A sequência de AS ARANHAS - PARTE 1: O LAGO DOURADO (1919) é decepcionante. Não que eu estivesse exatamente ansioso para ver o filme depois do interessante gancho que encerra o primeiro capítulo da série, já que, confesso, tenho um pouco de indisposição para o cinema mudo, mas a chance de ver uma história de vingança poderia me animar. Gosto de histórias de vingança. E era o mínimo que AS ARANHAS - PARTE 2: O BARCO DE DIAMANTES (1920) podia trazer. Quem imaginaria que Fritz Lang (também autor do roteiro) deixaria de lado o sentimento de luto do personagem para criar uma nova aventura baseada principalmente na rivalidade entre o playboy aventureiro Kay Hoog e sua arqui-inimiga Lio Sha, líder do grupo criminoso As Aranhas?
Pois é o que acontece. Assim, o que acompanhamos é essa aventura que traz um novo interesse para ambos, um lendário e precioso diamante conhecido como "cabeça de Buda". Sei que é possível estabelecer uma comparação desse filme com a série Indiana Jones, inclusive por Steven Spielberg também ser fã de aventuras à moda antiga como essa, mas é uma pena que, como cinema de entretenimento estilo montanha-russa, O BARCO DE DIAMANTES seja tão fraco. Acredito que nem é por ter envelhecido mal. Acredito que já na época o filme não teve muito sucesso popular; daí o cancelamento das posteriores duas sequências que estavam agendadas.
Ainda bem. Já basta Lang ter perdido a oportunidade de ter dirigido O GABINETE DO DR. CALIGARI, o grande clássico do expressionismo alemão, que foi parar nas mãos de Robert Wiene. E talvez tenha sido melhor assim, já que Wiene fez um trabalho brilhante e até hoje este clássico é algo que impressiona enormemente. Aliás, isso é uma prova de que meu problema não é exatamente com filme mudos, mas com filmes mudos que envelheceram mal ou que não são realmente bons.
Assim, foi difícil para mim chegar ao fim dos 104 minutos de O BARCO DOS DIAMANTES, por mais que em alguns momentos seja interessante ver algumas coisas de natureza mais fantástica, como um mestre dos disfarces (o John Quatro Dedos), o hipnotizador, o yogui que visualiza tudo, a tentativa do herói de entrar em um navio dentro de uma caixa, as mensagens secretas que levam a uma ilha do tesouro e, principalmente, a fascinante cidade subterrânea que fica debaixo do bairro de Chinatown.
E, por mais que fosse mesmo a intenção do filme de ser superficial, não deixa de ser ruim não ter o mínimo de profundidade para que estabeleçamos algum elo com os personagens. Assim, o próprio herói, ao praticamente não lembrar o assassinato de sua namorada no filme anterior, acaba parecendo tão frio e tão interesseiro quanto sua inimiga e os membros do grupo Aranhas. E se fosse isso mesmo, ter um herói próximo de um vilão, até que seria interessante, mas tudo faz parte do jogo de superficialidade desse "filme de sensação" que naufragou. Agora, vamos ver como me sairei com o próximo Lang. Dedos cruzados.
+ TRÊS FILMES
MISTÉRIO NA COSTA CHANEL (Ma Loute)
Continuação espiritual de O PEQUENO QUINQUIN (2014), este novo filme é mais carregado na comédia, mas achei uma beleza. Pode até não ser melhor que o anterior, mas é mais engraçado. Especialmente porque os atores parecem estar se divertindo muito com seus papéis. E eu fiquei encantado com Raph!!! Que coisa linda essa moça! Direção: Bruno Dumont. Ano: 2016.
DEPOIS DAQUELA MONTANHA (The Mountain between Us)
Gosto de muita coisa do filme, embora nem sempre o casal pareça ter uma química dessas bem forte. Ainda assim, é um drama envolvente, tem uma cena de queda de avião ótima e a Kate Winslet é sempre uma maravilha de ver e de ouvir. A sessão de pré-estreia quase não rolou, com problemas técnicos que depois foram resolvidos. Mas teve gente que não teve paciência e foi embora. Direção: Hany Abu-Assad. Ano: 2017.
TERRA SELVAGEM (Wind River)
Há neste filme uma das melhores cenas do ano (de 2017), e gosto muito da personagem da Elizabeth Olsen, por mais que ela não seja tão aprofundada, e, claro, da ambientação, que lembra muito a de A QUALQUER CUSTO (2016). Mas não foi um filme que fez eu me esquecer dos meus problemas. Quem sabe em outras circunstâncias. Direção: Taylor Sheridan. Ano: 2017.
domingo, maio 31, 2020
sábado, maio 30, 2020
AMOR MAIOR QUE A VIDA (Waking the Dead)
Adoro escrever textos a partir de estudos sobre cinema em livros e revistas, tomando conhecimento de coisas novas e excitantes sobre os filmes e seus autores. Mas é também muito agradável não ter que me apegar a artigos ou entrevistas e fazer um texto mais memorialístico e livre, mais apegado à minha relação de proximidade com o filme ou com o artista.
Fui checar se já havia escrito sobre o filme no blog e até tem um texto bem pequeno, de quando aluguei o VHS de AMOR MAIOR QUE A VIDA (2000) quando estava me recuperando de uma cirurgia de retirada das amígdalas. Isso foi no início de 2003. Meu interesse pelo filme veio através do amigo Renato Doho, que costumava até citar uma frase em suas assinaturas nos e-mails nas saudosas listas de discussão. A referida frase é dita pela personagem de Jennifer Connelly: "Sometimes meaningless gestures are all we have".
E tenho que confessar uma coisa: o meu interesse nesta revisão foi principalmente para rever a beleza no estado mais sublime e mais pleno de Connelly. Claro que ela sempre foi linda. Desde criança, com ERA UMA VEZ NA AMÉRICA já era um exemplo de beleza que se igualava ou até superava à de Brooke Shields, para citar uma estrela que começou muito cedo. Mas era uma criança. Como mulher, ela atingiu esse auge na virada do milênio. E AMOR MAIOR QUE A VIDA captura este momento. Lembrando que eu tenho essa coisa de querer ver ou rever filmes pela beleza das atrizes. De vez em quando pego pra rever um trabalho com a Demi Moore, por exemplo. É mais para ficar admirando, contemplando, mesmo.
No caso de Connelly em AMOR MAIOR QUE A VIDA, ela nem precisou se esforçar muito para que nos apaixonássemos por sua personagem. No momento em que o personagem de Billy Crudup chega para visitar um amigo em seu escritório e dá de cara com aquela secretária maravilhosamente linda, simpática e atenciosa, todo o jeito um tanto paspalho de ele querer chamar sua atenção se justifica.
Mas Sarah Williams, o nome da personagem de Connelly, é apaixonante não apenas pela beleza. Ela tem um interesse muito forte pelos direitos humanos. Como a história se passa no início dos anos 1970, quando a Guerra no Vietnã ainda estava rolando, o contexto histórico de maior crítica à política norte-americana estava presente. E em 1973 houve o golpe de Estado que depôs Salvador Allende, no Chile. E é lá que ela vai desaparecer da vida do protagonista e passar a viver apenas em suas memórias. A notícia da morte de Sarah ocorre logo no início do filme. A partir de então, passa a haver um revezamento entre a vida com Sarah e a pós-Sarah, com o personagem de Crudup em sua escalada para chegar a senador da república.
Eu sinto falta da presença de Sarah Williams. Quando ela aparece o filme traz novamente aquele ar de paixão intensa. Como ambos os personagens estão muito seguros do que desejam para suas vidas políticas, ainda que seguindo por caminhos distintos, isso acaba por separá-los um pouco, o que muito aflige o protagonista, que desejaria ter aquela mulher só para si, não ter que dividi-la com seu trabalho na igreja e em causas humanitárias.
Gosto muito de quando o filme traz a personagem de Sarah de volta, como uma espécie de fantasma assombrando o jovem político. Não assombrando no sentido de filme de horror. Ao contrário, ele, mesmo achando que poderia estar enlouquecendo, sente-se feliz em estar em contato novamente com Sarah, ouvindo vozes dela. E o momento de reencontro, ainda que ganhe ares de sonho, é de uma beleza que compensa algumas irregularidades de ritmo e de força do filme.
O diretor Keith Gordon hoje em dia ganha a vida dirigindo episódios de séries de televisão. Algumas delas eu gosto muito, como HOMELAND (2013-2020), FARGO (2015-2017) e THE KILLING (2011-2013). Mas antes deste filme ele havia dirigido um longa muito bom estrelado por Nick Nolte e Sheryl Lee, que aqui no Brasil se chamou VÍTIMA DO PASSADO (1996). Pena não ter vingado no cinema como autor.
+ TRÊS FILMES
DE ENCONTRO COM A VIDA (Mein Blind Date mit dem Leben)
É difícil comprar a história do cara cego que quer trabalhar em um hotel servindo mesas, inclusive, mas quando a coisa parecia uma espécie de Mr. Magoo em live action. Depois ela muda para algo mais dramático, o que não melhora muito, mas fica mais respeitador com os deficientes visuais, ao menos. E qual o problema desse pessoal que bota nome de filme pra gente se esquecer logo, hein? Podiam botar algo que lembrasse blind date, como o título alemão, sei lá. Direção: Marc Rothemund. Ano: 2017.
AMANTE POR UM DIA (L'Amant d'un Jour)
É certamente um filme pequeno de Philippe Garrel, mas talvez seja um filme grande disfarçado de pequeno, não sei. O despojamento é proposital e todas as cenas são hipnotizantes. Adorei a atriz que faz a namorada do professor, Louise Chevillotte. Sem falar que é um privilégio entrar num cinema para ver um novo Garrel. Ano: 2017.
ESPLENDOR (Hikari)
Baita filme bonito sobre a perda. Tem uma sensibilidade à flor da pele que contagia, tanto a personagem da moça que trabalha fazendo audiodescrição para cegos, quanto do sujeito que está ficando cego e se apega ao que lhe resta. Eu me senti ao mesmo tempo tão grato, por estar vendo aquelas imagens lindas e por ter o cinema como um porto seguro para o coração, que até me senti mal por haver pessoas que não conseguem ver. Direção: Naomi Kawase. Ano: 2017.
Fui checar se já havia escrito sobre o filme no blog e até tem um texto bem pequeno, de quando aluguei o VHS de AMOR MAIOR QUE A VIDA (2000) quando estava me recuperando de uma cirurgia de retirada das amígdalas. Isso foi no início de 2003. Meu interesse pelo filme veio através do amigo Renato Doho, que costumava até citar uma frase em suas assinaturas nos e-mails nas saudosas listas de discussão. A referida frase é dita pela personagem de Jennifer Connelly: "Sometimes meaningless gestures are all we have".
E tenho que confessar uma coisa: o meu interesse nesta revisão foi principalmente para rever a beleza no estado mais sublime e mais pleno de Connelly. Claro que ela sempre foi linda. Desde criança, com ERA UMA VEZ NA AMÉRICA já era um exemplo de beleza que se igualava ou até superava à de Brooke Shields, para citar uma estrela que começou muito cedo. Mas era uma criança. Como mulher, ela atingiu esse auge na virada do milênio. E AMOR MAIOR QUE A VIDA captura este momento. Lembrando que eu tenho essa coisa de querer ver ou rever filmes pela beleza das atrizes. De vez em quando pego pra rever um trabalho com a Demi Moore, por exemplo. É mais para ficar admirando, contemplando, mesmo.
No caso de Connelly em AMOR MAIOR QUE A VIDA, ela nem precisou se esforçar muito para que nos apaixonássemos por sua personagem. No momento em que o personagem de Billy Crudup chega para visitar um amigo em seu escritório e dá de cara com aquela secretária maravilhosamente linda, simpática e atenciosa, todo o jeito um tanto paspalho de ele querer chamar sua atenção se justifica.
Mas Sarah Williams, o nome da personagem de Connelly, é apaixonante não apenas pela beleza. Ela tem um interesse muito forte pelos direitos humanos. Como a história se passa no início dos anos 1970, quando a Guerra no Vietnã ainda estava rolando, o contexto histórico de maior crítica à política norte-americana estava presente. E em 1973 houve o golpe de Estado que depôs Salvador Allende, no Chile. E é lá que ela vai desaparecer da vida do protagonista e passar a viver apenas em suas memórias. A notícia da morte de Sarah ocorre logo no início do filme. A partir de então, passa a haver um revezamento entre a vida com Sarah e a pós-Sarah, com o personagem de Crudup em sua escalada para chegar a senador da república.
Eu sinto falta da presença de Sarah Williams. Quando ela aparece o filme traz novamente aquele ar de paixão intensa. Como ambos os personagens estão muito seguros do que desejam para suas vidas políticas, ainda que seguindo por caminhos distintos, isso acaba por separá-los um pouco, o que muito aflige o protagonista, que desejaria ter aquela mulher só para si, não ter que dividi-la com seu trabalho na igreja e em causas humanitárias.
Gosto muito de quando o filme traz a personagem de Sarah de volta, como uma espécie de fantasma assombrando o jovem político. Não assombrando no sentido de filme de horror. Ao contrário, ele, mesmo achando que poderia estar enlouquecendo, sente-se feliz em estar em contato novamente com Sarah, ouvindo vozes dela. E o momento de reencontro, ainda que ganhe ares de sonho, é de uma beleza que compensa algumas irregularidades de ritmo e de força do filme.
O diretor Keith Gordon hoje em dia ganha a vida dirigindo episódios de séries de televisão. Algumas delas eu gosto muito, como HOMELAND (2013-2020), FARGO (2015-2017) e THE KILLING (2011-2013). Mas antes deste filme ele havia dirigido um longa muito bom estrelado por Nick Nolte e Sheryl Lee, que aqui no Brasil se chamou VÍTIMA DO PASSADO (1996). Pena não ter vingado no cinema como autor.
+ TRÊS FILMES
DE ENCONTRO COM A VIDA (Mein Blind Date mit dem Leben)
É difícil comprar a história do cara cego que quer trabalhar em um hotel servindo mesas, inclusive, mas quando a coisa parecia uma espécie de Mr. Magoo em live action. Depois ela muda para algo mais dramático, o que não melhora muito, mas fica mais respeitador com os deficientes visuais, ao menos. E qual o problema desse pessoal que bota nome de filme pra gente se esquecer logo, hein? Podiam botar algo que lembrasse blind date, como o título alemão, sei lá. Direção: Marc Rothemund. Ano: 2017.
AMANTE POR UM DIA (L'Amant d'un Jour)
É certamente um filme pequeno de Philippe Garrel, mas talvez seja um filme grande disfarçado de pequeno, não sei. O despojamento é proposital e todas as cenas são hipnotizantes. Adorei a atriz que faz a namorada do professor, Louise Chevillotte. Sem falar que é um privilégio entrar num cinema para ver um novo Garrel. Ano: 2017.
ESPLENDOR (Hikari)
Baita filme bonito sobre a perda. Tem uma sensibilidade à flor da pele que contagia, tanto a personagem da moça que trabalha fazendo audiodescrição para cegos, quanto do sujeito que está ficando cego e se apega ao que lhe resta. Eu me senti ao mesmo tempo tão grato, por estar vendo aquelas imagens lindas e por ter o cinema como um porto seguro para o coração, que até me senti mal por haver pessoas que não conseguem ver. Direção: Naomi Kawase. Ano: 2017.
sexta-feira, maio 29, 2020
O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO (Gangbyeon Hotel)
O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO (2018) é o décimo filme de Hong Sang-soo que vejo, mas o primeiro visto na telinha. Mesmo sendo um diretor de que eu gosto muito e que sempre me trouxe alegria nas minhas idas ao cinema, não havia tido disposição até então de ver um trabalho dele em casa, por mais que até já tenha deixado alguns títulos na agulha, prontinhos para ver. Agora que o novo trabalho dele teve um lançamento direto em streaming me vi na posição de que não há alternativa, neste atual momento de ser tão otimista quanto à abertura em um futuro próximo das salas de cinema, nas mesmas condições de antes, tão cedo. Sendo assim, o jeito é aproveitar a calma da madrugada para buscar adentrar a atmosfera tão própria de seus filmes.
O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO pertence à nova leva de produções do diretor que aproxima mais suas obras da melancolia do que do humor, a exemplo do que ele fez em NA PRAIA À NOITE SOZINHA (2017) e O DIA DEPOIS (2017). Ambos os filmes e também este mais novo trabalho trazem a musa de Sang-soo, Kim Min-hee, pivô do fim de seu casamento. O novo filme tem mais um clima de O DIA DEPOIS, inclusive pela opção pela fotografia em preto e branco, que funciona muito bem em seus tons prateados com o branco da neve que impera nas cenas nos exteriores.
A repetição, algo que já se impôs como uma marca do autor, surge aqui menos na narrativa e mais para quem já é familiar às obsessões do cineasta, como a presença de artistas que adoram ser paparicados e reconhecidos por seus feitos, principalmente por pessoas do sexo oposto; os elogios um tanto bobalhões às mulheres; as atitudes masculinas imaturas; o álcool como catalisador das emoções contidas etc. Assim, podemos dizer que, uma vez que nos acostumamos e gostamos da experiência que é ver um filme de Sang-soo, ver esse tipo de repetição é muito agradável. Mal comparando, é como entrar em uma sessão de um Woody Allen e já sorrir ao ver os créditos em tela preta de preferência com um jazz tocando.
E até há quem diga que Sang-soo faz sempre os mesmos filmes, mas isso não é bem verdade. Ele pode se repetir e trazer a ideia da repetição como algo genial, inclusive, através de obras como A VISITANTE FRANCESA (2012) e CERTO AGORA, ERRADO ANTES (2015), que trazem as repetições como possíveis tentativas de acertar, diante dos tantos erros que se comete na vida. No entanto, cada obra sua carrega algo de novidade.
Em O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO, o personagem mais amargurado é um poeta idoso que está morando no tal hotel do título. Ele tem tido pesadelos e marca encontro com os dois filhos. Ele não teve um contato maior com esses filhos depois da separação. E isso o perturba tanto quanto deixa nos filhos um sentimento de rejeição profundo, que só se torna mais evidente quando os três estão em uma mesa de um restaurante já bastante ébrios, prontos para verbalizar aquilo que tanto lhes incomoda. Outro detalhe curioso é o quanto este senhor tem pensado na morte, e o quanto ele imagina que ela está próxima de si.
Apesar do tema espinhoso e de ser um dos trabalhos mais melancólicos de Sang-soo, há ainda algum tipo de leveza própria do cineasta que faz com que as dores dos personagens ganhem certo distanciamento, para o bem e para o mal. No caso da personagem de Kim Min-hee, por exemplo, não sabemos ao certo o que aconteceu para que ela esteja de coração partido. O filme acaba por trazer mais presente o drama da família do poeta e seus filhos do que das duas amigas, gerando um certo desequilíbrio. Pode até ter sido proposital, mas acaba por comprometer um pouco a ligação personagem-espectador.
Se bem que é sempre bom levar em consideração o grau de sintonia com a obra. Se isso já é algo que deve ser considerado em qualquer obra, talvez em Hong Sang-soo seja um fator determinante para que a poesia do filme alcance quem o está vendo.
+ TRÊS FILMES DE HONG SANG-SOO
CONTO DE CINEMA (Geuk Jang Jeon)
Em comparação com os trabalhos mais recentes de Sang-soo, este CONTO DE CINEMA parece até um tanto amador. Mas estão lá o estilo e as obsessões do diretor, presentes em quase todas as obras seguintes. A figura do homem patético e inseguro e também a figura do diretor de cinema, os personagens buscando a saída da infelicidade no álcool, o zoom desconcertante etc. Confesso que o filme até me pareceu um pouco confuso, como se houvesse arestas a serem aparadas ainda. Ou então seria necessária uma revisão quase que imediata. As cenas de sexo são destaque, mas não por serem excitantes ou coisa assim, mas por também trazerem muito dessa sensação de desconforto que impregna os personagens e os filmes do diretor. Ano: 2005.
O FILME DE OKI (Ok-hui-ui Yeonghwa)
Uma diferença e tanto um Sang-soo de 2010. Aqui temos uma espécie de filme em episódios, mas com os personagens interpretando os mesmos papéis, em situações e pontos de vista distintos. O ideal é rever o filme, já que demorei um pouco para perceber a brincadeira do diretor. Embora seja um filme que mostre as angústias de seus personagens (como praticamente todos os outros), ainda não seria envolvido pela melancolia das obras a partir de 2015. O quarto e último segmento é um primor, tratando a repetição de maneira muito inventiva.
A MULHER É O FUTURO DO HOMEM (Yeojaneun Namjaui Miraeda)
Mais um filme da fase inicial de Sang-soo que talvez fosse beneficiado com uma revisão. Senti dificuldade em entrar na narrativa e de me aproximar dos personagens. Fica a impressão de algo etéreo (o fato de algumas cenas serem sonhos com marcação não exatamente definida ajuda isso) e com algum distanciamento da maturidade e da dimensão mais dramática das obras mais recentes do diretor. Ainda assim, é uma obra que traz muitas cenas que ficam gravadas na mente, especialmente as que envolvem sexo e violência. O modo como o diretor faz uma crítica às figuras masculinas é bem explícito e seriam uma marca em quase todos os seus outros filmes. Senão em todos. Ano: 2004.
O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO pertence à nova leva de produções do diretor que aproxima mais suas obras da melancolia do que do humor, a exemplo do que ele fez em NA PRAIA À NOITE SOZINHA (2017) e O DIA DEPOIS (2017). Ambos os filmes e também este mais novo trabalho trazem a musa de Sang-soo, Kim Min-hee, pivô do fim de seu casamento. O novo filme tem mais um clima de O DIA DEPOIS, inclusive pela opção pela fotografia em preto e branco, que funciona muito bem em seus tons prateados com o branco da neve que impera nas cenas nos exteriores.
A repetição, algo que já se impôs como uma marca do autor, surge aqui menos na narrativa e mais para quem já é familiar às obsessões do cineasta, como a presença de artistas que adoram ser paparicados e reconhecidos por seus feitos, principalmente por pessoas do sexo oposto; os elogios um tanto bobalhões às mulheres; as atitudes masculinas imaturas; o álcool como catalisador das emoções contidas etc. Assim, podemos dizer que, uma vez que nos acostumamos e gostamos da experiência que é ver um filme de Sang-soo, ver esse tipo de repetição é muito agradável. Mal comparando, é como entrar em uma sessão de um Woody Allen e já sorrir ao ver os créditos em tela preta de preferência com um jazz tocando.
E até há quem diga que Sang-soo faz sempre os mesmos filmes, mas isso não é bem verdade. Ele pode se repetir e trazer a ideia da repetição como algo genial, inclusive, através de obras como A VISITANTE FRANCESA (2012) e CERTO AGORA, ERRADO ANTES (2015), que trazem as repetições como possíveis tentativas de acertar, diante dos tantos erros que se comete na vida. No entanto, cada obra sua carrega algo de novidade.
Em O HOTEL ÀS MARGENS DO RIO, o personagem mais amargurado é um poeta idoso que está morando no tal hotel do título. Ele tem tido pesadelos e marca encontro com os dois filhos. Ele não teve um contato maior com esses filhos depois da separação. E isso o perturba tanto quanto deixa nos filhos um sentimento de rejeição profundo, que só se torna mais evidente quando os três estão em uma mesa de um restaurante já bastante ébrios, prontos para verbalizar aquilo que tanto lhes incomoda. Outro detalhe curioso é o quanto este senhor tem pensado na morte, e o quanto ele imagina que ela está próxima de si.
Apesar do tema espinhoso e de ser um dos trabalhos mais melancólicos de Sang-soo, há ainda algum tipo de leveza própria do cineasta que faz com que as dores dos personagens ganhem certo distanciamento, para o bem e para o mal. No caso da personagem de Kim Min-hee, por exemplo, não sabemos ao certo o que aconteceu para que ela esteja de coração partido. O filme acaba por trazer mais presente o drama da família do poeta e seus filhos do que das duas amigas, gerando um certo desequilíbrio. Pode até ter sido proposital, mas acaba por comprometer um pouco a ligação personagem-espectador.
Se bem que é sempre bom levar em consideração o grau de sintonia com a obra. Se isso já é algo que deve ser considerado em qualquer obra, talvez em Hong Sang-soo seja um fator determinante para que a poesia do filme alcance quem o está vendo.
+ TRÊS FILMES DE HONG SANG-SOO
CONTO DE CINEMA (Geuk Jang Jeon)
Em comparação com os trabalhos mais recentes de Sang-soo, este CONTO DE CINEMA parece até um tanto amador. Mas estão lá o estilo e as obsessões do diretor, presentes em quase todas as obras seguintes. A figura do homem patético e inseguro e também a figura do diretor de cinema, os personagens buscando a saída da infelicidade no álcool, o zoom desconcertante etc. Confesso que o filme até me pareceu um pouco confuso, como se houvesse arestas a serem aparadas ainda. Ou então seria necessária uma revisão quase que imediata. As cenas de sexo são destaque, mas não por serem excitantes ou coisa assim, mas por também trazerem muito dessa sensação de desconforto que impregna os personagens e os filmes do diretor. Ano: 2005.
O FILME DE OKI (Ok-hui-ui Yeonghwa)
Uma diferença e tanto um Sang-soo de 2010. Aqui temos uma espécie de filme em episódios, mas com os personagens interpretando os mesmos papéis, em situações e pontos de vista distintos. O ideal é rever o filme, já que demorei um pouco para perceber a brincadeira do diretor. Embora seja um filme que mostre as angústias de seus personagens (como praticamente todos os outros), ainda não seria envolvido pela melancolia das obras a partir de 2015. O quarto e último segmento é um primor, tratando a repetição de maneira muito inventiva.
A MULHER É O FUTURO DO HOMEM (Yeojaneun Namjaui Miraeda)
Mais um filme da fase inicial de Sang-soo que talvez fosse beneficiado com uma revisão. Senti dificuldade em entrar na narrativa e de me aproximar dos personagens. Fica a impressão de algo etéreo (o fato de algumas cenas serem sonhos com marcação não exatamente definida ajuda isso) e com algum distanciamento da maturidade e da dimensão mais dramática das obras mais recentes do diretor. Ainda assim, é uma obra que traz muitas cenas que ficam gravadas na mente, especialmente as que envolvem sexo e violência. O modo como o diretor faz uma crítica às figuras masculinas é bem explícito e seriam uma marca em quase todos os seus outros filmes. Senão em todos. Ano: 2004.
quinta-feira, maio 28, 2020
BEM-VINDO A NOVA YORK (Welcome to New York)
Não tenho por hábito rever filmes com um intervalo de tempo relativamente curto. A primeira e última vez que vi BEM-VINDO A NOVA YORK (2014) foi no ano do lançamento mundial do filme, e, pelo que acabei de reler no que escrevi sobre a obra na época, gostei bastante. Na época, fiquei procurando compreender melhor aquilo que hoje pareceria um pouco mais fácil, já que tive a oportunidade, durante a quarentena, de ver e rever as obras de Abel Ferrara e ter um pouco mais de intimidade com suas obsessões. Então, acho até que não farei um texto melhor do que o que escrevi em 2014 (até por não estar me sentindo muito bem hoje), mas tentarei estabelecer elos de ligação entre o alto executivo viciado em sexo sr. Devereaux (Gérard Depardieu) e outros personagens saídos do universo do diretor.
A primeira semelhança que vemos, principalmente durante a primeira meia hora de filme, que corresponderia ao primeiro ato, é com o mau policial de VÍCIO FRENÉTICO (1992), só que muito menos consciente da culpa. O que há de comum entre os dois personagens é essa aproximação com os excessos. No caso de Devereaux, os excessos vêm de sua libido exacerbada. Como tem dinheiro, promove longas orgias com amigos e prostitutas em hotéis de luxo. Memorável a cena do milk shake feito com Cialis, sorvete e bebida alcoólica. Até lembra alguns filmes de Khouri, essa cena. Destaque também para a primeira cena de sexo no hotel com uma das prostitutas, acentuando o corpo gigante e rotundo de um Depardieu sessentão, que já teve seus momentos de galã no passado.
O ator não se importa de mostrar o corpo nu, gigante e frágil na cena em que precisa tirar a roupa para ser examinado por uma dupla de policiais, quando está preso. Mas isso já é o momento do segundo ato, que é o momento da prisão, acontecida após ter atacado uma camareira do hotel, forçando-a a fazer sexo oral. Com a ajuda da esposa (Jacqueline Bisset), ele tem chances de escapar da prisão por estupro.
O curioso de BEM-VINDO A NOVA YORK é que é muito menos um filme anti-estupro, em sintonia com os novos tempos, muito mais atentos aos direitos das mulheres agredidas e assediadas por homens perigosos, e mais uma reflexão sobre a compreensão ou incompreensão de seu personagem de seus próprios atos. Ao contrário da vampira estudante de filosofia de O VÍCIO (1995), o caminho dos excessos de Devereaux não o levou a uma compreensão de que algo deveria ser feito e, com isso, ir em busca de redenção/autodestruição. Devereaux talvez seja um dos vampiros mais complexos da obra ferrariana, já que pode ser tanto inconsciente de sua culpa, pelo menos no que se refere ao estupro, quanto parece ser consciente de sua maldade, especialmente quando fala diretamente para a câmera, quebrando a quarta parede.
O ataque que ele faz em nova tentativa de estupro a uma jornalista (Shanyn Leigh) é mais uma prova de que o monstro continua à solta, ao mesmo tempo que também vemos um flashback interessante, em que o personagem leva para a cama, consensualmente, uma jovem estudante de Direito, em uma cena tranquila e bonita, que traz equilíbrio para as ações de Devereaux, tornando-o, no fim, mais um escravo do desejo do que um agente do mal.
+ TRÊS FILMES
O JOVEM AHMED (Le Jeune Ahmed)
Por mais que Jean-Pierre e Luc Dardenne tenham deixado de ser tão queridos pela crítica, diria que eles voltam aqui à boa forma com a história impressionante de um jovem muçulmano fanático que, uma vez tendo sofrido lavagem cerebral de um líder religioso local, um imã, que apresenta ao rapaz regras tão duras que ele é capaz de ver pecado em tudo. E, pior, é capaz de cometer atos terríveis em prol daquilo que ele acredita ser o certo. Os Dardennes contam sua história mais uma vez com a tradicional aproximação (ainda que nem tanto) da câmera no corpo do seu protagonista. Aqui somos chamados a acompanhar os seus atos, mas é impossível não julgá-lo (ou julgar aqueles que fizeram sua cabeça). Somos espectadores, não cúmplices. Isso faz um sentido e tanto para uma apreciação crítica da narrativa e do personagem. O filme foi vencedor do prêmio de melhor direção em Cannes-2019.
O SEGREDO DE DAVI
Os maiores méritos deste filme são a beleza plástica e a interpretação do jovem Nicolas Prattes, como o jovem psicopata do título. O filme tem enganado muita gente com um visual que parece filme americano, com uma fotografia bem bonita e um jogo de luz e sombras bem cuidado. Só achei problemático no roteiro, que poderia ser mais caprichado, já que as ideias são boas. Mas é esperar pelo próximo trabalho de Diego Freitas. Pode ser muito bom. Ano: 2018.
ESCOBAR - A TRAIÇÃO (Loving Pablo)
Depois de NARCOS fica difícil a gente aturar um filme falado em inglês com sotaque. Ainda mais com dois feras como o Javier Bardem e a Penélope Cruz. E uma produção espanhola, ainda por cima. Isso que é querer agradar os americanos, hein. Além disso, o filme é um resumão mal feito da história fascinante e terrível de Pablo Escobar, ainda que focando mais na relação dele com a jornalista. Direção: Fernando León de Aranoa. Ano: 2017.
A primeira semelhança que vemos, principalmente durante a primeira meia hora de filme, que corresponderia ao primeiro ato, é com o mau policial de VÍCIO FRENÉTICO (1992), só que muito menos consciente da culpa. O que há de comum entre os dois personagens é essa aproximação com os excessos. No caso de Devereaux, os excessos vêm de sua libido exacerbada. Como tem dinheiro, promove longas orgias com amigos e prostitutas em hotéis de luxo. Memorável a cena do milk shake feito com Cialis, sorvete e bebida alcoólica. Até lembra alguns filmes de Khouri, essa cena. Destaque também para a primeira cena de sexo no hotel com uma das prostitutas, acentuando o corpo gigante e rotundo de um Depardieu sessentão, que já teve seus momentos de galã no passado.
O ator não se importa de mostrar o corpo nu, gigante e frágil na cena em que precisa tirar a roupa para ser examinado por uma dupla de policiais, quando está preso. Mas isso já é o momento do segundo ato, que é o momento da prisão, acontecida após ter atacado uma camareira do hotel, forçando-a a fazer sexo oral. Com a ajuda da esposa (Jacqueline Bisset), ele tem chances de escapar da prisão por estupro.
O curioso de BEM-VINDO A NOVA YORK é que é muito menos um filme anti-estupro, em sintonia com os novos tempos, muito mais atentos aos direitos das mulheres agredidas e assediadas por homens perigosos, e mais uma reflexão sobre a compreensão ou incompreensão de seu personagem de seus próprios atos. Ao contrário da vampira estudante de filosofia de O VÍCIO (1995), o caminho dos excessos de Devereaux não o levou a uma compreensão de que algo deveria ser feito e, com isso, ir em busca de redenção/autodestruição. Devereaux talvez seja um dos vampiros mais complexos da obra ferrariana, já que pode ser tanto inconsciente de sua culpa, pelo menos no que se refere ao estupro, quanto parece ser consciente de sua maldade, especialmente quando fala diretamente para a câmera, quebrando a quarta parede.
O ataque que ele faz em nova tentativa de estupro a uma jornalista (Shanyn Leigh) é mais uma prova de que o monstro continua à solta, ao mesmo tempo que também vemos um flashback interessante, em que o personagem leva para a cama, consensualmente, uma jovem estudante de Direito, em uma cena tranquila e bonita, que traz equilíbrio para as ações de Devereaux, tornando-o, no fim, mais um escravo do desejo do que um agente do mal.
+ TRÊS FILMES
O JOVEM AHMED (Le Jeune Ahmed)
Por mais que Jean-Pierre e Luc Dardenne tenham deixado de ser tão queridos pela crítica, diria que eles voltam aqui à boa forma com a história impressionante de um jovem muçulmano fanático que, uma vez tendo sofrido lavagem cerebral de um líder religioso local, um imã, que apresenta ao rapaz regras tão duras que ele é capaz de ver pecado em tudo. E, pior, é capaz de cometer atos terríveis em prol daquilo que ele acredita ser o certo. Os Dardennes contam sua história mais uma vez com a tradicional aproximação (ainda que nem tanto) da câmera no corpo do seu protagonista. Aqui somos chamados a acompanhar os seus atos, mas é impossível não julgá-lo (ou julgar aqueles que fizeram sua cabeça). Somos espectadores, não cúmplices. Isso faz um sentido e tanto para uma apreciação crítica da narrativa e do personagem. O filme foi vencedor do prêmio de melhor direção em Cannes-2019.
O SEGREDO DE DAVI
Os maiores méritos deste filme são a beleza plástica e a interpretação do jovem Nicolas Prattes, como o jovem psicopata do título. O filme tem enganado muita gente com um visual que parece filme americano, com uma fotografia bem bonita e um jogo de luz e sombras bem cuidado. Só achei problemático no roteiro, que poderia ser mais caprichado, já que as ideias são boas. Mas é esperar pelo próximo trabalho de Diego Freitas. Pode ser muito bom. Ano: 2018.
ESCOBAR - A TRAIÇÃO (Loving Pablo)
Depois de NARCOS fica difícil a gente aturar um filme falado em inglês com sotaque. Ainda mais com dois feras como o Javier Bardem e a Penélope Cruz. E uma produção espanhola, ainda por cima. Isso que é querer agradar os americanos, hein. Além disso, o filme é um resumão mal feito da história fascinante e terrível de Pablo Escobar, ainda que focando mais na relação dele com a jornalista. Direção: Fernando León de Aranoa. Ano: 2017.
quarta-feira, maio 27, 2020
O ESTRIPADOR DE NOVA YORK (Lo Squartatore di New York / New York Ripper)
Lucio Fulci é daqueles cineastas que ainda hoje são menosprezados por parte de certa crítica mais tradicionalista e menos aberta a experiências extremas. O ESTRIPADOR DE NOVA YORK (1982) é um de seus filmes de que mais gostei. É uma espécie de giallo tardio, com influência forte dos slashers que estavam dominando o período, com uma pitada mais forte de sexo e com uma violência gráfica tão incômoda quanto bela. O que dizer da cena em que o assassino corta com a faca o mamilo de uma de suas vítimas? E a que atravessa um olho?
A exemplo de um giallo mais tradicional, por assim dizer, que vi no ano passado e que me deu muito prazer, O QUE VOCÊS FIZERAM COM SOLANGE?, de Massimo Dallamano, o filme de Fulci também mostra um assassino que tem preferência em atacar diretamente o sexo da vítima. É a vagina o principal ponto do corpo das vítimas, sempre mulheres, que o serial killer prefere enfatizar em seus ataques, seja a faca, seja com uma garrafa quebrada. Mas o grande diferencial desse assassino é que ele tem uma voz de pato, como o Pato Donald. É assim que ele fala com as vítimas na hora dos ataques, é assim que ele se comunica por telefone com o detetive de polícia veterano vivido por Jack Hedley.
Fulci não tem muito interesse em desenvolver os personagens, nem mesmo o detetive, mas isso não chega a ser um problema para o filme. O interesse maior é mostrar as cenas dos ataques do assassino. E diferente de outros gialli, este aqui não traz o ponto de vista do vilão, através da câmera, mas da vítima mesmo. Vale destacar alguns personagens que surgem e que vão ganhando força na teia da trama. Primeiramente o psicólogo que ajuda o detetive a desvendar o crime. Depois, há um casal muito suspeito - em alguns momentos passamos a achar que um dos dois é o assassino, sendo que a jovem mulher foi uma sobrevivente de um ataque. Há também uma mulher que vai à procura de sexo em inferninhos e botecos de Nova York; e, finalmente, o principal suspeito, o homem de três dedos. A narrativa aos poucos vai ficando mais complexa e a lista de suspeitos vai aumentando.
O ESTRIPADOR DE NOVA YORK é desses filmes que prendem a atenção do início ao fim, longe de ser um convite a sair da poltrona, a não ser que o espectador seja muito sensível às cenas de violência, que são sim bem gráficas, mas é sempre bom lembrar que o trabalho de Fulci e de outros mestres italianos do horror tem uma preocupação muito forte com a beleza das imagens, com a fotografia e a direção de arte. E o vermelho forte do sangue que jorra na tela ajuda a tornar essas obras tão bonitas quanto quadros pós-modernos doentios.
+ TRÊS FILMES
LOST GIRLS - OS CRIMES DE LONG ISLAND (Lost Girls)
Não fosse o destaque que o pessoal do Cinema na Varanda deu em um de seus episódios eu teria passado batido com este filme. Afinal, tenho os dois pés atrás com as produções da Netflix. Mas esse filme não é produção do serviço de streaming, pelo que entendi, mas um filme que passou em Sundance e que foi comprado para exibição na telinha. Por mais que tente ser uma obra diferente (e é, de certa forma), ao abordar a dor das mães das vítimas de um assassino serial à solta, e não nas investigações, o filme acaba não tendo força o suficiente para fazer com que aquele momento final, que é realmente muito bonito, seja um momento de catarse. Ainda assim, fiquei feliz quando vi a participação de Lola Kirke no elenco. É um papel pequeno, mas eu adoro essa menina. Se eu soubesse que ela estava no filme, já teria visto no dia que estreou. Direção: Liz Garbus. Ano: 2020.
O TORTURADOR
Senti dificuldade de entrar no espírito do filme, seu estilo galhofeiro, por mais que simpatize com o personagem do Otávio Augusto e suas frequentes brincadeiras com as canções de Roberto Carlos. Por mais que entendamos que é uma espécie de comédia, e também muito ousada em usar o tema da tortura tão abertamente em plena ditadura militar e ainda acrescentar uma cena de pegação gay, apesar disso tudo, seu senso de humor não me ganhou. Acho que a cena de que eu mais gosto é uma com Rejane Medeiros na cama com o Jece Valadão, que podia ser mais longa. E olha que eu adoro os dois filmaços que o Antônio Calmon fez antes deste: TERROR E ÊXTASE (1979) e EU MATEI LÚCIO FLÁVIO (1979). Ano: 1980.
NEVE NEGRA (Nieve Negra)
Como costumam dizer que o cinema argentino é muito bom em roteiros, acredito que este aqui é uma exceção. Falta uma construção melhor arquitetada da história e o filme acaba não se sustentando em outros aspectos. Nem o Darín fazendo cara de poucos amigos ajuda. Quem acaba se destacando é a bela Laia Costa. Deu até vontade de ver VICTORIA, só pra vê-la novamente. Direção: Martin Hodara. Ano: 2017.
segunda-feira, maio 25, 2020
JODOROWSKY'S DUNE
A leitura da biografia de David Lynch, Espaço para Sonhar, escrito a quatro mãos pelo próprio cineasta e por Kristine McKenna, me fez lembrar que eu ainda não tinha visto este documentário, que conta a história da produção do que é considerado por muitos como o melhor filme nunca feito, a adaptação de Duna, pelo cineasta, ator, quadrinista, romancista e bruxo chileno Alejandro Jodorowsky.
Já conhecia duas obras do diretor, justamente as mais aclamadas, EL TOPO (1970) e A MONTANHA SAGRADA (1973), respectivamente, seu segundo e seu terceiro longa. Foi graças à repercussão de A MONTANHA SAGRADA, aliás, que Jodorowsky foi recebeu do produtor francês Michel Seydoux carta branca para realizar o que quisesse. O diretor, então, diz que quer fazer Duna, a adaptação do celebrado romance de ficção científica de Frank Herbert. E ele falou isso sem sequer ter lido o romance, o que não deixa de ser curioso.
JODOROWSKY'S DUNE (2013), de Frank Pavich, conta a trajetória de pré-produção desse filme, que ganha muito com o entusiasmo do diretor em contar com prazer todo o processo. Há depoimentos de alguns cineastas mais jovens, como Nicolas Winding Refn e Richard Stanley, mas o mais importante é mesmo a fala de Jodorowsky e também daqueles que foram chamados para a produção. O diretor via aquela tarefa como uma grande missão religiosa e cada pessoa que ele convidava seria uma espécie de guerreiro espiritual.
Assim, é admirável que ele tenha conseguido tanta gente de peso para seu projeto, como o quadrinista Moebius, que fez todos os storyboards, o artista plástico H.R. Giger (que nunca tinha feito nada no cinema e ficaria famoso pelo visual da criatura em ALIEN, O 8º PASSAGEIRO), o então roteirista Dan O'Bannon (por Jodorowsky ter ficado empolgado com seu trabalho em DARK STAR, de John Carpenter), uma participação especial milionária do pintor surrealista Salvador Dalí, Orson Welles como um dos personagens, Mick Jagger, David Carradine, o desenhista Chris Foss, entre outros nomes de peso.
E não custa falar também de que Jodorowsky teve a coragem de dispensar o Pink Floyd para ser a banda responsável pela trilha sonora e também o supervisor de efeitos especiais de 2001 - UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, Douglas Trumbull. E lembremos que Pink Floyd era talvez a maior banda de rock daquele momento (1973) e 2001 era (ainda é, na verdade) o melhor exemplo do que se poderia fazer com a ficção científica no cinema. A ambição de Jodorowsky era superar o filme de Kubrick.
E é justamente essa ambição que me deixou um tanto incomodado ao ver toda essa preparação e convites para a realização do filme que o diretor queria que fosse o mais importante da história do cinema. O orçamento foi ficando cada vez mais gigante e foram procurar apoio em Hollywood. Nos Estados Unidos acharam tudo brilhante (tanto que muitas dos artistas e das ideias foram aproveitados em várias produções posteriores), mas tinha muitos pés atrás com o realizador. Sem falar que era uma produção muito complicada, cheia de referências esotéricas e as excentricidades características de Jodorowsky, o que afastou os executivos de Hollywood, que são geralmente bem pouco corajosos em projetos arriscados como esse. Jodorowsky sonhou alto demais, talvez. Ainda mais sem ter uma carreira longa e uma relação de proximidade com Hollywood, como era o caso de Kubrick, quando fez 2001.
É engraçada a cena em que ele conta do dia que foi ao cinema ver DUNA, de David Lynch, produzido por Dino De Laurentiis, e ficou feliz pelo fato de o filme ser uma droga. Foi um alívio para ele, mesmo ele gostando de Lynch e acreditar que o realizador era o cara certo para encarar a difícil missão de adaptar para o cinema o romance de Herbert. Ele atribui o fracasso como culpa dos produtores.
Enfim, está nos meus planos rever (talvez com certo sacrifício) o filme de Lynch, e aguardo com ansiedade a versão de Denis Villeneuve, um cineasta que eu muito admiro. Creio que ele finalmente conseguirá entregar um trabalho fantástico. Tomara que a pandemia tenha passado quando o novo DUNA estrear. Oremos.
+ TRÊS DOCUMENTÁRIOS
MARIELLE - O DOCUMENTÁRIO
Gosto muito de como o documentário se articula de maneira mais emotiva, centrando os dois primeiros episódios no impacto da morte na família e amigos e na figura em vida da vereadora assassinada. Os demais episódios se centram mais nas investigações. E até começam de forma empolgante, mas depois passam a adotar um estilo muito similar ao jornalismo do Fantástico, o que não é demérito, mas que diminui a obra formalmente falando. O que funciona muito bem e que é constantemente colado na edição são as cenas de mensagens no WhatsApp de Marielle com Monica Benicio, sua esposa. Há muita coisa inédita e muita coisa que eu não sabia, por não acompanhar ativamente as notícias, mas é um caso que torcemos que seja solucionado. Como o carro dos assassinos sumiu do radar das câmeras? E as maiores perguntas: quem mandou matar e por quê? Criadores: Caio Cavechini e Eliane Scardovelli. Ano: 2020.
O ESCÂNDALO CLOUZOT (Le Scandale Clouzot)
Curioso eu ter começado a conhecer a obra de Henri-Georges Clouzot a partir de dois documentários e não a partir de seus próprios filmes. Este doc para a televisão parece um bom extra de DVD, mas cai como uma luva para quem não conhece nada sobre o diretor. E para quem achava que Hitchcock era carrasco, precisa ver o que esse homem fazia no set de filmagens com seus atores. O filme dá uma geral nas principais obras do diretor. Eu fiquei particularmente curioso no filme que ele fez com a Bardot, A VERDADE. Muito interessante a questão do sadomasoquismo que era mostrado nos filmes e também na vida privada do diretor. Direção: Pierre-Henri Gibert. Ano: 2017.
DEMOCRACIA EM VERTIGEM
Uma das vantagens de se ter um filme como este lançado direto na Netflix é que há um público muito mais amplo do que se fosse lançado nos cinemas. Petra Costa adota um tom pessoal para contar a história recente do Brasil, trazendo fatos de sua vida e da vida de sua família para construir a narrativa, junto com a costura dos principais fatos, da eleição de Lula no início do século até a eleição de Bolsonaro, passando pelo horror que dá rever o processo de impeachment da Dilma e a tristeza intensa da prisão do maior personagem do filme e um dos mais importantes homens da história de nosso país. Ano: 2019.
Já conhecia duas obras do diretor, justamente as mais aclamadas, EL TOPO (1970) e A MONTANHA SAGRADA (1973), respectivamente, seu segundo e seu terceiro longa. Foi graças à repercussão de A MONTANHA SAGRADA, aliás, que Jodorowsky foi recebeu do produtor francês Michel Seydoux carta branca para realizar o que quisesse. O diretor, então, diz que quer fazer Duna, a adaptação do celebrado romance de ficção científica de Frank Herbert. E ele falou isso sem sequer ter lido o romance, o que não deixa de ser curioso.
JODOROWSKY'S DUNE (2013), de Frank Pavich, conta a trajetória de pré-produção desse filme, que ganha muito com o entusiasmo do diretor em contar com prazer todo o processo. Há depoimentos de alguns cineastas mais jovens, como Nicolas Winding Refn e Richard Stanley, mas o mais importante é mesmo a fala de Jodorowsky e também daqueles que foram chamados para a produção. O diretor via aquela tarefa como uma grande missão religiosa e cada pessoa que ele convidava seria uma espécie de guerreiro espiritual.
Assim, é admirável que ele tenha conseguido tanta gente de peso para seu projeto, como o quadrinista Moebius, que fez todos os storyboards, o artista plástico H.R. Giger (que nunca tinha feito nada no cinema e ficaria famoso pelo visual da criatura em ALIEN, O 8º PASSAGEIRO), o então roteirista Dan O'Bannon (por Jodorowsky ter ficado empolgado com seu trabalho em DARK STAR, de John Carpenter), uma participação especial milionária do pintor surrealista Salvador Dalí, Orson Welles como um dos personagens, Mick Jagger, David Carradine, o desenhista Chris Foss, entre outros nomes de peso.
E não custa falar também de que Jodorowsky teve a coragem de dispensar o Pink Floyd para ser a banda responsável pela trilha sonora e também o supervisor de efeitos especiais de 2001 - UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, Douglas Trumbull. E lembremos que Pink Floyd era talvez a maior banda de rock daquele momento (1973) e 2001 era (ainda é, na verdade) o melhor exemplo do que se poderia fazer com a ficção científica no cinema. A ambição de Jodorowsky era superar o filme de Kubrick.
E é justamente essa ambição que me deixou um tanto incomodado ao ver toda essa preparação e convites para a realização do filme que o diretor queria que fosse o mais importante da história do cinema. O orçamento foi ficando cada vez mais gigante e foram procurar apoio em Hollywood. Nos Estados Unidos acharam tudo brilhante (tanto que muitas dos artistas e das ideias foram aproveitados em várias produções posteriores), mas tinha muitos pés atrás com o realizador. Sem falar que era uma produção muito complicada, cheia de referências esotéricas e as excentricidades características de Jodorowsky, o que afastou os executivos de Hollywood, que são geralmente bem pouco corajosos em projetos arriscados como esse. Jodorowsky sonhou alto demais, talvez. Ainda mais sem ter uma carreira longa e uma relação de proximidade com Hollywood, como era o caso de Kubrick, quando fez 2001.
É engraçada a cena em que ele conta do dia que foi ao cinema ver DUNA, de David Lynch, produzido por Dino De Laurentiis, e ficou feliz pelo fato de o filme ser uma droga. Foi um alívio para ele, mesmo ele gostando de Lynch e acreditar que o realizador era o cara certo para encarar a difícil missão de adaptar para o cinema o romance de Herbert. Ele atribui o fracasso como culpa dos produtores.
Enfim, está nos meus planos rever (talvez com certo sacrifício) o filme de Lynch, e aguardo com ansiedade a versão de Denis Villeneuve, um cineasta que eu muito admiro. Creio que ele finalmente conseguirá entregar um trabalho fantástico. Tomara que a pandemia tenha passado quando o novo DUNA estrear. Oremos.
+ TRÊS DOCUMENTÁRIOS
MARIELLE - O DOCUMENTÁRIO
Gosto muito de como o documentário se articula de maneira mais emotiva, centrando os dois primeiros episódios no impacto da morte na família e amigos e na figura em vida da vereadora assassinada. Os demais episódios se centram mais nas investigações. E até começam de forma empolgante, mas depois passam a adotar um estilo muito similar ao jornalismo do Fantástico, o que não é demérito, mas que diminui a obra formalmente falando. O que funciona muito bem e que é constantemente colado na edição são as cenas de mensagens no WhatsApp de Marielle com Monica Benicio, sua esposa. Há muita coisa inédita e muita coisa que eu não sabia, por não acompanhar ativamente as notícias, mas é um caso que torcemos que seja solucionado. Como o carro dos assassinos sumiu do radar das câmeras? E as maiores perguntas: quem mandou matar e por quê? Criadores: Caio Cavechini e Eliane Scardovelli. Ano: 2020.
O ESCÂNDALO CLOUZOT (Le Scandale Clouzot)
Curioso eu ter começado a conhecer a obra de Henri-Georges Clouzot a partir de dois documentários e não a partir de seus próprios filmes. Este doc para a televisão parece um bom extra de DVD, mas cai como uma luva para quem não conhece nada sobre o diretor. E para quem achava que Hitchcock era carrasco, precisa ver o que esse homem fazia no set de filmagens com seus atores. O filme dá uma geral nas principais obras do diretor. Eu fiquei particularmente curioso no filme que ele fez com a Bardot, A VERDADE. Muito interessante a questão do sadomasoquismo que era mostrado nos filmes e também na vida privada do diretor. Direção: Pierre-Henri Gibert. Ano: 2017.
DEMOCRACIA EM VERTIGEM
Uma das vantagens de se ter um filme como este lançado direto na Netflix é que há um público muito mais amplo do que se fosse lançado nos cinemas. Petra Costa adota um tom pessoal para contar a história recente do Brasil, trazendo fatos de sua vida e da vida de sua família para construir a narrativa, junto com a costura dos principais fatos, da eleição de Lula no início do século até a eleição de Bolsonaro, passando pelo horror que dá rever o processo de impeachment da Dilma e a tristeza intensa da prisão do maior personagem do filme e um dos mais importantes homens da história de nosso país. Ano: 2019.
domingo, maio 24, 2020
O ANJO EXTERMINADOR (El Ángel Exterminador)
Por esses dias, eu me desfiz de minha coleção de revistas SET. Eu tinha uma relação muito grande de amor por essa revista, que foi a minha principal referência de crítica cinematográfica nos meus primeiros anos de cinefilia. As primeiras 51 edições, as que têm um logotipo diferente das que se seguiriam, trazem, com exceção do primeiro número, uma seção maravilhosa chamada Filmoteca. Nela, críticos, cinéfilos, escritores, cineastas e artistas das mais diversas áreas são convidados para escrever sobre o seu filme favorito, ou sobre aquele que quisesse homenagear em um texto bem pessoal.
Talvez o texto que mais tenha me marcado tenha sido o de Guilherme Letsz, sobre O ANJO EXTERMINADOR (1962), de Luis Buñuel. No texto, Letsz fala sobre a dificuldade de encontrar companhia para ir ver filmes "de diretores complicados" como esse, sobre a chuva que cai ao sair de casa, sobre como a chuva é "tempo propício para sonhar", sobre chegar adiantado ao cinema, sobre procurar um cartão-postal de um filme brasileiro para enviar a uma amiga que mora em Paris, sobre as pessoas desconhecidas mas de rosto conhecido que costuma ver na Cinemateca, sobre o fato de estarem sozinhos, mas ao mesmo tempo juntos para uma espécie de celebração a uma obra de destaque para a história do cinema. Enfim, o ideal é ler o texto.
Recentemente, durante a quarentena, O ANJO EXTERMINADOR voltou a ser um filme bastante discutido por causa da situação em que os personagens se encontram. Na trama, um grupo de burgueses se encontra em uma mansão para um jantar após um espetáculo teatral. Tudo transcorre como planejado. Depois da refeição há até alguém que se propõe a tocar uma música ao piano no salão, mas o curioso disso tudo é que os criados, tanto os que trabalham na cozinha quanto os que cuidam da limpeza da casa, vão embora, saem meio que desesperados daquele lugar, por algum motivo que nem eles sabem. Dos empregados, apenas o mordomo fica presente. E, por algum motivo, aquelas pessoas não conseguem deixar aquele lugar (o salão da casa), por mais que queiram.
Buñuel brinca tanto com o surrealismo (a sua praia) quanto a fazer críticas aos valores burgueses (sua diversão), já que essas pessoas vão cada vez mais entrando em estado de decadência, à medida que falta comida, água, o calor bate, não há como trocar de roupa, pessoas morrem e os corpos ficam entrando em estado de putrefação, brigas acontecem com frequência. Enquanto isso, do lado de fora, as pessoas ficam sem saber o que está acontecendo e também não conseguem entrar, por causa dessa força misteriosa. Passam-se dias, semanas, perde-se a conta dos dias, na verdade.
No livro Meu Último Suspiro, sua autobiografia, Buñuel conta que se arrepende de ter feito O ANJO EXTERMINADOR no México e não em Paris ou em Londres, cidades em que o luxo poderia ser muito melhor destacado, tanto na produção quanto na própria imagem das pessoas. Buñuel conta que até escolheu atores cujo físico não evocasse tanto assim o México, mas padeceu com a precariedade das toalhas de mesa e outros elementos que poderiam ser mais sofisticados.
Buñuel conta em seu livro algo que eu já havia percebido em pelo menos três de suas obras. A questão da impossibilidade. Em ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO (1977), o protagonista não consegue se aproximar para fazer sexo com a mulher amada - ela sempre o rejeita. Acontece algo muito parecido com o casal de A IDADE DO OURO (1930). Em O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA (1972), os personagens querem jantar e não conseguem; em ENSAIO DE UM CRIME (1955), um homem tenta matar e não consegue. Esses são os exemplos que o próprio diretor destaca, mas que imagina haver outros em sua filmografia. Por esses e outros motivos, Luis Buñuel estará sempre na minha lista de cineastas mais queridos.
Clique no LINK para ler o citado texto da revista SET. (Só não consegui colocar em modo vertical. Então, quem quiser ler, terá que salvar a imagem em seu computador. :/ )
+ TRÊS FILMES
INFERNINHO
Acho mais simpático e belo plasticamente do que exatamente bom, no sentido de me ganhar, me agradar. Ou seja, vejo muitas qualidades no filme, mas eu gostaria mesmo era de me envolver. Talvez o corpo cansado tenha prejudicado, não sei.. Detalhe: quase não via o filme em sua pré-estreia. Todos os ingressos para as duas salas estavam esgotados quando cheguei. Depois de procurar por ingresso sobrando, uma moça que eu não conhecia e percebeu a minha aflição (não é pra tanto, na verdade), conseguiu um para mim. O bom disso tudo foi ver o For Rainbow mais forte do que nunca, nessa era Bolsonaro. A resistência vai crescer ainda mais. Quanto mais se bate, mais há motivo para a luta. Direção: Guto Parente e Pedro Diógenes. Ano: 2018.
O BANQUETE
Gosto muito da primeira metade do filme e do modo como os personagens são apresentados e o humor ácido vai se mostrando mais forte. Pena que depois a diretora não saiba construir a tensão necessária. Ainda assim, é um belo trabalho, que merece a atenção e que é visto com boas risadas pelo público. Fora o elenco marcante e muito bom. Direção: Daniela Thomas. Ano: 2018.
O BARCO
É um filme que ainda estou tentando processar e entender, mas gosto muito de seu mistério, de como o mar e o som e as falas são apresentados. A sensação de extensão do tempo ainda permanece uma forte marca do cinema de Petrus Cariry, assim como a intenção de seguir a sua marca autoral, sem fazer concessões. O tom de fábula lembra romances do realismo mágico. Por mais que ter visto na tela gigante do São Luiz tenha sido uma experiência muito boa para aumentar a força das imagens, acredito que o filme se beneficiaria de uma sala menor, como a do Dragão, que traria uma maior facilidade de imersão. No Cine Ceará o povo fica num entra e sai que me incomoda. Ano: 2018.
Talvez o texto que mais tenha me marcado tenha sido o de Guilherme Letsz, sobre O ANJO EXTERMINADOR (1962), de Luis Buñuel. No texto, Letsz fala sobre a dificuldade de encontrar companhia para ir ver filmes "de diretores complicados" como esse, sobre a chuva que cai ao sair de casa, sobre como a chuva é "tempo propício para sonhar", sobre chegar adiantado ao cinema, sobre procurar um cartão-postal de um filme brasileiro para enviar a uma amiga que mora em Paris, sobre as pessoas desconhecidas mas de rosto conhecido que costuma ver na Cinemateca, sobre o fato de estarem sozinhos, mas ao mesmo tempo juntos para uma espécie de celebração a uma obra de destaque para a história do cinema. Enfim, o ideal é ler o texto.
Recentemente, durante a quarentena, O ANJO EXTERMINADOR voltou a ser um filme bastante discutido por causa da situação em que os personagens se encontram. Na trama, um grupo de burgueses se encontra em uma mansão para um jantar após um espetáculo teatral. Tudo transcorre como planejado. Depois da refeição há até alguém que se propõe a tocar uma música ao piano no salão, mas o curioso disso tudo é que os criados, tanto os que trabalham na cozinha quanto os que cuidam da limpeza da casa, vão embora, saem meio que desesperados daquele lugar, por algum motivo que nem eles sabem. Dos empregados, apenas o mordomo fica presente. E, por algum motivo, aquelas pessoas não conseguem deixar aquele lugar (o salão da casa), por mais que queiram.
Buñuel brinca tanto com o surrealismo (a sua praia) quanto a fazer críticas aos valores burgueses (sua diversão), já que essas pessoas vão cada vez mais entrando em estado de decadência, à medida que falta comida, água, o calor bate, não há como trocar de roupa, pessoas morrem e os corpos ficam entrando em estado de putrefação, brigas acontecem com frequência. Enquanto isso, do lado de fora, as pessoas ficam sem saber o que está acontecendo e também não conseguem entrar, por causa dessa força misteriosa. Passam-se dias, semanas, perde-se a conta dos dias, na verdade.
No livro Meu Último Suspiro, sua autobiografia, Buñuel conta que se arrepende de ter feito O ANJO EXTERMINADOR no México e não em Paris ou em Londres, cidades em que o luxo poderia ser muito melhor destacado, tanto na produção quanto na própria imagem das pessoas. Buñuel conta que até escolheu atores cujo físico não evocasse tanto assim o México, mas padeceu com a precariedade das toalhas de mesa e outros elementos que poderiam ser mais sofisticados.
Buñuel conta em seu livro algo que eu já havia percebido em pelo menos três de suas obras. A questão da impossibilidade. Em ESSE OBSCURO OBJETO DO DESEJO (1977), o protagonista não consegue se aproximar para fazer sexo com a mulher amada - ela sempre o rejeita. Acontece algo muito parecido com o casal de A IDADE DO OURO (1930). Em O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA (1972), os personagens querem jantar e não conseguem; em ENSAIO DE UM CRIME (1955), um homem tenta matar e não consegue. Esses são os exemplos que o próprio diretor destaca, mas que imagina haver outros em sua filmografia. Por esses e outros motivos, Luis Buñuel estará sempre na minha lista de cineastas mais queridos.
Clique no LINK para ler o citado texto da revista SET. (Só não consegui colocar em modo vertical. Então, quem quiser ler, terá que salvar a imagem em seu computador. :/ )
+ TRÊS FILMES
INFERNINHO
Acho mais simpático e belo plasticamente do que exatamente bom, no sentido de me ganhar, me agradar. Ou seja, vejo muitas qualidades no filme, mas eu gostaria mesmo era de me envolver. Talvez o corpo cansado tenha prejudicado, não sei.. Detalhe: quase não via o filme em sua pré-estreia. Todos os ingressos para as duas salas estavam esgotados quando cheguei. Depois de procurar por ingresso sobrando, uma moça que eu não conhecia e percebeu a minha aflição (não é pra tanto, na verdade), conseguiu um para mim. O bom disso tudo foi ver o For Rainbow mais forte do que nunca, nessa era Bolsonaro. A resistência vai crescer ainda mais. Quanto mais se bate, mais há motivo para a luta. Direção: Guto Parente e Pedro Diógenes. Ano: 2018.
O BANQUETE
Gosto muito da primeira metade do filme e do modo como os personagens são apresentados e o humor ácido vai se mostrando mais forte. Pena que depois a diretora não saiba construir a tensão necessária. Ainda assim, é um belo trabalho, que merece a atenção e que é visto com boas risadas pelo público. Fora o elenco marcante e muito bom. Direção: Daniela Thomas. Ano: 2018.
O BARCO
É um filme que ainda estou tentando processar e entender, mas gosto muito de seu mistério, de como o mar e o som e as falas são apresentados. A sensação de extensão do tempo ainda permanece uma forte marca do cinema de Petrus Cariry, assim como a intenção de seguir a sua marca autoral, sem fazer concessões. O tom de fábula lembra romances do realismo mágico. Por mais que ter visto na tela gigante do São Luiz tenha sido uma experiência muito boa para aumentar a força das imagens, acredito que o filme se beneficiaria de uma sala menor, como a do Dragão, que traria uma maior facilidade de imersão. No Cine Ceará o povo fica num entra e sai que me incomoda. Ano: 2018.
sábado, maio 23, 2020
CLUBE DOS CINCO (The Breakfast Club)
Quando perguntado o motivo de eu não ter visto até então CLUBE DOS CINCO (1985), de John Hughes, falei que a década de 1980 foi uma espécie de Idade Média para mim. A religião evangélica desempenhou um forte elemento em minha vida, que só foi recebendo as cores do Iluminismo a partir do momento em que passei a ser oficialmente um cinéfilo. Isso ocorreu, mais exatamente, em 1989, que considero o ano de início da minha cinefilia, o ano em que comecei a ler críticas de cinema em revistas e jornais e a ir ao cinema pelo menos uma vez por semana.
Não quer dizer que eu não gostasse de filmes antes. Tirando os filmes dos Trapalhões, que eu não conto e nem sei dizer qual seria o primeiro que eu tenha ido ver com minha mãe e minha irmã mais velha, antes da cinefilia, cheguei a ir ao cinema com alguns amigos ver filmes como GREYSTOKE - A LENDA DE TARZAN, O REI DA SELVA (que é de 1984), ALIENS, O RESGATE (esse é de 1986), e uma reexibição de RAMBO - PROGRAMADO PARA MATAR, no Cine Diogo, aproveitando a estrema popularidade dos filmes de brucutus, talvez em 1987 ou 1988, com um amigo entusiasta de Stallone.
Mas e a televisão? Você não via filmes na televisão na infância, meu caro? Sim, mas só aqueles que me ganhavam de imediato. Tinha um especial interesse por filmes de horror (aliás, o horror já me fascinava desde o assustador episódio do Minotauro na série infantil SÍTIO DO PICA-PAU-AMARELO), adorava quando exibiam as comédias de Jerry Lewis na Sessão da Tarde, e também as aventuras de Simbad. Além do mais, já sabia que curtia filmes de prisão, especialmente por causa de FUGINDO DO INFERNO, de John Sturges.
Nunca entendi o motivo de eu não me interessar muito por filmes da juventude, a não ser aqueles que tinham algum conteúdo mais erótico, como A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN, O ÚLTIMO AMERICANO VIRGEM e PORKY'S - A CASA DO AMOR E DO RISO. Aliás, alguns filmes brasileiros com conteúdo sensual e gráfico também muito me interessavam, como alguns do Khouri, DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS e outros que não vou lembrar aqui e que ficam numa fronteira um tanto nebulosa da memória.
E eis que, no meio da quarentena, com um pequeno empurrão dos amigos, lá fui eu ver finalmente o clássico CLUBE DOS CINCO, que eu até tinha visto um trecho numa das madrugadas na televisão, mas nunca havia terminado de ver. E é realmente uma beleza. E acho admirável que seja um filme que não tem muita ação. Seus personagens se mantêm dentro das dependências da escola. Naquele sábado, por algum delito que cometeram, eles terão que escrever uma redação. É o que fazem? Na verdade, não. Apesar das enormes diferenças existentes entre cada um deles, eles começam a travar algum diálogo, que no início é agressivo, já que cada um pertencia a uma turma diferente.
Emilio Estevez era o atleta certinho; Molly Ringwald, a mocinha rica que mais sofre bullying do rebelde vivido por Judd Nelson. Há Anthony Michael Hall como o nerd e Ally Sheedy como a esquisitona de roupa preta e muito rímel preto nos olhos. O filme estabelece as diferenças e um pouco dos arquétipos de cada um já no momento em que eles chegam e se sentam. Seja pela distância entre um e outro, seja pelo modo como se mexem.
A partir da apresentação dos cinco, eu já fui logo brincando de saber com quem eu mais me identificava. Acho que era com o nerd, embora eu fosse tão retraído quanto a personagem de Ally. Durante a conversa, que é brilhantemente orquestrada por Hughes, mas que também ganha com um pouco de improviso por parte dos atores, em especial na cena em que os alunos falam de suas histórias de castigo, quando estão mais à vontade um com o outro e já se consideram quase amigos.
Assim, verdades são reveladas, sentimentos são verbalizados, e momentos tocantes surgem. Posso destacar uma cena do jovem nerd como a mais emocionante, quando ele pergunta sobre a possibilidade de continuidade da amizade entre eles. É bom ver as máscaras caindo e eles se tornando cada vez mais nus diante de cada um, mesmo que através de palavras agressivas ou algo do tipo. Há também reflexões sobre a juventude e a diferença com a vida adulta a partir do reflexo que eles têm dos pais, sobre como serão quando crescerem, se repetirão a história daqueles que os precederam. É uma ótima sessão de terapia em grupo.
O clima eighties saudosista já começa de cara, com a canção "Don't you (forget about me)", dos Simple Minds. Deliciosa.
+ TRÊS FILMES
PARIS 8 (Mes Provinciales)
Ao final do filme eu fiquei achando que ficou faltando algum momento de arrebatamento, que o filme ficou devendo. Mas depois cheguei à conclusão de que o tom sóbrio e quase monocórdico do filme podia mesmo ter sido escolha do diretor. O filme, assim, se aproxima mais da vida. Gosto das mudanças de rumos e até das barrigas. Bela surpresa. Direção: Jean-Paul Civeyrac. Ano: 2018.
INVISÍVEL (Invisible)
Filme tenso e incômodo sobre uma garota que procura soluções para seu problema. O tema do aborto não é fácil e o filme também não procura soluções fáceis. Se bem que o que mais importa é a atmosfera, mais do que a história. A atriz é ótima, compramos a personagem como real. Direção: Pablo Giorgelli. Ano: 2017.
NOCTURAMA
Uma pena mesmo não ter passado nos cinemas brasileiros. Tudo que falaram de bom se justifica neste thriller sobre jovens que se revoltam contra o sistema e cometem atos de destruição em certos lugares. Os motivos nem importam muito e são poucos explorados. Às vezes os flashbacks nem são muito bem-vindos, pois o que mais importa é o agora, a ação, os vai-véns temporais de pontos de vista que o diretor usa e que em muitos momentos lembra ELEFANTE, de Gus Van Sant. Direção: Bertrand Bonello. Ano: 2016.
Não quer dizer que eu não gostasse de filmes antes. Tirando os filmes dos Trapalhões, que eu não conto e nem sei dizer qual seria o primeiro que eu tenha ido ver com minha mãe e minha irmã mais velha, antes da cinefilia, cheguei a ir ao cinema com alguns amigos ver filmes como GREYSTOKE - A LENDA DE TARZAN, O REI DA SELVA (que é de 1984), ALIENS, O RESGATE (esse é de 1986), e uma reexibição de RAMBO - PROGRAMADO PARA MATAR, no Cine Diogo, aproveitando a estrema popularidade dos filmes de brucutus, talvez em 1987 ou 1988, com um amigo entusiasta de Stallone.
Mas e a televisão? Você não via filmes na televisão na infância, meu caro? Sim, mas só aqueles que me ganhavam de imediato. Tinha um especial interesse por filmes de horror (aliás, o horror já me fascinava desde o assustador episódio do Minotauro na série infantil SÍTIO DO PICA-PAU-AMARELO), adorava quando exibiam as comédias de Jerry Lewis na Sessão da Tarde, e também as aventuras de Simbad. Além do mais, já sabia que curtia filmes de prisão, especialmente por causa de FUGINDO DO INFERNO, de John Sturges.
Nunca entendi o motivo de eu não me interessar muito por filmes da juventude, a não ser aqueles que tinham algum conteúdo mais erótico, como A PRIMEIRA TRANSA DE JONATHAN, O ÚLTIMO AMERICANO VIRGEM e PORKY'S - A CASA DO AMOR E DO RISO. Aliás, alguns filmes brasileiros com conteúdo sensual e gráfico também muito me interessavam, como alguns do Khouri, DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS e outros que não vou lembrar aqui e que ficam numa fronteira um tanto nebulosa da memória.
E eis que, no meio da quarentena, com um pequeno empurrão dos amigos, lá fui eu ver finalmente o clássico CLUBE DOS CINCO, que eu até tinha visto um trecho numa das madrugadas na televisão, mas nunca havia terminado de ver. E é realmente uma beleza. E acho admirável que seja um filme que não tem muita ação. Seus personagens se mantêm dentro das dependências da escola. Naquele sábado, por algum delito que cometeram, eles terão que escrever uma redação. É o que fazem? Na verdade, não. Apesar das enormes diferenças existentes entre cada um deles, eles começam a travar algum diálogo, que no início é agressivo, já que cada um pertencia a uma turma diferente.
Emilio Estevez era o atleta certinho; Molly Ringwald, a mocinha rica que mais sofre bullying do rebelde vivido por Judd Nelson. Há Anthony Michael Hall como o nerd e Ally Sheedy como a esquisitona de roupa preta e muito rímel preto nos olhos. O filme estabelece as diferenças e um pouco dos arquétipos de cada um já no momento em que eles chegam e se sentam. Seja pela distância entre um e outro, seja pelo modo como se mexem.
A partir da apresentação dos cinco, eu já fui logo brincando de saber com quem eu mais me identificava. Acho que era com o nerd, embora eu fosse tão retraído quanto a personagem de Ally. Durante a conversa, que é brilhantemente orquestrada por Hughes, mas que também ganha com um pouco de improviso por parte dos atores, em especial na cena em que os alunos falam de suas histórias de castigo, quando estão mais à vontade um com o outro e já se consideram quase amigos.
Assim, verdades são reveladas, sentimentos são verbalizados, e momentos tocantes surgem. Posso destacar uma cena do jovem nerd como a mais emocionante, quando ele pergunta sobre a possibilidade de continuidade da amizade entre eles. É bom ver as máscaras caindo e eles se tornando cada vez mais nus diante de cada um, mesmo que através de palavras agressivas ou algo do tipo. Há também reflexões sobre a juventude e a diferença com a vida adulta a partir do reflexo que eles têm dos pais, sobre como serão quando crescerem, se repetirão a história daqueles que os precederam. É uma ótima sessão de terapia em grupo.
O clima eighties saudosista já começa de cara, com a canção "Don't you (forget about me)", dos Simple Minds. Deliciosa.
+ TRÊS FILMES
PARIS 8 (Mes Provinciales)
Ao final do filme eu fiquei achando que ficou faltando algum momento de arrebatamento, que o filme ficou devendo. Mas depois cheguei à conclusão de que o tom sóbrio e quase monocórdico do filme podia mesmo ter sido escolha do diretor. O filme, assim, se aproxima mais da vida. Gosto das mudanças de rumos e até das barrigas. Bela surpresa. Direção: Jean-Paul Civeyrac. Ano: 2018.
INVISÍVEL (Invisible)
Filme tenso e incômodo sobre uma garota que procura soluções para seu problema. O tema do aborto não é fácil e o filme também não procura soluções fáceis. Se bem que o que mais importa é a atmosfera, mais do que a história. A atriz é ótima, compramos a personagem como real. Direção: Pablo Giorgelli. Ano: 2017.
NOCTURAMA
Uma pena mesmo não ter passado nos cinemas brasileiros. Tudo que falaram de bom se justifica neste thriller sobre jovens que se revoltam contra o sistema e cometem atos de destruição em certos lugares. Os motivos nem importam muito e são poucos explorados. Às vezes os flashbacks nem são muito bem-vindos, pois o que mais importa é o agora, a ação, os vai-véns temporais de pontos de vista que o diretor usa e que em muitos momentos lembra ELEFANTE, de Gus Van Sant. Direção: Bertrand Bonello. Ano: 2016.
sexta-feira, maio 22, 2020
4:44 - O FIM DO MUNDO (4:44 - Last Day on Earth)
Lá vou eu adotar o mesmo tom de fim do mundo do texto anterior, cujo filme, coincidentemente, traz uma atriz em comum, desta vez em seu último papel: Anita Pallenberg. Na época de DILLINGER ESTÁ MORTO ela ainda era aquela modelo e namorada dos Rolling Stones, muito ligada à contracultura. Associar-se a Abel Ferrara no fim de sua vida - ela também esteve em GO GO TALES (2007) - não deixa de ser coerente, já que trata-se de um dos cineastas em atividade que mais sintoniza com o espírito rock'n'roll.
Pois bem, nada como ver um filme sobre o fim do mundo em clima de fim do mundo. Dá até um sabor especial, até pelo fato de a maior parte da ação de 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011) se passar dentro de uma casa e o contato exterior ser através de Skype, televisão, celulares. A situação é distinta, porém. Por mais que seja perigoso sair de casa, Nova York ainda parece estar bem viva quando faltam apenas algumas horas para o momento final da humanidade. Além do mais, Ferrara não tinha orçamento para mudar nada na sua cidade favorita. E isso não chega a ser um problema.
Há o elemento autobiográfico, que é o personagem de Willem Dafoe, um viciado em drogas que está há mais de dois anos abstêmio, que vive com sua namorada, a artista plástica interpretada por Shanyn Leigh, cujo trabalho no cinema, tirando um único filme, foi apenas em obras de Ferrara. Isso se deve ao fato de ela ser, na época, namorada do diretor. Uma pena que não tenha seguido carreira, já que 4:44 foi seu primeiro trabalho como protagonista, e ela se saiu muito bem.
Sua personagem representa algo de harmônico para a casa, já que o namorado, a princípio, é quem parece estar mais inquieto com aquela situação desesperadora de fim iminente. Enquanto isso, ela continua pintando seus quadros no chão, fazendo arte, o que não deixa de ser admirável, já que a arte tem muito uma relação com a posteridade, com o compartilhar com um certo público. No entanto, quando o personagem de Dafoe conversa com amigos via Skype, eles celebram o fim do mundo tocando um bom e velho rock'n'roll, usando arte. Parece clima de virada de ano.
Há debates filosóficos na televisão ou em telas de celulares com líderes religiosos (Dalai Lama, um mestre Hare Krishna etc.) e pontos de vista mais céticos em relação ao mundo espiritual também, o que aproxima o filme de MARIA (2005). Por outro lado, o tom de sci-fi torna 4:44 um primo de ENIGMA DO PODER (1998), com a tecnologia tão presente, mas aqui de maneira mais próxima de nossa realidade, como se aquilo fosse o momento atual ou um futuro muito próximo.
Como o fim do mundo se deve a uma irresponsabilidade do homem em não tratar bem o nosso planeta, lembrar do que avisou Al Gore também é algo citado. E, assim, podemos fazer novamente uma ligação com o nosso momento, o momento da chegada do Corona Vírus, quando algo que muda totalmente a vida dos habitantes da Terra e causa milhares de mortes, pode ser visto como um acontecimento positivo para a natureza, com a diminuição da poluição gerada pelos carros, por exemplo. Então, assim como 4:44 pode ser visto, apesar do tema, como um dos filmes mais leves de Ferrara, também podemos analisar o momento atual como um possível começo de uma novo e melhor momento para a humanidade.
+ TRÊS FILMES
FROZEN II
Posso dar um desconto pois 1) o problema de dormir em animações tem sido mais meu do que dos filmes (preciso aceitar) e 2) ver dublado é ruim, especialmente na parte das canções - as canções no original já devem ser cafonas, as versões em português não descem nada bem. No mais, eu poderia colocar pontos positivos no filme por trazer uma narrativa de pura aventura e autodescoberta. E há as brincadeiras com os videoclipes clássicos e o Olef fazendo graça enquanto as duas princesas são muito sérias. O 3D não serve pra nada neste segundo filme. Direção: Chris Buck e Jennifer Lee. Ano: 2019.
TINTA BRUTA
Mais um exemplar da excelente fase de nosso cinema, que tem feito sucesso no exterior também. O que se destaca em TINTA BRUTA, além de um protagonista muito interessante, com sua timidez e maneira original de ser e de tentar viver a vida, é o modo como é mostrada Porto Alegre, praticamente uma cidade fantasma. Direção: Marcio Reolon and Filipe Matzembacher. Ano: 2018.
O ÚLTIMO SUSPIRO (Dans la Brume)
Sempre bom ver um filme de gênero ganhando uma nova cara quando foge dos países de língua inglesa. Este angustiante drama de horror e ficção sobre uma bruma assassina parece ter sido inspirada na HQ O Eternauta. Há muita coisa em comum. Mas o filme traz coisas novas e deixa a gente sempre interessado no que está por vir e no destino dos personagens. Muito bom. Direção: Daniel Roby. Ano: 2018.
Pois bem, nada como ver um filme sobre o fim do mundo em clima de fim do mundo. Dá até um sabor especial, até pelo fato de a maior parte da ação de 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011) se passar dentro de uma casa e o contato exterior ser através de Skype, televisão, celulares. A situação é distinta, porém. Por mais que seja perigoso sair de casa, Nova York ainda parece estar bem viva quando faltam apenas algumas horas para o momento final da humanidade. Além do mais, Ferrara não tinha orçamento para mudar nada na sua cidade favorita. E isso não chega a ser um problema.
Há o elemento autobiográfico, que é o personagem de Willem Dafoe, um viciado em drogas que está há mais de dois anos abstêmio, que vive com sua namorada, a artista plástica interpretada por Shanyn Leigh, cujo trabalho no cinema, tirando um único filme, foi apenas em obras de Ferrara. Isso se deve ao fato de ela ser, na época, namorada do diretor. Uma pena que não tenha seguido carreira, já que 4:44 foi seu primeiro trabalho como protagonista, e ela se saiu muito bem.
Sua personagem representa algo de harmônico para a casa, já que o namorado, a princípio, é quem parece estar mais inquieto com aquela situação desesperadora de fim iminente. Enquanto isso, ela continua pintando seus quadros no chão, fazendo arte, o que não deixa de ser admirável, já que a arte tem muito uma relação com a posteridade, com o compartilhar com um certo público. No entanto, quando o personagem de Dafoe conversa com amigos via Skype, eles celebram o fim do mundo tocando um bom e velho rock'n'roll, usando arte. Parece clima de virada de ano.
Há debates filosóficos na televisão ou em telas de celulares com líderes religiosos (Dalai Lama, um mestre Hare Krishna etc.) e pontos de vista mais céticos em relação ao mundo espiritual também, o que aproxima o filme de MARIA (2005). Por outro lado, o tom de sci-fi torna 4:44 um primo de ENIGMA DO PODER (1998), com a tecnologia tão presente, mas aqui de maneira mais próxima de nossa realidade, como se aquilo fosse o momento atual ou um futuro muito próximo.
Como o fim do mundo se deve a uma irresponsabilidade do homem em não tratar bem o nosso planeta, lembrar do que avisou Al Gore também é algo citado. E, assim, podemos fazer novamente uma ligação com o nosso momento, o momento da chegada do Corona Vírus, quando algo que muda totalmente a vida dos habitantes da Terra e causa milhares de mortes, pode ser visto como um acontecimento positivo para a natureza, com a diminuição da poluição gerada pelos carros, por exemplo. Então, assim como 4:44 pode ser visto, apesar do tema, como um dos filmes mais leves de Ferrara, também podemos analisar o momento atual como um possível começo de uma novo e melhor momento para a humanidade.
+ TRÊS FILMES
FROZEN II
Posso dar um desconto pois 1) o problema de dormir em animações tem sido mais meu do que dos filmes (preciso aceitar) e 2) ver dublado é ruim, especialmente na parte das canções - as canções no original já devem ser cafonas, as versões em português não descem nada bem. No mais, eu poderia colocar pontos positivos no filme por trazer uma narrativa de pura aventura e autodescoberta. E há as brincadeiras com os videoclipes clássicos e o Olef fazendo graça enquanto as duas princesas são muito sérias. O 3D não serve pra nada neste segundo filme. Direção: Chris Buck e Jennifer Lee. Ano: 2019.
TINTA BRUTA
Mais um exemplar da excelente fase de nosso cinema, que tem feito sucesso no exterior também. O que se destaca em TINTA BRUTA, além de um protagonista muito interessante, com sua timidez e maneira original de ser e de tentar viver a vida, é o modo como é mostrada Porto Alegre, praticamente uma cidade fantasma. Direção: Marcio Reolon and Filipe Matzembacher. Ano: 2018.
O ÚLTIMO SUSPIRO (Dans la Brume)
Sempre bom ver um filme de gênero ganhando uma nova cara quando foge dos países de língua inglesa. Este angustiante drama de horror e ficção sobre uma bruma assassina parece ter sido inspirada na HQ O Eternauta. Há muita coisa em comum. Mas o filme traz coisas novas e deixa a gente sempre interessado no que está por vir e no destino dos personagens. Muito bom. Direção: Daniel Roby. Ano: 2018.
quinta-feira, maio 21, 2020
DILLINGER ESTÁ MORTO (Dillinger È Morto)
Estamos vivendo em um momento tão bizarro, que ficamos carentes de encontrar elos em comum nos filmes com a nossa situação atual, já que virou uma espécie de utopia pensar em um mundo com as gostosas aglomerações de outrora. Não sou folião de carnaval, mas o que dizer do cinema (principalmente o cinema, claro), do teatro, dos shows, dos encontros em bares, praias, dos encontros íntimos etc.? Então, de vez em quando recebemos uma espécie de mensagem vinda de um outro tempo, como um manuscrito encontrado em uma garrafa. Foi o caso de quando vi DILLINGER ESTÁ MORTO (1969), por ocasião da morte de Michel Piccoli, mas também por uma indicação do querido amigo Chico Fireman. Já até havia deixado reservado outro filme estrelado pelo grande ator, mas este aqui furou a fila.
Fiquei muito curioso para ver este filme dirigido por Marco Ferreri, que até então eu conhecia mais por trabalhos que lidavam com as paixões, sejam elas mais carnais (A CARNE, 1991), existenciais (A COMILANÇA, 1973) ou extremamente passionais, como em A ÚLTIMA MULHER (1976) e CRÔNICA DE UM AMOR LOUCO (1981). Então, foi com muita surpresa que percebi que Ferreri é um cineasta muito mais ousado, versátil e amplo em seus interesses e obsessões do que eu imaginava.
DILLINGER ESTÁ MORTO, já com meia-hora de duração, nos deixa pensando sobre o que estamos vendo. Afinal, seria um filme sobre o prazer encontrado com a solidão e as diversas formas de aproveitar o ócio? Sobre o aproveitamento da arte (música - inclusive brasileira -, cinema, artes plásticas, culinária, jogos sexuais) para construção de novas formas de arte, mais efêmeras, mas não menos importantes? Qual seria a relação estabelecida entre o passado (o gângster americano John Dillinger) e o presente?
E quanto ao futuro, que já comentei que traz ligações com o nosso momento (a máscara de gás que logo nos remete aos tempos do Covid-19), mas cuja importância está explicitamente estampada em um pôster na sala da casa onde mora o protagonista? Imagino o quanto este filme deve ter deixado boa parte da audiência da época muito irritada, já que talvez se venda como uma espécie de thriller policial, e acaba sendo mais um jogo experimental que pede um pouco mais de educação no olhar e uma alegria com o novo que aparece a cada cena. Então, o que vemos é um filme que nos deixa ao mesmo tempo fascinados e cheios de perguntas. E é também uma obra que necessita de um certo tipo de relaxamento mental e espiritual. Combina com as madrugadas.
Na trama (se é que dá para chamar assim), Michel Piccoli é um designer industrial especializado em máscaras de gás que fica em sua casa cozinhando algo a partir de uma receita de um livro de culinária. O prazer que ele passa cozinhando, vendo televisão, brincando com imagens da TV e, depois, de cinema, é muito interessante. Ele vive com duas mulheres na casa, a esposa que está com dor de cabeça (Anita Pallenberg) e uma mulher que supostamente faz a limpeza da casa (Annie Girardot), mas que também é flagrada exercitando o lúdico em sua solidão no quarto, usando roupas íntimas e paquerando com a figura de um cantor pop italiano estampada na parede. Mais à frente, a personagem terá um destaque em uma cena sensual envolvendo mel. E há uma arma que pode ter pertencido ao próprio "inimigo público nº 1" que exerce importância fundamental no filme.
Mas podemos dizer que DILLINGER ESTÁ MORTO não está na lista dos filmes sensuais de Ferreri. Na verdade, as comparações que são feitas são com o cinema de Jean-Luc Godard e de Michelangelo Antonioni. E há quem diga que é um filme que ficou datado ou que é muito mais o retrato daquela época, uma época em que a contracultura e a invenção eram quase de lei, principalmente no cinema europeu. No entanto, o filme dialogou com este 2020. Então, quem tiver mente aberta e disposta a experiências diferentes, recomendo.
+ TRÊS FILMES
O PARQUE MACABRO (Carnival of Souls)
Este filme parece um sonho, em muitos aspectos. Mas o que mais me encantou foi a beleza plástica. Que imagens lindas que esse diretor captou. Lembra um pouco A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO, do Bava, embora a influência do film noir americano seja bem evidente. Interessante como não é um filme que assusta, mas que pode perturbar quando a protagonista parece cada vez mais estar perdendo a sanidade, embora no fim seja mais um conto sobre a morte, provavelmente. Direção: Herk Harvey. Ano: 1962.
TESNOTA
Acho que se não fosse a dor no corpo eu teria gostado mais. É um filme com uma cara bem própria. Acho que foi a primeira vez que eu vi os russos fazendo demonstração de afeto tão forte, ainda que no geral ainda pareçam rudes. Mas isso é só impressão de quem vê pouco da cinematografia deles mesmo. Embora a protagonista pareça às vezes insuportável em seu comportamento, ela é interessante e mostra vontade de ser livre das amarras. No fim das contas, o filme pode ser sobre isso. Ou sobre a necessidade de poder escolher. Direção: Kantemir Balagov. Ano: 2017.
A REPARTIÇÃO DO TEMPO
Engraçado ver este filme depois de ter visto o conceito de cookies tão usado em uma das temporadas de BLACK MIRROR. Neste filme, eles usam bastante a mesma ideia, só que usando uma máquina do tempo como catalisador da situação. Achei um tanto confuso, mas eu estava com sono e por isso não vi o filme nas melhores condições. Direção: Santiago Dellape. Ano: 2016.
Fiquei muito curioso para ver este filme dirigido por Marco Ferreri, que até então eu conhecia mais por trabalhos que lidavam com as paixões, sejam elas mais carnais (A CARNE, 1991), existenciais (A COMILANÇA, 1973) ou extremamente passionais, como em A ÚLTIMA MULHER (1976) e CRÔNICA DE UM AMOR LOUCO (1981). Então, foi com muita surpresa que percebi que Ferreri é um cineasta muito mais ousado, versátil e amplo em seus interesses e obsessões do que eu imaginava.
DILLINGER ESTÁ MORTO, já com meia-hora de duração, nos deixa pensando sobre o que estamos vendo. Afinal, seria um filme sobre o prazer encontrado com a solidão e as diversas formas de aproveitar o ócio? Sobre o aproveitamento da arte (música - inclusive brasileira -, cinema, artes plásticas, culinária, jogos sexuais) para construção de novas formas de arte, mais efêmeras, mas não menos importantes? Qual seria a relação estabelecida entre o passado (o gângster americano John Dillinger) e o presente?
E quanto ao futuro, que já comentei que traz ligações com o nosso momento (a máscara de gás que logo nos remete aos tempos do Covid-19), mas cuja importância está explicitamente estampada em um pôster na sala da casa onde mora o protagonista? Imagino o quanto este filme deve ter deixado boa parte da audiência da época muito irritada, já que talvez se venda como uma espécie de thriller policial, e acaba sendo mais um jogo experimental que pede um pouco mais de educação no olhar e uma alegria com o novo que aparece a cada cena. Então, o que vemos é um filme que nos deixa ao mesmo tempo fascinados e cheios de perguntas. E é também uma obra que necessita de um certo tipo de relaxamento mental e espiritual. Combina com as madrugadas.
Na trama (se é que dá para chamar assim), Michel Piccoli é um designer industrial especializado em máscaras de gás que fica em sua casa cozinhando algo a partir de uma receita de um livro de culinária. O prazer que ele passa cozinhando, vendo televisão, brincando com imagens da TV e, depois, de cinema, é muito interessante. Ele vive com duas mulheres na casa, a esposa que está com dor de cabeça (Anita Pallenberg) e uma mulher que supostamente faz a limpeza da casa (Annie Girardot), mas que também é flagrada exercitando o lúdico em sua solidão no quarto, usando roupas íntimas e paquerando com a figura de um cantor pop italiano estampada na parede. Mais à frente, a personagem terá um destaque em uma cena sensual envolvendo mel. E há uma arma que pode ter pertencido ao próprio "inimigo público nº 1" que exerce importância fundamental no filme.
Mas podemos dizer que DILLINGER ESTÁ MORTO não está na lista dos filmes sensuais de Ferreri. Na verdade, as comparações que são feitas são com o cinema de Jean-Luc Godard e de Michelangelo Antonioni. E há quem diga que é um filme que ficou datado ou que é muito mais o retrato daquela época, uma época em que a contracultura e a invenção eram quase de lei, principalmente no cinema europeu. No entanto, o filme dialogou com este 2020. Então, quem tiver mente aberta e disposta a experiências diferentes, recomendo.
+ TRÊS FILMES
O PARQUE MACABRO (Carnival of Souls)
Este filme parece um sonho, em muitos aspectos. Mas o que mais me encantou foi a beleza plástica. Que imagens lindas que esse diretor captou. Lembra um pouco A MALDIÇÃO DO DEMÔNIO, do Bava, embora a influência do film noir americano seja bem evidente. Interessante como não é um filme que assusta, mas que pode perturbar quando a protagonista parece cada vez mais estar perdendo a sanidade, embora no fim seja mais um conto sobre a morte, provavelmente. Direção: Herk Harvey. Ano: 1962.
TESNOTA
Acho que se não fosse a dor no corpo eu teria gostado mais. É um filme com uma cara bem própria. Acho que foi a primeira vez que eu vi os russos fazendo demonstração de afeto tão forte, ainda que no geral ainda pareçam rudes. Mas isso é só impressão de quem vê pouco da cinematografia deles mesmo. Embora a protagonista pareça às vezes insuportável em seu comportamento, ela é interessante e mostra vontade de ser livre das amarras. No fim das contas, o filme pode ser sobre isso. Ou sobre a necessidade de poder escolher. Direção: Kantemir Balagov. Ano: 2017.
A REPARTIÇÃO DO TEMPO
Engraçado ver este filme depois de ter visto o conceito de cookies tão usado em uma das temporadas de BLACK MIRROR. Neste filme, eles usam bastante a mesma ideia, só que usando uma máquina do tempo como catalisador da situação. Achei um tanto confuso, mas eu estava com sono e por isso não vi o filme nas melhores condições. Direção: Santiago Dellape. Ano: 2016.
terça-feira, maio 19, 2020
NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI
Depois de GO GO TALES (2007), Abel Ferrara fez uma experiência pelo gênero documentário que durou a princípio três títulos: CHELSEA ON THE ROCKS (2008), NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI (2009) e MULBERRY ST. (2010). Não consegui dois deles ainda com legendas pelo menos em inglês, mas tive a oportunidade de ver ontem NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI, que foi um filme encomendado pela Prefeitura de Nápoles, o que muito me admira, já que não há nada que torne a cidade agradável aos olhos da administração local e de seus habitantes. Por isso, talvez tenha sido uma espécie de pedido de socorro, já que a situação nessa que já foi capital da Itália não é nada fácil. Ou pelo menos não era, na época da realização deste longa-metragem.
Vale lembrar que Ferrara é neto de um napolitano. Conta-se que seu avô partiu para os Estados Unidos quando tinha 16 anos, ficou em Nova York, teve onze filhos e ainda criou outros quatro ou cinco que encontrou na rua. Com certeza foi uma figura admirável que valeria a pena ser entrevistado se houvesse uma espécie de máquina do tempo que voltasse no passado. Conta-se também que o pai de Ferrara era um gerenciador de apostas que também era um apostador. Talvez muito disso explique algumas obsessões do cineasta pelo vício.
O filme de ficção de que me lembrei mais vendo este documentário foi O REI DE NOVA YORK (1990), que já trazia uma interessante discussão sobre a questão do tráfico de drogas, sobre quem realmente seria o culpado. No primeiro filme realizado totalmente com dinheiro italiano, Ferrara busca traçar não exatamente um painel da situação social e econômica da cidade, mas foca principalmente nos dramas de pessoas marginalizadas. Por isso, sua escolha por enfatizar um presídio feminino foi muito acertada.
Algumas histórias são muito tocantes. Fiquei especialmente comovido com a história da nigeriana que se mudou para a Itália há cinco anos, mas cujos últimos quatro passou na prisão. E ela era uma estudante de medicina em seu país. Há outras histórias comoventes. Nesse sentido, sentimos novamente o apreço do cineasta por figuras que parecem viver em uma espécie de inferno na Terra, já mostradas com força em seus filmes de ficção e que aqui ganham retratos mais realistas e mais brutais.
No entanto, senti falta de um maior aprofundamento nas entrevistas. Talvez se Ferrara não fosse a pessoa que fizesse as perguntas e não o assistente isso teria funcionado melhor. Lembrei do quanto os filmes de Eduardo Coutinho são tão mais intensos. Mas aí lembrei também que são dois cineastas de intenções e caminhos totalmente diferentes. Ainda assim, a parte totalmente documental do filme é muito mais interessante do que as partes dramatizadas, que ganham um ar documental por se passarem em cenários naturais, como ruas e casas pobres de Nápoles. A atriz Shanyn Leigh interpreta uma prostituta e há outros que interpretam pessoas vinculadas à Camorra, a máfia local, responsável por muito da miséria e do sofrimento do povo italiano.
NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI nos apresenta a uma cidade totalmente abandonada pelos governantes, extremamente decadente, muito longe de qualquer imagem de cartão postal da Itália, com uma taxa de desemprego altíssima, e cujos habitantes costumam dizer que a única saída seria fugir de lá para outro lugar. O problema é que não é todo mundo que pode se dar ao luxo de ir embora, e muitas das pessoas já têm alguma relação com a Camorra. O filme é um tanto torto e procura terminar com um ar mais alto astral, com a apresentação do grupo de rock de Ferrara na penitenciária feminina, talvez para mostrar que o cineasta não estava parasitando a desgraça alheia ao colher os depoimentos das pessoas do lugar.
+ TRÊS DOCUMENTÁRIOS
HUMBERTO MAURO
Para quem conhece pouco da obra de Humberto Mauro, este filme serve como uma comprovação da genialidade do cineasta, que desde a era muda já fazia filmes na raça e na coragem e com um trato visual impressionante. As imagens que passeiam pela tela são de encher os olhos; a cena sensual de GANGA BRUTA é maravilhosa; a descrição do diretor sobre a natureza e o fato de o progresso ser anti-fotográfico são bem coerentes com o que ele gosta de mostrar. O filme tem um quê de CINEMA NOVO, aquele doc também todo trabalhado na sala de montagem, mas aqui é um pouco menos picotado e um pouco mais contemplativo. Há coisas que parecem distantes dos dias de hoje, mas há cenas que ainda emocionam. Minas Gerais tem a sorte de ter um cineasta grandioso como Mauro. Direção: André Di Mauro. Ano: 2018.
SANTIAGO, ITÁLIA
Um filme bem-vindo, mas passa a impressão de que Nanni Moretti fez sem muito capricho ou paixão, algo que é tão próprio do cinema dele. Gosto de como ele confunde a gente no começo da narrativa, com pessoas falando em espanhol e em italiano, para depois deixar mais claros a situação e até o porquê do título. Embora muitos já conheçam a história da deposição terrível de Salvador Allende, essa é a minha parte favorita do filme. O terceiro terço do filme não trouxe grandes depoimentos e acabou esfriando um pouco aquilo que já parecia frio. Ano: 2018.
ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR
Uma reflexão sobre o sentido do trabalho e do tempo livre a partir da visão da rotina de uma cidade que gira em torno de fábricas de fundo de quintal para fabricação de roupas jeans. O material é tão bom que o diretor já estava com a bola na área para chutar. Além de tudo, ter um personagem como o Leo é um verdadeiro presente para um documentarista. Para um cineasta que vem se destacando fortemente na ficção desde CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005), é uma beleza ver que ele se sai tão bem em sua volta ao registro documentário. Direção: Marcelo Gomes. Ano: 2019.
Vale lembrar que Ferrara é neto de um napolitano. Conta-se que seu avô partiu para os Estados Unidos quando tinha 16 anos, ficou em Nova York, teve onze filhos e ainda criou outros quatro ou cinco que encontrou na rua. Com certeza foi uma figura admirável que valeria a pena ser entrevistado se houvesse uma espécie de máquina do tempo que voltasse no passado. Conta-se também que o pai de Ferrara era um gerenciador de apostas que também era um apostador. Talvez muito disso explique algumas obsessões do cineasta pelo vício.
O filme de ficção de que me lembrei mais vendo este documentário foi O REI DE NOVA YORK (1990), que já trazia uma interessante discussão sobre a questão do tráfico de drogas, sobre quem realmente seria o culpado. No primeiro filme realizado totalmente com dinheiro italiano, Ferrara busca traçar não exatamente um painel da situação social e econômica da cidade, mas foca principalmente nos dramas de pessoas marginalizadas. Por isso, sua escolha por enfatizar um presídio feminino foi muito acertada.
Algumas histórias são muito tocantes. Fiquei especialmente comovido com a história da nigeriana que se mudou para a Itália há cinco anos, mas cujos últimos quatro passou na prisão. E ela era uma estudante de medicina em seu país. Há outras histórias comoventes. Nesse sentido, sentimos novamente o apreço do cineasta por figuras que parecem viver em uma espécie de inferno na Terra, já mostradas com força em seus filmes de ficção e que aqui ganham retratos mais realistas e mais brutais.
No entanto, senti falta de um maior aprofundamento nas entrevistas. Talvez se Ferrara não fosse a pessoa que fizesse as perguntas e não o assistente isso teria funcionado melhor. Lembrei do quanto os filmes de Eduardo Coutinho são tão mais intensos. Mas aí lembrei também que são dois cineastas de intenções e caminhos totalmente diferentes. Ainda assim, a parte totalmente documental do filme é muito mais interessante do que as partes dramatizadas, que ganham um ar documental por se passarem em cenários naturais, como ruas e casas pobres de Nápoles. A atriz Shanyn Leigh interpreta uma prostituta e há outros que interpretam pessoas vinculadas à Camorra, a máfia local, responsável por muito da miséria e do sofrimento do povo italiano.
NAPOLI, NAPOLI, NAPOLI nos apresenta a uma cidade totalmente abandonada pelos governantes, extremamente decadente, muito longe de qualquer imagem de cartão postal da Itália, com uma taxa de desemprego altíssima, e cujos habitantes costumam dizer que a única saída seria fugir de lá para outro lugar. O problema é que não é todo mundo que pode se dar ao luxo de ir embora, e muitas das pessoas já têm alguma relação com a Camorra. O filme é um tanto torto e procura terminar com um ar mais alto astral, com a apresentação do grupo de rock de Ferrara na penitenciária feminina, talvez para mostrar que o cineasta não estava parasitando a desgraça alheia ao colher os depoimentos das pessoas do lugar.
+ TRÊS DOCUMENTÁRIOS
HUMBERTO MAURO
Para quem conhece pouco da obra de Humberto Mauro, este filme serve como uma comprovação da genialidade do cineasta, que desde a era muda já fazia filmes na raça e na coragem e com um trato visual impressionante. As imagens que passeiam pela tela são de encher os olhos; a cena sensual de GANGA BRUTA é maravilhosa; a descrição do diretor sobre a natureza e o fato de o progresso ser anti-fotográfico são bem coerentes com o que ele gosta de mostrar. O filme tem um quê de CINEMA NOVO, aquele doc também todo trabalhado na sala de montagem, mas aqui é um pouco menos picotado e um pouco mais contemplativo. Há coisas que parecem distantes dos dias de hoje, mas há cenas que ainda emocionam. Minas Gerais tem a sorte de ter um cineasta grandioso como Mauro. Direção: André Di Mauro. Ano: 2018.
SANTIAGO, ITÁLIA
Um filme bem-vindo, mas passa a impressão de que Nanni Moretti fez sem muito capricho ou paixão, algo que é tão próprio do cinema dele. Gosto de como ele confunde a gente no começo da narrativa, com pessoas falando em espanhol e em italiano, para depois deixar mais claros a situação e até o porquê do título. Embora muitos já conheçam a história da deposição terrível de Salvador Allende, essa é a minha parte favorita do filme. O terceiro terço do filme não trouxe grandes depoimentos e acabou esfriando um pouco aquilo que já parecia frio. Ano: 2018.
ESTOU ME GUARDANDO PARA QUANDO O CARNAVAL CHEGAR
Uma reflexão sobre o sentido do trabalho e do tempo livre a partir da visão da rotina de uma cidade que gira em torno de fábricas de fundo de quintal para fabricação de roupas jeans. O material é tão bom que o diretor já estava com a bola na área para chutar. Além de tudo, ter um personagem como o Leo é um verdadeiro presente para um documentarista. Para um cineasta que vem se destacando fortemente na ficção desde CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS (2005), é uma beleza ver que ele se sai tão bem em sua volta ao registro documentário. Direção: Marcelo Gomes. Ano: 2019.
segunda-feira, maio 18, 2020
NORMAL PEOPLE - PRIMEIRA TEMPORADA (Normal People - Season One)
Há tempos uma série não me pegava de maneira tão intensa. Acredito que a última vez que isso aconteceu foi em 2017, com aquele evento extraordinário cujo título não precisamos lembrar. NORMAL PEOPLE (2020), adaptação do romance premiado de Sally Rooney para a televisão, não tem tanto a intenção de ser grande cinema, embora essa categorização se torne irrelevante quando vemos algo com tanta beleza, inteligência, sensibilidade e invulgaridade no mundo audiovisual.
O fato é que, depois da dica da amiga Cris Miura, que disse que tinha certeza que eu iria adorar a série (ambos somos cancerianos e temos um tipo de sensibilidade parecida), não pensei duas vezes e resolvi conferir. Resultado: vi o primeiro episódio e não consegui parar mais, não consegui dormir enquanto não terminasse aquela história, resultando em uma noite em claro, vendo o sol nascer. O que foi maravilhoso, a propósito, já que me senti mais aproximado daqueles personagens. E confesso que hoje mesmo, lá fui eu começar a rever, começando com os dois primeiros episódios novamente.
NORMAL PEOPLE conta a história de quatro anos na vida de dois jovens na Irlanda dos anos 2010. A história começa com eles ainda no último ano do colegial, segue-os até a faculdade e nos mostra o céu e o inferno de suas vidas. A princípio, a série parece tomar uma linha exclusivamente de história que se passa na escola, com jovens idiotas praticando bullying e tentando ser populares e amados.
Os dois jovens são Marianne (Daisy Edgar-Jones), uma jovem filha de milionários e de família problemática, que começa a se envolver com o seu colega de sala Connell (Paul Mescal), de família da classe trabalhadora e cuja mãe faz a faxina na mansão de Marianne. É lá na mansão, quando ele vai buscar a mãe, que os dois jovens têm a melhor oportunidade de conversar e é lá que uma relação se estabelece. Uma relação às escondidas, pois Connell tem vergonha de ser visto com Marianne, muito por timidez ou insegurança, já que a garota não é muito bem vista por seus colegas. Ela, aliás, sofre bullying dessa turma, além de não ter amigos.
A primeira cena de sexo de Marianne e Connell é uma coisa absurdamente linda. Eles combinam de se encontrar na casa do rapaz, ela ainda virgem, os dois conversam sobre suas próprias inseguranças, e tudo o mais é lindo. Os beijos, as carícias, o que ela fala, o modo como as ações deles resultam em um prazer que vai muito além da simples luxúria. Como os dois vão perceber mais adiante, quando conhecerem outros parceiros, nunca encontrarão outros que se sintam tão bem, tão à vontade, tão eles mesmos.
A partir do quarto episódio começa uma nova etapa na vida dos dois e a série vai por caminhos que acentuam a angústia, principalmente por causa dos erros deles. Na verdade, muito mais de Connell. Porém, como sou tímido e já fiz e deixei de fazer determinadas coisas na juventude de que me arrependo, sei muito bem como se sente o rapaz e me solidarizo. Na faculdade, no reencontro, eles estabelecem uma relação de amizade; uma amizade que cresce, mas que também entra em conflito com o desejo que cada um tem de ainda continuar se amando fisicamente. Até porque o fisicamente dos dois se confunde com o "espiritualmente".
Há um momento específico, do quinto episódio, quando os dois estão conversando sobre o ato que os separou, que é devastador. Nessa cena, ou se chora ou se acumula um nó na garganta. E há outros momentos assim intensos, até porque a jornada dos dois não é tão simples e em uma das vezes a separação acontece por falha de comunicação, o que acaba por resultar em mais sofrimento para ambos, mas também mais certeza de que não encontrarão outras pessoas com quem eles se sintam mais felizes. Uma cena simples como a que eles pegam uma bicicleta para comprar picolé em uma cidadezinha da Itália é linda demais. Ou seja, basta estarem juntos para que a magia aconteça. Mesmo quando o junto não é assim tão junto, como na cena do Skype.
NORMAL PEOPLE também traz um frescor na forma, no modo como brinca com os hiatos temporais, na transição de cenas com alguma frequência usando uma tela escura mais demorada, e também com soluções inteligentes para marcar a passagem do tempo. Sem falar na trilha sonora linda composta de versões acústicas/indie de algumas canções menos desconhecidas e de outras bem famosas, como "Love will tear us apart" (Joy Division) e "Make you feel my love" (Adele), além de contar com uma música instrumental atmosférica que também combina com os momentos de maior melancolia na vida dos personagens.
A direção dos episódios ficou a cargo de dois diretores: os seis primeiros foram dirigidos por Lenny Abrahamson, indicado ao Oscar por O QUARTO DE JACK (2015), e os seis últimos por Hettie Macdonald, que tem um currículo maior na televisão, tendo dirigidos os episódios da minissérie HIT & MISS (2012).
Se haverá uma segunda temporada? Quem sabe? A própria vida dos personagens ainda é uma incógnita, assim como a nossa, atualmente, é. O que se sabe é que a série conta toda a história do livro de Sally Rooney, que também é roteirista. Portanto, uma segunda temporada partiria de um roteiro original ou de um outro livro que continuasse a história do casal, escrito pela romancista.
+ TRÊS HISTÓRIAS DE AMOR
PERFUME DE MULHER (Profumo di Donna)
Admirável este filme de Dino Risi, que equilibra tão bem o humor e a tragédia do homem vitimado por uma guerra. A trilha sonora triste dá o tom agridoce em meio aos momentos divertidos. E Agostina Belli é mesmo linda. Não sei se foi ou se tornou uma atriz famosa no cinema italiano. Ano: 1974.
DESCOBRINDO O AMOR (Damsels in Distress)
Pelo menos dois motivos para ver este filme: direção de Whit Stillman e uma Greta Gerwig antes da aclamação por FRANCES HA. Legal como o filme brinca com o patético, mas acho que fica desinteressante no final. Ainda assim, muito leve e divertido, mesmo quando fala de coisas pesadas, como o suicídio. Algumas cenas são hilárias, e Greta não se incomoda em parecer desengonçada. Ano: 2011.
DOENTES DE AMOR (The Big Sick)
Às vezes dá impressão de que as gorduras do filme (se é que de fato há) funcionariam perfeitamente em uma minissérie. Ainda assim, a agridoce comédia que conta a história de amor real de Kumail Nanjiani é encantadora. Senti falta de momentos mais lacrimosos, mas talvez a opção pela leveza tenha sido um acerto do diretor e de todos os envolvidos. Direção: Michael Showalter. Ano: 2017.
O fato é que, depois da dica da amiga Cris Miura, que disse que tinha certeza que eu iria adorar a série (ambos somos cancerianos e temos um tipo de sensibilidade parecida), não pensei duas vezes e resolvi conferir. Resultado: vi o primeiro episódio e não consegui parar mais, não consegui dormir enquanto não terminasse aquela história, resultando em uma noite em claro, vendo o sol nascer. O que foi maravilhoso, a propósito, já que me senti mais aproximado daqueles personagens. E confesso que hoje mesmo, lá fui eu começar a rever, começando com os dois primeiros episódios novamente.
NORMAL PEOPLE conta a história de quatro anos na vida de dois jovens na Irlanda dos anos 2010. A história começa com eles ainda no último ano do colegial, segue-os até a faculdade e nos mostra o céu e o inferno de suas vidas. A princípio, a série parece tomar uma linha exclusivamente de história que se passa na escola, com jovens idiotas praticando bullying e tentando ser populares e amados.
Os dois jovens são Marianne (Daisy Edgar-Jones), uma jovem filha de milionários e de família problemática, que começa a se envolver com o seu colega de sala Connell (Paul Mescal), de família da classe trabalhadora e cuja mãe faz a faxina na mansão de Marianne. É lá na mansão, quando ele vai buscar a mãe, que os dois jovens têm a melhor oportunidade de conversar e é lá que uma relação se estabelece. Uma relação às escondidas, pois Connell tem vergonha de ser visto com Marianne, muito por timidez ou insegurança, já que a garota não é muito bem vista por seus colegas. Ela, aliás, sofre bullying dessa turma, além de não ter amigos.
A primeira cena de sexo de Marianne e Connell é uma coisa absurdamente linda. Eles combinam de se encontrar na casa do rapaz, ela ainda virgem, os dois conversam sobre suas próprias inseguranças, e tudo o mais é lindo. Os beijos, as carícias, o que ela fala, o modo como as ações deles resultam em um prazer que vai muito além da simples luxúria. Como os dois vão perceber mais adiante, quando conhecerem outros parceiros, nunca encontrarão outros que se sintam tão bem, tão à vontade, tão eles mesmos.
A partir do quarto episódio começa uma nova etapa na vida dos dois e a série vai por caminhos que acentuam a angústia, principalmente por causa dos erros deles. Na verdade, muito mais de Connell. Porém, como sou tímido e já fiz e deixei de fazer determinadas coisas na juventude de que me arrependo, sei muito bem como se sente o rapaz e me solidarizo. Na faculdade, no reencontro, eles estabelecem uma relação de amizade; uma amizade que cresce, mas que também entra em conflito com o desejo que cada um tem de ainda continuar se amando fisicamente. Até porque o fisicamente dos dois se confunde com o "espiritualmente".
Há um momento específico, do quinto episódio, quando os dois estão conversando sobre o ato que os separou, que é devastador. Nessa cena, ou se chora ou se acumula um nó na garganta. E há outros momentos assim intensos, até porque a jornada dos dois não é tão simples e em uma das vezes a separação acontece por falha de comunicação, o que acaba por resultar em mais sofrimento para ambos, mas também mais certeza de que não encontrarão outras pessoas com quem eles se sintam mais felizes. Uma cena simples como a que eles pegam uma bicicleta para comprar picolé em uma cidadezinha da Itália é linda demais. Ou seja, basta estarem juntos para que a magia aconteça. Mesmo quando o junto não é assim tão junto, como na cena do Skype.
NORMAL PEOPLE também traz um frescor na forma, no modo como brinca com os hiatos temporais, na transição de cenas com alguma frequência usando uma tela escura mais demorada, e também com soluções inteligentes para marcar a passagem do tempo. Sem falar na trilha sonora linda composta de versões acústicas/indie de algumas canções menos desconhecidas e de outras bem famosas, como "Love will tear us apart" (Joy Division) e "Make you feel my love" (Adele), além de contar com uma música instrumental atmosférica que também combina com os momentos de maior melancolia na vida dos personagens.
A direção dos episódios ficou a cargo de dois diretores: os seis primeiros foram dirigidos por Lenny Abrahamson, indicado ao Oscar por O QUARTO DE JACK (2015), e os seis últimos por Hettie Macdonald, que tem um currículo maior na televisão, tendo dirigidos os episódios da minissérie HIT & MISS (2012).
Se haverá uma segunda temporada? Quem sabe? A própria vida dos personagens ainda é uma incógnita, assim como a nossa, atualmente, é. O que se sabe é que a série conta toda a história do livro de Sally Rooney, que também é roteirista. Portanto, uma segunda temporada partiria de um roteiro original ou de um outro livro que continuasse a história do casal, escrito pela romancista.
+ TRÊS HISTÓRIAS DE AMOR
PERFUME DE MULHER (Profumo di Donna)
Admirável este filme de Dino Risi, que equilibra tão bem o humor e a tragédia do homem vitimado por uma guerra. A trilha sonora triste dá o tom agridoce em meio aos momentos divertidos. E Agostina Belli é mesmo linda. Não sei se foi ou se tornou uma atriz famosa no cinema italiano. Ano: 1974.
DESCOBRINDO O AMOR (Damsels in Distress)
Pelo menos dois motivos para ver este filme: direção de Whit Stillman e uma Greta Gerwig antes da aclamação por FRANCES HA. Legal como o filme brinca com o patético, mas acho que fica desinteressante no final. Ainda assim, muito leve e divertido, mesmo quando fala de coisas pesadas, como o suicídio. Algumas cenas são hilárias, e Greta não se incomoda em parecer desengonçada. Ano: 2011.
DOENTES DE AMOR (The Big Sick)
Às vezes dá impressão de que as gorduras do filme (se é que de fato há) funcionariam perfeitamente em uma minissérie. Ainda assim, a agridoce comédia que conta a história de amor real de Kumail Nanjiani é encantadora. Senti falta de momentos mais lacrimosos, mas talvez a opção pela leveza tenha sido um acerto do diretor e de todos os envolvidos. Direção: Michael Showalter. Ano: 2017.
domingo, maio 17, 2020
OS 8 MAGNÍFICOS
Um dos cineastas mais queridos do Brasil é, ironicamente, um dos menos vistos. Talvez por ser querido mais pela comunidade artística e por uma boa parcela da crítica. Talvez porque ele não costuma fazer obras tão comerciais. Lembro que quando estava na sessão de TODO MUNDO TEM PROBLEMAS SEXUAIS (2008), exibido em um cinema de shopping, algumas pessoas saíram no meio, reclamando. E olha que não é um filme nada difícil; é leve, engraçado. Foi o último filme dele que foi exibido em circuito comercial em Fortaleza. Um outro que garantiu uma única sessão no Cinema do Dragão, na famosa mostra de janeiro, foi o delicioso BR-716 (2016), que é uma espécie de remake de seu maior clássico, TODAS AS MULHERES DO MUNDO (1968), que aliás, ganhou também um reboot como uma minissérie da GloboPlay.
Domingos Oliveira faleceu em março do ano passado e deixou uma série de filmes pequenos e baratos, mas muito interessados no amor, na passagem do tempo, nos relacionamentos, na alegria de estar vivo. OS 8 MAGNÍFICOS (2017), inédito nos cinemas, mas presente em uma mostra online nesta quarentena, no site https://www.inffinito.com/inff-online até 31 de maio, junto com todos os seus filmes, é um projeto diferente do diretor.
Aqui ele permite ser o menos controlador possível. Simplesmente convida oito atores e atrizes célebres para bater um papo principalmente sobre o ofício de ser ator, deixando a conversar correr suave, só de vez em quando fazendo algumas intervenções. Claro que é um filme cujo resultado depende demais da montagem, que é talvez o seu principal problema do filme, mas, como se trata de um filme que me deu um prazer tremendo de assistir, eu prefiro relevar os problemas e focar apenas nas coisas que muito me agradaram.
Os oito magníficos do título são Maria Ribeiro, Fernanda Torres, Wagner Moura, Carolina Dieckmann, Sophie Charlotte, Mateus Solano, Alexandre Nero e Du Moscovis. Alguns ficam mais à vontade com a situação e naturalmente se destacam mais, como Fernanda, Maria e Wagner. Mas o que me chamou mais a atenção no filme foi o quanto ele foi capaz de despir os seus personagens, principalmente nas cenas em que eles tomam uns vinhos. Maria mostra seu complexo de inferioridade diante da inteligência e da cultura de Fernanda, que, por sua vez, fica um tanto desconfortável com o elogio que recebe. Quem também faz um elogio muito bonito a um colega é Du, que diz nunca ter tido a honra de ter trabalhado ou estado com Wagner, mas que tem uma profunda admiração pelo ator desde que o viu pela primeira vez em uma peça de teatro, há muitos anos.
No mais, Mateus conta a piada mais engraçada; Alexandre parece desconfortável e quando ele explicita essa sensação é que o filme nos deixa mais desconcertados. (Afinal, aquilo foi uma atuação ou foi de verdade? Ao que parece foi diverdade. O beijo com Maria virou notícia de jornal tabloide, inclusive).
Quanto a Sophie, por ser a mais jovem do grupo, é geralmente elogiada pelos colegas, mas brilha sem precisar se esforçar muito. É a menina que fala (e canta em) alemão e que já foi capaz de trilhar um caminho admirável em sua carreira desde muito jovem. Inclusive, ela foi escolhida para a reencarnação de Maria Alice na série recente da Globo, até por ter repetido o papel, ainda que com outro nome, em BR-716.
Maria, por sua vez, é que havia tido mais contato com o diretor há mais tempo (pelo menos no cinema), tendo atuado em SEPARAÇÕES (2002). Em seu livro Tudo Que Sempre Quis Dizer, Mas Só Consegui Escrevendo, a atriz fala sobre Domingos: "Ele se apaixona muito. Ele separa e fica melhor amigos das ex. Ele se emociona com os amigos, com a vida, com a morte, com a arte." Ou seja, Domingos é bem o alter-ego de seu personagem em TODAS AS MULHERES DO MUNDO, e conta sua história em seus filmes.
E todo esse amor pela vida transborda neste filme, nesta sua declaração de amor aos atores e atrizes, talvez principalmente às atrizes (à Carolina, que não fala muito no filme, ele faz elogios à sua beleza como um dom divino). E que lindas que são as palavras finais do filme. São palavras de um homem que já estava com a saúde muito debilitada quando dirigiu esses últimos filmes, mas que mesmo assim soube celebrar a felicidade de estar vivo.
+ TRÊS FILMES
UM HOMEM FIEL (L'Homme Fidèle)
O menino Louis Garrel deve estar dando orgulho ao pai. Aqui trabalha com um roteiro a quatro mãos com o grande Jean-Claude Carrière em uma história engraçada de triângulos amorosos. Destaque também para o ótimo timing cômico do Garrel ator e também para as ótimas transições de eus narrativos (os três personagens principais se revezam), dando muito frescor e senso de humor ao filme. Uma grata surpresa, mas que já era de suspeitar devido à distribuidora (Supo Mungam Films). Ano: 2018.
GLORIA BELL
Às vezes a refilmagem sai melhor. Foi o caso deste GLORIA BELL, que tem uma história muito parecida (quase idêntica) à do filme original de 2013, mas que ganha muito ao contar com a atuação fantástica de Juliane Moore. O que não funcionou no filme anterior, neste foi uma beleza pra mim. Destaque também para as músicas que tocam, algumas da discoteca, outras baladas meio cafonas, outras sofisticadas. Mas tudo muito emocional. Achei lindo o final. Simples, mas admirável. Direção: Sebastián Lelio. Ano: 2018.
RASGA CORAÇÃO
Um dos melhores acertos de Jorge Furtado e um filme que sabe lidar muito bem com os diálogos entre pai e filho, sem tomar necessariamente o partido completamente de um deles. Na verdade, como é baseado em uma peça, muito do que há de bom no filme já vem da obra original de Oduvaldo Vianna Filho. Mas o elenco é ótimo, o trabalho de montagem é muito bom e há vários momentos bem tocantes. Sem falar que o tema é muito atual. Ano: 2018.
Domingos Oliveira faleceu em março do ano passado e deixou uma série de filmes pequenos e baratos, mas muito interessados no amor, na passagem do tempo, nos relacionamentos, na alegria de estar vivo. OS 8 MAGNÍFICOS (2017), inédito nos cinemas, mas presente em uma mostra online nesta quarentena, no site https://www.inffinito.com/inff-online até 31 de maio, junto com todos os seus filmes, é um projeto diferente do diretor.
Aqui ele permite ser o menos controlador possível. Simplesmente convida oito atores e atrizes célebres para bater um papo principalmente sobre o ofício de ser ator, deixando a conversar correr suave, só de vez em quando fazendo algumas intervenções. Claro que é um filme cujo resultado depende demais da montagem, que é talvez o seu principal problema do filme, mas, como se trata de um filme que me deu um prazer tremendo de assistir, eu prefiro relevar os problemas e focar apenas nas coisas que muito me agradaram.
Os oito magníficos do título são Maria Ribeiro, Fernanda Torres, Wagner Moura, Carolina Dieckmann, Sophie Charlotte, Mateus Solano, Alexandre Nero e Du Moscovis. Alguns ficam mais à vontade com a situação e naturalmente se destacam mais, como Fernanda, Maria e Wagner. Mas o que me chamou mais a atenção no filme foi o quanto ele foi capaz de despir os seus personagens, principalmente nas cenas em que eles tomam uns vinhos. Maria mostra seu complexo de inferioridade diante da inteligência e da cultura de Fernanda, que, por sua vez, fica um tanto desconfortável com o elogio que recebe. Quem também faz um elogio muito bonito a um colega é Du, que diz nunca ter tido a honra de ter trabalhado ou estado com Wagner, mas que tem uma profunda admiração pelo ator desde que o viu pela primeira vez em uma peça de teatro, há muitos anos.
No mais, Mateus conta a piada mais engraçada; Alexandre parece desconfortável e quando ele explicita essa sensação é que o filme nos deixa mais desconcertados. (Afinal, aquilo foi uma atuação ou foi de verdade? Ao que parece foi diverdade. O beijo com Maria virou notícia de jornal tabloide, inclusive).
Quanto a Sophie, por ser a mais jovem do grupo, é geralmente elogiada pelos colegas, mas brilha sem precisar se esforçar muito. É a menina que fala (e canta em) alemão e que já foi capaz de trilhar um caminho admirável em sua carreira desde muito jovem. Inclusive, ela foi escolhida para a reencarnação de Maria Alice na série recente da Globo, até por ter repetido o papel, ainda que com outro nome, em BR-716.
Maria, por sua vez, é que havia tido mais contato com o diretor há mais tempo (pelo menos no cinema), tendo atuado em SEPARAÇÕES (2002). Em seu livro Tudo Que Sempre Quis Dizer, Mas Só Consegui Escrevendo, a atriz fala sobre Domingos: "Ele se apaixona muito. Ele separa e fica melhor amigos das ex. Ele se emociona com os amigos, com a vida, com a morte, com a arte." Ou seja, Domingos é bem o alter-ego de seu personagem em TODAS AS MULHERES DO MUNDO, e conta sua história em seus filmes.
E todo esse amor pela vida transborda neste filme, nesta sua declaração de amor aos atores e atrizes, talvez principalmente às atrizes (à Carolina, que não fala muito no filme, ele faz elogios à sua beleza como um dom divino). E que lindas que são as palavras finais do filme. São palavras de um homem que já estava com a saúde muito debilitada quando dirigiu esses últimos filmes, mas que mesmo assim soube celebrar a felicidade de estar vivo.
+ TRÊS FILMES
UM HOMEM FIEL (L'Homme Fidèle)
O menino Louis Garrel deve estar dando orgulho ao pai. Aqui trabalha com um roteiro a quatro mãos com o grande Jean-Claude Carrière em uma história engraçada de triângulos amorosos. Destaque também para o ótimo timing cômico do Garrel ator e também para as ótimas transições de eus narrativos (os três personagens principais se revezam), dando muito frescor e senso de humor ao filme. Uma grata surpresa, mas que já era de suspeitar devido à distribuidora (Supo Mungam Films). Ano: 2018.
GLORIA BELL
Às vezes a refilmagem sai melhor. Foi o caso deste GLORIA BELL, que tem uma história muito parecida (quase idêntica) à do filme original de 2013, mas que ganha muito ao contar com a atuação fantástica de Juliane Moore. O que não funcionou no filme anterior, neste foi uma beleza pra mim. Destaque também para as músicas que tocam, algumas da discoteca, outras baladas meio cafonas, outras sofisticadas. Mas tudo muito emocional. Achei lindo o final. Simples, mas admirável. Direção: Sebastián Lelio. Ano: 2018.
RASGA CORAÇÃO
Um dos melhores acertos de Jorge Furtado e um filme que sabe lidar muito bem com os diálogos entre pai e filho, sem tomar necessariamente o partido completamente de um deles. Na verdade, como é baseado em uma peça, muito do que há de bom no filme já vem da obra original de Oduvaldo Vianna Filho. Mas o elenco é ótimo, o trabalho de montagem é muito bom e há vários momentos bem tocantes. Sem falar que o tema é muito atual. Ano: 2018.
sexta-feira, maio 15, 2020
GO GO TALES
Abel Ferrara sempre foi um cineasta complicado para agradar tanto aos exibidores e estúdios americanos. Assim, ele começou a contar com a ajuda financeira de países que valorizam mais o seu trabalho, principalmente a Itália e a França. GO GO TALES (2007) é outro de seus filmes que conta com coprodução europeia, desta vez italiana. Inclusive, parte das cenas foram rodadas na lendária Cinecittà, estúdio situado na periferia de Roma e que foi espaço para inúmeras produções do país da bota e também de outros países que quiseram lá rodar.
E quanto ao prestígio de Ferrara com a crítica, é impressionante que, em um mesmo ano, dois filmes do realizador estiveram presentes no tão aguardado top 10 da Cahiers du Cinéma. Como GO GO TALES só foi lançado comercialmente na França em 2012, foi só neste ano que o filme apareceu na lista, junto com outro do realizador, o ainda inédito por mim 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011). Claro que não é só questão de ser um filme que vá agradar apenas aos críticos. Sabemos de todas as histórias envolvendo sabotagens dos próprios estúdios que financiaram produções dirigidas pelo realizador.
Confesso que GO GO TALES não está entre os meus filmes mais queridos de Ferrara. Talvez eu quisesse algo continuando a linha de MARIA (2005), já que achei tão interessantes as discussões teológicas e o modo como ele fez cinema inventivo com isso tudo. Em vez disso, o diretor resolveu voltar ao mundo de pessoas um tanto marginalizadas, no caso, a de um clube de striptease, universo que já havia sido abordado em CIDADE DO MEDO (1984).
Mas engana-se quem pensa que o diretor iria fazer um filme numa linha mais exploitation. As cenas de striptease não são lá tão animadoras e por vários momentos eu vi aqueles homens colocando dinheiro nas calcinhas das moças que dançavam para eles como seres um tanto bobos. Pode ser coisa da idade, não sei. De todo modo, não acho mesmo que o diretor quisesse fazer um filme com cenas de sexo ou sequências sensuais. O foco aqui é no dia de cão pelo que passa o personagem de Willem Dafoe, Ray, administrador e apresentador da boate Ruby's Paradise, que leva o seu sobrenome, inclusive, mas que é bancada pelo seu irmão, Johnie, vivido por Matthew Modine.
Ray está passando por uma situação delicada, já que é um jogador viciado e fez uma aposta na loteria com o dinheiro arrecadado da noite. A boa notícia é que ele ganhou; a má é que ele não consegue encontrar o bilhete. No mesmo dia, as dançarinas reclamam do atraso no pagamento, a dona do imóvel quer ele de volta, e o irmão veio dizer que vai "desligar a tomada" do lugar, que está dando prejuízo.
No que se refere à ideia do ambiente e das pessoas como algo próximo a uma família, eu prefiro muito mais PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg, mas isso se dá por motivos variados, e sei o quanto os dois filmes são distintos, inclusive em suas propostas. No mais, não dá para dizer que Ferrara trai sua proposta de cinema. Ele continua lidando com criaturas da noite, só que agora parece querer dar-lhes uma trégua, fazer com que a sua passagem pelo nosso plano seja por um inferno mais tranquilo.
Soube que Ferrara baseou GO GO TALES em uma obra de John Cassavetes, A MORTE DE UM BOOKMAKER CHINÊS, justamente um filme que eu ainda não vi, mas que pretendo ver em breve.
GO GO TALES traz de volta pelo menos quatro atores que já trabalharam com o realizador: Willem Dafoe, Matthew Modine, Asia Argento e Shanyn Leigh.
+ TRÊS FILMES
ESPÍRITO JOVEM (Teen Spirit)
Bonito e simples este drama musical em que Elle Fanning faz uma aspirante a estrela da música, em um desses programas de reality shows para novos cantores. Gosto do andamento do filme e é difícil não gostar de ver a beleza de Elle o tempo inteiro. Quanto às suas habilidades como cantora, não é tão impressionante assim. Não sei se por causa das músicas, que também não ajudaram. Mas o filme se sustenta em seu sentimento e em seu relacionamento com um senhor alcoólatra que se candidatou a ser seu empresário e principal auxiliador. Direção: Max Minghella. Ano: 2018.
VERÃO (Leto)
Que beleza de filme! Que surpresa mais linda no final do ano de 2018! Quem gosta de rock vai se deliciar ainda mais com tudo, mas talvez mesmo quem não goste possa amar a história envolvendo o triângulo amoroso entre uma bela mulher e dois líderes de bandas de rock da União Soviética do início dos anos 80. Rola também identificação com o cenário brasileiro oitentista. Direção: Kirill Serebrennikov. Ano: 2018.
NICO, 1988
Como não conhecia a história de Nico, ainda mais seus momentos de decadência, o filme já tem um aspecto de curiosidade que já chama a atenção. Trine Dyrholm está bem, mas seu rosto muito familiar (dos filmes suecos) acabou me deixando um pouco sem comprar tão bem a personagem. Mas é sem dúvida um belo filme sobre a decadência de uma pessoa/artista. Direção: Susanna Nicchiarelli. Ano: 2017.
E quanto ao prestígio de Ferrara com a crítica, é impressionante que, em um mesmo ano, dois filmes do realizador estiveram presentes no tão aguardado top 10 da Cahiers du Cinéma. Como GO GO TALES só foi lançado comercialmente na França em 2012, foi só neste ano que o filme apareceu na lista, junto com outro do realizador, o ainda inédito por mim 4:44 - O FIM DO MUNDO (2011). Claro que não é só questão de ser um filme que vá agradar apenas aos críticos. Sabemos de todas as histórias envolvendo sabotagens dos próprios estúdios que financiaram produções dirigidas pelo realizador.
Confesso que GO GO TALES não está entre os meus filmes mais queridos de Ferrara. Talvez eu quisesse algo continuando a linha de MARIA (2005), já que achei tão interessantes as discussões teológicas e o modo como ele fez cinema inventivo com isso tudo. Em vez disso, o diretor resolveu voltar ao mundo de pessoas um tanto marginalizadas, no caso, a de um clube de striptease, universo que já havia sido abordado em CIDADE DO MEDO (1984).
Mas engana-se quem pensa que o diretor iria fazer um filme numa linha mais exploitation. As cenas de striptease não são lá tão animadoras e por vários momentos eu vi aqueles homens colocando dinheiro nas calcinhas das moças que dançavam para eles como seres um tanto bobos. Pode ser coisa da idade, não sei. De todo modo, não acho mesmo que o diretor quisesse fazer um filme com cenas de sexo ou sequências sensuais. O foco aqui é no dia de cão pelo que passa o personagem de Willem Dafoe, Ray, administrador e apresentador da boate Ruby's Paradise, que leva o seu sobrenome, inclusive, mas que é bancada pelo seu irmão, Johnie, vivido por Matthew Modine.
Ray está passando por uma situação delicada, já que é um jogador viciado e fez uma aposta na loteria com o dinheiro arrecadado da noite. A boa notícia é que ele ganhou; a má é que ele não consegue encontrar o bilhete. No mesmo dia, as dançarinas reclamam do atraso no pagamento, a dona do imóvel quer ele de volta, e o irmão veio dizer que vai "desligar a tomada" do lugar, que está dando prejuízo.
No que se refere à ideia do ambiente e das pessoas como algo próximo a uma família, eu prefiro muito mais PARAÍSO PERDIDO, de Monique Gardenberg, mas isso se dá por motivos variados, e sei o quanto os dois filmes são distintos, inclusive em suas propostas. No mais, não dá para dizer que Ferrara trai sua proposta de cinema. Ele continua lidando com criaturas da noite, só que agora parece querer dar-lhes uma trégua, fazer com que a sua passagem pelo nosso plano seja por um inferno mais tranquilo.
Soube que Ferrara baseou GO GO TALES em uma obra de John Cassavetes, A MORTE DE UM BOOKMAKER CHINÊS, justamente um filme que eu ainda não vi, mas que pretendo ver em breve.
GO GO TALES traz de volta pelo menos quatro atores que já trabalharam com o realizador: Willem Dafoe, Matthew Modine, Asia Argento e Shanyn Leigh.
+ TRÊS FILMES
ESPÍRITO JOVEM (Teen Spirit)
Bonito e simples este drama musical em que Elle Fanning faz uma aspirante a estrela da música, em um desses programas de reality shows para novos cantores. Gosto do andamento do filme e é difícil não gostar de ver a beleza de Elle o tempo inteiro. Quanto às suas habilidades como cantora, não é tão impressionante assim. Não sei se por causa das músicas, que também não ajudaram. Mas o filme se sustenta em seu sentimento e em seu relacionamento com um senhor alcoólatra que se candidatou a ser seu empresário e principal auxiliador. Direção: Max Minghella. Ano: 2018.
VERÃO (Leto)
Que beleza de filme! Que surpresa mais linda no final do ano de 2018! Quem gosta de rock vai se deliciar ainda mais com tudo, mas talvez mesmo quem não goste possa amar a história envolvendo o triângulo amoroso entre uma bela mulher e dois líderes de bandas de rock da União Soviética do início dos anos 80. Rola também identificação com o cenário brasileiro oitentista. Direção: Kirill Serebrennikov. Ano: 2018.
NICO, 1988
Como não conhecia a história de Nico, ainda mais seus momentos de decadência, o filme já tem um aspecto de curiosidade que já chama a atenção. Trine Dyrholm está bem, mas seu rosto muito familiar (dos filmes suecos) acabou me deixando um pouco sem comprar tão bem a personagem. Mas é sem dúvida um belo filme sobre a decadência de uma pessoa/artista. Direção: Susanna Nicchiarelli. Ano: 2017.
quinta-feira, maio 14, 2020
M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (Eine Stadt Sucht Einen Mörder)
Como ainda não tenho tanta intimidade com o cinema de Fritz Lang, acabo ficando um pouco intimidado para escrever a respeito, ainda mais em se tratando de uma obra tão grandiosa quanto M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931). Mas tentarei falar um pouco de algumas impressões que tive. A intenção é ver mais obras de Lang (quase todas), a fim de preencher as enormes lacunas.
O que mais me chamou a atenção nesta revisão de M foi o uso do som. Até dei uma "googlada" em alguns textos e vi que há alguns estudos imensos sobre a abordagem do som neste filme em particular, que foi, sim, revolucionária. Afinal, quando falamos de filmes do início dos anos 1930, sentimos aquele problema de um uso do som ainda um tanto deficiente, já que era um momento de transição. Lang, ainda por cima, fez do som um elemento fundamental para a narrativa, já que o assassino (Peter Lorre) está sempre assobiando quando se aproxima de uma de suas vítimas, sempre uma criança.
A ideia para o filme veio através de discussões entre Lang e sua então esposa Thea von Harbou, que co-assinou o roteiro junto com o diretor. Na discussão, eles se perguntavam qual seria o crime mais bárbaro, mais repugnante para ser abordado em seu futuro filme. E a partir dessa discussão veio o consenso de fazer um filme sobre um assassino de crianças. Não apenas um assassino, mas também um estuprador, o que é algo ainda mais terrível.
E para não ficar apenas nas estatísticas e na informação em si, o filme já começa mostrando a situação de desespero de uma mãe, que prepara a mesa para sua filha, que estava voltando da escola. Infelizmente, a pequena Elsie não volta. Ela é a nova vítima do maníaco. A primeira aparição do assassino é também bem memorável, com utilização de uma sombra sobre um cartaz que oferece recompensa para a captura do monstro.
Outra coisa que chama a atenção em M é o quanto os personagens principais demoram a se destacar, já que a narrativa nos apresenta a muitas pessoas comuns lidando com a situação, seja se revoltando em conversas em bares, seja confundindo homens inocentes na rua, seja se preparando para uma caçada coletiva ao assassino - sensacional a formação conjunta de mendigos nas ruas como espiões para a caçada. Destaque também para a montagem de cenas que mostram a mobilização tanto da polícia, quanto da organização criminosa, que estava se sentindo prejudicada em seus negócios e percebe que precisaria juntar forças para apanhar o assassino também.
Um dos aspectos mais curiosos de M está no fato de que, uma vez que conhecemos mais de perto o assassino, através daquele monólogo antológico, quando ele enfrenta um julgamento popular no submundo do crime, é que ele não se vê como a pior pessoa do mundo. Afinal, ele não consegue domar o demônio interior que o força a cometer os assassinatos, enquanto que a maioria das pessoas age conscientemente do mal que estão fazendo. É uma ousadia e tanto para um filme, algo que muito dificilmente seria aceito se M fosse rodado em Hollywood.
E há essa ligação de Lang, essa aproximação dele com o criminoso, talvez por ele também carregar algum tipo de culpa. Ele mesmo, que foi chamado de assassino depois que sua esposa anterior cometeu suicídio após flagrá-lo na cama com a então amante Thea von Harbou. Durante algum tempo, Lang foi suspeito de assassinato da esposa. E o filme também nos dá um final aberto, o que o deixa ainda mais intenso, com a visão das três mães.
As novas cópias disponíveis acentuam a beleza da fotografia de Fritz Arno Wagner, que tem em seu currículo obras como NOSFERATU, de F.W. Murnau, e um trabalho anterior de Lang, OS ESPIÕES (1928). No elenco, além de Lorre, brilham também Gustav Gründgens, que faz o rei do crime de luvas pretas, e Otto Wernicke, no papel do inspetor Karl 'Fatty' Lohmann.
+ TRÊS FILMES
A CASA QUE JACK CONSTRUIU (The House That Jack Built)
Dos melhores trabalhos do Lars von Trier, este filme sobre a psicopatia de um homem tem muita semelhança com o trabalho anterior do diretor. Se antes era o sexo o tema, agora é a violência, mas ambos os filmes trazem co-narradores que dialogam com o protagonista em sua história de declínio espiritual. Há pelo menos uma cena bem barra pesada, mas o que me encantou foi mesmo a sequência final. Como aconteceu com ANTICRISTO (2009), é filme para ficar pensando a respeito bastante.
O ANIMAL CORDIAL
Eu não esperava encontrar um dos filmes mais incômodos que eu já vi neste primeiro longa-metragem de Gabriela Amaral Almeida, que já tinha uma bem-sucedida carreira de curtas. Adoro A MÃO QUE AFAGA (2012) e principalmente ESTÁTUA! (2014). Então, a gente já sabia de seu gosto e interesse pelo filme de gênero, e o quanto de valioso ela ia adicionar ao nosso cinema. O que me surpreendeu foi o modo como ela mostrou a violência não como algo fascinante, como em um filme do Peckinpah, do Tarantino ou do Scorsese, mas como um sentimento extremamente perturbador mesmo. E ainda tratar de questões sociais, como as relações entre empregada e patrão, de preconceito etc. Ano: 2017.
CUSTÓDIA (Jusqu'à la Garde)
Tendo a Supo Mungam Films já deu pra notar que estávamos diante de um filme diferente do que normalmente se vê no Festival Varilux. E que bom. CUSTÓDIA é tenso desde o começo, mas essa tensão vai crescendo. Arriscado dizer que pessoas muito sensíveis podem achar o filme muito pesado, psicologicamente. Destaque para os planos mais longos. Direção: Xavier Legrand. Ano: 2017.
O que mais me chamou a atenção nesta revisão de M foi o uso do som. Até dei uma "googlada" em alguns textos e vi que há alguns estudos imensos sobre a abordagem do som neste filme em particular, que foi, sim, revolucionária. Afinal, quando falamos de filmes do início dos anos 1930, sentimos aquele problema de um uso do som ainda um tanto deficiente, já que era um momento de transição. Lang, ainda por cima, fez do som um elemento fundamental para a narrativa, já que o assassino (Peter Lorre) está sempre assobiando quando se aproxima de uma de suas vítimas, sempre uma criança.
A ideia para o filme veio através de discussões entre Lang e sua então esposa Thea von Harbou, que co-assinou o roteiro junto com o diretor. Na discussão, eles se perguntavam qual seria o crime mais bárbaro, mais repugnante para ser abordado em seu futuro filme. E a partir dessa discussão veio o consenso de fazer um filme sobre um assassino de crianças. Não apenas um assassino, mas também um estuprador, o que é algo ainda mais terrível.
E para não ficar apenas nas estatísticas e na informação em si, o filme já começa mostrando a situação de desespero de uma mãe, que prepara a mesa para sua filha, que estava voltando da escola. Infelizmente, a pequena Elsie não volta. Ela é a nova vítima do maníaco. A primeira aparição do assassino é também bem memorável, com utilização de uma sombra sobre um cartaz que oferece recompensa para a captura do monstro.
Outra coisa que chama a atenção em M é o quanto os personagens principais demoram a se destacar, já que a narrativa nos apresenta a muitas pessoas comuns lidando com a situação, seja se revoltando em conversas em bares, seja confundindo homens inocentes na rua, seja se preparando para uma caçada coletiva ao assassino - sensacional a formação conjunta de mendigos nas ruas como espiões para a caçada. Destaque também para a montagem de cenas que mostram a mobilização tanto da polícia, quanto da organização criminosa, que estava se sentindo prejudicada em seus negócios e percebe que precisaria juntar forças para apanhar o assassino também.
Um dos aspectos mais curiosos de M está no fato de que, uma vez que conhecemos mais de perto o assassino, através daquele monólogo antológico, quando ele enfrenta um julgamento popular no submundo do crime, é que ele não se vê como a pior pessoa do mundo. Afinal, ele não consegue domar o demônio interior que o força a cometer os assassinatos, enquanto que a maioria das pessoas age conscientemente do mal que estão fazendo. É uma ousadia e tanto para um filme, algo que muito dificilmente seria aceito se M fosse rodado em Hollywood.
E há essa ligação de Lang, essa aproximação dele com o criminoso, talvez por ele também carregar algum tipo de culpa. Ele mesmo, que foi chamado de assassino depois que sua esposa anterior cometeu suicídio após flagrá-lo na cama com a então amante Thea von Harbou. Durante algum tempo, Lang foi suspeito de assassinato da esposa. E o filme também nos dá um final aberto, o que o deixa ainda mais intenso, com a visão das três mães.
As novas cópias disponíveis acentuam a beleza da fotografia de Fritz Arno Wagner, que tem em seu currículo obras como NOSFERATU, de F.W. Murnau, e um trabalho anterior de Lang, OS ESPIÕES (1928). No elenco, além de Lorre, brilham também Gustav Gründgens, que faz o rei do crime de luvas pretas, e Otto Wernicke, no papel do inspetor Karl 'Fatty' Lohmann.
+ TRÊS FILMES
A CASA QUE JACK CONSTRUIU (The House That Jack Built)
Dos melhores trabalhos do Lars von Trier, este filme sobre a psicopatia de um homem tem muita semelhança com o trabalho anterior do diretor. Se antes era o sexo o tema, agora é a violência, mas ambos os filmes trazem co-narradores que dialogam com o protagonista em sua história de declínio espiritual. Há pelo menos uma cena bem barra pesada, mas o que me encantou foi mesmo a sequência final. Como aconteceu com ANTICRISTO (2009), é filme para ficar pensando a respeito bastante.
O ANIMAL CORDIAL
Eu não esperava encontrar um dos filmes mais incômodos que eu já vi neste primeiro longa-metragem de Gabriela Amaral Almeida, que já tinha uma bem-sucedida carreira de curtas. Adoro A MÃO QUE AFAGA (2012) e principalmente ESTÁTUA! (2014). Então, a gente já sabia de seu gosto e interesse pelo filme de gênero, e o quanto de valioso ela ia adicionar ao nosso cinema. O que me surpreendeu foi o modo como ela mostrou a violência não como algo fascinante, como em um filme do Peckinpah, do Tarantino ou do Scorsese, mas como um sentimento extremamente perturbador mesmo. E ainda tratar de questões sociais, como as relações entre empregada e patrão, de preconceito etc. Ano: 2017.
CUSTÓDIA (Jusqu'à la Garde)
Tendo a Supo Mungam Films já deu pra notar que estávamos diante de um filme diferente do que normalmente se vê no Festival Varilux. E que bom. CUSTÓDIA é tenso desde o começo, mas essa tensão vai crescendo. Arriscado dizer que pessoas muito sensíveis podem achar o filme muito pesado, psicologicamente. Destaque para os planos mais longos. Direção: Xavier Legrand. Ano: 2017.
quarta-feira, maio 13, 2020
AMANTES (Two Lovers)
Não estava nos meus planos rever AMANTES (2008), de James Gray, tão cedo. Mas o pessoal do Cinema na Varanda fez uma votação entre os leitores para discussão no quadro "Cinemateca da Varanda" e este filme acabou ganhando de outros três. Eu mesmo votei em AMANTES para rever, inclusive. E ouvir a discussão da turma foi o que mais me incentivou a escrever sobre o filme hoje. Ia deixar para amanhã ou outro dia. Durante a discussão, alguns membros, principalmente Tiago Faria, comentaram sobre o quanto a percepção sobre a obra mudou em relação à primeira vez que viram o filme, na época em que ele foi lançado nos cinemas. Eu também tive essa percepção bem distinta.
Quando vi o filme nos cinemas, eu estava apaixonado. Muito em sintonia com o sentimento confuso de Leonard, o personagem de Joaquin Phoenix. Se não me engano, eu sequer percebi o quanto a vizinha Michelle, vivida por Gwyneth Paltrow, não estava mesmo dando bola para o protagonista. Só porque a loira foi simpática e afetuosa com ele não quer dizer que ele tivesse tanta chance. Enquanto que o relacionamento mais certo porém sem paixão com a personagem Sandra (Vinessa Shaw), a morena, se tornava menos interessante, talvez justamente por isso. Claro que tem a questão da beleza e de certa atratividade com o fato de a loira ser uma garota cheia de problemas; isso tudo conta pontos na cabeça de pessoas mais românticas. E por românticas falo de pessoas que têm um pé nos excessos e até mesmo na morbidez.
Fui reler o que escrevi sobre o filme em 2009 sob os efeitos da paixão e achei interessante o quanto consegui ainda ser razoavelmente racional mesmo estando em uma situação de embriaguez emocional e dor no peito (ou algo parecido). De todo modo, com o distanciamento e com o coração livre de hoje (por assim dizer), percebo o quanto Leonard se deixa levar pela fantasia de querer jogar tudo para cima e fugir com a mulher amada (o que quase acontece), e o quanto ele podia estar perdendo uma chance de ouro ao ter ao lado de si uma pessoa tão carinhosa e especial como Sandra.
Outro aspecto que poderia ser levado em consideração seria o quanto a família representava uma espécie de prisão para Leonard, não apenas por tentar procurar ajudá-lo, até mesmo apontando uma namorada para ele, mas também por não dar o devido espaço ao rapaz para que ele pudesse agir de maneira mais livre, por mais que seu transtorno bipolar e seu comportamento suicida fossem sim motivos de preocupação. Agora, vendo o filme, eu entendo o quanto essa família também é extremamente amorosa, tanto a mãe, quanto o pai. E o pessoal da Varanda lembra, de maneira feliz, da cena da escada, do abraço, com Isabella Rossellini simbolizando a matriarca que deseja o melhor para o filho.
Mas AMANTES não seria tão especial se não fosse tão rico como cinema. Passei boa parte do texto falando sobre a minha relação de identificação e empatia com os personagens e não falei no quanto James Gray foi fantástico ao dirigir certas cenas. As duas cenas no terraço do prédio se passam com pouca iluminação, uma delas quando o sol ainda estava nascendo. Essa ambientação traz um sentimento muito especial para aquela situação de desejo intenso de Leonard por Michelle. E também representativo de um estado de espírito mais nebuloso. Há também uma cena de tempestade, quando Leonard recebe uma ligação de Michelle precisando de ajuda: ela acabara de sofrer um aborto espontâneo.
Enquanto isso, as cenas com Sandra são agradáveis e impregnadas de um tipo de paz interior, ainda que essa paz seja pouco valorizada por Leonard, figura tão mais interessada em explosões de sentimentos, tão mais atraído pelas paixões, por mais que ele entenda que paixão também significa sofrimento. Em determinado momento do filme ele diz para Michelle: eu sei o que é amor, eu já amei alguém. E, de fato, Michelle pode ter provocado uma vontade de viver que estivesse faltando na vida do rapaz. Sei disso também por experiência própria, inclusive, agradecendo a uma moça que não me quis lá por 2007, mas que trouxe de volta esse sentimento intenso novamente.
AMANTES é uma prova de que o amor e o cinema sempre andam de mãos dadas. E essa confusão de sentimentos, de pensamentos, de dualidades, de ambiguidades que um filme como este é capaz de trazer só reforça essa união.
+ TRÊS FILMES
EMA
Eu costumo me irritar, por um motivo ou outro, com os filmes do Pablo Larraín. Por isso que fiquei tão surpreso ao ter adorado JACKIE (2016), sua experiência em cinema de língua inglesa. Aqui, de volta ao seu país, ele novamente nos apresenta a uma mulher que vive um turbilhão de emoções e tribulações. Ela e o marido devolveram para adoção a criança que eles tinham como filho, depois de algumas presepadas pesadas do menino. Junta o sentimento de culpa com o julgamento da sociedade. E depois uma busca criativa de redenção de Ema. Mariana Di Girolamo é sim uma mulher atraente, especialmente quando olha nos olhos daquelas pessoas a quem quer seduzir; mas às vezes parece que o filme não consegue fazer com que nos apaixonemos por ela, talvez pela busca do diretor por um cinema tão focado na forma que o sentimento acaba sendo prejudicado. E o que é aquele aviso de sexo explícito no início do filme? Se tem, eu não vi. Ano: 2019.
YESTERDAY
Uma ode aos Beatles, à genialidade desses caras que mudaram o mundo. O ponto de partida do filme por si só já é muito atraente e confere um monte de situações divertidas. Só não achei que funcionou como química a questão do romance entre o protagonista e a bela amiga vivida por Lily James. Acredito que o filme foi apressado em muitos aspectos, inclusive em não fornecer uma base maior e melhor para a construção do sentimento entre os dois. Isso o tornaria tão mágico quanto outros clássicos roteirizados por Richard Curtis. E com as canções dos Beatles, então, teria sido ainda mais mágico. Mas não há muito o que reclamar além disso. O filme é uma delícia de ver e mais uma vez pensamos no quanto o quarteto de Liverpool foi fantástico em criar um conjunto de canções tão impressionante em um espaço de tempo tão curto. Nenhuma outra banda faria algo igual. Direção: Danny Boyle. Ano: 2019.
ENTRE TEMPOS (Ricordi?)
Segundo filme italiano seguido que me faz renovar a esperança num reerguimento da cinematografia do país. É um filme que exige um pouquinho mais do espectador. A montagem é um tanto recortada, lembrando os primeiros filmes de Alain Resnais, embora em alguns momentos também lembre Khouri. É um filme sobre a memória na vida de um homem e uma mulher que se conhecem e se apaixonam. As memórias, como lhe são características, não obedecem muito bem uma linha cronológica. Mas mesmo tendo algum vai e vem, ENTRE TEMPOS é um filme que segue uma linha do presente para o futuro, tendo o passado como um tanto borrado. Gosto muito das digressões dos personagens sobre o tempo e sobre a memória. Nos faz pensar no quanto cada momento acaba se tornando algo muito pouco palpável, mesmo quando estamos apreciando o momento presente. Direção: Valerio Mieli. Ano: 2018.
Quando vi o filme nos cinemas, eu estava apaixonado. Muito em sintonia com o sentimento confuso de Leonard, o personagem de Joaquin Phoenix. Se não me engano, eu sequer percebi o quanto a vizinha Michelle, vivida por Gwyneth Paltrow, não estava mesmo dando bola para o protagonista. Só porque a loira foi simpática e afetuosa com ele não quer dizer que ele tivesse tanta chance. Enquanto que o relacionamento mais certo porém sem paixão com a personagem Sandra (Vinessa Shaw), a morena, se tornava menos interessante, talvez justamente por isso. Claro que tem a questão da beleza e de certa atratividade com o fato de a loira ser uma garota cheia de problemas; isso tudo conta pontos na cabeça de pessoas mais românticas. E por românticas falo de pessoas que têm um pé nos excessos e até mesmo na morbidez.
Fui reler o que escrevi sobre o filme em 2009 sob os efeitos da paixão e achei interessante o quanto consegui ainda ser razoavelmente racional mesmo estando em uma situação de embriaguez emocional e dor no peito (ou algo parecido). De todo modo, com o distanciamento e com o coração livre de hoje (por assim dizer), percebo o quanto Leonard se deixa levar pela fantasia de querer jogar tudo para cima e fugir com a mulher amada (o que quase acontece), e o quanto ele podia estar perdendo uma chance de ouro ao ter ao lado de si uma pessoa tão carinhosa e especial como Sandra.
Outro aspecto que poderia ser levado em consideração seria o quanto a família representava uma espécie de prisão para Leonard, não apenas por tentar procurar ajudá-lo, até mesmo apontando uma namorada para ele, mas também por não dar o devido espaço ao rapaz para que ele pudesse agir de maneira mais livre, por mais que seu transtorno bipolar e seu comportamento suicida fossem sim motivos de preocupação. Agora, vendo o filme, eu entendo o quanto essa família também é extremamente amorosa, tanto a mãe, quanto o pai. E o pessoal da Varanda lembra, de maneira feliz, da cena da escada, do abraço, com Isabella Rossellini simbolizando a matriarca que deseja o melhor para o filho.
Mas AMANTES não seria tão especial se não fosse tão rico como cinema. Passei boa parte do texto falando sobre a minha relação de identificação e empatia com os personagens e não falei no quanto James Gray foi fantástico ao dirigir certas cenas. As duas cenas no terraço do prédio se passam com pouca iluminação, uma delas quando o sol ainda estava nascendo. Essa ambientação traz um sentimento muito especial para aquela situação de desejo intenso de Leonard por Michelle. E também representativo de um estado de espírito mais nebuloso. Há também uma cena de tempestade, quando Leonard recebe uma ligação de Michelle precisando de ajuda: ela acabara de sofrer um aborto espontâneo.
Enquanto isso, as cenas com Sandra são agradáveis e impregnadas de um tipo de paz interior, ainda que essa paz seja pouco valorizada por Leonard, figura tão mais interessada em explosões de sentimentos, tão mais atraído pelas paixões, por mais que ele entenda que paixão também significa sofrimento. Em determinado momento do filme ele diz para Michelle: eu sei o que é amor, eu já amei alguém. E, de fato, Michelle pode ter provocado uma vontade de viver que estivesse faltando na vida do rapaz. Sei disso também por experiência própria, inclusive, agradecendo a uma moça que não me quis lá por 2007, mas que trouxe de volta esse sentimento intenso novamente.
AMANTES é uma prova de que o amor e o cinema sempre andam de mãos dadas. E essa confusão de sentimentos, de pensamentos, de dualidades, de ambiguidades que um filme como este é capaz de trazer só reforça essa união.
+ TRÊS FILMES
EMA
Eu costumo me irritar, por um motivo ou outro, com os filmes do Pablo Larraín. Por isso que fiquei tão surpreso ao ter adorado JACKIE (2016), sua experiência em cinema de língua inglesa. Aqui, de volta ao seu país, ele novamente nos apresenta a uma mulher que vive um turbilhão de emoções e tribulações. Ela e o marido devolveram para adoção a criança que eles tinham como filho, depois de algumas presepadas pesadas do menino. Junta o sentimento de culpa com o julgamento da sociedade. E depois uma busca criativa de redenção de Ema. Mariana Di Girolamo é sim uma mulher atraente, especialmente quando olha nos olhos daquelas pessoas a quem quer seduzir; mas às vezes parece que o filme não consegue fazer com que nos apaixonemos por ela, talvez pela busca do diretor por um cinema tão focado na forma que o sentimento acaba sendo prejudicado. E o que é aquele aviso de sexo explícito no início do filme? Se tem, eu não vi. Ano: 2019.
YESTERDAY
Uma ode aos Beatles, à genialidade desses caras que mudaram o mundo. O ponto de partida do filme por si só já é muito atraente e confere um monte de situações divertidas. Só não achei que funcionou como química a questão do romance entre o protagonista e a bela amiga vivida por Lily James. Acredito que o filme foi apressado em muitos aspectos, inclusive em não fornecer uma base maior e melhor para a construção do sentimento entre os dois. Isso o tornaria tão mágico quanto outros clássicos roteirizados por Richard Curtis. E com as canções dos Beatles, então, teria sido ainda mais mágico. Mas não há muito o que reclamar além disso. O filme é uma delícia de ver e mais uma vez pensamos no quanto o quarteto de Liverpool foi fantástico em criar um conjunto de canções tão impressionante em um espaço de tempo tão curto. Nenhuma outra banda faria algo igual. Direção: Danny Boyle. Ano: 2019.
ENTRE TEMPOS (Ricordi?)
Segundo filme italiano seguido que me faz renovar a esperança num reerguimento da cinematografia do país. É um filme que exige um pouquinho mais do espectador. A montagem é um tanto recortada, lembrando os primeiros filmes de Alain Resnais, embora em alguns momentos também lembre Khouri. É um filme sobre a memória na vida de um homem e uma mulher que se conhecem e se apaixonam. As memórias, como lhe são características, não obedecem muito bem uma linha cronológica. Mas mesmo tendo algum vai e vem, ENTRE TEMPOS é um filme que segue uma linha do presente para o futuro, tendo o passado como um tanto borrado. Gosto muito das digressões dos personagens sobre o tempo e sobre a memória. Nos faz pensar no quanto cada momento acaba se tornando algo muito pouco palpável, mesmo quando estamos apreciando o momento presente. Direção: Valerio Mieli. Ano: 2018.
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