Há muito tempo se fala na decadência do cinema italiano. E com razão, principalmente se levarmos em conta a sua glória nos anos 1960 e 70. Aí não dá pra ficar sempre esperando só os novos trabalhos de Marco Bellocchio e Nanni Moretti para nos animarmos a ver os novos filmes da terra da bota. É preciso confiar nos novos talentos também, mesmo que eles ainda estejam em fase de construção de sua obra. E dentre esses novos talentos, vale destacar o trabalho dos cineastas Fabio Grassadonia e Antonio Piazza, os mesmos de SALVO - UMA HISTÓRIA DE AMOR E MÁFIA (2013).
Eles estão de volta em seu segundo longa-metragem, O FANTASMA DA SICÍLIA, que também até poderia ganhar o mesmo subtítulo do anterior, já que também é uma história de amor e também trata da máfia siciliana. A grande vantagem do novo filme em relação ao anterior é que há um capricho maior na construção cênica, na beleza das imagens, na fotografia e nas cores que destacam a bela paisagem de uma região rural da Sicília.
Esse excessivo cuidado com a técnica às vezes até prejudica o aflorar mais forte das emoções, o que é algo que nem combina tanto com o espírito mais explosivo dos italianos. Assim, pouco compartilhamos do amor da protagonista, uma garotinha chamada Luna (Julia Jedikowska), pelo jovem Giuseppe (Gaetano Fernandez), mesmo em circunstâncias tão trágicas. Por isso é preciso que a protagonista externe suas angústias e sua dor oralmente para seus pais para que esse sentimento possa ser ouvido e explicitado também para o espectador. E é, de fato, o momento mais comovente de todo o filme.
Na trama, Luna começa a ter o seu primeiro contato mais próximo com Giuseppe, filho de um gângster. Acontece que depois do primeiro beijo entre eles o menino desaparece. E ninguém na cidade sabe dizer o que aconteceu. Ou sabe, mas não quer dizer à menina. Ela faz uma campanha, distribuindo cartazes pela cidade, para descobrirem o paradeiro do rapaz, mas em vão. O que acaba sendo um forte meio para essa dura realidade que a circunda é o caminho do sonho - por isso a comparação que andam fazendo do filme com O LABIRINTO DO FAUNO, de Guillermo Del Toro.
Há sim esse paralelismo entre as duas obras, assim como o fato de haver uma forte ligação com a realidade (a história do sequestro do menino Giuseppe é baseada num caso real), mas os dois filmes seguem caminhos diferentes e, diferente do filme de Del Toro, o mundo da fantasia não é tão assustador quanto a realidade. Está mais para uma fuga, embora, a partir dessa fuga é que Luna passe a ter lampejos de onde encontrar o garoto. A cena em que ela mergulha dentro da água para descobrir a casa onde ele está preso é sensacional. Já as cenas que mostram o garoto no cativeiro são muito tristes e passam uma sensação de desesperança acima de tudo.
Por mais que a obra careça de algo que o coloque como um exemplar de um novo e emergente cinema italiano de primeira grandeza, é admirável e animador o suficiente para que possamos acompanhar com interesse a trajetória de Grassadonia e Piazza. Se continuarem assim, nessa curva ascendente, o próximo filme dos diretores será de fato maravilhoso. Enquanto isso, é preciso valorizar e até rever com carinho O FANTASMA DA SICÍLIA, pelo tanto de beleza e de dor que ele é capaz de proporcionar.
sábado, setembro 30, 2017
quinta-feira, setembro 28, 2017
O SEQUESTRO (Kidnap)
Halle Berry é um dos vários casos de atriz que chegou ao primeiro time de Hollywood, mas que foi amaldiçoada pelo Oscar, que ganhou com sua ótima atuação em A ÚLTIMA CEIA, de Marc Forster. Isso foi há 16 anos já. De lá pra cá, ela esteve presente em alguns filmes da franquia X-Men, fez um filme que todo mundo adora odiar (MULHER-GATO), esteve presente como coadjuvante em alguns bons títulos (e outros não tão bons também), fez uma obra de respeito (COISAS QUE PERDEMOS PELO CAMINHO) e de vez em quando se engraça em trabalhar em alguns thrillers de gosto duvidoso, mas que às vezes se mostram uma delícia de assistir.
Foi o caso de NA COMPANHIA DO MEDO, de Mathieu Kassovitz; A ESTRANHA PERFEITA, de James Foley; o pouco visto MARÉ NEGRA, de John Stockwell; e CHAMADA DE EMERGÊNCIA, de Brad Anderson, que é o título que mais se assemelha em espírito com o novo O SEQUESTRO (2017), devido á tensão constante e o desespero da protagonista para salvar a vida de alguém. No caso do novo filme, trata-se da vida do próprio filho, que é sequestrado por um casal com pinta de white trash people.
Aliás, muito bom o modo como pintam os vilões. Eles realmente parecem ameaçadores. E isso contribui bastante para que nos sintamos no lugar da personagem da mãe desesperada e que não prefere não esperar pela polícia, que nada faz a não ser pedir que as pessoas preencham formulários e esperem sentados. Se há filmes que valorizam a polícia americana, este aqui é ao menos um que faz uma crítica, remetendo um pouco aos famosos thrillers de justiceiros que foram moda nos anos 1970 e 1980, como DESEJO DE MATAR.
Aqui, no entanto, não se trata de um filme de vingança. A própria protagonista, ao tentar negociar com os sequestradores, afirma que não tem nenhum interesse em entregá-los à polícia, que só quer que eles lhe devolvam o filho. Para quem não viu o filme, a trama nos apresenta a uma garçonete (Halle Berry) que está passando por uma situação delicada de divórcio litigioso com o ex-marido e que, no dia que leva o filho ao parque de diversões, o garoto desaparece.
O que parecia um filme bem ordinário acaba se mostrando uma diversão eficiente e empolgante logo que a personagem de Berry sai em disparada perseguindo com o próprio carro os bandidos na estrada. Até imagina-se que em algum momento O SEQUESTRO vai perder o fôlego, mas não é isso que acontece. Ponto para o diretor Luis Prieto, mais ou menos conhecido por CONTRA O TEMPO (2012) remake britânico de PUSHER, de Nicolas Winding Refn . Não deixa de ser um diretor que merece a atenção daqueles que apreciam um bom filme de ação de baixo orçamento.
Voltando a O SEQUESTRO, vale destacar o bem-sucedido clímax, que, por mais que não pareça muito diferente do de tantos outros filmes do gênero, é bastante eficiente na construção do suspense e do medo. Pode até passar a impressão de que a última cena, seguida dos créditos, aponta novamente o filme para uma direção do trash, mas por que não considerar isso como um de seus charmes?
segunda-feira, setembro 25, 2017
COLUMBUS
Uma das vantagens de ver COLUMBUS (2017) no cinema é que é o mais próximo que podemos chegar de visualizar as belas construções arquitetônicas da cidade-título em dimensões próximas das reais. E mais: quem não liga muito para arquitetura pode ficar também interessado no filme mesmo assim, já que o que o diretor Kogonada faz em seu longa de estreia é aproveitar a cidade que ama, Columbus, no estado de Indiana, para usá-la como elemento primordial da direção de arte.
Claro que não se trata apenas de pegar as construções e mostrá-las ao fundo enquanto os protagonistas desfilam e falam de seus problemas, mas há todo um cuidado com os ângulos, o modo como é mostrado cada edifício, seja ele um banco ou uma igreja, uma escola ou um hospital. Isso parece frio, mas é justamente o contrário: afinal, arquitetura também não é arte? Logo, um filme que se passa em uma cidade que é famosa por sua arquitetura moderna e que enfatiza isso intensamente, não deixa de passar muitos sentimentos, embora evite fincar os pés no melodrama ou numa história de amor tradicional.
Vemos a paixão e do entusiasmo da personagem Casey (Haley Lu Richardson, em performance memorável, depois de ter papéis de coadjuvantes mais ou menos superficiais em filmes importantes como QUASE 18, de Kelly Fremon Craig, e FRAGMENTADO, de M. Night Shyamalan) pela história da arquitetura de sua cidade. Em COLUMBUS a atriz tem a chance de mostrar melhor o seu talento dramático, no papel de uma garota que mora com a mãe que já teve problemas com drogas e que conhece Jin (John Cho), um sul-coreano que está passando uns tempos na cidade, por causa do estado de saúde de seu pai - no início do filme ele sofre um derrame.
Filmes que unem estranhos são sempre interessantes, mesmo aqueles que procuram sair do caminho da história de amor entre os protagonistas, como se pode ver também em obras como APENAS UMA VEZ e MESMO SE NADA DER CERTO, ambos de John Carney. Em ambos os filmes de Carney há uma tensão sexual entre os personagens e a possibilidade de haver uma relação mais íntima, mas essa intimidade chega mais na profundidade de contar ao outro o que sente em COLUMBUS. Em alguns momentos o filme de Kogonada lembra um pouco o ANTES DO AMANHECER, de Richard Linklater, mas não há a intenção aqui de trabalhar com afinco um romantismo. Seria, no máximo, uma espécie de versão negativa do clássico de Linklater.
Sobre os personagens principais, se por um lado Casey é muito sensível e muito apegada à mãe - motivo de ela não sair da cidade para estudar ou fazer aquilo que mais lhe interessa, algo relacionado a arquitetura -, o que Jin sente pelo pai prestes a morerr é quase nada. Só não é nada pois podemos ver que se trata também de um sentimento de ressentimento por ter sido ignorado pelo pai durante tantos anos. Por que ele teria que ficar adiando a sua vida por alguém que ele nem nutre afeto? Devido à tradição coreana, ele é obrigado a passar por uma espécie de luto forçado. Quem não faz isso é considerado maldito pela tradição do lugar.
COLUMBUS procura ir fundo nos diálogos e nos sentimentos de seus personagens, tornando-os sempre interessantes (ela angustiada e agitada, ele calmo e com ar de desiludido), mas o grande barato do filme é que as imagens conseguem se sobrepor a tudo. Como se, além de bombardeados pela aflição e pela angústia daqueles jovens, ainda tenhamos que nos sentir pequenos diante daquelas construções imponentes. E sem saber direito o que sentir diante de tudo isso, numa espécie de borrão de emoções muito bem-vindo. Nota-se um cineasta promissor em Kogonada. Fiquemos de olhos nos próximos trabalhos.
sábado, setembro 23, 2017
MÃE! (Mother!)
Darren Aronofsky chega ao seu sétimo longa-metragem aumentando ainda mais a polaridade sobre as discussões sobre gostar ou não gostar de sua obra - ou encará-la como algo precioso ou ruim e pretensioso. Isso vem desde seu longa de estreia, PI (1998), e continuou em suas obras seguintes. Mas uma coisa que não podemos negar é que se trata de um diretor corajoso e também bastante coerente em suas obsessões e interesses. MÃE! (2017) pode ser tanto parte da trilogia dos filmes religiosos do diretor, ao lado de FONTE DA VIDA (2006) e NOÉ (2014), quanto da trilogia dos filmes de horror, ao lado de RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000) e CISNE NEGRO (2010).
É interessante analisar MÃE! tanto de um aspecto quanto de outro. Do ponto de vista do cinema de horror, é um dos mais curiosos no modo como ele inclui uma história que aparentemente pode seguir uma linha de O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, mas que acaba se alinhando mais com um IMPÉRIO DOS SONHOS, de David Lynch. Ou seja, trata-se de um filme que nos coloca no lugar de uma personagem perturbada e que acaba por também nos contagiar com esse sentimento de deslocamento temporal e psicológico. O que está acontecendo? Essa é uma das perguntas que mais podem surgir durante as sessões de MÃE!
No aspecto religioso, é uma obra que pode ser vista como uma alegoria da Bíblia, tendo destacadas citações de personagens e livros bíblicos ao longo de sua trama, às vezes até de maneira pouco sutil, como em determinada fala de Jennifer Lawrence, ou em um acontecimento entre dois irmãos. Ao final, as metáforas parecem mais claras, o que acaba sendo uma espécie de convite para rever o filme e tentar esclarecer um pouco mais o que se acabou de ver. Afinal, trata-se de uma obra singular em muitos aspectos. Há, inclusive, quem vá sair da sessão com raiva ou algo parecido.
Na trama, Javier Bardem é um poeta que há tempos não escreve nenhuma obra nova e portanto está em crise de criatividade. Jennifer Lawrence é a esposa dedicada e bastante carente que faz o possível para agradar o marido e reconstruir lentamente a casa que outrora foi destruída. Os dois moram em uma residência longe da civilização. Por isso o espanto quando aparece um homem na porta (Ed Harris) certa noite. No dia seguinte, surge também uma mulher (Michelle Pfeiffer, ótima). Aos poucos, as pessoas que vão surgindo vão tornando a vida da protagonista um inferno.
O que talvez conte pontos contra o filme seja a dificuldade de comprar os sentimentos de dor, desorientação e perturbação da personagem de Lawrence, especialmente no terceiro ato, que requer mais força - pensar na Mia Farrow em O BEBÊ DE ROSEMARY é até covardia. De todo modo, não deixa de ser um tanto impactante o final, como se Aronofsky quisesse ir mais fundo no horror psicológico do que quando realizou CISNE NEGRO. Olha aí: CISNE NEGRO contava com o talento monstruoso de Natalie Portman, goste-se ou não do filme.
Quanto a Javier Bardem, trata-se talvez do ator mais versátil de sua geração, e aqui ele aparece um tanto quanto assustador em alguns momentos. O fato de ele representar quem representa no filme pode trazer muitas discussões sobre uma visão talvez crítica de Aronofsky sobre Deus, embora ele tenha abraçado com fé a história fantástica do dilúvio em NOÉ, tornando-a ainda mais fantástica do que a contada na Bíblia. E isso foi um acerto e tanto.
MÃE! também estaria aberto a outras interpretações que não a de simplesmente apresentar um Deus cheio de vaidade e sendo uma espécie de vampiro do amor alheio. Poderíamos dizer que se trata também de um filme sobre a natureza do homem, ou de artistas em especial, que costumam se aproveitar do amor de seus seguidores e adoradores para produzir sua arte. Até que ponto Aronofsky estaria se autocriticando e ao mesmo tempo exaltando o próprio ego? São só algumas das perguntas que podem ou não surgir. O que é muito positivo para um cinema que tem a intenção de ficar mais tempo na memória de seus espectadores.
É interessante analisar MÃE! tanto de um aspecto quanto de outro. Do ponto de vista do cinema de horror, é um dos mais curiosos no modo como ele inclui uma história que aparentemente pode seguir uma linha de O BEBÊ DE ROSEMARY, de Roman Polanski, mas que acaba se alinhando mais com um IMPÉRIO DOS SONHOS, de David Lynch. Ou seja, trata-se de um filme que nos coloca no lugar de uma personagem perturbada e que acaba por também nos contagiar com esse sentimento de deslocamento temporal e psicológico. O que está acontecendo? Essa é uma das perguntas que mais podem surgir durante as sessões de MÃE!
No aspecto religioso, é uma obra que pode ser vista como uma alegoria da Bíblia, tendo destacadas citações de personagens e livros bíblicos ao longo de sua trama, às vezes até de maneira pouco sutil, como em determinada fala de Jennifer Lawrence, ou em um acontecimento entre dois irmãos. Ao final, as metáforas parecem mais claras, o que acaba sendo uma espécie de convite para rever o filme e tentar esclarecer um pouco mais o que se acabou de ver. Afinal, trata-se de uma obra singular em muitos aspectos. Há, inclusive, quem vá sair da sessão com raiva ou algo parecido.
Na trama, Javier Bardem é um poeta que há tempos não escreve nenhuma obra nova e portanto está em crise de criatividade. Jennifer Lawrence é a esposa dedicada e bastante carente que faz o possível para agradar o marido e reconstruir lentamente a casa que outrora foi destruída. Os dois moram em uma residência longe da civilização. Por isso o espanto quando aparece um homem na porta (Ed Harris) certa noite. No dia seguinte, surge também uma mulher (Michelle Pfeiffer, ótima). Aos poucos, as pessoas que vão surgindo vão tornando a vida da protagonista um inferno.
O que talvez conte pontos contra o filme seja a dificuldade de comprar os sentimentos de dor, desorientação e perturbação da personagem de Lawrence, especialmente no terceiro ato, que requer mais força - pensar na Mia Farrow em O BEBÊ DE ROSEMARY é até covardia. De todo modo, não deixa de ser um tanto impactante o final, como se Aronofsky quisesse ir mais fundo no horror psicológico do que quando realizou CISNE NEGRO. Olha aí: CISNE NEGRO contava com o talento monstruoso de Natalie Portman, goste-se ou não do filme.
Quanto a Javier Bardem, trata-se talvez do ator mais versátil de sua geração, e aqui ele aparece um tanto quanto assustador em alguns momentos. O fato de ele representar quem representa no filme pode trazer muitas discussões sobre uma visão talvez crítica de Aronofsky sobre Deus, embora ele tenha abraçado com fé a história fantástica do dilúvio em NOÉ, tornando-a ainda mais fantástica do que a contada na Bíblia. E isso foi um acerto e tanto.
MÃE! também estaria aberto a outras interpretações que não a de simplesmente apresentar um Deus cheio de vaidade e sendo uma espécie de vampiro do amor alheio. Poderíamos dizer que se trata também de um filme sobre a natureza do homem, ou de artistas em especial, que costumam se aproveitar do amor de seus seguidores e adoradores para produzir sua arte. Até que ponto Aronofsky estaria se autocriticando e ao mesmo tempo exaltando o próprio ego? São só algumas das perguntas que podem ou não surgir. O que é muito positivo para um cinema que tem a intenção de ficar mais tempo na memória de seus espectadores.
quarta-feira, setembro 20, 2017
PARIS, TEXAS
Engraçado como o tempo nos prega peças. A minha memória de PARIS, TEXAS (1984), possivelmente a obra-prima máxima de Wim Wenders, já estava um bocado nebulosa. Não sei por que, por exemplo, havia limado o personagem do garotinho de minhas memórias. Talvez por que na época me interessasse pouco a questão de filhos ou questões paternas. O que mais pegou na cabeça daquele adolescente de cerca de 16 anos que já se julgava um cinéfilo (na verdade não lembro se já usava esse termo para me descrever) foi a dor do personagem de Harry Dean Stanton e o impacto do reencontro com a ex-mulher, depois de anos vagando pelo deserto, tido como morto ou desaparecido. Além da força das imagens do deserto e da trilha de Ry Cooder.
Não estava nos meus planos rever PARIS, TEXAS tão cedo. Na verdade, estava ensaiando uma peregrinação pelo cinema de Wim Wenders a partir de seus primeiros filmes. Até já tinha preparado uma cópia de VERÃO NA CIDADE (1970), seu primeiro longa, para ver. Mas eis que morre o querido Harry Dean Stanton e cresce uma vontade imensa de (re)ver o que talvez seja o filme mais importante que Wenders realizou nos Estados Unidos, país que sempre o fascinou e que o inspirou a fazer alguns ótimos trabalhos nos anos 1980.
A morte de Harry Dean Stanton, só não chegou a ser tão lamentada porque, afinal, ele já tinha 91 anos. Viveu plenamente, imagina-se. Mas não deixa de ficar um ar de melancolia no ar, justamente por sua participação em TWIN PEAKS - O RETORNO. São breves, mas importantes aparições, especialmente no episódio 6, em que ele chega a ver o espírito de uma criança subir ao céu depois de morrer em um acidente. Lynch o colocou como capaz de ver além do que o olho terreno é capaz.
Embora trate de questões aparentemente mundanas, PARIS, TEXAS é dessas obras que sublimam isso. Além do mais, quem disse que relações humanas são exclusividade de nosso plano de existência? As dores e as angústias seguem presentes enquanto não se cuida delas. Às vezes as pessoas preferem esquecê-las. É o caso de Travis Henderson (Dean Stanton), um homem que perambula sozinho pelo deserto americano, completamente sem rumo, tendo esquecido de si mesmo. Até o dia que é socorrido em uma cidadezinha muito pequena e seu paradeiro é informado ao irmão (Dean Stockwell).
Já ficamos sabendo que Travis tem um filho, uma criança que guarda pouca lembrança do pai, devido aos quatro anos de desaparecimento. E ficamos sabendo que a mãe também está desaparecida. A primeira imagem dela que vemos é através de uma filmagem em super-8 que o irmão de Travis sugere que seja ele veja. Cada imagem de Jane (Nastassja Kinski) é como uma facada no peito. Pelo menos é o que imaginamos. O cinema, diferente da literatura, nos convida a imaginar o que se passa na cabeça dos personagens a partir de suas atuações e também da montagem. E, nesse sentido, Wenders foi muito feliz. Como, aliás, consegue ser em tudo neste filme.
As primeiras imagens de Travis no deserto já denunciam que estamos vendo uma obra incomum. Inspirada por musas talvez. Mas também realizada com muita racionalidade na escolha dos planos, das cores, da significância das cores e do modo como isso nos afeta inconscientemente. Sabemos da força da cor vermelha, em muitas sequências, e também do verde, mas só um estudo mais detalhado para entender alguns dos segredos da linda paleta que o cineasta alemão escolheu para contar a sua história.
Uma história sobre perdas e reconquistas, PARIS, TEXAS é um dos mais belos, mas também mais amargos filmes realizados nas últimas décadas. E Travis é um dos grandes heróis solitários do cinema, talvez tão grande quanto o Ethan Edwards, de John Wayne, em RASTROS DE ÓDIO. Com a diferença aqui é que temos um homem que experimentou momentos felizes em sua relação com Jane, no passado. O fato de o filme nos esconder o passado de Travis é outro acerto gigantesco, pois a história contada pelo próprio personagem conversando com Jane na cabine do peep show é tão cheia de força que não necessita de música de fundo ou muitos adornos. Ao contrário: os silêncios entre cada fala têm um impacto devastador.
Mas depois Wenders sabe usar muito bem a música para fechar com chave de ouro esta obra-prima. A cena de Jane reencontrando o filho tem um misto de alegria e tristeza que não sabemos muito bem mensurar ou descrever. E o diretor faz isso muito bem com o uso das cores, do posicionamento dos personagens em cena, e do quanto aquelas pouco mais de duas horas de projeção já nos trouxeram de lágrimas ou de nós na garganta. O sentimento de agradecimento que sentimos por Wenders é talvez semelhante ao que Jane e o filho Hunter sentem por Travis no final.
Não estava nos meus planos rever PARIS, TEXAS tão cedo. Na verdade, estava ensaiando uma peregrinação pelo cinema de Wim Wenders a partir de seus primeiros filmes. Até já tinha preparado uma cópia de VERÃO NA CIDADE (1970), seu primeiro longa, para ver. Mas eis que morre o querido Harry Dean Stanton e cresce uma vontade imensa de (re)ver o que talvez seja o filme mais importante que Wenders realizou nos Estados Unidos, país que sempre o fascinou e que o inspirou a fazer alguns ótimos trabalhos nos anos 1980.
A morte de Harry Dean Stanton, só não chegou a ser tão lamentada porque, afinal, ele já tinha 91 anos. Viveu plenamente, imagina-se. Mas não deixa de ficar um ar de melancolia no ar, justamente por sua participação em TWIN PEAKS - O RETORNO. São breves, mas importantes aparições, especialmente no episódio 6, em que ele chega a ver o espírito de uma criança subir ao céu depois de morrer em um acidente. Lynch o colocou como capaz de ver além do que o olho terreno é capaz.
Embora trate de questões aparentemente mundanas, PARIS, TEXAS é dessas obras que sublimam isso. Além do mais, quem disse que relações humanas são exclusividade de nosso plano de existência? As dores e as angústias seguem presentes enquanto não se cuida delas. Às vezes as pessoas preferem esquecê-las. É o caso de Travis Henderson (Dean Stanton), um homem que perambula sozinho pelo deserto americano, completamente sem rumo, tendo esquecido de si mesmo. Até o dia que é socorrido em uma cidadezinha muito pequena e seu paradeiro é informado ao irmão (Dean Stockwell).
Já ficamos sabendo que Travis tem um filho, uma criança que guarda pouca lembrança do pai, devido aos quatro anos de desaparecimento. E ficamos sabendo que a mãe também está desaparecida. A primeira imagem dela que vemos é através de uma filmagem em super-8 que o irmão de Travis sugere que seja ele veja. Cada imagem de Jane (Nastassja Kinski) é como uma facada no peito. Pelo menos é o que imaginamos. O cinema, diferente da literatura, nos convida a imaginar o que se passa na cabeça dos personagens a partir de suas atuações e também da montagem. E, nesse sentido, Wenders foi muito feliz. Como, aliás, consegue ser em tudo neste filme.
As primeiras imagens de Travis no deserto já denunciam que estamos vendo uma obra incomum. Inspirada por musas talvez. Mas também realizada com muita racionalidade na escolha dos planos, das cores, da significância das cores e do modo como isso nos afeta inconscientemente. Sabemos da força da cor vermelha, em muitas sequências, e também do verde, mas só um estudo mais detalhado para entender alguns dos segredos da linda paleta que o cineasta alemão escolheu para contar a sua história.
Uma história sobre perdas e reconquistas, PARIS, TEXAS é um dos mais belos, mas também mais amargos filmes realizados nas últimas décadas. E Travis é um dos grandes heróis solitários do cinema, talvez tão grande quanto o Ethan Edwards, de John Wayne, em RASTROS DE ÓDIO. Com a diferença aqui é que temos um homem que experimentou momentos felizes em sua relação com Jane, no passado. O fato de o filme nos esconder o passado de Travis é outro acerto gigantesco, pois a história contada pelo próprio personagem conversando com Jane na cabine do peep show é tão cheia de força que não necessita de música de fundo ou muitos adornos. Ao contrário: os silêncios entre cada fala têm um impacto devastador.
Mas depois Wenders sabe usar muito bem a música para fechar com chave de ouro esta obra-prima. A cena de Jane reencontrando o filho tem um misto de alegria e tristeza que não sabemos muito bem mensurar ou descrever. E o diretor faz isso muito bem com o uso das cores, do posicionamento dos personagens em cena, e do quanto aquelas pouco mais de duas horas de projeção já nos trouxeram de lágrimas ou de nós na garganta. O sentimento de agradecimento que sentimos por Wenders é talvez semelhante ao que Jane e o filho Hunter sentem por Travis no final.
segunda-feira, setembro 18, 2017
FEITO NA AMÉRICA (American Made)
Por mais que esteja em um momento de crise, a carreira de Tom Cruise, seu conjunto da obra, continua sendo um tópico de discussão entre os fãs de cinema e principalmente entre os admiradores do astro. O que chama a atenção neste FEITO NA AMÉRICA (2017), segunda e bem-sucedida parceria com o diretor Doug Liman, de NO LIMITE DO AMANHÃ (2014), é que há um pouco de espaço, mais uma vez, para que Cruise deixe um pouco de lado sua vaidade - que é perfeitamente visível em cada obra sua - e se mostre em situações de perda ou vexame (como esquecer a cena em que ele está sem um dos dentes?).
Aliás, FEITO NA AMÉRICA também mostra o quanto Cruise é um ótimo ator de comédias - se bem que em ENCONTRO EXPLOSIVO, com a Cameron Diaz, ele já havia feito isso muito bem, embora seja um trabalho mais esquecível. Vê-se o novo trabalho de Liman com um sorriso de orelha a orelha. A opção por um registro cômico e de comédia maluca para contar a história baseada em fatos da vida de um piloto de aviões que se torna uma espécie de agente duplo da CIA e do Cartel de Medellín se justifica pelo absurdo da situação, que é tão inacreditável que só podia acontecer na vida real mesmo.
Na trama de FEITO NA AMÉRICA, Cruise é Barry Seal, um piloto da TWA que aceita a proposta de um agente da CIA para fazer voos rasantes em países da América Latina e documentar ações de países considerados inimigos dos Estados Unidos. O que Seal não contava era que os chefões do Cartel de Medellín descobririam suas ações tão facilmente, a ponto de convidá-lo para juntar-se a eles nos negócios. A partir daquele momento, Seal passaria também a contrabandear cocaína para os Estados Unidos.
Essa brincadeira perigosa, que acabaria inevitavelmente por envolver sua família, só não chega a ser tão intensa do ponto de vista dramático por causa do tom leve que Liman e Cruise, o verdadeiro dono do filme, preferem impor à trama, mesmo em situações trágicas, envolvendo carros explodindo e o perigo de perder a vida a qualquer momento pelas mãos dos inimigos.
Quanto à escolha do elenco de apoio, é curiosa a opção de Cruise por nomes pouco famosos. Sua preferência por diminuir o orçamento de seus filmes nos últimos anos e talvez o brilho extra que outro ator ou atriz possa roubar de si se destaca pela presença em cena de apenas um ator de primeiro time, o irlandês Domhnall Gleeson. A atriz que faz sua esposa, Sarah Wright, é pouco conhecida de quem não acompanha suas séries de televisão. Outros dois ótimos nomes conhecidos da televisão aparecem em papéis bem pequenos: a adorável Lola Kirke, de MOZART IN THE JUNGLE, e o ótimo Jesse Plemons, da segunda temporada de FARGO. Seus papéis são minúsculos, um verdadeiro desperdício de talentos.
De todo modo, o que importa mesmo no filme é a ousadia de colocar Cruise fugindo com cocaína por todo o corpo em uma bicicleta para crianças, ou quase morrendo com um trote de Pablo Escobar e cia., ou tentando fazer quase o mesmo que Escobar fazia na época em que não tinha mais onde guardar tanto dinheiro: enterrando, escondendo etc. Há quem vá achar a narração em voice-over do Seal do futuro um pouco didática demais, mas acaba sendo mais um atrativo e mais um elemento de diversão deste belo filme, que se mostra muito bom de ver em salas IMAX, com sua alternância do granulado de algumas cenas mais próximas (especialmente close-ups) e de intensa nitidez em planos gerais.
Aliás, FEITO NA AMÉRICA também mostra o quanto Cruise é um ótimo ator de comédias - se bem que em ENCONTRO EXPLOSIVO, com a Cameron Diaz, ele já havia feito isso muito bem, embora seja um trabalho mais esquecível. Vê-se o novo trabalho de Liman com um sorriso de orelha a orelha. A opção por um registro cômico e de comédia maluca para contar a história baseada em fatos da vida de um piloto de aviões que se torna uma espécie de agente duplo da CIA e do Cartel de Medellín se justifica pelo absurdo da situação, que é tão inacreditável que só podia acontecer na vida real mesmo.
Na trama de FEITO NA AMÉRICA, Cruise é Barry Seal, um piloto da TWA que aceita a proposta de um agente da CIA para fazer voos rasantes em países da América Latina e documentar ações de países considerados inimigos dos Estados Unidos. O que Seal não contava era que os chefões do Cartel de Medellín descobririam suas ações tão facilmente, a ponto de convidá-lo para juntar-se a eles nos negócios. A partir daquele momento, Seal passaria também a contrabandear cocaína para os Estados Unidos.
Essa brincadeira perigosa, que acabaria inevitavelmente por envolver sua família, só não chega a ser tão intensa do ponto de vista dramático por causa do tom leve que Liman e Cruise, o verdadeiro dono do filme, preferem impor à trama, mesmo em situações trágicas, envolvendo carros explodindo e o perigo de perder a vida a qualquer momento pelas mãos dos inimigos.
Quanto à escolha do elenco de apoio, é curiosa a opção de Cruise por nomes pouco famosos. Sua preferência por diminuir o orçamento de seus filmes nos últimos anos e talvez o brilho extra que outro ator ou atriz possa roubar de si se destaca pela presença em cena de apenas um ator de primeiro time, o irlandês Domhnall Gleeson. A atriz que faz sua esposa, Sarah Wright, é pouco conhecida de quem não acompanha suas séries de televisão. Outros dois ótimos nomes conhecidos da televisão aparecem em papéis bem pequenos: a adorável Lola Kirke, de MOZART IN THE JUNGLE, e o ótimo Jesse Plemons, da segunda temporada de FARGO. Seus papéis são minúsculos, um verdadeiro desperdício de talentos.
De todo modo, o que importa mesmo no filme é a ousadia de colocar Cruise fugindo com cocaína por todo o corpo em uma bicicleta para crianças, ou quase morrendo com um trote de Pablo Escobar e cia., ou tentando fazer quase o mesmo que Escobar fazia na época em que não tinha mais onde guardar tanto dinheiro: enterrando, escondendo etc. Há quem vá achar a narração em voice-over do Seal do futuro um pouco didática demais, mas acaba sendo mais um atrativo e mais um elemento de diversão deste belo filme, que se mostra muito bom de ver em salas IMAX, com sua alternância do granulado de algumas cenas mais próximas (especialmente close-ups) e de intensa nitidez em planos gerais.
quinta-feira, setembro 14, 2017
OITO FILMES DE HORROR
Uma pena a falta de tempo para escrever sobre os filmes. Por isso, aqui estou eu tentando dar um gás em momentos de pouca inspiração. Resolvi pegar todos os filmes de horror (ou afins) vistos no ano e que ainda não tinham sido comentados aqui no blog. Então, é jogo rápido. Matando oito coelhos com uma só caixa d'água.
O CONVITE (The Invitation)
Diretora de GAROTA INFERNAL (2009), Karyn Kusama tem no currículo um monte de coisas para a televisão. Este O CONVITE (2015) talvez seja o seu trabalho mais intenso e quem sabe mais autoral. É mais um caso de ótimo filme que foi parar direto no Netflix, sem chance de ter uma carreira na telona. Mas é bom a gente se acostumar com isso e relaxar. Tentar apreciar a experiência que é o filme, mesmo que pensando nele na tela grande, por causa das várias tomadas com poucos close-ups. O ideal é ver sem saber nada a respeito, mas para quem quer saber algo, trata-se de uma história sobre um homem que visita a casa de sua ex-esposa e dá de cara com situações sinistras. Gosto muito da tensão crescente.
TODAS AS CORES DA NOITE
Não vou mentir e dizer que embarquei na viagem toda desse filme. Há algo em TODAS AS CORES DA NOITE (2015) que não parece funcionar. Mas a cena final é tão maravilhosa (com a Sabrina Greve em estado de graça) que eu comecei a achar que era eu que não estava com a cabeça boa para o filme no dia em que o vi. Estava pensando em outras coisas boa parte do tempo. Portanto, seria o caso de uma segunda chance. A propósito, seria a Sabrina Greve a maior estrela dos filmes de horror brasileiros ever?
O RASTRO
É mais curioso do que exatamente bom esta tentativa de fazer um filme de horror no Brasil bem parecido com o que se faz lá fora. O diretor de O RASTRO (2017), J.C. Foyer, deu conta de criar alguns momentos de dar arrepios, mas falha demais na criação de uma atmosfera de suspense e em nos deixar interessados em seus personagens. Chega uma hora que a gente torce para o filme acabar logo mesmo. Uma pena. A trama se passa em um hospital que está passando por um processo de tombamento.
KRISHA
Um filme que passa um mal estar tremendo, já que sentimos um pouco do ponto de vista de alguém rejeitado e também da tensão existente em um ambiente familiar, algo que sempre me deixa muito perturbado. Este é KRISHA (2015), filme de estreia de Trey Edward Shults, do marco do pós-horror AO CAIR DA NOITE (2017). Também se nota algo que é característico dos primeiros filmes em KRISHA que é o diretor quer mostrar serviço e assim há muitos jogos de câmeras curiosos, diferentes, ângulos desconfortáveis etc. Vale muito ver, principalmente pela excelente caracterização da protagonista, vivida por Krisha Fairchild. Sim, quase todos os personagens interpretam a si mesmos, ou pelo menos dão o mesmo nome aos personagens.
7 DESEJOS (Wish Upon)
Eu até tinha achado o ANABELLE (2014) um filme bem decente, mas é impressionante como esse 7 DESEJOS (2017), do mesmo diretor John R. Leonetti, é idiota. Dá pra se divertir e tal, mas a protagonista é uma tapada e a trama, além de imitar um bocado a franquia PREMONIÇÃO, é cheia de furos horríveis. Mas se isso fosse o único problema até que estava bom. No mais, acabei vendo a Sherilyn Fenn no cinema antes de ver em TWIN PEAKS - O RETORNO. E que papel horrível que deram a ela, meu Deus. Povo não respeita quem merece o respeito, não.
THE DEVIL'S CANDY
Para o que parece ser só mais um filme sobre casa assombrada com demônio envolvido, e ainda por cima envolvendo rock pesado, THE DEVIL'S CANDY (2015, foto) vai num crescendo de perturbação que o torna um belo exemplar contemporâneo. Comecei a ver a primeira metade do filme em um dia e não estava curtindo muito, mas depois, no dia seguinte, vi que é uma obra respeitável. A violência, a tensão, a problematização do que parecia simplista e bobo (o diabo no heavy metal), tudo melhora.. E arrepiei no final quando toca uma canção foda, que eu não vou dizer aqui qual é.
ENTES QUERIDOS (The Loved Ones)
Embora seja inferior ao THE DEVIL'S CANDY, do mesmo Sean Byrne, e partir mais para o torturne porn, é bom voltar ao universo de jovens fãs de rock pesado, que parece ser o mundo do diretor. Há alguns cartas na manga, mas na verdade são poucas. Ainda assim ENTES QUERIDOS (2009) é filme pra assistir com os olhos grudados e o coração na mão. Na trama, uma garota que costuma ser rejeitada na escola captura um rapaz por quem tem interesse para fazer com ele um baile de formatura todo especial. Tenso e sangrento.
DEATH NOTE
A gente até quer dar uma chance a esta adaptação do excelente mangá Death Note, mas não tem jeito. A coisa piora muito quando entra em cena o L, que consegue ser mais patético que o Light. Ambos não deveriam ser. De todo modo, o que não funciona no filme DEATH NOTE (2017) nem é a falta de "fidelidade" à obra. É que é tudo feito às pressas, toscamente mesmo. Não dá pra sentir o mínimo suspense. Quem acaba se destacando é a namorada de Light, Margaret Qualley, que tem o seu encanto e ganha o filme em determinado momento. Mas é muito pouco. E pensar que o diretor Adam Wingard vinha de um filme bacana (VOCÊ É O PRÓXIMO, 2011)...
O CONVITE (The Invitation)
Diretora de GAROTA INFERNAL (2009), Karyn Kusama tem no currículo um monte de coisas para a televisão. Este O CONVITE (2015) talvez seja o seu trabalho mais intenso e quem sabe mais autoral. É mais um caso de ótimo filme que foi parar direto no Netflix, sem chance de ter uma carreira na telona. Mas é bom a gente se acostumar com isso e relaxar. Tentar apreciar a experiência que é o filme, mesmo que pensando nele na tela grande, por causa das várias tomadas com poucos close-ups. O ideal é ver sem saber nada a respeito, mas para quem quer saber algo, trata-se de uma história sobre um homem que visita a casa de sua ex-esposa e dá de cara com situações sinistras. Gosto muito da tensão crescente.
TODAS AS CORES DA NOITE
Não vou mentir e dizer que embarquei na viagem toda desse filme. Há algo em TODAS AS CORES DA NOITE (2015) que não parece funcionar. Mas a cena final é tão maravilhosa (com a Sabrina Greve em estado de graça) que eu comecei a achar que era eu que não estava com a cabeça boa para o filme no dia em que o vi. Estava pensando em outras coisas boa parte do tempo. Portanto, seria o caso de uma segunda chance. A propósito, seria a Sabrina Greve a maior estrela dos filmes de horror brasileiros ever?
O RASTRO
É mais curioso do que exatamente bom esta tentativa de fazer um filme de horror no Brasil bem parecido com o que se faz lá fora. O diretor de O RASTRO (2017), J.C. Foyer, deu conta de criar alguns momentos de dar arrepios, mas falha demais na criação de uma atmosfera de suspense e em nos deixar interessados em seus personagens. Chega uma hora que a gente torce para o filme acabar logo mesmo. Uma pena. A trama se passa em um hospital que está passando por um processo de tombamento.
KRISHA
Um filme que passa um mal estar tremendo, já que sentimos um pouco do ponto de vista de alguém rejeitado e também da tensão existente em um ambiente familiar, algo que sempre me deixa muito perturbado. Este é KRISHA (2015), filme de estreia de Trey Edward Shults, do marco do pós-horror AO CAIR DA NOITE (2017). Também se nota algo que é característico dos primeiros filmes em KRISHA que é o diretor quer mostrar serviço e assim há muitos jogos de câmeras curiosos, diferentes, ângulos desconfortáveis etc. Vale muito ver, principalmente pela excelente caracterização da protagonista, vivida por Krisha Fairchild. Sim, quase todos os personagens interpretam a si mesmos, ou pelo menos dão o mesmo nome aos personagens.
7 DESEJOS (Wish Upon)
Eu até tinha achado o ANABELLE (2014) um filme bem decente, mas é impressionante como esse 7 DESEJOS (2017), do mesmo diretor John R. Leonetti, é idiota. Dá pra se divertir e tal, mas a protagonista é uma tapada e a trama, além de imitar um bocado a franquia PREMONIÇÃO, é cheia de furos horríveis. Mas se isso fosse o único problema até que estava bom. No mais, acabei vendo a Sherilyn Fenn no cinema antes de ver em TWIN PEAKS - O RETORNO. E que papel horrível que deram a ela, meu Deus. Povo não respeita quem merece o respeito, não.
THE DEVIL'S CANDY
Para o que parece ser só mais um filme sobre casa assombrada com demônio envolvido, e ainda por cima envolvendo rock pesado, THE DEVIL'S CANDY (2015, foto) vai num crescendo de perturbação que o torna um belo exemplar contemporâneo. Comecei a ver a primeira metade do filme em um dia e não estava curtindo muito, mas depois, no dia seguinte, vi que é uma obra respeitável. A violência, a tensão, a problematização do que parecia simplista e bobo (o diabo no heavy metal), tudo melhora.. E arrepiei no final quando toca uma canção foda, que eu não vou dizer aqui qual é.
ENTES QUERIDOS (The Loved Ones)
Embora seja inferior ao THE DEVIL'S CANDY, do mesmo Sean Byrne, e partir mais para o torturne porn, é bom voltar ao universo de jovens fãs de rock pesado, que parece ser o mundo do diretor. Há alguns cartas na manga, mas na verdade são poucas. Ainda assim ENTES QUERIDOS (2009) é filme pra assistir com os olhos grudados e o coração na mão. Na trama, uma garota que costuma ser rejeitada na escola captura um rapaz por quem tem interesse para fazer com ele um baile de formatura todo especial. Tenso e sangrento.
DEATH NOTE
A gente até quer dar uma chance a esta adaptação do excelente mangá Death Note, mas não tem jeito. A coisa piora muito quando entra em cena o L, que consegue ser mais patético que o Light. Ambos não deveriam ser. De todo modo, o que não funciona no filme DEATH NOTE (2017) nem é a falta de "fidelidade" à obra. É que é tudo feito às pressas, toscamente mesmo. Não dá pra sentir o mínimo suspense. Quem acaba se destacando é a namorada de Light, Margaret Qualley, que tem o seu encanto e ganha o filme em determinado momento. Mas é muito pouco. E pensar que o diretor Adam Wingard vinha de um filme bacana (VOCÊ É O PRÓXIMO, 2011)...
quarta-feira, setembro 13, 2017
POLÍCIA FEDERAL - A LEI É PARA TODOS
Vivemos em um momento particularmente delicado em nosso país. Desde 2013 que a sociedade brasileira está dividida, embora as manifestações daquele ano tenham sido bem distintas das que culminaram com o impeachment da Presidenta Dilma Rousseff, no ano passado. São de grupos distintos, aliás. Hoje, nem se trata mais de dificuldade de comunicação entre as partes (direita e esquerda, coxinhas e petralhas), mas de uma separação tão irracional quanto torcer por um time de futebol. E esse momento o próprio filme POLÍCIA FEDERAL - A LEI É PARA TODOS (2017) ajuda a captar: na cena em Lula está no Aeroporto de Congonhas, depois de ter sido levado coercitivamente para depor .
Pelo que é mostrado no filme, havia dois times muito bem delineados: os que achavam que aquilo era um absurdo e estavam ali para dar uma força para o ex-Presidente, vestidos de vermelho e com o apoio da CUT, e aqueles que tinham escrito "Somos todos Moro" em suas bandeiras, e se vestiam de verde e amarelo, todos exultantes por aquele momento que, embora não representasse a prisão de Lula, representou algo próximo disso para eles, que conseguiram com paneladas expulsar uma presidente eleita. Logo, foi um dia de festa para muitos brasileiros.
POLÍCIA FEDERAL - A LEI É PARA TODOS é desses filmes que merecem ser vistos nem que seja por curiosidade mórbida, seja por quem acompanha o cinema brasileiro e quer pensar o filme dentro do cenário do gênero policial brasileiro contemporâneo, seja por quem está interessado em ver como foi o recorte e de que maneira o diretor Marcelo Antunez e seus roteiristas resolveram contar a história da ação da Lava-Jato desde o primeiro momento até o ano passado.
E por mais que a primeira metade do filme funcione até bem como thriller policial, apesar de alguns diálogos bem ruins, o aspecto político é muito frágil e também muito covarde, no sentido de querer vilanizar pessoas que ainda estão sob investigação. Como é o caso do Presidente Lula, que é pintado como uma figura enjoada e afetada por Ary Fontoura. Sabemos que os próprios representantes da direita brasileira dão o braço a torcer quanto ao carisma do ex-presidente e o que é mostrado está bem longe de sua figura. Na sessão em que assisti, porém, que terminou com uma salva de palmas pelo público presente, muitos se divertiram com o modo como Lula foi representado, alguns até dizendo coisas como "olha a cara de pau dele" etc., como se estivessem vendo o próprio Presidente ou uma cena de novela.
Porém, a imagem do verdadeiro Lula nos créditos finais, dizendo que "a jararaca está viva", em entrevista coletiva após o tal depoimento, ajuda a esquecer um pouco a interpretação infeliz de Fontoura. Há outras situações forçadas do roteiro, como as de Bruce Gomlevsky, que vive um dos quatro principais agentes da Lava-Jato. Seu quadro branco contendo as palestras do Lula por diversos países e o dinheiro supostamente desviado mais parece o famoso powerpoint de Dallagnol.
Quanto ao juiz Sérgio Moro, vivido por Marcelo Serrado, o filme o deixa um pouco mais distanciado do caso, como que para torná-lo o mais isento e apartidário possível. Até mesmo cenas do juiz preparando pizza e conversando com o filho em sua casa o filme mostra. Mas os verdadeiros heróis são mesmo os quatro cavaleiros da operação, vividos ficcionalmente por Antonio Calloni, Flávia Alessandra, João Baldasserini e o já citado Gomlevsky, que é o sujeito que canta "Inútil", do Ultraje a Rigor, em um karaokê, mostrando mais uma vez que o filme adotou sim uma posição partidária.
Mesmo quando em determinado momento um deles se questiona sobre quem estaria sendo beneficiando por tantas prisões e acusações naquele momento de tensão política intensa, logo aparece alguém para deixá-lo tranquilo, dizendo que eles estão sim tornando o Brasil melhor. Por um momento, o filme quase conseguiu uma autorreflexão lúcida frente a tudo aquilo que foi mostrado.
Claro não se pode demonizar o filme por assumir uma posição no jogo, muito embora se possa responsabilizá-lo por alguns julgamentos que, mais à frente, poderão ser considerados injustos. Falar de um cenário político sem o distanciamento temporal adequado é sempre arriscado. Mas, como vivemos um momento em que a urgência e o pré-julgamento parecem imperar, a busca pela verdade aparecerá sempre borrada.
No meio deste caldo fervendo, há ainda outros projetos por vir, como a série da Lava-Jato criada pelo José Padilha para a Netflix e os quatro documentários sobre o impeachment de Dilma Rousseff, sendo que dois optaram por retratar a situação mais próximo do ponto de vista da ex-presidenta. Até lá, ficamos na torcida pelo Brasil.
Pelo que é mostrado no filme, havia dois times muito bem delineados: os que achavam que aquilo era um absurdo e estavam ali para dar uma força para o ex-Presidente, vestidos de vermelho e com o apoio da CUT, e aqueles que tinham escrito "Somos todos Moro" em suas bandeiras, e se vestiam de verde e amarelo, todos exultantes por aquele momento que, embora não representasse a prisão de Lula, representou algo próximo disso para eles, que conseguiram com paneladas expulsar uma presidente eleita. Logo, foi um dia de festa para muitos brasileiros.
POLÍCIA FEDERAL - A LEI É PARA TODOS é desses filmes que merecem ser vistos nem que seja por curiosidade mórbida, seja por quem acompanha o cinema brasileiro e quer pensar o filme dentro do cenário do gênero policial brasileiro contemporâneo, seja por quem está interessado em ver como foi o recorte e de que maneira o diretor Marcelo Antunez e seus roteiristas resolveram contar a história da ação da Lava-Jato desde o primeiro momento até o ano passado.
E por mais que a primeira metade do filme funcione até bem como thriller policial, apesar de alguns diálogos bem ruins, o aspecto político é muito frágil e também muito covarde, no sentido de querer vilanizar pessoas que ainda estão sob investigação. Como é o caso do Presidente Lula, que é pintado como uma figura enjoada e afetada por Ary Fontoura. Sabemos que os próprios representantes da direita brasileira dão o braço a torcer quanto ao carisma do ex-presidente e o que é mostrado está bem longe de sua figura. Na sessão em que assisti, porém, que terminou com uma salva de palmas pelo público presente, muitos se divertiram com o modo como Lula foi representado, alguns até dizendo coisas como "olha a cara de pau dele" etc., como se estivessem vendo o próprio Presidente ou uma cena de novela.
Porém, a imagem do verdadeiro Lula nos créditos finais, dizendo que "a jararaca está viva", em entrevista coletiva após o tal depoimento, ajuda a esquecer um pouco a interpretação infeliz de Fontoura. Há outras situações forçadas do roteiro, como as de Bruce Gomlevsky, que vive um dos quatro principais agentes da Lava-Jato. Seu quadro branco contendo as palestras do Lula por diversos países e o dinheiro supostamente desviado mais parece o famoso powerpoint de Dallagnol.
Quanto ao juiz Sérgio Moro, vivido por Marcelo Serrado, o filme o deixa um pouco mais distanciado do caso, como que para torná-lo o mais isento e apartidário possível. Até mesmo cenas do juiz preparando pizza e conversando com o filho em sua casa o filme mostra. Mas os verdadeiros heróis são mesmo os quatro cavaleiros da operação, vividos ficcionalmente por Antonio Calloni, Flávia Alessandra, João Baldasserini e o já citado Gomlevsky, que é o sujeito que canta "Inútil", do Ultraje a Rigor, em um karaokê, mostrando mais uma vez que o filme adotou sim uma posição partidária.
Mesmo quando em determinado momento um deles se questiona sobre quem estaria sendo beneficiando por tantas prisões e acusações naquele momento de tensão política intensa, logo aparece alguém para deixá-lo tranquilo, dizendo que eles estão sim tornando o Brasil melhor. Por um momento, o filme quase conseguiu uma autorreflexão lúcida frente a tudo aquilo que foi mostrado.
Claro não se pode demonizar o filme por assumir uma posição no jogo, muito embora se possa responsabilizá-lo por alguns julgamentos que, mais à frente, poderão ser considerados injustos. Falar de um cenário político sem o distanciamento temporal adequado é sempre arriscado. Mas, como vivemos um momento em que a urgência e o pré-julgamento parecem imperar, a busca pela verdade aparecerá sempre borrada.
No meio deste caldo fervendo, há ainda outros projetos por vir, como a série da Lava-Jato criada pelo José Padilha para a Netflix e os quatro documentários sobre o impeachment de Dilma Rousseff, sendo que dois optaram por retratar a situação mais próximo do ponto de vista da ex-presidenta. Até lá, ficamos na torcida pelo Brasil.
terça-feira, setembro 12, 2017
COMO NOSSOS PAIS
Embora Laís Bodanzky tenha vários trabalhos em seu currículo, longas-metragens de ficção mesmo são apenas quatro. E COMO NOSSOS PAIS (2017) talvez seja o seu trabalho mais bem acabado e também mais ousado em ter que dar conta de temas tão em voga como a questão da busca de libertação da mulher da herança patriarcal, que, junto ao acúmulo de funções nas últimas décadas com o mercado de trabalho, fez com que ela acumulasse cada vez mais afazeres, seja fora de casa, seja cuidando de sua casa e dos filhos. Assim, o sonho de fazer uma peça de teatro, por exemplo, acaba ficando em segundo plano por causa de tanta coisa para resolver. Eis um dos motivos de os homens terem alcançado mais espaço nas artes.
A personagem Rosa, vivida por Maria Ribeiro, é uma personificação dessa mulher brasileira de classe média alta. Mãe de duas crianças pequenas, sendo que uma delas já quer ter um pouco mais de independência, mesmo sendo tão nova, e suspeitando que o marido Dado (Paulo Vilhena) a está traindo com outra, Rosa vive uma crise ainda mais intensa quando uma revelação lhe chega como uma bomba: a mãe (Clarisse Abujamra), durante almoço em família, resolve lhe contar que ela é fruto de uma aventura amorosa, que não é filha de seu pai (vivido com muita simpatia por Jorge Mautner).
Embora bastante importante, a cena da revelação é uma das mais frágeis do filme. Parece dita de maneira tão sem emoção que chega a desafinar com o tipo de dramaturgia que é usado ao longo do filme na maior parte de sua metragem. Se bem que isso é algo que é relevado, uma vez que nos envolvemos com a narrativa e com os personagens, todos interessantes e cativantes, com praticamente todo o ponto de vista sendo de Rosa.
É por meio dela que conhecemos os demais personagens e nos afeiçoamos a eles, gratuitamente, como o pai Homero (Mautner). E é por meio dela que também suspeitamos de Dado e que encaramos com interesse uma aventura que ela se permite ter com um amigo com quem nutre atração física. Mas o mais importante do que tudo isso talvez seja, mais uma vez, a relação com a mãe, que está com uma doença terminal e passa a se despedir da vida com a paz e a confiança de ter feito tudo o que gostaria de ter feito.
Nota-se, portanto, que COMO NOSSOS PAIS tenta abraçar muitas coisas ao mesmo tempo. Os problemas de Rosa deverão fazer parte de seu amadurecimento para torná-la mais forte. Se por um lado o encadeamento de problemas (e de aventuras e de situações amargas e divertidas) torna o filme muitíssimo agradável de ver, com sua montagem dinâmica, mostra-o como uma obra mais horizontal do que vertical, no sentido de que há pouca coisa a se buscar quando aprofundadas as cenas. Há espaço para muito debate extra-fílmico, a partir dos diversos temas expostos e muito bem-vindos, mas o fato de os personagens já problematizarem suas situações em seus próprios diálogos acaba por diminuir o aprofundamento.
Ainda assim, COMO NOSSOS PAIS é tão agradável e tão cheio de amor que é difícil não gostar, difícil não nutrir simpatia e até empatia pela personagem de Maria Ribeiro. Que, aliás, parece estar interpretando a si mesma, de tão natural que ficou seu papel. Como ela é o centro do filme, isso é um ponto bem positivo. E ponto positivo também para Luiz Bolognesi, esposo de Laís, que contribuiu, junto com a diretora da construção do roteiro. Lembrando que Bolognesi também foi responsável pelo roteiro do ótimo BINGO - O REI DAS MANHÃS, de Daniel Rezende.
A personagem Rosa, vivida por Maria Ribeiro, é uma personificação dessa mulher brasileira de classe média alta. Mãe de duas crianças pequenas, sendo que uma delas já quer ter um pouco mais de independência, mesmo sendo tão nova, e suspeitando que o marido Dado (Paulo Vilhena) a está traindo com outra, Rosa vive uma crise ainda mais intensa quando uma revelação lhe chega como uma bomba: a mãe (Clarisse Abujamra), durante almoço em família, resolve lhe contar que ela é fruto de uma aventura amorosa, que não é filha de seu pai (vivido com muita simpatia por Jorge Mautner).
Embora bastante importante, a cena da revelação é uma das mais frágeis do filme. Parece dita de maneira tão sem emoção que chega a desafinar com o tipo de dramaturgia que é usado ao longo do filme na maior parte de sua metragem. Se bem que isso é algo que é relevado, uma vez que nos envolvemos com a narrativa e com os personagens, todos interessantes e cativantes, com praticamente todo o ponto de vista sendo de Rosa.
É por meio dela que conhecemos os demais personagens e nos afeiçoamos a eles, gratuitamente, como o pai Homero (Mautner). E é por meio dela que também suspeitamos de Dado e que encaramos com interesse uma aventura que ela se permite ter com um amigo com quem nutre atração física. Mas o mais importante do que tudo isso talvez seja, mais uma vez, a relação com a mãe, que está com uma doença terminal e passa a se despedir da vida com a paz e a confiança de ter feito tudo o que gostaria de ter feito.
Nota-se, portanto, que COMO NOSSOS PAIS tenta abraçar muitas coisas ao mesmo tempo. Os problemas de Rosa deverão fazer parte de seu amadurecimento para torná-la mais forte. Se por um lado o encadeamento de problemas (e de aventuras e de situações amargas e divertidas) torna o filme muitíssimo agradável de ver, com sua montagem dinâmica, mostra-o como uma obra mais horizontal do que vertical, no sentido de que há pouca coisa a se buscar quando aprofundadas as cenas. Há espaço para muito debate extra-fílmico, a partir dos diversos temas expostos e muito bem-vindos, mas o fato de os personagens já problematizarem suas situações em seus próprios diálogos acaba por diminuir o aprofundamento.
Ainda assim, COMO NOSSOS PAIS é tão agradável e tão cheio de amor que é difícil não gostar, difícil não nutrir simpatia e até empatia pela personagem de Maria Ribeiro. Que, aliás, parece estar interpretando a si mesma, de tão natural que ficou seu papel. Como ela é o centro do filme, isso é um ponto bem positivo. E ponto positivo também para Luiz Bolognesi, esposo de Laís, que contribuiu, junto com a diretora da construção do roteiro. Lembrando que Bolognesi também foi responsável pelo roteiro do ótimo BINGO - O REI DAS MANHÃS, de Daniel Rezende.
segunda-feira, setembro 11, 2017
32 DE AGOSTO NA TERRA (Un 32 Août sur Terre)
Quem é Denis Villeneuve? Não pergunto esperando a resposta mais óbvia sobre o fato de ele ser um diretor canadense surgido nos anos 1990 e que foi ganhando cada vez mais o status de diretor singular. Refiro-me principalmente às suas principais marcas autorais. Acho que ao longo do texto poderemos encontrar essas marcas, mas no momento talvez o ideal seja fazer uma rápida comparação deste 32 DE AGOSTO NA TERRA (1998), de título tão estranho, com suas obras mais recentes e mais ligadas à ficção científica, como A CHEGADA (2016) e o ainda inédito BLADE RUNNER 2049 (2017).
No caso de 32 DE AGOSTO NA TERRA, embora não haja um cenário futurista, temos algo que se aproxima desse tipo de cinema que parece ser frio, mas que esconde camadas complexas de sentimentos profundos. Podemos ver isso no citado A CHEGADA também; assim como no filme-paulada POLYTECHNIQUE (2009), que tenta disfarçar, no modo como é narrado, a dor que aquele massacre gerou em grandes proporções. Já em 32 DE AGOSTO NA TERRA, quando possível, Villeneuve tenta nos apresentar a um quarto de motel que mais parece uma cápsula de uma espaçonave.
Esse tipo de invenção não deixa de ganhar força quando analisamos o filme tendo um conjunto da obra já grandiosa em perspectiva. Assim, por mais que se trate de um trabalho menor, sobre uma história de amor minimalista que teima em fugir dos sentimentalismos, como se o mundo tivesse que ser mesmo frio, o alcance de 32 DE AGOSTO NA TERRA é maior do que o esperado. Na trama, Simone, personagem de Pascale Bussières, resolve mudar de vida depois de um acidente quase fatal. Modelo internacional, larga tudo para fazer algo que considera mais importante naquele momento: ser mãe. Como ela não tem um namorado, quer que o pai biológico seja o seu melhor amigo, Philippe (Alexis Martin).
Até aí tudo bem. Já faz alguns anos que esse tipo de negociação é feita. A questão é que Philippe é apaixonado por Simone. Fazer sexo apenas para gerar um filho passa a ser uma tarefa extremamente complicada, levando em consideração que ele não conseguiria fingir não sentir nada por ela além de um amor de amigo. Assim, Philippe luta contra a frieza da situação. Ou daquele mundo. E, como quase sempre acontece com aqueles que seguem o caminho do coração, ele não se dá bem. É quase como uma Lei de Murphy aplicada aos sentimentais.
Em um de seus trabalhos seguintes, Villeneuve voltará ao pessimismo trágico e irônico da vida moderna, com o impactante INCÊNDIOS (2010), este, mais semelhante a uma tragédia grega. Mas antes de chegar lá, em seu primeiro longa-metragem, ele já trazia uma semente do que viria. A visão amarga da vida o perseguiria nas obras seguintes. Nós, como apreciadores de seu belo trabalho, agradecemos.
No caso de 32 DE AGOSTO NA TERRA, embora não haja um cenário futurista, temos algo que se aproxima desse tipo de cinema que parece ser frio, mas que esconde camadas complexas de sentimentos profundos. Podemos ver isso no citado A CHEGADA também; assim como no filme-paulada POLYTECHNIQUE (2009), que tenta disfarçar, no modo como é narrado, a dor que aquele massacre gerou em grandes proporções. Já em 32 DE AGOSTO NA TERRA, quando possível, Villeneuve tenta nos apresentar a um quarto de motel que mais parece uma cápsula de uma espaçonave.
Esse tipo de invenção não deixa de ganhar força quando analisamos o filme tendo um conjunto da obra já grandiosa em perspectiva. Assim, por mais que se trate de um trabalho menor, sobre uma história de amor minimalista que teima em fugir dos sentimentalismos, como se o mundo tivesse que ser mesmo frio, o alcance de 32 DE AGOSTO NA TERRA é maior do que o esperado. Na trama, Simone, personagem de Pascale Bussières, resolve mudar de vida depois de um acidente quase fatal. Modelo internacional, larga tudo para fazer algo que considera mais importante naquele momento: ser mãe. Como ela não tem um namorado, quer que o pai biológico seja o seu melhor amigo, Philippe (Alexis Martin).
Até aí tudo bem. Já faz alguns anos que esse tipo de negociação é feita. A questão é que Philippe é apaixonado por Simone. Fazer sexo apenas para gerar um filho passa a ser uma tarefa extremamente complicada, levando em consideração que ele não conseguiria fingir não sentir nada por ela além de um amor de amigo. Assim, Philippe luta contra a frieza da situação. Ou daquele mundo. E, como quase sempre acontece com aqueles que seguem o caminho do coração, ele não se dá bem. É quase como uma Lei de Murphy aplicada aos sentimentais.
Em um de seus trabalhos seguintes, Villeneuve voltará ao pessimismo trágico e irônico da vida moderna, com o impactante INCÊNDIOS (2010), este, mais semelhante a uma tragédia grega. Mas antes de chegar lá, em seu primeiro longa-metragem, ele já trazia uma semente do que viria. A visão amarga da vida o perseguiria nas obras seguintes. Nós, como apreciadores de seu belo trabalho, agradecemos.
sábado, setembro 09, 2017
OITO FILMES EXIBIDOS NO FESTIVAL VARILUX 2017
Não é que a edição deste ano do Festival Varilux de Cinema Francês tenha sido ruim. Apenas não conseguiu ser tão boa quanto a do ano passado. Ou seja, voltou a ser apenas uma apresentação de filmes medianos que já estão todos (ou quase todos) garantidos para serem exibidos no circuito. Alguns até já foram, inclusive. Eu que demorei demais para falar a respeito e o tempo foi passando. Assim, vamos de pílulas sobre os filmes.
O FILHO URUGUAIO (Une Vie Ailleurs)
Drama sensível sobre maternidade, se sentir amado e ao mesmo tempo carente por se achar órfão, O FILHO URUGUAIO (2017), de Olivier Peyon, é desses filmes tão agradáveis e bonitos quanto pouco memoráveis. Dá para destacar a relação que se estabelece entre o menino e o personagem de Ramzy Bedia, que é o sujeito incumbido de convencer a criança de que ele deve voltar para a sua mãe, que só muito recentemente conseguiu encontrá-lo. A personagem de Isabelle Carré é que deveria ter mais força no conjunto. Ainda assim, sobram belas cenas.
PERDIDOS EM PARIS (Paris Pieds Nus)
Não conhecia e sequer sabia que existia essa dupla de comediantes, Fiona Gordon e Dominique Abel. Achei PERDIDOS EM PARIS (2016) muito bom, principalmente no aspecto formal. Lembra o cinema de Roy Andersson, ainda que menos genial, na comparação. Aliás, talvez a comparação seja um pouco injusta com Abel e Gordon. Gosto muito do trabalho de direção de arte, que é responsável por boa parte da beleza do filme, que se perde um pouco quando entra em cena a terceira personagem (Emmanuelle Riva, em um de seus últimos papéis). Até lá estava bem engraçado.
RODIN
Um filme que só tem duas horas mas parece ter três este RODIN (2017), de Jacques Doillon. Impressionantemente desinteressante, mesmo com um ator da força de um Vincent Lindon à frente do personagem. Tentam dar um ar "de arte", com uns fade outs e uns hiatos temporais e tal, mas não tem jeito. Escapam as modelos e, claro, o trabalho impressionante do artista nesta brincadeira sem graça. No caso, o problema nem é o filme ser quadrado. Se fosse, quem sabe até descesse melhor.
TOUR DE FRANCE
Um bonito filme sobre amizade em meio às diferenças, TOUR DE FRANCE (2016), de Rachid Djaïdani, não tem lá muita coisa nova, mas é bem conduzido, Depardieu está bem, mas quem ganha os holofotes é mesmo o jovem Sadek, um rapper famoso na França. E eu nem sabia que ele era um rapper mesmo. Pode até estar interpretando a si mesmo, mas é preciso talento para fazer com que uma história dessas funcione.
UM INSTANTE DE AMOR (Mal de Pierres)
Gosto de como UM INSTANTE DE AMOR (2016, foto), de Nicole Garcia, tem um olhar feminino (ou pelo menos passa a entender), de modo que tenhamos uma personagem complexa e sempre levada pela paixão, com dificuldade de acompanhar uma vida mais racional. Há quem possa achar isso ruim, não sei, talvez por mostrar uma mulher com pouco controle de seus desejos e de sua mente mesmo, mas pra mim é o que há de melhor no filme. E Marion Cotillard tá muito bem nesse papel. Há uma cena de sexo dela que é sensacional. Não do ponto de vista erótico, mas em como consegue ser, de certa forma, mágica.
UMA FAMÍLIA DE DOIS (Demain Tout Commence)
Mais uma vez o povo querendo se aproveitar da simpatia do Omar Sy para fazer um desses melodramas feitos para agradar a família. UMA FAMÍLIA DE DOIS (2016), de Hugo Gélin, acaba parecendo uma comédia dramática da Disney, dessas que passam na sessão da tarde e a gente esquece logo em seguida. Além do mais, quando é para emocionar não emociona. Na trama, Omar Sy é um sujeito mulherengo que tem sua vida mudada quando lhe é entregue uma filha nascida de uma aventura para que ele cuide.
A VIDA DE UMA MULHER (Une Vie)
É muito sofrimento pra uma mulher só, meu Deus.. As partes mais belas de A VIDA DE UMA MULHER (2016), de Stéphane Brizé, são as das cartas, que denunciam a herança literária do filme, partindo do romance de Maupassant, e que eu infelizmente não li. Mas há coisas que são opções estéticas do diretor que funcionam muito bem para passar a sensação de opressão da protagonista, como o uso da janela 1,33:1. Pena que no cinema que eu fui ver o filme exibiram na janela errada, cortando as partes de cima e de baixo da tela, por pura ignorância.
O REENCONTRO (Sage Femme)
Ótima surpresa este O REENCONTRO (2017), de Martin Provost, que meio que passou em branco durante o Varilux por mim e também não foi levado em consideração como algo além de um filme mediano ou menos do que isso. Muito bonita a relação das duas mulheres. Grande performance, principalmente da Catherine Frot, que interpreta uma mulher que trabalha em um hospital de maternidade que está prestes a fechar. Ela é visitada pela mulher que foi esposa de seu pai, vivida por Catherine Deneuve, que só então fica sabendo que o ex-marido não está mais vivo, além de contar para a filha/enteada sobre seu problema grave de saúde.
O FILHO URUGUAIO (Une Vie Ailleurs)
Drama sensível sobre maternidade, se sentir amado e ao mesmo tempo carente por se achar órfão, O FILHO URUGUAIO (2017), de Olivier Peyon, é desses filmes tão agradáveis e bonitos quanto pouco memoráveis. Dá para destacar a relação que se estabelece entre o menino e o personagem de Ramzy Bedia, que é o sujeito incumbido de convencer a criança de que ele deve voltar para a sua mãe, que só muito recentemente conseguiu encontrá-lo. A personagem de Isabelle Carré é que deveria ter mais força no conjunto. Ainda assim, sobram belas cenas.
PERDIDOS EM PARIS (Paris Pieds Nus)
Não conhecia e sequer sabia que existia essa dupla de comediantes, Fiona Gordon e Dominique Abel. Achei PERDIDOS EM PARIS (2016) muito bom, principalmente no aspecto formal. Lembra o cinema de Roy Andersson, ainda que menos genial, na comparação. Aliás, talvez a comparação seja um pouco injusta com Abel e Gordon. Gosto muito do trabalho de direção de arte, que é responsável por boa parte da beleza do filme, que se perde um pouco quando entra em cena a terceira personagem (Emmanuelle Riva, em um de seus últimos papéis). Até lá estava bem engraçado.
RODIN
Um filme que só tem duas horas mas parece ter três este RODIN (2017), de Jacques Doillon. Impressionantemente desinteressante, mesmo com um ator da força de um Vincent Lindon à frente do personagem. Tentam dar um ar "de arte", com uns fade outs e uns hiatos temporais e tal, mas não tem jeito. Escapam as modelos e, claro, o trabalho impressionante do artista nesta brincadeira sem graça. No caso, o problema nem é o filme ser quadrado. Se fosse, quem sabe até descesse melhor.
TOUR DE FRANCE
Um bonito filme sobre amizade em meio às diferenças, TOUR DE FRANCE (2016), de Rachid Djaïdani, não tem lá muita coisa nova, mas é bem conduzido, Depardieu está bem, mas quem ganha os holofotes é mesmo o jovem Sadek, um rapper famoso na França. E eu nem sabia que ele era um rapper mesmo. Pode até estar interpretando a si mesmo, mas é preciso talento para fazer com que uma história dessas funcione.
UM INSTANTE DE AMOR (Mal de Pierres)
Gosto de como UM INSTANTE DE AMOR (2016, foto), de Nicole Garcia, tem um olhar feminino (ou pelo menos passa a entender), de modo que tenhamos uma personagem complexa e sempre levada pela paixão, com dificuldade de acompanhar uma vida mais racional. Há quem possa achar isso ruim, não sei, talvez por mostrar uma mulher com pouco controle de seus desejos e de sua mente mesmo, mas pra mim é o que há de melhor no filme. E Marion Cotillard tá muito bem nesse papel. Há uma cena de sexo dela que é sensacional. Não do ponto de vista erótico, mas em como consegue ser, de certa forma, mágica.
UMA FAMÍLIA DE DOIS (Demain Tout Commence)
Mais uma vez o povo querendo se aproveitar da simpatia do Omar Sy para fazer um desses melodramas feitos para agradar a família. UMA FAMÍLIA DE DOIS (2016), de Hugo Gélin, acaba parecendo uma comédia dramática da Disney, dessas que passam na sessão da tarde e a gente esquece logo em seguida. Além do mais, quando é para emocionar não emociona. Na trama, Omar Sy é um sujeito mulherengo que tem sua vida mudada quando lhe é entregue uma filha nascida de uma aventura para que ele cuide.
A VIDA DE UMA MULHER (Une Vie)
É muito sofrimento pra uma mulher só, meu Deus.. As partes mais belas de A VIDA DE UMA MULHER (2016), de Stéphane Brizé, são as das cartas, que denunciam a herança literária do filme, partindo do romance de Maupassant, e que eu infelizmente não li. Mas há coisas que são opções estéticas do diretor que funcionam muito bem para passar a sensação de opressão da protagonista, como o uso da janela 1,33:1. Pena que no cinema que eu fui ver o filme exibiram na janela errada, cortando as partes de cima e de baixo da tela, por pura ignorância.
O REENCONTRO (Sage Femme)
Ótima surpresa este O REENCONTRO (2017), de Martin Provost, que meio que passou em branco durante o Varilux por mim e também não foi levado em consideração como algo além de um filme mediano ou menos do que isso. Muito bonita a relação das duas mulheres. Grande performance, principalmente da Catherine Frot, que interpreta uma mulher que trabalha em um hospital de maternidade que está prestes a fechar. Ela é visitada pela mulher que foi esposa de seu pai, vivida por Catherine Deneuve, que só então fica sabendo que o ex-marido não está mais vivo, além de contar para a filha/enteada sobre seu problema grave de saúde.
sexta-feira, setembro 08, 2017
IT - A COISA (It)
Um dos maiores méritos de IT - A COISA (2017), de Andy Muschietti, é conseguir apresentar algumas surpresas bem perturbadoras já a partir de seu prólogo, já que tudo o mais tem uma ambientação retrô, como se os realizadores (o diretor e os roteiristas) quisessem trazer à tona não apenas os anos 1980, mas também o jeito de fazer terror daquela época. Assim, IT acaba se tornando uma das obras mais anacrônicas do gênero, nesse momento em que virou moda celebrar a década das extravagâncias e do neon.
No caso de IT - A COISA, somos lançados ao final da década, os anos 1988-89, o que para mim já é interessante, pois o último ano foi o ano de início de minha cinefilia, e eu fui ao cinema ver alguns daqueles filmes que passavam no cinema da cidadezinha onde o filme é ambientado, entre eles A HORA DO PESADELO 5 - O MAIOR HORROR DE FREDDY, de Stephen Hopkins, que contava com um vilão/monstro tão exageradamente sádico e falastrão quanto o palhaço Pennywise criado por Stephen King.
Na trama de IT, uma série de crianças e adolescentes passa a desaparecer na pequena cidade de Derry. Muitos acreditam que o lugar é amaldiçoado por algo de difícil explicação. Para o espectador, porém, já se sabe que o grande responsável por esses desaparecimentos é o tal palhaço assassino, embora não saibamos a origem do mal.
Um dos pontos bem positivos do filme de Muschietti é trazer simpatia para o grupo de garotinhos perturbados de uma forma ou de outra pelo palhaço e que resolvem, por conta própria, tentar resolver o caso e enfrentar não apenas o monstro, mas principalmente seus próprios medos. Nesse sentido, seus medos também são mostrados no terror da vida real, como em coisas como o pai que abusa da filha e o bullying extremamente violento que sofre o gordinho simpático e amável por um grupo de delinquentes.
Outra coisa que conta pontos a favor é o humor, que aparece nos diálogos espirituosos dos meninos. Inclusive, um deles, por também fazer parte do elenco de STRANGER THINGS, torna a semelhança com a série da Netflix ainda mais explícita. Na verdade, a série é que buscou no romance de Stephen King inspiração. Mas IT prefere seguir um caminho mais tradicional na construção do horror. Tanto que parece às vezes uma paródia de filme de horror, de tão próximo que está das convenções do gênero e dos sustos fáceis com uso de música orquestrada tradicionalmente utilizada em tantos exemplares.
O grupo de garotos encontra na figura de Beverly, uma garotinha ruiva que também sofre bullying na escola (Sophia Lillis, que tem tudo para ser um sucesso), uma espécie de primeira aproximação com o sexo oposto. Há uma cena particularmente bonita, que é quando os meninos vão nadar de cueca e ela aparece em trajes de baixo para nadar com eles no lago para depois tomar um sol.
O sol, aliás, é um elemento que funciona como um alívio em muitas sequências. Várias vezes os meninos estão enfrentando o horror em suas próprias casas, nos esgotos ou na casa assombrada e abandonada da cidade quando saem para o sol. E é como se aquilo os salvasse do perigo. Por isso não só a visão do sol como também a menção ao verão fazem com que esse contraste entre luz e trevas seja um elemento que ajuda a simplificar a dicotomia bem e mal que o filme traz.
Mesmo com o advento de filmes de horror mais complexos e que procura fugir das convenções, não deixa de ser curioso o apelo popular de IT - A COISA para as novas gerações. O filme vem sendo muito bem recebido pelo público, com uma bilheteria que tem lhe garantido o sucesso. Agora é esperar pela adaptação da segunda parte do livro, desta vez com os personagens adultos.
No caso de IT - A COISA, somos lançados ao final da década, os anos 1988-89, o que para mim já é interessante, pois o último ano foi o ano de início de minha cinefilia, e eu fui ao cinema ver alguns daqueles filmes que passavam no cinema da cidadezinha onde o filme é ambientado, entre eles A HORA DO PESADELO 5 - O MAIOR HORROR DE FREDDY, de Stephen Hopkins, que contava com um vilão/monstro tão exageradamente sádico e falastrão quanto o palhaço Pennywise criado por Stephen King.
Na trama de IT, uma série de crianças e adolescentes passa a desaparecer na pequena cidade de Derry. Muitos acreditam que o lugar é amaldiçoado por algo de difícil explicação. Para o espectador, porém, já se sabe que o grande responsável por esses desaparecimentos é o tal palhaço assassino, embora não saibamos a origem do mal.
Um dos pontos bem positivos do filme de Muschietti é trazer simpatia para o grupo de garotinhos perturbados de uma forma ou de outra pelo palhaço e que resolvem, por conta própria, tentar resolver o caso e enfrentar não apenas o monstro, mas principalmente seus próprios medos. Nesse sentido, seus medos também são mostrados no terror da vida real, como em coisas como o pai que abusa da filha e o bullying extremamente violento que sofre o gordinho simpático e amável por um grupo de delinquentes.
Outra coisa que conta pontos a favor é o humor, que aparece nos diálogos espirituosos dos meninos. Inclusive, um deles, por também fazer parte do elenco de STRANGER THINGS, torna a semelhança com a série da Netflix ainda mais explícita. Na verdade, a série é que buscou no romance de Stephen King inspiração. Mas IT prefere seguir um caminho mais tradicional na construção do horror. Tanto que parece às vezes uma paródia de filme de horror, de tão próximo que está das convenções do gênero e dos sustos fáceis com uso de música orquestrada tradicionalmente utilizada em tantos exemplares.
O grupo de garotos encontra na figura de Beverly, uma garotinha ruiva que também sofre bullying na escola (Sophia Lillis, que tem tudo para ser um sucesso), uma espécie de primeira aproximação com o sexo oposto. Há uma cena particularmente bonita, que é quando os meninos vão nadar de cueca e ela aparece em trajes de baixo para nadar com eles no lago para depois tomar um sol.
O sol, aliás, é um elemento que funciona como um alívio em muitas sequências. Várias vezes os meninos estão enfrentando o horror em suas próprias casas, nos esgotos ou na casa assombrada e abandonada da cidade quando saem para o sol. E é como se aquilo os salvasse do perigo. Por isso não só a visão do sol como também a menção ao verão fazem com que esse contraste entre luz e trevas seja um elemento que ajuda a simplificar a dicotomia bem e mal que o filme traz.
Mesmo com o advento de filmes de horror mais complexos e que procura fugir das convenções, não deixa de ser curioso o apelo popular de IT - A COISA para as novas gerações. O filme vem sendo muito bem recebido pelo público, com uma bilheteria que tem lhe garantido o sucesso. Agora é esperar pela adaptação da segunda parte do livro, desta vez com os personagens adultos.
quinta-feira, setembro 07, 2017
TOP OF THE LAKE - CHINA GIRL
Não só TWIN PEAKS - THE RETURN borrou a fronteira entre cinema e televisão no Festival de Cannes deste ano. TOP OF THE LAKE - CHINA GIRL (2017), a continuação da série com cara de minissérie de 2013, criada por Jane Campion e Gerard Lee, foi recebida com muito carinho por boa parte da crítica e do público, ainda que sua repercussão tenha sido muito mais discreta. Mais uma razão para que divulguemos este trabalho tão bonito e tão cheio de momentos de emoções intensas.
Antes de mais nada, em comparação com a primeira história de TOP OF THE LAKE, passada na Nova Zelândia, e que mais parecia uma espécie de TWIN PEAKS sem o surrealismo, ao tratar da investigação de uma menina de 12 anos em uma cidade cheia de agressores, a nova temporada é muito superior. O engajamento pesado contra a misoginia parece ainda mais intensificado. Ou talvez seja impressão somada com as experiências trazidas pela personagem nos eventos da primeira temporada.
Esse machismo, em TOP OF THE LAKE - CHINA GIRL, principalmente no começo, parece ainda mais pesado. A impressão que temos é que não há homem algum que preste naquele lugar, a não ser o amigo gay que trabalho no necrotério. E por ser gay, ainda por cima. Isso faz com que muitos dos personagens e dessas situações de machismo pareçam um bocado acima do tom, talvez exageradas.
Felizmente, as coisas ganham um equilíbrio considerável ao longo da narrativa. Até pela figura do personagem do pai adotivo da filha biológica da detetive Robin (Elisabeth Moss). O sujeito é vivido por Ewen Leslie e já passa um ar de homem compreensivo: a esposa (Nicole Kidman) o deixou para ficar com outra mulher e ele aceita essa situação exercitando seu equilíbrio emocional.
Mais uma vez, a série trata de maternidade, mas de maneira ainda mais intensa, já que a própria personagem de Moss está vivenciando o fato de finalmente conhecer a filha adotiva que deu para adoção quase que imediatamente, depois de ter engravidado em um estupro coletivo. Agora a menina, Mary, de quase 18 anos, vivida com brilho por Alice Englert (filha de Campion), está envolvida com um cafetão sinistro que, ainda por cima, tem umas ideias loucas de colocá-la também como as outras que trabalham no prostíbulo, para que ela não se sinta superior, ou coisa do tipo. É assustador a coisa.
Aliás, o tal personagem do namorado de Mary, apelidado de 'Puss', é destaque na série. Perturbadora e intensa interpretação do sueco David Dencik. Há uma cena na praia, com ele e Robin, que parece saída de um filme de horror. Justamente por causa de tantas situações pesadas, há momentos em que o coração não aguenta. E somos levados a nos emocionar bastante com algumas cenas de deixar o coração entalado na garganta, como na cena do primeiro encontro de Robin com Mary, em uma lanchonete. Quando as duas param para fumar um cigarro do lado de fora e conversar um pouco, o grau de sensibilidade explorado é de arrepiar.
Ao que parece teria mesmo que ser uma mulher de talento e sensibilidade como Campion para tratar de maneira tão delicada essa relação complicada entre uma filha que poderia muito bem se sentir rejeitada pela mãe biológica (e que não se relaciona nada bem com a mãe adotiva) e a mãe biológica que se sente afeiçoada imediatamente àquela filha que ela largou por circunstâncias bastante incômodas, para usar de eufemismo.
E eu nem cheguei a falar da trama policial, envolvendo o caso do corpo de uma garotinha asiática grávida que é encontrada dentro de uma mala. Descobre-se no segundo episódio que o feto não tem o DNA da garota, sendo que ela agia como barriga de aluguel. Eis que a narrativa também trata desse tema: o dos casais que desejam muito ter filhos e apelam para pagar meninas pobres para passar pelo processo de gravidez e poder ficar com a criança.
TOP OF THE LAKE - CHINA GIRL até pode ter os seus problemas - e boa parte deles aparece justamente no último episódio -, mas é certamente dessas séries (ou minisséries) que merecem ser vistas por uma série de motivos: pela temática, pelas excelentes interpretações (principalmente de Moss, mas também da jovem Englert), pela participação especial de Nicole Kidman (que poderia ser maior e mais brilhante, é verdade), e pela sensibilidade toda especial com que trata situações de ordem familiar e afetiva.
Antes de mais nada, em comparação com a primeira história de TOP OF THE LAKE, passada na Nova Zelândia, e que mais parecia uma espécie de TWIN PEAKS sem o surrealismo, ao tratar da investigação de uma menina de 12 anos em uma cidade cheia de agressores, a nova temporada é muito superior. O engajamento pesado contra a misoginia parece ainda mais intensificado. Ou talvez seja impressão somada com as experiências trazidas pela personagem nos eventos da primeira temporada.
Esse machismo, em TOP OF THE LAKE - CHINA GIRL, principalmente no começo, parece ainda mais pesado. A impressão que temos é que não há homem algum que preste naquele lugar, a não ser o amigo gay que trabalho no necrotério. E por ser gay, ainda por cima. Isso faz com que muitos dos personagens e dessas situações de machismo pareçam um bocado acima do tom, talvez exageradas.
Felizmente, as coisas ganham um equilíbrio considerável ao longo da narrativa. Até pela figura do personagem do pai adotivo da filha biológica da detetive Robin (Elisabeth Moss). O sujeito é vivido por Ewen Leslie e já passa um ar de homem compreensivo: a esposa (Nicole Kidman) o deixou para ficar com outra mulher e ele aceita essa situação exercitando seu equilíbrio emocional.
Mais uma vez, a série trata de maternidade, mas de maneira ainda mais intensa, já que a própria personagem de Moss está vivenciando o fato de finalmente conhecer a filha adotiva que deu para adoção quase que imediatamente, depois de ter engravidado em um estupro coletivo. Agora a menina, Mary, de quase 18 anos, vivida com brilho por Alice Englert (filha de Campion), está envolvida com um cafetão sinistro que, ainda por cima, tem umas ideias loucas de colocá-la também como as outras que trabalham no prostíbulo, para que ela não se sinta superior, ou coisa do tipo. É assustador a coisa.
Aliás, o tal personagem do namorado de Mary, apelidado de 'Puss', é destaque na série. Perturbadora e intensa interpretação do sueco David Dencik. Há uma cena na praia, com ele e Robin, que parece saída de um filme de horror. Justamente por causa de tantas situações pesadas, há momentos em que o coração não aguenta. E somos levados a nos emocionar bastante com algumas cenas de deixar o coração entalado na garganta, como na cena do primeiro encontro de Robin com Mary, em uma lanchonete. Quando as duas param para fumar um cigarro do lado de fora e conversar um pouco, o grau de sensibilidade explorado é de arrepiar.
Ao que parece teria mesmo que ser uma mulher de talento e sensibilidade como Campion para tratar de maneira tão delicada essa relação complicada entre uma filha que poderia muito bem se sentir rejeitada pela mãe biológica (e que não se relaciona nada bem com a mãe adotiva) e a mãe biológica que se sente afeiçoada imediatamente àquela filha que ela largou por circunstâncias bastante incômodas, para usar de eufemismo.
E eu nem cheguei a falar da trama policial, envolvendo o caso do corpo de uma garotinha asiática grávida que é encontrada dentro de uma mala. Descobre-se no segundo episódio que o feto não tem o DNA da garota, sendo que ela agia como barriga de aluguel. Eis que a narrativa também trata desse tema: o dos casais que desejam muito ter filhos e apelam para pagar meninas pobres para passar pelo processo de gravidez e poder ficar com a criança.
TOP OF THE LAKE - CHINA GIRL até pode ter os seus problemas - e boa parte deles aparece justamente no último episódio -, mas é certamente dessas séries (ou minisséries) que merecem ser vistas por uma série de motivos: pela temática, pelas excelentes interpretações (principalmente de Moss, mas também da jovem Englert), pela participação especial de Nicole Kidman (que poderia ser maior e mais brilhante, é verdade), e pela sensibilidade toda especial com que trata situações de ordem familiar e afetiva.
segunda-feira, setembro 04, 2017
TWIN PEAKS - THE RETURN
Nesta madrugada, enquanto eu via o sensacional episódio final de TWIN PEAKS - THE RETURN (2017), eu ouvia os ventos da madrugada soprando forte, meio que construindo uma trilha sonora incidental/acidental junto aos silêncios das cenas, e dando um ar ainda mais misterioso àquele momento tão especial. Principalmente em um cena em particular: a que mostra o Agente Dale Cooper num carro com Laura Palmer/Carrie Page. Eles estão em silêncio na escuridão de uma estrada que vai levar a Twin Peaks. Em determinado ponto, um carro parece estar seguindo os dois. E a câmera muda de perspectiva para a lateral do carro deles, apontando para a escuridão do banco de trás. O medo de que alguma coisa muito terrível brotasse dali tomou conta de mim. Mas a sensação de maravilhamento supera os medos, como sempre, nos trabalhos de Lynch.
Muito injusto falar deste acontecimento tão especial e tão cheio de nuances de cenas antológicas e outras que merecem ser revistas para serem melhor apreciadas e entendidas, também pela excelência da direção de arte e de tudo o mais que faz com que TWIN PEAKS - O RETORNO seja o trabalho do diretor que mais se aproxima de uma pintura, inclusive com várias cenas que remetem aos quadros e a seus primeiros curtas-metragens. Para alguns, os efeitos especiais até vão parecer toscos, mas tudo ali é feito com total consciência.
Pode até ser injusto falar em tão poucas linhas da mais significativa produção audiovisual do ano - e provavelmente da década -, mas, pra mim, isso se faz necessário, principalmente se queremos estender essa experiência maravilhosa que foram as semanas em que as segundas-feiras se tornaram o melhor dia da semana. Podemos começar, então, falando das expectativas do retorno de TWIN PEAKS, depois de todo esse tempo. Mesmo sabendo que Lynch é craque em frustrar as expectativas da audiência. Mas para fazer algo melhor e revolucionário.
Assim, TWIN PEAKS - O RETORNO começa com quase nada de Twin Peaks, a cidadezinha fictícia que se tornou célebre em todo o mundo. Demoramos a ver os personagens, eles aparecem muito rapidamente em cenas muitas vezes fragmentadas. Aos poucos percebemos que a importância deles será diminuída nesta nova encarnação da série. O humor, ainda que exista, principalmente na figura de Dougie, o doppelgänger que representa a inocência e a pureza dentro de um mundo em que impera a maldade, é diminuído, em comparação com a série clássica.
Dougie é um personagem que é praticamente odiado pela audiência, já que é dentro dele que está preso o espírito de Dale Cooper, nosso herói e único protagonista de verdade da série. Tanto que o nome de Kyle MacLachlan é o único nome que aparece em destaque nos créditos. Os demais aparecem pequeninos, em ordem alfabética, sendo necessário apertar o botão de pause para que possamos ler com atenção o "quem é quem". Como alguns atores e atrizes da série clássica (ou do filme, no caso de David Bowie) morreram durante ou muito antes da série ser finalizada, há vários episódios dedicados à memória deles e delas. O mais bonito, certamente, é o episódio dedicado à Senhora do Tronco Margaret Lanterman (a atriz Catherine E. Coulson, que sofria de doença terminal quando gravou as cenas).
Alguns dizem que TWIN PEAKS - O RETORNO não é uma série, mas um filme dividido em 18 partes. O próprio Lynch parece ter dito algo parecido. Mas a verdade é que talvez não seja nenhuma coisa nem outra. Ou talvez seja as duas coisas, já que, embora haja alguns ganchos, cada episódio tem uma cara própria, uma mensagem própria, por assim dizer. Peguemos um episódio revolucionário como o oitavo, que certamente será estudado por muito estudiosos de cinema e de outras artes como um exemplo de tudo que não se esperaria de uma série de televisão, entre outras ousadias e belezas. Além de ser grandioso na abordagem do grande tema da série, que é a criação e a disseminação do mal na humanidade.
Esse mal aparece na figura de vários homens extremamente violentos e no modo como as mulheres são vistas constantemente molestadas e violentadas por eles. Aliás, a questão da mulher na série é um assunto bem delicado e um dos que mais incomodou a alguns espectadores. Falta uma personagem feminina forte nesta nova roupagem de TWIN PEAKS. Antes havia uma galeria delas, em especial Audrey (Sherilyn Fenn). E o que vemos de Audrey na série é algo muito doloroso de ver. Doloroso e perturbador.
A própria ideia - que se confirma - de que Richard, o filho psicopata de Audrey, teria sido gerado pelo demônio BOB no domínio do corpo de Cooper enquanto ela estava em estado de coma é horrível de pensar. Mas a série vai mais além neste quesito, ao falar também do estupro que esse bad Cooper, também chamado de Mr. C, teria cometido a Diane (Laura Dern).
Uma vez que a série termina, a vontade que temos é de ver tudo de novo. Quanto às canções, excelentes, elas são parte integrante das emoções e de algumas cenas memoráveis desta nova encarnação de TWIN PEAKS. A maior parte delas acontece em um bar chamado The Roadhouse. Nele, vemos passar por nossos olhos e ouvidos artistas como Nine Inch Nails, Eddie Vedder, Lissie, Trouble, Chromatics, Rebekah Del Rio, entre outros. É o caso de ficar de olho também na deliciosa trilha sonora.
Porém, curiosamente, a música, por mais que apareça sempre nos episódios, é muito discreta e econômica ao longo da trama. Aqui, Lynch e Mark Frost (é sempre bom lembrar que ele é um dos criadores e corroteiristas) preferem os silêncios que funcionam para dar um ar de gravidade à maioria das cenas. O espaçamento de segundos entre uma fala e outra de um diálogo, por exemplo, principalmente quando está em cena Gordon (o próprio Lynch), é parte da graça da série, e torna a música de Angelo Badalamenti, se um pouco ausente, mais valorizada quando surge - na segunda temporada da série os produtores usavam um dos temas principais de maneira abusiva, o tempo todo. Assim, o momento em que ela aparece com mais emoção é no retorno definitivo de Cooper. Os fãs em todo o mundo devem ter vibrado e enchido seus corações de muito amor.
Mas Lynch não é um diretor que quer fazer um final convencional. Principalmente o Lynch que já passou por obras que desafiaram as noções do espaço e do tempo cronológico, como ESTRADA PERDIDA (1997), CIDADE DOS SONHOS (2001), RABBITS (2002) e IMPÉRIO DOS SONHOS (2007). Assim, o que menos se poderia esperar deste retorno de TWIN PEAKS seria todo o elenco abraçado e comemorando com alegria a vitória contra as forças do mal, por mais que tenhamos assistido, sim, algumas vitórias muito bonitas. E outras, que parece que vão funcionar, mas não ocorrem como planejado, como é o caso da viagem no tempo de Cooper, para o ano de 1989, poucos momentos antes da morte de Laura Palmer. Cenas sensacionais, aliás.
Em vez disso, somos lançados a um território ainda mais perturbador, em que a própria noção de identidade passa a ser questionada. Uma coisa é vermos isso em um longa-metragem, como ESTRADA PERDIDA ou CIDADE DOS SONHOS. Outra é vermos personagens que nos apegamos ao longo de décadas passar por algo parecido. Lynch, nosso malvado favorito, mestre dos sonhos e senhor do medo e da beleza no bizarro conseguiu de novo. A este senhor eu deixo meu muito obrigado. É graças a pessoas como ele que o ser humano consegue transcender não só sua mortalidade, como também as noções de criatividade e invenção.
domingo, setembro 03, 2017
DAVID LYNCH - A VIDA DE UM ARTISTA (David Lynch - The Art Life)
Um timing perfeito o da chegada do documentário DAVID LYNCH - A VIDA DE UM ARTISTA (2016) aos cinemas. Atualmente, o cineasta anda sendo incensado à categoria de um dos maiores gênios do cinema de todos os tempos, principalmente pela nova revolução que ele vem mostrando com TWIN PEAKS - THE RETURN (2017), que é, entre outras coisas, uma síntese de toda sua carreira, inclusive de seu período pré-cinema, como pintor, ou quando resolve experimentar pinturas que se movem, o que o levou ao cinema.
Um dos grandes acertos dos diretores Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm foi ter conseguido fazer um documentário que é a cara de seu objeto de estudo. Ou seja, embora possa parecer às vezes um documentário tradicional, com muita fala de David Lynch sobre sua infância, juventude, fatos inusitados de sua vida e arte, isso é contado com um uso de uma música (muitas delas compostas pelo próprio Lynch) e de um som que funcionam como objetos lynchianos perfeitos para o documentário.
Há também um interesse especial por situações surreais na vida de Lynch, como algumas lembranças que ele tem da infância, como a de uma mulher andando completamente nua na rua com sangue saindo pela boca. No geral, porém, não parece haver muitos motivos em sua vida para que o artista tenha preferido adotar esse gosto pelo bizarro e pela violência com humor, que caracterizaria boa parte de sua obra. Inclusive, sua infância parece ser tão perfeita quanto são as cidades que ele aborda, quando vistas de maneira superficial. É assim em TWIN PEAKS (1990-1991); é assim em VELUDO AZUL (1986) etc.
A emulação do jeito Lynch de ser está presente em outras situações e momentos do documentário, como quando há uma exploração do humor retirado da vida real: a primeira experiência com a maconha, ou a visita do pai à sua oficina artística (o conselho do pai: "Não tenha filhos", ao acreditar que o filho é mentalmente doente, é hilário). O que vemos em seus quadros belamente sinistros é uma espécie de sublimação de seu lado mais sombrio através da arte. Sem falar no quanto esses quadros são familiares a quem acompanha a obra cinematográfica e televisiva de Lynch. Explora-se também, nos monólogos, os silêncios, que são tão caros ao cineasta, com sua fala característica.
Quem procura em DAVID LYNCH - A VIDA DE UM ARTISTA uma espécie de compêndio de suas obras cinematográficas, como foram DE PALMA, OZUALDO CANDEIAS E O CINEMA e JIA ZHANG-KE, UM HOMEM DE FENYANG, para citar três exemplos recentes, pode sair um tanto decepcionado do cinema. Então, é bom que o espectador já saiba que estará diante de um Lynch anterior a ERASERHEAD (1977), ainda que vejamos um pouco dos bastidores do primeiro longa-metragem do cineasta, visto por ele como uma das melhores e mais belas coisas que ele já fez. Deste modo, é possível sair bastante satisfeito com o que acabou de ver.
Um dos grandes acertos dos diretores Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm foi ter conseguido fazer um documentário que é a cara de seu objeto de estudo. Ou seja, embora possa parecer às vezes um documentário tradicional, com muita fala de David Lynch sobre sua infância, juventude, fatos inusitados de sua vida e arte, isso é contado com um uso de uma música (muitas delas compostas pelo próprio Lynch) e de um som que funcionam como objetos lynchianos perfeitos para o documentário.
Há também um interesse especial por situações surreais na vida de Lynch, como algumas lembranças que ele tem da infância, como a de uma mulher andando completamente nua na rua com sangue saindo pela boca. No geral, porém, não parece haver muitos motivos em sua vida para que o artista tenha preferido adotar esse gosto pelo bizarro e pela violência com humor, que caracterizaria boa parte de sua obra. Inclusive, sua infância parece ser tão perfeita quanto são as cidades que ele aborda, quando vistas de maneira superficial. É assim em TWIN PEAKS (1990-1991); é assim em VELUDO AZUL (1986) etc.
A emulação do jeito Lynch de ser está presente em outras situações e momentos do documentário, como quando há uma exploração do humor retirado da vida real: a primeira experiência com a maconha, ou a visita do pai à sua oficina artística (o conselho do pai: "Não tenha filhos", ao acreditar que o filho é mentalmente doente, é hilário). O que vemos em seus quadros belamente sinistros é uma espécie de sublimação de seu lado mais sombrio através da arte. Sem falar no quanto esses quadros são familiares a quem acompanha a obra cinematográfica e televisiva de Lynch. Explora-se também, nos monólogos, os silêncios, que são tão caros ao cineasta, com sua fala característica.
Quem procura em DAVID LYNCH - A VIDA DE UM ARTISTA uma espécie de compêndio de suas obras cinematográficas, como foram DE PALMA, OZUALDO CANDEIAS E O CINEMA e JIA ZHANG-KE, UM HOMEM DE FENYANG, para citar três exemplos recentes, pode sair um tanto decepcionado do cinema. Então, é bom que o espectador já saiba que estará diante de um Lynch anterior a ERASERHEAD (1977), ainda que vejamos um pouco dos bastidores do primeiro longa-metragem do cineasta, visto por ele como uma das melhores e mais belas coisas que ele já fez. Deste modo, é possível sair bastante satisfeito com o que acabou de ver.
sexta-feira, setembro 01, 2017
LADY MACBETH
Depois de tantos anos de opressão do patriarcado, é natural que, agora que está havendo uma explosão de embates entre feministas e grupos conservadores e machistas, alguns filmes sobre a libertação feminina despontem. Nesse sentido, um dos grandes destaques recentes partiu do gênero horror, com o ótimo A BRUXA, de Robert Eggars, trazendo uma aliança com o satanismo, por mais que isso possa provocar algum estranhamento. Um outro partiu dos blockbusters de super-heróis: MULHER-MARAVILHA, de Patty Jenkins.
Embora haja uma série de outros títulos que prefiram apontar o dedo para situações de sofrimento intenso da mulher, como são os casos de A VIDA DE UMA MULHER, de Stéphane Brizé, e de FACES DE UMA MULHER, de Arnaud des Pallières, para citar exemplos recentes, há outros filmes - uma minoria, é verdade - que preferem seguir por outro caminho. E podemos dizer que o caminho seguido por LADY MACBETH (2016), primeiro longa-metragem de William Oldroyd, é no mínimo desconcertante.
Baseado no romance Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, do escritor russo Nikolai Leskov, o filme acompanha a história da jovem Katherine (a ótima Florence Pugh), que é vendida pela família e passar a viver um casamento de conveniência com um homem rude e de comportamento doentio. É um homem que parece não saber dar conta da bela esposa que tem, e que deseja que ela fique enclausurada dentro de casa, lendo um livro de orações. “Mas eu prefiro o ar fresco”, diz a jovem, ainda que seja sempre recebida de forma desrespeitosa pelo marido.
Sua vida muda quando ela encontra um serviçal da família, um homem de pele escura chamado Sebastian (Cosmo Jarvis), que até pode não ser o melhor dos homens, como dá a entender pelo modo como trata a empregada/escrava da casa, Anna (Naomi Ackie), mas, comparado ao marido, trata-se de uma promessa de felicidade, como diria Caetano Veloso, para a jovem e carente Katherine.
Mas engana-se quem pensa que as ousadias de Katherine se resumirão apenas às infidelidades, às transas na cama da casa, enquanto o marido e o sogro estão fora. Essas infidelidades, aliás, são inicialmente mostradas como um elemento bastante libertador e agradável, ao mesmo tempo que também funciona como uma espécie de desforra. No entanto, a jovem mulher acaba por repetir nos demais as ações de repressão e violência por ela sofridas. E de maneira ainda mais brutal.
O diretor Oldroyd trata seu filme como uma pintura, com o capricho de quem quer causar maravilhamento em nosso olhar. E funciona que é uma beleza. Mesmo quando serve para atenuar os crimes cometidos em nome dos caprichos e das vontades de Katherine, em sua busca por algo próximo de uma vida ideal, perto do homem que ama. O uso dos silêncios e de uma ausência de maiores sentimentalismos torna o filme uma experiência especial.
Embora haja uma série de outros títulos que prefiram apontar o dedo para situações de sofrimento intenso da mulher, como são os casos de A VIDA DE UMA MULHER, de Stéphane Brizé, e de FACES DE UMA MULHER, de Arnaud des Pallières, para citar exemplos recentes, há outros filmes - uma minoria, é verdade - que preferem seguir por outro caminho. E podemos dizer que o caminho seguido por LADY MACBETH (2016), primeiro longa-metragem de William Oldroyd, é no mínimo desconcertante.
Baseado no romance Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk, do escritor russo Nikolai Leskov, o filme acompanha a história da jovem Katherine (a ótima Florence Pugh), que é vendida pela família e passar a viver um casamento de conveniência com um homem rude e de comportamento doentio. É um homem que parece não saber dar conta da bela esposa que tem, e que deseja que ela fique enclausurada dentro de casa, lendo um livro de orações. “Mas eu prefiro o ar fresco”, diz a jovem, ainda que seja sempre recebida de forma desrespeitosa pelo marido.
Sua vida muda quando ela encontra um serviçal da família, um homem de pele escura chamado Sebastian (Cosmo Jarvis), que até pode não ser o melhor dos homens, como dá a entender pelo modo como trata a empregada/escrava da casa, Anna (Naomi Ackie), mas, comparado ao marido, trata-se de uma promessa de felicidade, como diria Caetano Veloso, para a jovem e carente Katherine.
Mas engana-se quem pensa que as ousadias de Katherine se resumirão apenas às infidelidades, às transas na cama da casa, enquanto o marido e o sogro estão fora. Essas infidelidades, aliás, são inicialmente mostradas como um elemento bastante libertador e agradável, ao mesmo tempo que também funciona como uma espécie de desforra. No entanto, a jovem mulher acaba por repetir nos demais as ações de repressão e violência por ela sofridas. E de maneira ainda mais brutal.
O diretor Oldroyd trata seu filme como uma pintura, com o capricho de quem quer causar maravilhamento em nosso olhar. E funciona que é uma beleza. Mesmo quando serve para atenuar os crimes cometidos em nome dos caprichos e das vontades de Katherine, em sua busca por algo próximo de uma vida ideal, perto do homem que ama. O uso dos silêncios e de uma ausência de maiores sentimentalismos torna o filme uma experiência especial.
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