sexta-feira, abril 28, 2017
GUARDIÕES DA GALÁXIA VOL. 2 (Guardians of the Galaxy Vol. 2)
Quando os estúdios Marvel anunciaram que o décimo longa-metragem do universo compartilhado Marvel seria estrelado por um grupo obscuro e não muito explorado dos quadrinhos chamado Guardiões da Galáxia ninguém ia suspeitar que o filme de James Gunn seria um baita sucesso. Passados três anos, a continuação, GUARDIÕES DA GALÁXIA VOL. 2 (2017), com a mesma equipe e o mesmo diretor, chega com a coragem de ser mais pessoal, com Gunn com mais opção de fazer um trabalho que ele deseja, embora haja ainda muita coisa em comum com os demais filmes da Marvel, como o próprio humor, mesmo que seja um humor ainda mais escrachado.
Ao mesmo tempo em que também é um filme em que o humor prevalece, há também um sentimentalismo sem medo de ser exagerado na hora de compor os dramas dos personagens. E é com isso que GUARDIÕES DA GALÁXIA VOL. 2 ganha pontos positivos. Afinal, nada como a coragem de meter o pé na jaca quando o assunto é sentimento em um filme que brinca com excessos de outros tipos, como o visual extravagante e derivado das décadas de 1970 e 80 e uma ação desenfreada que às vezes passa a impressão de algo desleixado.
Há quem vá achar, porém, o terço final do filme problemático e um pouco sem ritmo, mas talvez seja justamente neste momento que este volume 2 se mostra mais valoroso, ao lidar com as questões familiares de Peter Quinn (Chris Pratt), que finalmente encontra seu pai, aqui vivido por Kurt Russell. Aliás, Russell é um dos primeiros personagens a aparecer no filme, em um prólogo que se passa em fins dos anos 1970, quando ele aparece com feições mais jovens, modificadas pelo CGI. Mais à frente os fãs da Marvel terão uma surpresinha sobre quem ele realmente é. E esta é apenas um dos vários fan services que esta sequência traz.
Demora um pouco para que a história do filme se defina, mas até lá é possível se divertir já a partir dos créditos de abertura, os melhores de todos os filmes da Marvel até agora, mostrando a equipe lutando ao fundo, enquanto Baby Groot dança ao som de "Mr. Blue Sky", da Eletric Light Orchestra. Uma sequência animadora seguida de uma sequência de ação que parece não ter muita importância para a trama, a não ser brincar com a dinâmica do trabalho em equipe e com a característica de cada personagem, sedimentando o que ainda não havia ficado firme no primeiro filme.
Assim, agora é muito mais possível gostar do grandalhão Drax (Dave Bautista), por exemplo, pois são dele as partes mais engraçadas, principalmente quando entra em cena uma personagem chamada Mantis (Pom Klementieff) e ela é meio que alvo de bullying por parte dele, embora não pareça bullying para ela, que é um ser tão inocente. Enquanto isso, o filme dá mais humanidade e seriedade a Rocket (voz de Bradley Cooper) e ele deixa de ser apenas um guaxinim falante.
Aliás, uma das coisas positivas do filme é o fato de eles se aceitarem, no fim, como uma família disfuncional, já que todos eles guardam traumas ou ressentimentos do passado ou de aceitação. Assim, até mesmo Yondu, o personagem de Michael Rooker, acaba ganhando força e até simpatia em determinado momento. É bom quando um vilão chato passa a ser visto de outra maneira. Por outro lado, o verdadeiro vilão do filme se manifesta das maneiras mais exageradas possíveis. Mas neste momento o filme já havia conquistado e certas coisas podem ser relevadas.
As cenas de ação e de luta são boas, ainda que pouco orgânicas, e primam pelo cuidado com o colorido e a direção de arte. Destaque para as sempre bem-vindas cenas com Gamora (Zoe Saldana), cheia de charme lutando ou fazendo poses de mulher durona, mesmo quando está apenas dizendo 'não' às investidas de Peter Quinn. A própria Gamora também tem uma questão familiar que é problematizada e resolvida no filme, além de ser combustível para um pouquinho mais de sentimentalismo brega.
Mas é quando as boas canções de vez em quando entram para equilibrar e dar um pouco mais de encanto a este relativamente estranho filme, de final tocante. Assim, "Father and Son", de Cat Stevens, e "Bring it on home to me", de Sam Cooke, aparecem em momentos bem especiais, com a intenção de dar mais profundidade aos personagens e a seus dramas, em momentos de respiro.
No mais, GUARDIÕES DA GALÁXIA VOL. 2 se aproxima mais do futuro e do encontro com os outros heróis da Marvel, quando os heróis do espaço encontrarão os heróis da Terra em AVENGERS: INFINITY WAR, já no ano que vem. Assim, por mais que se possa reclamar de uma coisa ou outra nesses filmes da Marvel, eles estão muito à frente da concorrência, com o estúdio seguindo firme e forte para um encontro épico de vários heróis da Casa de Ideias.
quinta-feira, abril 27, 2017
PITANGA
Uma pena quando um grande cineasta demora a lançar mais filmes para deleite de seus fãs. Beto Brant, que às vezes assina a direção com Renato Ciasca, é um desses diretores que conquistaram o seu espaço entre os maiores do Brasil (e do mundo, por que não?) já a partir de seu longa de estreia, MATADORES (1997). Sua carreira tem sido marcada por obras de narrativa impactante como O INVASOR (2001) e CÃO SEM DONO (2007) e outras de maior risco e experimentação, casos de CRIME DELICADO (2005) e O AMOR SEGUNDO B. SCHIANBERG (2010). Seu último filme na direção havia sido no longínquo 2011, com o apaixonante EU RECEBERIA AS PIORES NOTÍCIAS DE SEUS LINDOS LÁBIOS, estrelado por Camila Pitanga.
Pois é com Camila, desta vez coassinando a direção, que Brant retorna em PITANGA (2017), agora para contar a trajetória de vida de Antonio Pitanga, um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos, tendo ganhado papéis de destaque e protagonismo em um país que tem por hábito colocar os negros em segundo plano. Para um filme coassinado pela filha, até que Camila aparece bem pouco em cena. Em compensação, o ator domina o filme, que parece correr solto a partir da alegria contagiante e da autoconfiança de Pitanga.
Em alguns momentos, chega a ser até incômoda essa rasgação de seda contínua em torno do ator, que, naturalmente, se sente muito feliz em tomar para si a fama de grande conquistador, de homem de grande magnetismo. Mas nos dois primeiros terços do filme é quase difícil não sorrir junto com esse homem que viveu a vida de maneira intensa e que conquistou o coração de muitas mulheres, sendo que várias delas aparecem em cena, reencontrando com ele: Maria Bethânia, Zezé Motta, Selma Egrei, Ítala Nandi, Elisa Lucinda...
Senti falta da presença da mãe de Camila, que nas fotos mostradas é belíssima. Não à toa a filha ter vindo ao mundo assim tão bela e especial. Segundo relatos de alguns depoimentos ao longo do filme, o casal representava uma espécie de sensualidade, sexualidade e beleza singulares na época da sua juventude.
O fato de o filme ser contado pelo próprio Pitanga a partir dos encontros com as várias pessoas (famosas), velhos conhecidos, que passaram por sua vida de forma marcante, e que contam com ele lembranças boas do passado, é algo que o distancia de outros documentários que abordam a vida de personalidades. Aqui, o ator cheio de energia e muita prosa parece ser o dono do filme, com a bênção de Brant.
Talvez o problema do filme apareça em seu terço final, quando Antonio Pitanga aparece falando de assuntos mais sérios, sobre a chegada dos negros em território brasileiro nos navios negreiros, e passando a ser também um elogio à resistência, a destacar a importância do cinema mais político produzido no Brasil, especialmente nas décadas de 1960 e 70, e ao engajamento cultural de alguém que nasceu na Bahia e respeita e é bastante envolvido com a religião de seu estado.
De uma forma ou de outra, mesmo nos deixando ainda com saudades de seus filmes de ficção, difícil negar o destaque do documentário neste momento de opressão e ao mesmo tempo de resistência das minorias, atestando o valor do negro em nossa sociedade e em nossa cultura, a partir de um registro vívido e original e pulsante. Além do mais, a vantagem desse registro todo próprio escolhido por Brant e Camila é que muita coisa é revelada nas entrelinhas: nos gestos, nas falas e nas emoções dos vários personagens que aparecem em cena. Ah, e o filme ainda traz ótimas cenas de filmes estrelados por Antonio Pitanga, hein.
segunda-feira, abril 24, 2017
PAIXÃO OBSESSIVA (Unforgettable)
Impressionante como há obras que conseguem entrar numa categoria ímpar dentro do que costumamos chamar de filme ruim. PAIXÃO OBSESSIVA (2017), estreia na direção de longas da produtora Denise Di Novi, parece ter sido feito a partir da seguinte ideia: "ei, por que não fazemos um filme totalmente ruim, desses bem vagabundos mesmo, para lançar no mercado internacional? E aí a gente convida um par de atrizes mais ou menos do primeiro time de Hollywood, que dá tudo certo." Lembrando que Denise tem no currículo outro notável filme ruim, ainda que como produtora, MULHER-GATO (2004), que também conta com duas atrizes respeitadas em papéis constrangedores.
O grande trunfo de PAIXÃO OBSESSIVA é Katherine Heigl no papel de Tessa, uma “Barbie psicopata” (termo usado no próprio filme por uma das personagens) que faz de tudo para destruir o casamento do ex-marido (o apagado e inexpressivo Geoff Stults) com a sua nova noiva, Julia, vivida por Rosario Dawson. No começo do filme Tessa ainda não sabe que o relacionamento do ex está prestes a chegar a um casamento e logo que descobre passa a fazer coisas inimagináveis, como trazer de volta o grande pesadelo da vida de Julia, um homem que a espancou e que está sob uma ordem judicial para se manter distante.
A semelhança de PAIXÃO OBSESSIVA com alguns thrillers da década de 1990 é evidente, tanto que o gosto de café requentado e que desce mal permanece na boca o tempo inteiro, até o fim, horrível como tem que ser. Afinal, se é para ser ruim, que seja até o fim. A grande desvantagem deste longa em comparação com os demais thrillers que ganharam força naquela década – inclusive numa época em que fazer filmes direto para o mercado de vídeo não era tão ruim – era que naquele momento havia um apelo erótico muito maior e que hoje é minimizado devido aos novos tempos, embora de vez em quando seja possível ver um ou outro filme que aposte na sensualidade, como é o caso de outro suspense que também mostra casamento por um fio e um psicopata, O GAROTO DA CASA AO LADO, que explora bastante o sex appeal de J.Lo.
PAIXÃO OBSESSIVA não tem coragem e nem vontade de fazer o mesmo com Rosario e Katherine, ainda que insinue uma cena sensual muito sutil em determinado momento: a cena do banheiro do casal de noivos entrecortada com a conversa apimentada via Messenger dos dois psicopatas. Não há, claramente, a intenção de fazer uma cena erótica dali. Aquele momento é para ser psicologicamente perturbador para Julia e por isso a diretora usa uma montagem picotada que tenta trazer à tona o estado de espírito fora de controle da personagem. Na verdade, o filme até poderia ser acusado de ainda mais vagabundo se usasse esse momento para explorar a nudez ou a sensualidade de uma das atrizes.
No fim das contas, é possível se divertir com PAIXÃO OBSESSIVA. Não é o tipo ruim e chato, sendo possível funcionar como uma comédia involuntária. Se o espírito era talvez criar um filme deliberadamente ruim, é possível também sair de casa para ir ao cinema e ver um filme ruim para se divertir um pouco. Nos Estados Unidos, as poucas críticas positivas a esse trabalho se referem a ele como um "good trash". Ou seja, é filme com roteiro estúpido e manjado, intriga de telenovela barata, mas que ao menos sabe investir na briga entre as duas protagonistas, com a vantagem ainda de trazer Katherine Heigl para o lado negro da força, quase redimindo o resultado final e fazendo valer a espiada.
domingo, abril 23, 2017
TRÊS SUPERPRODUÇÕES RUINS
Hollywood é famosa por gastar dinheiro à toa. Quantas vezes não saímos do cinema admirados com o tanto que foi gasto em uma grande produção ruim cujo dinheiro gasto faria a alegria de dezenas de cineastas brasileiros talentosos? Ou cineastas americanos mesmo. Enfim, mas isso já faz parte do jogo e os próprios executivos, tendo a batata quente na mão, precisam vender o produto, a fim de não ter prejuízo. E aí soltam a bomba mundo afora. Hoje em dia um mercado como a China tem salvado do vermelho algumas dessas produções. Do ano passado para cá podemos listar pelo menos três desses filmes inacreditáveis de tão ruins. Vamos a eles.
INDEPENDENCE DAY - O RESSURGIMENTO (Independence Day – Ressurgence)
Nem sei se ainda há algum fã do primeiro INDEPENDENCE DAY (1996) por aí. Mas o fato é que alguém (talvez o próprio Roland Emmerich) achou que estava na hora de comemorar os 20 anos do filme original, que rendeu muito bem nas bilheterias e foi um sucesso popular considerável. Emmerich, que veio dos filmes B, tinha chegado ao primeiro escalão de Hollywood, mas apenas no que se refere a grandes orçamentos. Com o tempo, acabou ficando famoso como diretor bom para filmar disaster movies. INDEPENDENCE DAY – O RESSURGIMENTO (2016) traz uma trama que acontece 20 anos após os eventos do primeiro filme e alguns poucos personagens de volta também, como os vividos por Jeff Goldblum e Bill Pullman. Will Smith pediu muito dinheiro para retornar à franquia e a Fox desistiu de contratá-lo. Seria, aliás, mais um filme ruim na carreira recente de Smith. Quanto ao filme, confesso que me esforcei para ficar acordado. É do tipo ruim e chato. Ou seja, o pior tipo. Até tentei acompanhar comprando um saco de pipoca, mas, mesmo assim, não deu.
INFERNO - O FILME (Inferno)
O terceiro filme de Ron Howard baseado em um livro de Dan Brown consegue ser muito pior do que os outros dois – O CÓDIGO DA VINCI (2006) e ANJOS E DEMÔNIOS (2009). Aliás, a falta de qualquer coisa memorável no segundo filme talvez tenha sido um dos motivos de demorarem tanto a fazer um terceiro. E o curioso é que Howard é até um diretor bom, dependendo do projeto. Como não é esse o caso, não se pode esperar muita coisa mesmo. Porém, curiosamente, o começo de INFERNO – O FILME (2016) tem algo de atraente. Robert Langdon (Tom Hanks) se encontra desmemoriado e conhece uma jovem mulher que tenta ajudá-lo (Felicity Jones). O diretor consegue manter o interesse nesse início mais dinâmico. Infelizmente não se pode dizer o mesmo do resto do filme, principalmente quando os mistérios vão deixando de ser mistérios e as cenas de ação vão se tornando cada vez mais maçantes e convencionais. Trata-se de outro filme duro na queda para se manter acordado até o final.
A GRANDE MURALHA (The Great Wall)
Muito ruim quando a gente vê um cineasta de nome respeitável como o chinês Zhang Yimou envolvido numa roubada como A GRANDE MURALHA (2016). Se bem que fazia tempo que uma de suas produções chinesas não chegava ao nosso circuito. Então, talvez ele já estivesse mesmo em decadência. Seria, portanto, uma chance de ganhar novamente a visibilidade que obteve nos bons tempos de O CLÃ DAS ADAGAS VOADORAS (2005) em um filme falado, em sua maior parte, em inglês. Ou seja, é uma produção pensada para faturar alto tanto no mercado internacional quanto na própria China. Ao contrário do que muita gente pensou, o filme não conta uma história real sobre a Grande Muralha, mas uma história fantasiosa envolvendo dois mercenários ocidentais (Matt Damon e Pedro Pascal) em busca de pólvora na China do século XV. Depois de escaparem de uma grande e misteriosa criatura, eles são capturados por um grupo de guerreiros chineses, que sabem da existência dessas criaturas. A muralha foi feita para protegê-los delas, inclusive. Eis mais um filme digno de cochilos épicos. Não lembro se foi no Oscar ou no Globo de Ouro (ou em ambos) que Damon foi ridicularizado por ter deixado de fazer MANCHESTER À BEIRA-MAR para fazer este A GRANDE MURALHA. Mas certamente mereceu o bullying dos colegas.
sábado, abril 22, 2017
PATERSON
Quantas vezes deixamos passar momentos preciosos de nossas vidas só porque eles não parecem dignos de serem lembrados por não serem, por assim dizer, extraordinários? E quantas vezes deixamos de perceber que estamos, sim, diante de momentos extraordinários, apesar de ordinários? É tudo uma questão de olhar a vida com olho de poeta, de perceber a beleza nos detalhes, como a posição dos sapatos de uma dupla de pessoas que conversam no ônibus ou uma simples caixa de fósforos. Isso pode ser alimento para a poesia.
PATERSON (2016), o novo trabalho de Jim Jarmusch, está aí para nos lembrar disso. E o filme faz isso com uma beleza e uma humanidade tão delicada que combina muito bem com seu personagem-título, vivido por Adam Driver. Trata-se, aliás, do melhor papel de sua carreira, até o momento, superando e contrastando com o intenso Adam, seu personagem em GIRLS, a série recém-encerrada de Lena Dunham.
Paterson, ao contrário de Adam, tem uma sobriedade e uma serenidade de lidar com a vida que dá até vontade de tomar como exemplo. Quando um colega de trabalho pergunta sobre sua vida, ele diz que está tudo bem, enquanto o tal colega está sempre reclamando de algumas coisas (várias, na verdade). Mas, de fato, Paterson é um homem de sorte: é casado com uma mulher amável e que ele ama (linda as cenas do amanhecer, com os dois na cama), tem uma rotina tranquila em um bairro tranquilo e consegue tempo para transformar os seus pensamentos em poemas, os quais guarda em um caderninho.
Sua esposa Laura (a iraniana Golshifteh Farahani, de PROCURANDO ELLY, de Asghar Farhadi) tenta fazer com que Paterson faça uma cópia de seus escritos e mostre ao mundo seus belos poemas. Ele, porém, hesita. O filme não diz, mas talvez a fama ou uma possível e indesejada mudança de rotina atrapalhasse o modo como ele vê a vida. Esse talvez seja um dos motivos também de ele não querer um telefone celular ou mesmo um computador. A vida de motorista de ônibus, para ele, lhe basta, provavelmente.
A esposa gosta de pintar coisas em sua casa e planeja ser cantora de música country, além de cozinheira de cup cakes e outras novidades, geralmente com uma obsessão pelo contraste entre o preto e o branco. Quanto a Paterson, sua poesia se nutre do cotidiano, que se faz necessário na rotina de uma pessoa normal, no caso, alguém que é motorista de ônibus, é casado, tem um cachorro que leva para passear e que também gosta de tomar uma cerveja no mesmo bar todos os dias. Além do mais, no ônibus, ele aprecia ouvir as conversas dos passageiros. Tudo é combustível para sua poesia.
E o modo como o filme narra os eventos, separando-os em dias da semana, faz com que nós, desacostumados, esperemos que algo de muito extraordinário ou mesmo perigoso aconteça. Afinal, isso é tão comum em se tratando de cenas com alguém dirigido algo. Não que não haja algo que não vá mexer com o equilíbrio de Paterson no desenrolar da trama, mas é impressionante como o ocorrido também nos afeta, nos deixa tristes, ainda que não seja nenhum fim do mundo.
Esse tipo de sentimento não é apenas um modo de nos solidarizarmos com o personagem, mas também de termos uma afinidade com ele no que se refere à valorização da arte como meio de expressar de forma transcendental a vida. A arte nos eleva. E de vez em quando é bom sair de um filme que consegue passar uma mensagem sobre a linguagem lírica utilizando a força da palavra sensível, falada e escrita, mas também extraindo poesia do próprio fazer cinematográfico.
quarta-feira, abril 19, 2017
QUASE 18 (The Edge of Seventeen)
Uma pena que a distribuidora de QUASE 18 (2016) tenha desistido de lançar o filme nos cinemas no Brasil. Embora ele já esteja disponível em outros meios, no cinema o trabalho de estreia da diretora Kelly Fremon Craig ganharia maior visibilidade. De todo modo, vale a tarefa de divulgar o filme para que seja visto pela maior quantidade de pessoas possível, já que se trata daquelas obras que mostram que para fazer um belo filme não é preciso inventar a roda ou usar recursos narrativos mirabolantes. Ao contrário, a simplicidade de QUASE 18 é muito bem-vinda.
Muito do sucesso do filme está na caracterização adorável de Hailee Steinfeld, como Nadine, a garota problemática e de poucos amigos que "perdeu" a melhor amiga de infância para o irmão. Durante uma pequena festa privada entre as duas na casa de Nadine, a amiga acaba se envolvendo e se apaixonando pelo irmão dela e os dois começam a namorar.
Se Nadine já tinha muitos motivos para viver chateada com a vida que levava e achar todo mundo da escola idiota, inclusive o irmão marombado e popular, a situação que acontece com a amiga faz ela até mesmo dizer que vai tirar a própria vida. Ela confidencia isso para o professor vivido por Woody Harrelson. O jeito cínico do personagem de Harrelson talvez seja o que atrai Nadine para sempre puxar conversa com ele. Quem é professor acaba se identificando e ficando enternecido com a conversa dos dois e a aproximação mais ou menos distanciada, mas baseada na confiança.
Como o filme é dirigido e escrito por uma mulher, parece passar mais verdade no modo como mostra o desabrochar daquela jovem que está confusa e está passando por uma fase de amadurecimento e de chegada à idade adulta. Não há a intenção de tornar Nadine uma personagem fácil, embora o filme consiga nos fazer gostar dela com muita facilidade, mesmo com todos os defeitos e inseguranças que ela transborda. E talvez justamente por isso gostemos mesmo. Ah, há também um personagem muito legal de um rapaz oriental que fica louco pela Nadine. Difícil não simpatizar com o rapaz.
Quanto à jovem sagitariana de 20 anos Hailee Steinfeld, importante lembrar que ela foi indicada ao Globo de Ouro por sua atuação neste filme, na categoria melhor atriz em musical ou comédia. Ela já havia chamado a atenção dos críticos e da academia no western BRAVURA INDÔMITA, dos irmãos Coen, lançado em 2010, quando ela era ainda mais jovem. Outro filme em que ela chama a atenção, ainda que em papel bem menor, é o delicioso MESMO SE NADA DER CERTO, de John Carney, não por acaso diretor de um dos mais belos filmes sobre a juventude dos últimos anos, SING STREET – MÚSICA E SONHO.
segunda-feira, abril 17, 2017
GIRLS – A SEXTA TEMPORADA COMPLETA (Girls – The Complete Sixth Season)
E uma das séries mais marcantes dos novos tempos chegou ao seu fim. Poderíamos dizer que GIRLS seria uma versão feminina de ENTOURAGE (2004-2011). Ou uma versão mais explícita de SEX AND THE CITY (1998-2004), por também tratar da vida de quatro mulheres, mas a verdade é que se trata de algo completamente diferente, diferente da série dos rapazes de Hollywood, diferente da série das mulheres ricas de Nova York.
O que vemos aqui são quatro moças que são apresentadas a nós no início dos seus vinte e poucos anos. Tão inseguras talvez quanto um adolescente e tão irritantes também, embora possam ser adoráveis e enternecer nossos corações à medida que vamos conhecendo cada uma delas, em seus dramas individuais. Lena Dunham, a criadora e protagonista da série, como Hannah, é o centro das atenções, embora com o tempo a criadora dê espaço para seus colegas brilharem.
Inclusive, talvez o melhor dos episódios da série seja um todo centrado em Marnie (Alisson Williams). Trata-se de "The panic in Central Park", da quinta e melhor de todas as temporadas. Esta sexta e última (2017) não tem a intenção de superar a obra-prima que foi a anterior, mas há vários episódios que brilham e que trazem discussões muito pertinentes aos dias de hoje.
O que dizer de "American bitch", no qual Hannah vai até a casa de um famoso autor que ela admirava, mas que foi alvo dela em um site feminista? O escritor estava envolvido em um escândalo em que se dizia que ele assediava garotas universitárias durante as turnês promocionais de seu livro. A relativamente longa e muito interessante discussão entre os dois personagens é o grande destaque deste tão diferente episódio, feito sob medida para os dias atuais, em que o tema do assédio e do abuso têm sido pontos fortes.
Se GIRLS já era uma série mais ou menos feminista, com "American bitch" esse posicionamento se torna mais claro ainda. É o tipo de episódio que pode ser visto separadamente, por alguém que apenas tem curiosidade pelo assunto em questão e não necessariamente quer se envolver com o universo da série. Para aqueles que desejam, porém, talvez o episódio mais poderoso seja "What will we do this time about Adam?", em que Hannah tem um reencontro com o seu ex-namorado (Adam Driver), depois de já ter vencido a dor de ter sido trocada por Jessa (Jemima Kirke), que nesta temporada ganha menos espaço em cena e mais antipatia dos espectadores, com ares de megera e bem menos glamour. E isso até pode ser visto como uma falha, já que beneficia Hannah, na comparação.
Quem ganha também episódios especiais na nova temporada é Elijah (Andrew Rannells), o amigo gay e roommate de Hannah, sendo o principal deles "The Bounce", sobre sua tentativa de ser ator de uma peça da Broadway. Ele também está bem presente em "Gummies", episódio focado na mãe de Hannah e seu processo de aceitação da nova fase, após a separação do marido que saiu do armário.
O episódio final, "Latching", que mostra a confrontação de Hannah com as responsabilidades da vida adulta e com o bebê, é dos mais estranhos, contrariando tudo o que se esperaria de uma series finale. Como um amigo muito bem disse: está mais para um epílogo; o penúltimo episódio, "Goodbye tour", é o que tem mais cara de final mesmo, já que é o último a reunir as quatro amigas. Ou ex-amigas. Afinal, a vida não é mesmo como uma telenovela.
domingo, abril 16, 2017
O ORNITÓLOGO
Foi meu primeiro contato com a obra do diretor português João Pedro Rodrigues, famoso por abordar a homossexualidade em seus filmes desde O FANTASMA (2000), passando por ODETE (2005) e MORRER COMO UM HOMEM (2009). Nesse sentido, até que O ORNITÓLOGO (2016) é uma obra sutil no que se refere à quantidade de cenas com apelo homoerótico. Na verdade, só há uma cena erótica: a que o protagonista Fernando (Paul Hamy) encontra Jesus, na figura de um pastor de cabras surdo-mudo.
Sim, foi o único filme de natureza religiosa que vi nesta semana, mas nem foi de propósito. A vontade de rever O ORNITÓLOGO vinha do fato de não lembrar mais direito de seu enredo onírico e simbolista quando o vi pela primeira vez em janeiro, em uma maratona, junto com outros filmes. Fazia-se necessário uma revisão para que eu escrevesse a respeito. Mas o curioso é que continuo sem saber direito sobre o que escrever. Não houve, na revisão, uma melhor absorção do que na primeira vez. Ao contrário: como estava com gripe e um pouco febril, a apreciação do filme acabou sendo menos prazerosa.
Mas não deixa de ser uma realização admirável desde o começo, quando acompanhamos Fernando em seu trabalho como cientista observador de pássaros. Sua vida muda quando seu caiaque é tragado pela correnteza de um rio. Ele é resgatado por duas chinesas católicas que o salvam e dizem precisar de sua ajuda para chegar no caminho de Santiago. Em vez disso, porém, elas o amarram e têm planos sádicos para o rapaz.
Fernando desde o começo se mostra ateu. Afirma para as chinesas que não existem demônios, nem existe Deus. Seu encontro com a espiritualidade acontece de maneira curiosa. Acontece uma total conversão, com a rejeição total da vida que leva, da identidade e até das próprias feições. Suas novas feições aos poucos são percebidas pelo ponto de vista das aves. É quando vemos seu outro eu, Antônio, vivido pelo próprio cineasta João Pedro Rodrigues.
Completam o rol de bizarrices um trio de amazonas nuas da cintura pra cima que falam latim, o encontro com um homem morto, um grupo de homens fantasiados para um ritual ao mesmo tempo macabro e idiota, e uma pomba branca, que deve ser a representação do Espírito Santo. Nessa brincadeira entre o sagrado e o profano, João Pedro Rodrigues ganha o espectador com cada elemento intrigante que surge pelo caminho de Fernando. O personagem, por mais que o vejamos com algum distanciamento, é o único elo com o espectador da normalidade do mundo dito real em comparação com o mundo místico que Fernando encontra pelo caminho.
sábado, abril 15, 2017
O NOVATO (Le Nouveau)
A ótima safra de filmes da edição passada do Festival Varilux de Cinema Francês continua gerando bons frutos no circuito brasileiro. Agora é a vez de O NOVATO (2015), longa-metragem de estreia de Rudi Rosemberg, que conta, de maneira sensível, a história de um garoto tímido que tem dificuldade em conseguir amizade na nova escola e acaba por se apaixonar por uma linda garota sueca, que também encontra dificuldade em se socializar, até por não falar direito o francês.
O NOVATO não tem nada de tão diferente entre as tantas comédias que lidam com amores da juventude. Até lembra um pouco o ótimo e mais romântico ABC DO AMOR, de Mark Levin. Mas aqui não há uma intenção de focar tanto assim no amor do garoto pela menina. As amizades que ele faz até ganham mais importância, assim como as questões do bullying e da rejeição, tão comuns no perverso universo estudantil.
Na trama, Benoît (Réphaël Ghrenassia) acaba de entrar em uma nova escola e os pais o incentivam a fazer amizade com os colegas da turma. Acontece que pra ele a coisa não é tão simples. A timidez e a total falta de sensibilidade da maioria dos meninos e meninas acabam prejudicando a sua socialização. Quem primeiro quer sua amizade são justamente garotos que também já têm fama de serem rejeitados por não se enquadrarem nos padrões, como o jovem nerd Constantin (Guillaume Cloud-Roussel) e o gordinho Joshua (Joshua Raccah). Mas quem traz alegria e palpitação para o coração de Benoît é a também recém-chegada sueca Johanna (Johanna Lindsteadt). Junte-se a beleza da garota com a carência afetiva de Benoît e temos aí um caso de fácil identificação e solidariedade do espectador com o personagem. Afinal, quem nunca passou por algo parecido?
Vale destacar a excelente direção de atores do elenco jovem, quase toda composta por estreantes. Quem não é estreante do grupo principal é a garota que faz a deficiente física, Aglaée (Géraldine Martineau), que já contava com uma carreira sólida para a idade. Sua personagem, aliás, traz algo de muito interessante por nunca se fazer de vítima devido a sua deficiência. Ao contrário, tem uma autoestima incrível e que ajuda a compor sua fortaleza. A presença de Aglaée também acentua o caráter marginal do grupo.
Há vários momentos de riso ao longo do filme, o que faz com que O NOVATO seja uma dessas obras que encantam o espectador também pela leveza da condução narrativa. No final, o que temos é uma bela história de amizade e superação em um momento bastante difícil da vida humana, que é a adolescência. Vale destacar, no elenco adulto, a presença do tio de Benoît, que dá algumas dicas para que ele consiga se sair bem na obtenção de seus sonhos e objetivos.
sexta-feira, abril 14, 2017
PERDER A RAZÃO (À Perdre la Raison)
Que bom seria se os filmes ficassem mais tempo com a gente, que a memória fosse mais fácil de buscar as cenas. Vejo muitos filmes e com o tempo eles vão sumindo de meu HD cerebral. As lembranças começam a ficar escassas. E se os vemos em casa, a impressão que temos é de que a apreensão se torna mais difícil ainda, mas até quanto a isso eu não tenho tanta certeza. Mas falemos de PERDER A RAZÃO (2012), de Joachim Lafosse, filme que já vi há alguns meses e de um cineasta que eu nem sabia que existia até ver o maravilhoso A ECONOMIA DO AMOR (2016) e colocá-lo na minha lista de favoritos do ano passado.
PERDER A RAZÃO é um pouco mais problemático e bem menos sutil, mas é mais um filme que trata de uma família em crise. Mas em um registro mais próximo da tragédia. Enquanto A ECONOMIA DO AMOR vai nos matando aos poucos com a tensão dramática da vida daquele casal que na verdade já se separou mas que vive ainda em um mesmo teto, PERDER A RAZÃO mostra a degradação de uma família a partir da pressão psicológica sofrida por Murielle, a personagem de Émilie Dequenne (mais lembrada por ROSETTA, dos Irmãos Dardenne).
O tom trágico já se apresenta no prólogo que mostra o futuro da história, com a protagonista em uma cama de hospital falando sobre "enterrá-los no Marrocos". Enterrar quem? Essa pergunta até sai um pouco da memória quando o filme parte para o ponto de partida e já que o andamento da trama é suficientemente envolvente. Vemos o progressivo e rápido namoro e casamento de Murielle com o marroquino Mounir (Tahar Rahim, que esteve em papel de destaque em O PASSADO, de Asghar Farhadi). Logo eles começam a ter vários filhos desse casamento.
Eles passam a morar na casa do pai adotivo de Mounir, André Pinget (Niels Arestrup), um médico que combina generosidade com uma alta dose de manipulação emocional. A casa é dele e ele faz questão de que o casal more com eles. A presença de Pinget é bastante incômoda naquela casa e as coisas se complicam ainda mais para o casal com a depressão que passa a abater Murielle. Nisso, a atriz foi muito feliz em dar um tom de desespero que nos contagia.
Por mais perturbador que isso seja, não deixa de ser uma prova de que estamos diante de uma obra que incomoda e sufoca. Principalmente quando os personagens estão dentro da casa. Uma viagem para o Marrocos, por exemplo, já traz um pouco mais de estabilidade emocional para a personagem. É, certamente, o caso de ver outros filmes de Joachim Lafosse e conferir se estamos diante de um especialista em inferno domiciliar.
quinta-feira, abril 13, 2017
METROPOLITAN
Para alguns cinéfilos, a escolha do primeiro filme visto no ano se torna uma espécie de ritual complicado que se confunde com uma superstição. Passamos a acreditar que começar com um belo filme vai ser sinal de que começamos o ano com o pé direito. Daí não arriscamos muito: preferimos a revisão de uma obra de que gostamos muito ou uma obra já consagrada pela crítica. Claro que a vontade de ver tal filme também influencia na escolha. E eis que METROPOLITAN (1990), de Whit Stillman, foi o primeiro filme que vi em 2017.
Trata-se do primeiro de apenas cinco filmes desse cineasta americano que costuma agradar bastante no circuito indie. METROPOLITAN lembra um pouco os trabalhos de Woody Allen, principalmente aqueles feitos com mais esmero e cuidado, e a ciranda de amores tanto faz lembrar alguns filmes da década de 1980 (especialmente os de John Hughes) quanto os romances de Jane Austen. Aliás, há uma interessante discussão sobre uma obra específica de Austen entre dois personagens principais do filme, Tom (Edward Clements) e Audrey (Carolyn Farina).
Conversando sobre obras literárias preferidas, Audrey afirma que uma de suas obras preferidas de Austen é Mansfield Park, e Tom, agindo de maneira bem pouco educada, afirma que este livro é horrível, que é considerado ruim até pelos fãs da escritora etc. Mais tarde saberemos que ele sequer leu o livro; apenas uma crítica literária dele. Tom é desses caras que talvez acredite que ler um romance é perder tempo. E apesar de vermos o filme pelo seu ponto de vista na maior parte das vezes, não nos furtamos a considerá-lo um personagem de atitudes estúpidas.
Tom é um rapaz pobre que é convidado por uma turma de jovens ricos a fazer parte daquele clube. Audrey se apaixona por ele, mas ele ainda nutre uma paixão antiga por Serena (Ellia Thompson, que aparece muito pouco na história, mas é bastante citada). Por outro lado, um dos caras da turma é louco por Audrey, o que faz com que tudo pareça uma grande armação do destino. Seja para tornar a vida daquelas pessoas mais interessantes para nós ou torná-las mais miseráveis para eles.
Há uma espécie de anacronismo no filme. O comportamento deles parece de pessoas que vivem no século XIX, mas que pode muito bem ser contemporâneo, da virada dos anos 1980 para os 90, ou até dos anos 1950, já que eles se vestem de maneira bem elegante, de acordo com as convenções sociais requeridas pela classe a que pertencem – exceto Tom, que procura se adequar à turma, embora não disponha de roupas boas o suficiente para tal e acabe encontrando apoio em Nick (Chris Eigeman).
Trata-se de um filme que se preocupa mais com os personagens e a beleza dos diálogos (houve uma indicação ao Oscar de roteiro) do que com um plot, e isso talvez o torne mais especial para quem está à procura de filmes com personagens com profundidade, imperfeitos – nenhum deles parece dono da razão, todos têm defeitos. Também podemos destacar a beleza da fotografia granulada e da direção de arte discreta e bem cuidada.
Fiquei ainda mais interessado em ver METROPOLITAN – e outros filmes de Stillman – depois de ver no cinema o ótimo AMOR & AMIZADE (2016), esse sim uma adaptação de uma obra de Jane Austen. Uma pena que o cineasta filme tão pouco.
quarta-feira, abril 12, 2017
VELOZES E FURIOSOS 8 (The Fate of the Furious)
Quem lembra de UMA SAÍDA DE MESTRE (2003), um belíssimo filme de assalto estrelado por Charlize Theron e Jason Stathan? Pois bem. O diretor desse filme no mesmo ano dirigiu também O VINGADOR, com Vin Diesel. Recentemente, o homem que comandou esses dois filmes, F. Gary Gray, voltou a ser um nome quente em Hollywood com a aclamação de público e de crítica de STRAIGHT OUTTA COMPTON – A HISTÓRIA DO N.W.A. (2015), que não é exatamente um filme de ação, e sim uma volta às suas origens de filmar dramas dos negros americanos, mas foi o suficiente para chamar a atenção para o seu nome novamente. Além de ser a chance de ter um ótimo diretor de filmes de ação (e não só) à frente de uma franquia que não prima por ótimos cineastas no comando – por mais que James Wan seja muito bom, ele é perfeito mesmo é como diretor de filmes de horror.
Assim, VELOZES E FURIOSOS 8 (2017) começou com o pé direito, depois da tragédia que foi a morte de Paul Walker durante as filmagens de VELOZES & FURIOSOS 7. E como VELOZES é, atualmente, a galinha dos ovos de ouro da Universal, é natural que haja um investimento considerável no orçamento e tudo pareça cada vez mais inchado e megalomaníaco. Se já estava acontecendo isso nos trabalhos anteriores, no novo filme esse fenômeno se percebe explicitamente. Não apenas na produção mais luxuosa, mas também nas várias locações e no elenco de celebridades, que não só conta com uma vilã maravilhosa (Charlize Theron), como com uma coadjuvante de luxo pra lá de elegante (Helen Mirren).
Uma coisa que se percebe neste oitavo filme é que ele é pensado a partir das cenas de ação. Mais do que no fiapo de história, que até que é interessante, já que traz a discórdia para a família de Dominic Toretto (Diesel). Na trama, o personagem é tragado por uma megaterrorista (Charlize) que o tem em suas mãos para executar seus planos diabólicos. Conta muitos pontos positivos para o filme o fato de a vilã não ser nada estereotipada, o que poderia tornar tudo muito chato. Lembremos que Charlize já fez o papel de bruxa má duas vezes e se saiu muito bem. Ajudam também sua beleza, sua elegância e sua sensualidade natural, mas a verdade é que a atriz é uma força da natureza, que o diga seu maravilhoso papel em MAD MAX – ESTRADA DA FÚRIA, de George Miller.
Entre as tais cenas de destaque, algumas vão ficar grudadas na memória, como a cena dos carros desgovernados, a da perseguição no gelo, a da fuga da prisão dos personagens de Dwayne Johnson e Jason Stathan e o prólogo, em Cuba (trata-se do primeiro filme de Hollywood filmado na ilha de Fidel), que serve para lembrar ao público e aos próprios criadores e demais envolvidos na franquia que VELOZES ainda continua sendo um filme sobre corridas de carros nas ruas - a inclusão de moças com pouca roupa nessas cenas talvez tenha sido mais para não perder o hábito.
A trama ganha ares de thriller de espionagem, com heróis e vilões tendo o poder de visualizar eventos em qualquer lugar do mundo, graças às maravilhas da tecnologia. O problema é que, com a ânsia de ser sempre uma cinessérie que prima pela ação ininterrupta, não há tempo para um respiro e as tentativas que o filme traz de causar impacto emocional, como a própria separação de Toretto do grupo, bem como outra cena mais brutal, acaba não sendo levada a sério por ninguém. E talvez essa seja mesmo a intenção, já que Deckard, o personagem de Stathan, é aceito pelo grupo numa boa, mesmo tendo assassinado um deles em outro filme passado.
É esse espírito leve (junto com o gosto por carros, ação e a noção ampliada da família) que faz com que VELOZES continue sendo uma franquia apreciada pelo grande público. Mesmo tendo personagens divertidos e que encontraram seu espaço garantido no grupo, a franquia se beneficia mesmo é pelo show de pirotecnia, barulho e efeitos especiais cada vez melhores, a serviço de boas cenas envolvendo carros.
terça-feira, abril 11, 2017
HOMELAND – A SEXTA TEMPORADA COMPLETA (Homeland – The Complete Sixth Season)
Ontem à noite estava comentando com um amigo que eu veria a season finale da sexta temporada de HOMELAND (2017) e ele perguntou, em tom de brincadeira: "essa série existe ainda?". Pois é. Há séries que com o tempo perdem o frescor, a relevância e o próprio público, por causa de algumas temporadas pouco inspiradas que acabam por espantar a própria audiência e não conseguir ganhar uma nova. Mesmo assim, HOMELAND está garantida para mais duas temporadas. Talvez por ser um dos maiores destaques atualmente do canal Showtime.
E falando em relevância, por mais que a série tenha caído de qualidade desde a terceira ou até mesmo a segunda temporada, não dá pra dizer que ela não esteja em sintonia com os momentos em que vivemos. Na temporada passada, por exemplo, que se passava na Alemanha, alguns episódios discutiam a questão política da Síria, que até está mais agravante atualmente.
Mas, quando menos se esperava, os roteiristas souberam aproveitar, dessa vez, o momento político nos próprios Estados Unidos, agora comandados por um homem tão perigoso quanto louco. Nesta sexta temporada, o que temos é uma presidenta que acabou de ser eleita. Uma mulher, algo inédito ainda nos Estados Unidos. Não dá para contar a relação entre essa presidenta e o Trump, sob o risco de estragar a surpresa da season finale.
Mas o que mais importa é que Carrie Mathison (Claire Danes) continua sendo uma personagem bem carismática, por mais que os roteiristas já tenham feito a moça de gato e sapato. Até assassina fria e manipuladora de drones ela foi, na ótima quarta temporada. Agora ela está mais tranquila, fora da CIA e cuidando da filha pequena, mas sofre com a culpa por ser responsável pelas sequelas que Peter Quinn (Rupert Friend) guarda, por ocasião de um ato dela na temporada passada.
A sexta temporada vai conquistando o espectador aos poucos, à medida que vai se afastando do drama do jovem islamita que é preso pelo governo americano por seus vídeos de conteúdo perigoso. Quando a série passa a se concentrar em Claire, em Quinn, na presidenta eleita Elizabeth Keane (Elizabeth Marvel) e em Saul (Mandy Patinkin), mesmo que isoladamente, nota-se uma dinâmica admirável na condução da trama de suspense e de intriga de espionagem. O que foi bastante perigoso foi elevar o nível de vilania de Dar Adal (F. Murray Abraham), que até então era um personagem que parecia trafegar muito bem nos limites do bem e do mal.
Ainda assim, eles ainda brincam com os tons de cinza (ou de muito escuro) desse personagem perto do final, que conta com uma excelente cena de tensão envolvendo uma tentativa de assassinato à Presidenta Keane. E ainda deixaram um belo gancho para a temporada vindoura. Nada mal para uma série irregular e que começou uma nova temporada de maneira fria e pouco atraente.
segunda-feira, abril 10, 2017
SETE DOCUMENTÁRIOS BRASILEIROS
É a mesma ladainha sempre que escrevo sobre vários filmes na mesma postagem: não estou dando conta de escrever sobre os vários títulos vistos por mim ao longo de alguns anos. E eles só se multiplicam, embora eu esteja vendo menos do que gostaria. Há tantas lacunas a preencher, tantos filmes americanos clássicos e modernos, tantos filmes europeus das mais variadas épocas e dos mais variados gêneros. Asiáticos, então, nem se fala. E brasileiros também. Então, como já demorei um bocado para escrever sobre alguns documentários brasileiros (e alguns desses eu gostei bastante), resolvi incluir tudo aqui, tecendo comentários rápidos e rasteiros, para ao menos deixar registrado.
ESPAÇO ALÉM - MARINA ABRAMOVIC E O BRASIL (The Space in Between – Marina Abramovic and Brazil)
Na época que estive em São Paulo aproveitei para ver este filme que jamais passou no circuito fortalezense: ESPAÇO ALÉM – MARINA ABRAMOVIC E O BRASIL (2016), de Marco Del Fiol. Deixei de ver uma obra rara do cinema mudo (pois em São Paulo, com freqüência, há sempre muita coisa acontecendo e para cinéfilos é o lugar brasileiro ideal), aproveitei para ver este filme que estava bem-cotado na então existente Liga dos Blogues Cinematográficos. Acontece que acabei achando o filme um tanto chato e nem mesmo gostei da Marina Abramovic, que aqui parece estar fingindo entrar de cabeça em cada religião e cultura exótica brasileira que conhece. Neste filme, ela viaja por diversos lugares místicos do Brasil, pesquisando comunidades espirituais. Ela entra em contato com os rituais do Vale do Amanhecer, o xamanismo na Chapada Diamantina, o candomblé na Bahia, as curas do médium João de Deus e os cristais de Minas Gerais. Não sei se por causa do horário (começo da tarde), mas acabei dando umas cochiladas durante o filme.
WAITING FOR B.
Visto no festival For Rainbow do ano passado, WAITING FOR B. (2015), de Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel, acompanha grupos de fãs da cantora Beyoncé que, em 2013, acamparam no Morumbi durante dois meses para guardar os melhores lugares para ver a cantora. Um dos méritos do filme é que ele acaba se tornando um estudo sobre pessoas marginalizadas e que querem fazer por merecer o seu lugar ao sol. Composta principalmente por pobres, negros e homossexuais, esse grupo que se forma durante esse período, com o tempo passa a se sentir como uma família. O que eu acho que faltou no filme foi esse amor e essa aproximação que os diretores disseram que sentiram pelos personagens. A montagem acabou não beneficiando os personagens, de tão fragmentada que ficou.
ENTRE OS HOMENS DE BEM
Não sei se haverá outra oportunidade de ver ENTRE OS HOMENS DE BEM (2016), de Carlos Juliano Barros e Caio Cavechini, no cinema. Até o momento, que eu saiba, não há previsão de estreia. Mas é um filme urgente em tempos em que cada vez mais a direita fascista domina o país e se mostra dona da vasta maioria do Congresso Nacional. Jean Wyllys, militante da causa LGBT, é um dos homens mais odiados pela direita lá de Brasília e do Brasil inteiro por seu posicionamento honesto, mas que mexe com o ninho de víboras daquele lugar. Aliás, é preciso ter sangue de barata pra trabalhar ali, hein. Ou muita força para aguentar o tranco e continuar o bom combate.
MARTÍRIO
Quando termina a sessão de MARTÍRIO (2016), de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, o que mais fica na gente é um sentimento de impotência, de que de nada mais adianta fazer para evitar o fim da existência daqueles poucos índios que lutam pela sobrevivência de si mesmos e de suas famílias. O filme apresenta uma análise da violência sofrida pela tribo Guarani Kaiowá, que, mesmo sendo uma das maiores populações indígenas do Brasil, não consegue espaço para viver nas terras do centro-oeste brasileiro, correndo risco de morrerem assassinados pelos grandes proprietários de terras. A recomendação é que o público não se assuste com a relativamente longa duração do filme. Cada cena é de fundamental importância. E sofrer um pouco com aquele povo talvez seja necessário para tirar a gente de nossa bolha.
DIVINAS DIVAS
A ideia é melhor do que a concretização. E um documentário acaba funcionando bem ou mal por pura obra do acaso. DIVINAS DIVAS (2016), de Leandra Leal, é um desses casos. A ideia foi ótima e a realização foi feita com amor, mas as personagens (Rogéria, Valéria, Jane Di Castro, Camille K, Fujika de Holliday, Eloína dos Leopardos, Marquesa e Brigitte de Búzios), todas transexuais que lotaram teatros na década de 1970, acabam não parecendo tão interessantes assim dentro do recorte do filme. Talvez as perguntas não tenham sido boas o suficiente para que elas falassem algo mais inspirador. De todo modo, é um bom retrato dessas pessoas que um dia alcançaram a glória e que hoje vivem quase esquecidas. As histórias ficam, assim como algumas cenas memoráveis, como a longeva história de amor de um homem por uma delas.
O FUTEBOL
Outro dos documentários mais interessantes dos últimos anos, O FUTEBOL (2015), de Sergio Oksman, deveria ser mais visto, mas infelizmente o problema de distribuição acaba por impedir que mais pessoas possam ter contado com esse filme, que fala sobre a difícil relação entre um filho (o realizador) e o pai carrancudo. Como pano de fundo, a Copa do Mundo de 2014 e cada jogo que acontece. É uma obra inteligente pelas opções que toma (muitas delas graças à dificuldade que o pai coloca para assistir um jogo com o filho), e aqui o acaso conta pontos a favor do resultado final, por mais triste que seja.
JONAS E O CIRCO SEM LONA
Mais um documentário que aposta nos riscos, JONAS E O CIRCO SEM LONA (2015, foto), de Paula Gomes, acompanha a vida de um garoto de 13 anos de idade, o Jonas do título, que é filho e neto de artistas de circo. Ele tem o seu próprio circo improvisado e que é frequentado pelos moradores do bairro onde mora, em uma cidadezinha do interior da Bahia. Ele faz questão de cuidar de cada detalhe desse seu pequeno circo de brincadeira, mas que ele leva muito a sério. Pena que os amigos acabam se afastando e o circo vai morrendo aos poucos, junto com a dificuldade que Jonas tem em em gostar da escola e de estudar. Para ele, tudo aquilo é inútil. A mãe quer que ele estude e faz o possível para que ele não se desvie do caminho que ela acredita ser o melhor para o garoto. Interessante a intervenção da diretora Paula Gomes, bem como a angústia de Jonas, que acredita que o filme sobre sua vida não vai dar certo. É um belo filme.
sexta-feira, abril 07, 2017
JOAQUIM
O cinema de Marcelo Gomes é um cinema de generosidade. Dos seus cinco longas-metragens, dois deles foram feitos em parceria com outros cineastas: VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO (2009), com Karim Aïnouz; e O HOMEM DAS MULTIDÕES (2013), com Cao Guimarães. Sua assinatura como autor acaba se tornando um pouco apagada, levando em consideração que os referidos trabalhos apresentavam algo muito em comum com a filmografia de seus colegas realizadores. Ele não havia dirigido sozinho um filme melhor do que sua brilhante estreia, com CINEMAS, ASPIRINAS E URUBUS (2005), até agora, com JOAQUIM (2017).
Eis um filme que diz muito do Brasil atual, tanto na forma como mostra os índios como mendigos, os negros como amáveis e um exemplo de alegria de espírito (que cena linda, a do escravo cantando com o índio à beira do rio), mas que ainda devem se manter em posição subalterna, e os pobres, ainda que brancos, em possíveis instrumentos para o interesse dos ricos, como é o caso de Joaquim, que lê os textos da independência das 13 colônias americanas e acredita que o Brasil também pode se livrar do fardo de Portugal. Não importando o quão raro tinha se tornado o ouro nas Minas Gerais, eles continuavam cobrando um quinto dos impostos. O quanto as coisas mudaram nos dias de hoje?
O filme de Marcelo Gomes pode muito bem ser visto em uma sessão conjunta com OS INCONFIDENTES, de Joaquim Pedro de Andrade, que tem um ar mais histórico e mostra os eventos anteriores à morte de Tiradentes. Em JOAQUIM vemos o personagem ainda antes desse momento e sem o encontro com aqueles poetas famosos do Arcadismo brasileiro. Mas só pelo tema e pela completude cronológica, já que se trata aqui de outra proposta, outro realizar cinematográfico, com um prólogo que parece didático na apresentação do personagem, mas cujo registro vai se provar o contrário já a partir da primeira cena com os personagens dialogando e agindo de maneira inquieta.
Em JOAQUIM, o diálogo é ágil e natural, bem diferente do que se costuma ver em produções que retratam essa época, que em geral possuem uma linguagem mais empostada, o que acaba por distanciar o espectador. Aqui, até a câmera na mão nos aproxima de tudo. O filme quase nos faz sentir o cheiro daquele ambiente, em especial em uma das primeiras cenas: quando Preta (a atriz portuguesa Isabel Zuaa) leva comida para Joaquim (Júlio Machado) e Januário (Rômulo Braga). A câmera na mão segue inicialmente a escrava, para depois nos mostrar o relacionamento de proximidade entre aqueles personagens: Preta tirando piolho de Joaquim enquanto ele almoça.
Esse aspecto mais sujo no modo como mostra os personagens e o ambiente também se distancia do que geralmente se vê em produções dessa época, mesmo as que trazem personagens pobres. Nessa mesma cena aparece um indiozinho pedindo comida. Januário diz para não dar, pra não acostumar. Joaquim é um pouco mais generoso.
É um filme que faz questão de adotar um caminho contrário ou esperado o tempo todo. Em vez de vermos um herói, temos em Joaquim a figura de um perdedor. Marcelo Gomes o despe totalmente de sua glória, mesmo quando o reveste de uma obsessão pelo ouro para poder ficar rico e ter sua desejada mulher, que ainda por cima é uma escrava cujo corpo pertence a outro negro.
O fato de Joaquim ter se tornado um mártir, e isso só é mostrado no prólogo, com uma apresentação um tanto quanto dotada de uma ironia machadiana, é quase um acidente, fruto de sua revolta contra aquilo que ele acredita estar errado no Brasil-colônia. No fim das contas, alguém precisou (precisou?) morrer por nossa causa e daí vem a imagem de Tiradentes até hoje parecida com a de um Jesus brasileiro, alguém que morreu por nós e que ganhou um feriado que mais parece católico do que patriótico.
No momento político opressivo e desesperançado em que vivemos, é muito natural que nos identifiquemos não só com esse personagem, mas com todas as circunstâncias que o rodeiam, com personagens e eventos que podem muito bem ser vistos como alegorias do presente.
terça-feira, abril 04, 2017
A VIGILANTE DO AMANHÃ – GHOST IN THE SHELL (Ghost in the Shell)
Será que precisava de tanta polêmica assim quando escalaram Scarlett Johansson para viver a protagonista de A VIGILANTE DO AMANHÃ – GHOST IN THE SHELL (2017)? Afinal, depois de ter sido uma inteligência artificial em ELA, de Spike Jonze, uma alienígena mortal em SOB A PELE, de Jonathan Glazer, e uma mulher que passa a usar 100% de sua inteligência em LUCY, de Luc Besson, sem falar nas vezes em que viveu a Viúva Negra nos filmes dos Vingadores da Marvel, ela estava mais do que preparada para viver a Major da cultuada criação de Shirow Masamune.
Então, esse não é o problema do filme. O que não quer dizer que não haja problemas. Há bastante. Mas, no meio de tanta coisa que parece não funcionar, há algo que dignifica esse retorno à direção de Rupert Sanders, depois do vendaval que o deixou de molho, após se envolver com Kristen Stewart durante as gravações de BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR (2012). Cinco anos se passaram e, se ele não entregou uma obra tão redondinha quanto a fantasia que revisitava o clássico conto infantil, o diretor parece ter evoluído no modo como lida com orçamentos caros, direção de arte sofisticada e uma trama envolvendo a crise existencial de uma ciborgue.
E, de certa forma, A VIGILANTE DO AMANHÃ – GHOST IN THE SHELL até consegue ser mais sintética em lidar com o drama da personagem do que a própria animação O FANTASMA DO FUTURO (1995), que seria a inspiração principal, mas que já se esforçava para transformar a sucessão de episódios fragmentados que é o mangá em uma história um pouco mais coesa.
Já A VIGILANTE DO AMANHÃ, se frustra nas sequências de ação, encanta visualmente, talvez porque o diretor tenha tido um excesso de respeito à obra original, embora percebamos as diversas mudanças e adaptações. Por exemplo, alguns diálogos do anime pareceriam exaustivos na adaptação em live action para o cinema. Ou pelo menos ficariam estranhos, embora no fim das contas o resultado final desta produção seja um filme torto e não muito feliz em passar para a tela a angústia da protagonista nem também funcione dirito como um thriller de ação futurista.
Quanto aos acertos, a escalação de Pilou Asbæk como Batou, o parceiro da Major, foi mais do que feliz. Além de ser muito parecido com o Batou do mangá e da animação, ele confere um ar de confiança ao personagem, que também abraça, assim como a amiga, a vida que lhe foi dada de máquina a serviço de uma corporação. A diferença é que ela pensa mais sobre isso e tenta ir fundo para descobrir suas origens. Há também outro acerto em cheio, que é a escalação de Takeshi Kitano como o chefe da Major e de Batou, Aramaki. E o fato de ele só falar em japonês não deixa de ser muito interessante. Assim como é positivo não haver um vilão chato e megalomaníaco.
Há um incômodo didatismo no modo como é contada a história da Major, mas talvez isso seja necessário para a apresentação da personagem e, por sua vez, daquele universo para um novo público. Não dá pra fazer um filme com esse orçamento (de 130 milhões) com uma trama que boa parte da audiência não vá entender. No fim das contas, A VIGILANTE DO AMANHÃ é um filme que até tem uma cota de pontos positivos que o fazem interessante até para ser revisto. Nem que seja para ficar novamente deslumbrado com o desenho de produção e as cores, que não saem prejudicadas pelo 3D, aqui usado de maneira atraente e elegante.
segunda-feira, abril 03, 2017
THE WALKING DEAD – 7ª TEMPORADA COMPLETA (The Walking Dead – The Complete Seventh Season)
Quanta diferença esta sétima temporada de THE WALKING DEAD (2016-2017) para a anterior. O que há de melhor – e que contrasta e muito com o restante – é o primeiro episódio, que nada mais é do que uma continuação dos eventos imediatamente posteriores ao que aconteceu na excelente sexta temporada. Ou seja, a turma de Rick acuada e ajoelhada diante de Negan (Jeffrey Dean Morgan), o mais tenebroso vilão da série até o momento, junto com seu grupo, os Salvadores.
E de fato esse primeiro episódio foi mesmo marcante. Aliás, "marcante" é uma palavra que não define bem "The day will come when we won’t be", que é carregado de uma tensão que não tinha sido visto de maneira tão forte assim na série. Muitos a abandonaram, inclusive, por achar que THE WALKING DEAD penetrou em um território muito perigoso, o do torture porn. De todo modo, se era pra ser fiel aos quadrinhos, teríamos mesmo que ver aquilo tudo a cores e com todo o sangue e o cérebro espirrando para a tela. Para o terror de todos.
Não doeria tanto se um dos personagens alvejados não fosse tão querido e não estivesse junto com a gente desde 2010, desde o primeiro episódio. E um misto de dor, tristeza e raiva toma conta da gente. Mas depois que passa, e com o andamento modorrento que a série toma a partir do segundo episódio, essa raiva e desejo de vingança se transforma em desinteresse.
Ainda assim, é possível destacar alguns bons episódios ao longo desta sétima temporada, como um totalmente dedicado a Tara, uma personagem pouco explorada e que apareceu em uma temporada mais recente. Ela vai parar em um lugar habitado apenas por mulheres, que vivem suas vidas tentado não ser descobertas e mortas pelos Salvadores. É um episódio apenas interessante, nada de mais, mas com um andamento que se diferencia positivamente dos demais.
A sétima temporada também foi marcada pela presença de um outro personagem importante, o Rei Ezequiel, um sujeito meio doido que se autoproclamou rei e criou um reino tranquilo e próspero, mas que também é refém dos tributos dos Salvadores de Negan. A chegada de Carol e Morgan a sua comunidade mudará bastante a rotina daquelas pessoas. Porém, não se trata de um personagem tão bem trabalhado. Parece mais uma caricatura de personagem, que terá o seu papel na season finale.
Aliás, o último episódio começa com uma homenagem, acredito eu, ao videoclipe "No surprises", do Radiohead. Com Sasha sendo destaque na narrativa, ainda que não participe tão ativamente da ação que acontece do lado de fora, trata-se de uma tentativa de o episódio parecer poético e melancólico. Pena que Greg Nicotero e seus roteiristas não conseguiram. Quem sabe na próxima temporada. O problema agora vai ser reconquistar um público que parece que perdeu o interesse pela série. O que antes era notícia para toda semana se transformou em um silêncio incômodo. Agora quem salvará esta série?
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