluir uma música de fundo bem trabalhada e havia um excesso de teatralidade. Outro problema está na própria versão dos produtores, que é a que foi distribuída. A versão original do filme era de três horas, mas foi reduzida a menos de duas por insistência da distribuidora. O próprio Renoir brincava, dizendo que a versão mais curta parecia interminável, enquanto a mais longa parecia mais curta. E eu acredito no que ele diz.
Uma das opções de Renoir é a não utilização de uma voice-over para enfatizar os pensamentos dos personagens. Enquanto que na obra literária, Flaubert nos leva para dentro do coração e da mente de Emma, o filme de Renoir torna tudo objetivo, fazendo com que seja mais fácil para o espectador julgar a protagonista como uma mulher não apenas infiel, mas também egoísta e irresponsável. Algumas "deixas" de Flaubert foram ignoradas por Renoir, como a cena da feira, tão elogiada como protocinema por Eisenstein, em que Rodolphe tenta conquistar Emma durante um leilão. Por outro lado, a cena da conversa com o padre foi bem aproveitada.
Sequências de intensa força no livro, como a das complicações na cirurgia no pé de Hyppolyte, ou do próprio fim de Emma, perdem a força no filme de Renoir. Mas bobagem seria ficar enumerando os problemas do filme em relação ao romance. Sábio era Hitchcock que dizia que jamais adaptaria uma grande obra (ele costumava citar Dostoiévski). Assim, deve-se dar um desconto para os corajosos diretores que tentam fazer o impossível. As melhores coisas de MADAME BOVARY, de Renoir, são as cenas curtas, entrecortadas por uma tela preta que se demora mais do que o comum; o pouco uso do campo/contracampo nos diálogos; a profundidade de campo; e o belo uso da fotografia nas cenas pastorais. Melhor sorte na versão de Minelli.
quarta-feira, janeiro 11, 2012
LOUIE – A PRIMEIRA TEMPORADA COMPLETA (Louie – The Complete First Season)
A primeira coisa que me incomodou ao ver a primeira temporada de LOUIE (2010) foi estar perto da idade do personagem e vê-lo de maneira tão perdedora, tão carente de autoestima. Não deixa de ser um baque. Ele fala em seu show de stand up comedy de seu corpo fora de forma (em suas palavras, "a shitty body"), de sua dificuldade em encontrar novas namoradas depois do divórcio, da solidão, do fato de nunca ter conseguido namoradas por suas qualidades físicas. Mas também fala de coisas simples do cotidiano, como Jerry Seinfeld.
Inclusive, a minha relutância em ver esta série era achar que se tratava de uma cópia de SEINFELD. Há semelhanças, mas a abordagem é diferente e o registro é mais dramático e melancólico e menos ácido. Muitas vezes até me incomodei com o fato de não rir das piadas de Louie, embora eu saiba que o stand up comedy nos Estados Unidos também tem uma linha mais loser, na qual o personagem se encaixaria.
As histórias de cada episódio são boas e uma coisa admirável é que todos eles são escritos e dirigidos pelo próprio protagonista, Louis C.K., que havia feito uma sitcom chamada LUCKY LOUIE (2006/2007) para a HBO e que durou apenas uma temporada. A nova série, aprovada para uma terceira temporada, passa no canal americano FX. São temporadas de treze episódios e vários deles são memoráveis e com situações bem estranhas e constrangedoras.
Exemplo disso é o episódio em que Louie é ameaçado por um pirralho em frente a uma mulher com quem ele estava tendo o primeiro encontro. Ele não tem coragem de partir para a briga com o garoto. Resultado: a mulher o acha um covarde. Outro episódio de destaque é "God", que é contado quase todo em flashback, mostrando sua infância e sua relação com as crenças cristãs e o sentimento de culpa incutido pelas freiras e sacerdotes. Destaco também a participação de Ricky Gervais em dois episódios, no papel do médico amigo sacana de Louie.
Creio que a segunda temporada será mais agradável para mim. Dizem que é melhor e agora que eu já conheço o personagem e o tom agridoce da série, vai ser bem mais fácil acompanhar e gostar.
Agradecimentos ao amigo Renato Doho pelos episódios.
terça-feira, janeiro 10, 2012
CAVALO DE GUERRA (War Horse)
Depois da decepção gigante que foi INDIANA JONES E O REINO DA CAVEIRA DE CRISTAL (2008), que consumiu três anos do tempo de Steven Spielberg e fez com que ele ficasse mais três sem apresentar novos filmes – talvez para ver se passava a vergonha de ter feito uma obra tão ruim e aquém de seu talento -, eis que ele retorna à direção. Porém, a volta de Spielberg à boa forma ainda não foi desta vez, com CAVALO DE GUERRA (2011). Isso não quer dizer que o filme seja ruim. Na verdade, é uma obra bem respeitável, influenciada claramente pelo cinema de John Ford e com algumas cenas antológicas.
O problema é que, ao emular uma narrativa à moda antiga, Spielberg acabou por fazer um filme por vezes maçante. O grau de pieguice esperado vindo de uma obra do diretor distribuída pela Disney sobre um cavalo até que é pequeno. Fica a impressão de que o cineasta se conteve para não transformar seu trabalho num melodrama choroso. Ou então gostaria de ter feito e foi mal sucedido, pois nem a trilha sonora um tanto apelativa de John Williams ajuda a provocar lágrimas.
A primeira parte de CAVALO DE GUERRA é interessante, mas o rapaz que se vê como dono do cavalo chega a incomodar com tanto "amor" pelo animal. O filme melhora quando o cavalo é vendido para um oficial inglês para ser usado numa batalha contra os alemães na Primeira Guerra Mundial. A partir de então, vamos conhecendo as pessoas que entram em contato com o cavalo, a exemplo do que também acontece em A GRANDE TESTEMUNHA, de Robert Bresson. Sendo que no filme de Bresson, há um jumento. Entre os destaques do filme de Spielberg está a garotinha francesa (a estreante Celine Buckens), que contribui não só com a beleza e a graça, mas também com alguns momentos engraçados.
Aliás, um dos méritos de CAVALO DE GUERRA é também ter algumas tiradas divertidas, como a sequência da bandeira branca nas trincheiras, com um espirituoso diálogo entre um soldado inglês e um alemão. O que chega a incomodar um pouco é o fato de que todo mundo fala inglês no conflito, independentemente da nacionalidade. Hollywood, mesmo depois de Mel Gibson (A PAIXÃO DE CRISTO e APOCALYPTO) e Quentin Tarantino (KILL BILL e BASTARDOS INGLÓRIOS), parece não ter aprendido a lição. Enfim, o grande astro do filme é o cavalo do título, um animal belo e admirável. Se houvesse premiação para animais, com certeza ele receberia um prêmio.
CAVALO DE GUERRA foi indicado para o Globo de Ouro nas categorias de filme (drama) e trilha sonora (John Williams).
P.S.: O site Pipoca Moderna desta vez colocou no ar o resultado das melhores séries do ano, segundo votação dos críticos e colaboradores. Confiram AQUI o resultado. Os meus votos (votei apenas no top 10) podem ser vistos na caixa de comentários.
segunda-feira, janeiro 09, 2012
OS ESPECIALISTAS (Killer Elite)
Depois de uma viagem relaxante com um grupo de amigos, voltei renovado (poucas vezes dormi tão bem, mesmo tendo uma festa que foi até o sol raiar), mas também cansado, por causa da tensão da viagem (fico tenso dirigindo em estradas) e porque comi muita coisa que não devia para essa minha garganta cheia de frescuras. E isso se reflete no corpo. Mas sigamos em frente, tentando ignorar as dores, que tudo passa. Principalmente o tempo. Já faz, por exemplo, vinte dias que vi OS ESPECIALISTAS (2011) no cinema. Portanto, vou tentar puxar da memória as impressões.
O fato é que talvez não teria visto o filme se não fosse o comentário elogioso do Leandro Caraça no Facebook. Imaginava se tratar apenas de um policial genérico e sem graça, que Hollywood tem produzido às toneladas já faz alguns anos. Mas, na verdade, trata-se de um belo filme de espionagem com cenas de ação vigorosas. Além do mais, fazia tempo que não via Robert De Niro em papel digno, ainda que na posição de coadjuvante.
De Niro e Jason Stathan interpretam mercenários. São bons no que fazem, mas Danny, o personagem de Stathan, já quer se aposentar e viver em paz com sua amada esposa (a bela Yvonne Strahovski, conhecida de quem acompanhou a série CHUCK). Acontece que um grupo de árabes sequestrou seu amigo (De Niro) e ele só será solto se Danny fizer um serviço: matar os assassinos dos filhos do sheik. O principal agente rival de Stathan nessa guerra secreta é o personagem de Clive Owen.
O resultado é um filme bem movimentado, que tem um elenco que funciona muito bem em todos os momentos, uma boa ambientação setentista, e uma trama simples para um filme com elementos de thriller de espionagem. Saiu melhor do que a encomenda. Ainda mais, levando em consideração que é trabalho de um diretor estreante (Gary McKendry).
P.S.: O ano foi fraco para o cinema brasileiro, mas o site Pipoca Moderna convidou o seu grupo de críticos e colaboradores para escolher os seus favoritos de 2011. O resultado pode ser conferido AQUI. Podemos ver que muitos filmes só foram exibidos em algumas praças. Eu, pelo menos, não vi 13 da lista, porque não chegaram aos cinemas de Fortaleza! Talvez seja sinal de que a situação pode não ter sido tão feia quanto foi pintada. O problema seria de distribuição. Os meus dez escolhidos podem ser vistos na caixa de comentário.
quinta-feira, janeiro 05, 2012
AMADAS E VIOLENTADAS
O cinema de Jean Garrett, um dos mais cultuados cineastas da Boca do Lixo, até então era uma grande lacuna para mim. AMADAS E VIOLENTADAS (1975), seu segundo trabalho na direção, foi seu primeiro filme que vi e que me animou bastante a conhecer mais. Quando o especialista em cinema de horror Carlos Primati esteve aqui em Fortaleza, ele ficou pegando no meu pé porque eu não havia visto nada do Garrett. Lembro que cheguei a "namorar" algumas vezes o vhs de EXCITAÇÃO (1976) nas locadoras, mas sempre acabava não levando. O filme foi produzido pela produtora Dacar, de David Cardoso, que já havia arrecadado bem com o anterior, também dirigido por Garrett, A ILHA DO DESEJO (1975).
Em AMADAS E VIOLENTADAS, temos um escritor psicopata, vivido por Cardoso, que acredita estar escrevendo a sua obra-prima, um romance baseado nos recentes homicídios cometidos por ele. Aos poucos, o filme vai nos mostrando que seu comportamento é fruto de um trauma de infância, envolvendo o assassinato da mãe e o suicídio do pai. Ele tem dificuldade de se relacionar com as mulheres e é o típico assassino impotente e frustrado. De certo modo, o enredo guarda semelhança com INSTINTO SELVAGEM, de Paul Verhoeven, embora o filme estrelado por Sharon Stone seja bem mais complexo na definição do assassino.
A primeira vítima a ser mostrada, inclusive, é uma de suas "secretárias", uma mulher que morava em sua casa, sob o pretexto de ser vista pela sociedade também como um caso seu, e que é assassinada num apartamento, quando é pega com um homem, logo no prólogo. Não sem antes de o filme mostrar um pouco os dotes físicos da moça. Na época, o cinema produzido na Boca já começava a explorar a nudez como chamariz.
A trama ganha outros contornos quando entra em cena uma jovem garota que está fugindo de uma seita satânica, que pretende sacrificá-la num ritual diabólico. O escritor psicopata a salva e consegue a guarda da garota. Ele admira a pureza da menina, que por ter crescido num orfanato, se comporta como uma criança. A relação com a garota, a investigação da polícia e de uma jornalista curiosa e outras reviravoltas da trama não preparam o espectador para o belo final.
Tenho comigo pelo menos mais outros quatro filmes de Garrett para apreciação: POSSUÍDAS PELO PECADO (1976); A MULHER QUE INVENTOU O AMOR (1979); MULHER, MULHER (1979); e KARINA, OBJETO DO PRAZER (1981).
quarta-feira, janeiro 04, 2012
CINZAS QUE QUEIMAM (On Dangerous Ground)
E continuando a peregrinação pela obra de Nicholas Ray, chego a um de seus melhores filmes: CINZAS QUE QUEIMAM (1952). E devo começar dizendo que tudo que falei sobre a falta de força na interpretação de Robert Ryan em HORIZONTE DE GLÓRIAS (1951) pode ter sido uma bobagem de minha parte. Vi depois uma interpretação muito boa dele em A ESTRADA DOS HOMENS SEM LEI (1951), mas neste autêntico filme de Ray ele está soberbo. Além do mais, nunca Ray havia se cercado de tanta gente de talento para auxiliá-lo. Além de Ryan, há Ida Lupino, como a moça cega da segunda parte do filme; há Ward Bond, como o pai de família que quer vingar o assassinato da filha; há a excelente trilha sonora de Bernard Herrmann, poucos anos antes de se tornar famoso por sua parceria com Alfred Hitchcock; e há a ótima fotografia de George E. Diskant, que já havia trabalhado com Ray em AMARGA ESPERANÇA (1948) e em A VIDA ÍNTIMA DE UMA MULHER (1949), mas é aqui que ele atinge o seu máximo.
Além do mais, o filme tem uma importância crucial para a definição do gênero policial em Hollywood. Embora haja ainda muitos clichês do film noir, nota-se que CINZAS QUE QUEIMAM dá um passo adiante na construção de uma dramaturgia diferente, mais moderna. Toda a produção do filme parece conspirar a seu favor. Desde o início, mostrando uma mulher segurando um revólver e dando-o com carinho ao marido, um policial, aprontando-se para sair e cumprir o dever, representando tanto o fálico, o violento, quanto a importância da família. A família que é tão valorizada nos filmes de Ray, mas que é também desestruturada.
E se o cineasta hoje é conhecido como o "poeta da noite", em CINZAS QUE QUEIMAM ele faz jus ao título. Só depois de uns quarenta minutos, quando o filme muda de local, é que vemos uma cena diurna. Até então, a escuridão da noite perigosa e cheia de bandidos da cidade predomina. Depois desses quarenta minutos, o filme também nos mostra que a trama não trata da busca do assassino de um sargento da polícia, tão enfatizada no início, mas da busca de um homem (Ryan) por sua própria redenção, pelo seu destino. Há em Jim Wilson, o personagem de Ryan, uma similaridade com o escritor vivido por Humphrey Bogart em NO SILÊNCIO DA NOITE (1950). Ambos são facilmente irascíveis. E é por causa disso, por quase matar bandidos na porrada, que Jim é enviado como castigo para uma região gelada do interior dos Estados Unidos, para investigar o assassinato de uma garotinha.
E é só lá que a personagem de Ida Lupino nos é apresentada. Ela, cujo nome aparece em destaque junto com o de Ryan na mesma "página" dos créditos de abertura. Como a cega Mary, Lupino não vai ser apenas importante para a resolução do crime e ser o interesse amoroso do solitário policial, mas também fundamental para enfatizar o contraste, tão presente nessa obra de Ray. Em certo momento do filme, quando Jim diz a ela que é policial e que aprendeu a não confiar em ninguém, Mary diz que é cega, e se sente obrigada a confiar em todo mundo. Os dois são como opostos complementares. Ironicamente, Mary, vivendo na escuridão, é como uma luz para a vida sombria de Jim. Um dos momentos mais belos do filme é quando vemos Mary orando, em tom bem próximo de Jesus na cruz, para que Deus perdoe os pecados do irmão, pois ele não sabia o que fazia.
Há também a tendência de Ray a resistir ao melodrama, de fazer um cinema de contenção e tensão. Só achei a sequência final do filme tão deslocada que parece até um sonho, um delírio do protagonista. Depois, soube que ela foi incluída por causa dos produtores e não por vontade de Ray. Ainda assim, ela ficou bem bonita.
P.S.: O Pipoca Moderna publicou dessa vez o resultado final dos votos dos críticos e colaboradores para eleger os melhores filmes de 2011. Confiram AQUI!
terça-feira, janeiro 03, 2012
UM DIA (One Day)
Tenho o hábito de reescrever a lista de filmes vistos no cinema em uma agenda desde 1998. Quase todos os anos, quando mudo de agenda, eu reescrevo essa lista. Muita gente acha o processo trabalhoso e inútil, que eu deveria ter um caderninho exclusivo para isso, mas, no fim das contas, cada título que eu reescrevo é um "filme" da minha vida que passa pela minha cabeça. Lembro as circunstâncias daquele dia, com quem assisti o filme, como estava me sentindo naquele momento. Assim, lembrar esses filmes funciona como um gatilho para a memória. Deveria ter tido a ideia de fazer essa lista muitos anos antes, inclusive.
E foi mais ou menos pensando um pouco na minha vida que eu curti a sessão de UM DIA (2011), segunda incursão em produção em língua inglesa da diretora dinamarquesa Lone Scherfig, que ganhou destaque internacional com o drama EDUCAÇÃO (2009). De UM DIA, eu só li basicamente opiniões ruins, inclusive o vi até em lista de piores do ano. Por isso, para minha surpresa, a apreciação do filme foi das mais prazerosas. Claro que teve esse lado meio "egoísta", de eu ficar pensando também em mim, que contribuiu para que eu gostasse da experiência de ver os anos passando. Um dia em particular, 15 de julho, é mostrado, no encontro de um casal de amigos que desde 1988 se reúne para falar de suas vidas. Ou simplesmente para usufruir da companhia agradável do outro. Há também uma forte relação de afeto entre os dois. E isso é o principal motor do filme. A relação deles vai além da simples amizade. Digo isso, sem querer diminuir a amizade, o mais nobre dos sentimentos. Mas é que quando um relacionamento é também de respeito e amizade, ele é mais bonito, mais sincero.
Anne Hathaway e Jim Sturges formam esse belo casal, vivendo a vida, cada um à sua maneira. Ele é um pouco do que eu gostaria de ser: extrovertido, bonitão, popular. O que não quer dizer que ele não tenha seus problemas sentimentais, profissionais etc. Ela é uma garota que começa o filme meio desengonçada e vai ficando mais bonita, mais elegante, mais refinada, intelectualmente. E não é que eles só se encontrem no dia 15 de julho. O filme é que recorta essa data, especificamente, que é também especial para eles, pois é a data em que eles se encontram pela primeira vez e é a data em que eles mais sentem falta um do outro. UM DIA pode ser bem doloroso no final, mas ao mesmo tempo o epílogo, com o resgate de uma cena do passado dos dois, em tom de revelação, eterniza um grande momento. E essa não é uma das funções ou, pelo menos, uma das grandes pretensões da arte?
P.S.: O Pipoca Moderna publicou as listas dos melhores filmes de 2011 de cada crítico e colaborador. Confiram AQUI!
segunda-feira, janeiro 02, 2012
IMORTAIS (Immortals)
Depois do fracasso de TRÓIA, Hollywood ficou com um pé atrás em relação a filmes épicos. No entanto, 300, embora esteja longe de ser um grande filme, mostrou que era possível utilizar a tecnologia de computação gráfica para baratear os custos, mesmo que isso prejudicasse o realismo das produções. No caso de 300, esse artificialismo dos cenários tinha uma razão de ser. Foi uma escolha estética, a fim de emular os quadrinhos de Frank Miller o máximo possível, como em SIN CITY. Também é por opção estética que IMORTAIS (2011), com sua direção de arte carnavalesca, sua fotografia bem colorida e sua violência próxima de um videogame, se assume.
Sob a direção do indiano Tarsem Singh, de A CELA (2000), o filme reinventa a mitologia grega, sem se importar com o que os textos clássicos narram. Assim, deuses aparecem em frente aos homens e a história de Teseu e do minotauro é narrada de maneira bem diferente, mas de modo a contribuir para o desenvolvimento da trama. Em IMORTAIS, não interessa se Mickey Rourke está canastrão como o vilão Hipérion; ou se o herói, vivido pelo novo Superman Henry Cavill, parece superpoderoso demais. Aliás, isso não é nenhum problema. É mesmo preciso que o filme mostre um herói grego próximo a um super-herói. Como, por exemplo, Aquiles e Ájax em "A Ilíada", na descrição bem detalhada de Homero. Em IMORTAIS, vemos Teseu matando diversos homens com sua lança e sua espada em uma coreografia muito bem orquestrada.
Muito bem também está Freida Pinto, como a oráculo que se apaixona por Teseu e, ao perder a virgindade com ele, perde também o dom de visões do futuro. Aliás, Freida está cada vez mais linda. Nem parece aquela garotinha de QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?, no não tão distante ano de 2008. Tudo bem que antes de ser atriz ela já era modelo, mas diria que agora ela atingiu o seu auge de beleza. Quanto à violência, IMORTAIS agrada a gregos e troianos. Nem é tão sangrento, pois muito do sangue mostrado é em forma de pixels; nem é tão "censura livre", pois o que não faltam são cabeças decepadas, pessoas queimadas vivas, línguas cortadas, entre outros atos de violência que sempre serão atrativos para o eternamente sádico coração humano.
domingo, janeiro 01, 2012
GUERREIRO (Warrior)
O novo ano começa, mas tenho ainda seis filmes vistos em 2011 para despejar por aqui. Mas vamos despejando com carinho; aos poucos. Comecemos o ano com este filme tão surpreendentemente bom, mas que infelizmente não terá espaço nos cinemas brasileiros. GUERREIRO (2011), de Gavin O'Connor, será lançado direto em dvd neste mês de janeiro pela Imagem Filmes. Basta ver o filme para saber o quão absurda essa decisão da distribuidora é. Vinte anos atrás, quando ainda havia vários cinemas de rua, com certeza esse filme conseguiria um espaço garantido nas salas mais populares e seria um sucesso estrondoso de bilheteria. As sequências finais, dos combates, tão cheias de intensidade e emoção, nos levam a pensar o impacto que seria ver o filme junto a uma multidão de espectadores.
Apesar do que dá a pensar inicialmente, vendo o cartaz do filme, GUERREIRO está mais para O VENCEDOR, de David O. Russell, do que para os antigos filmes de luta que Jean-Claude Van Damme protagonizava nos anos 80 e 90. No filme, Tom Hardy e Joel Edgerton são dois irmãos que por coincidência do destino resolvem participar de um campeonato de MMA, cada um por razões particulares. Hardy é o ex-fuzileiro naval que deseja ganhar o prêmio e doar para a família do colega morto em batalha; Edgerton é um professor de física casado e pai de família que, para não perder a casa hipotecada, resolve entrar na disputa, em atitude desesperada. Mas desesperada mesmo fica a esposa, vivida pela linda Jennifer Morrison (a Cameron, de HOUSE), imaginando que o marido poderia ser morto na jaula. Há também a figura do pai, interpretado por Nick Nolte, em um dos melhores papéis de sua carreira.
Quando o filme começa, ainda não sabemos ao certo o que aconteceu com essa família desestruturada e porque razão o pai é tão desprezado, mesmo tendo tido um histórico de alcoolismo bem pesado. Os próprios motivos do personagem de Hardy, que aparece sempre com expressão de muita raiva, demoram um pouco a serem revelados. Por isso, é mais fácil se identificar com o professor, que parece ter mais coração e parece mais frágil nas lutas, sempre ganhando com muito sacrifício, enquanto que o raivoso irmão chega para decidir as lutas em questão de segundos, no nocaute. GUERREIRO é de uma intensidade impressionante e um dos melhores filmes produzidos no ano passado. Gavin O'Connor já havia dirigido um filme de esportes antes, o pouco conhecido DESAFIO NO GELO (2004).
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