Que bom seria se a gente pudesse voltar ao passado e consertar algo que julgamos ter sido um erro, e assim poder moldar a realidade conforme a nossa vontade. Pelo menos uma única vez. Como se fosse um gesto de bondade dos deuses. Pois bem. TODAS AS MULHERES DO MUNDO (1966) é uma tentativa de fazer na arte o que não é possível na vida. E também de seu diretor, Domingos de Oliveira, conseguir reconquistar a ex-namorada Leila Diniz de volta, ao convidá-la para ser uma das protagonistas de seu longa-metragem de estreia na direção.
E esse amor por Leila Diniz, que aqui faz uma moça adorável e de gestos contidos de nome Maria Alice, se vê nos vários close-ups de seu rosto, a câmera a namorando o tempo inteiro. Há até uma declaração de amor linda na cena em que ela está nua - embora a cena não explore graficamente seu corpo - quando Paulo (Paulo José), o alter-ego de Domingos, diz "teu sexo: um rio onde navega meu barco ao vento de sete paixões".
Há em TODAS AS MULHERES DO MUNDO o uso de uma liberdade narrativa leve herdada do pessoal da nouvelle vague francesa, principalmente dos primeiros trabalhos de Godard e Truffaut, e isso é muito agradável de acompanhar até hoje. Não envelheceu. Ou ao menos envelheceu de maneira muito bonita. O próprio Domingos sentiu necessidade de recontar esta história, ou a história mais próxima da realidade, no belíssimo BR 716 (2016), em que a personagem de Leila agora é vivida por Sophie Charlotte e Caio Blat aparece no papel do diretor e roteirista.
Essa é uma das belezas da arte quando ela se alimenta da vida, em especial quando determinados momentos da vida foram tão importantes para o artista. Neste caso, a invasão da vida real ao território da ficção se torna não apenas necessária como muito bem-vinda. E quando ficamos sabendo um pouco dos bastidores, da situação em si, parece até que o filme ganha ainda mais força.
Na trama, Paulo é um sujeito que encontra o amigo Edu (Flávio Migliaccio) e lhe conta o que andou fazendo durante todo o tempo em que não se viam. E isso se resumiu basicamente ao aparecimento de Maria Alice em seu apartamento, em uma de suas festas. Depois disso, ele teve a cara de pau de tomar a moça de seu namorado, conquista-a com seu bom humor e sua persistência, e, mesmo depois de um vacilo dele, enquanto a mulher faz uma viagem rápida, ele consegue reconquistá-la; ela o perdoa. As cenas de escapada dele são bem divertidas, assim como a curta aventura dela sozinha, em São Paulo. São cenas que são mostradas em ótima montagem que evidenciam pontos de vista diferentes com relação aos relacionamentos, já que para Paulo as mulheres sempre foram para ele como uma loja de doces.
Há os momentos em que os personagens ficam tristes, mas TODAS AS MULHERES DO MUNDO procura nunca querer deixar a tristeza contagiar a leveza e a alegria do filme, por mais que o final feliz pareça até um tanto romantizado demais para se acreditar. Mas o final feliz com a mulher amada é justamente a vontade de modificar o destino, nem que seja só na arte. Nem que continue parecendo só um sonho.
Curiosamente, antes de ver este filme eu era um desses sujeitos que dizia que Domingos de Oliveira era o Woody Allen brasileiro. Mas não há sentido em dizer isso, já que o Allen que conta é o de NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA, de 1977, ou seja, mais de dez anos depois da exibição no Festival de Brasília do filme de Domingos. Talvez seja o nosso complexo de inferioridade em relação aos americanos, ou talvez Allen tenha demarcado território de maneira mais ferrenha enquanto o nosso cronista dos relacionamentos entre homens e mulheres teve maior dificuldade de ser conhecido do grande público. Mas ainda há tempo de conhecer.
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