Eis um filme que não poderia ter sido feito em pior momento. Na verdade, do jeito que Louis C.K. narra a sua história de um pai que quer dar o melhor para sua filha adolescente, mas que se vê diante de uma situação complicada, fica a dúvida se ele queria provocar ou se estava sendo ingênuo ao abordar uma questão um tanto delicada dessas, por mais que, ao final, percebamos que I LOVE YOU, DADDY (2017) é uma espécie de conto moral.
O que acabou deixando o filme com fama de maldito (e proibido também, no caso) foi a repercussão negativa em torno das acusações de assédio sexual cometidas pelo diretor, ator e comediante. Talvez ele tenha sido mais vítima de suas taras (que envolviam ele gostando de se masturbar na frente das mulheres), não um monstro como foi Harvey Weinstein, esse sim um estuprador e manipulador que merece o desprezo da indústria e até a cadeia.
No caso de I LOVE YOU, DADDY, que só pode ser visto em cópia vazada na internet, Louis C.K. interpreta um roteirista de televisão que está passando uma temporada com a filha adolescente China (Chlöe Grace Moretz). A garota gosta de dizer que ama o pai, até porque o pai costuma satisfazer suas vontades. Como ir passar uma temporada com um grupo de outros adolescentes, fazendo só Deus sabe o quê. Em uma de suas primeiras cenas, Chlöe aparece muito à vontade de biquíni na casa do pai, enquanto ele conversa com o colega de trabalho. O fato de ela estar de biquíni nem deveria representar nada de mais do ponto de vista do erotismo, mas isso depende de quem vê o filme.
No entanto, não é a isso que I LOVE YOU, DADDY se apega. A verdadeira trama do filme surge quando a filha conhece um famoso cineasta veterano acusado de estupro e pedofilia. O sujeito é vivido por John Malkovich. Inicialmente, ela diz odiar o tal diretor, mas à medida que vai conversando com ele, começa a aproximação e posterior paixão. Por ele ser tão mais velho que ela, e ela ainda não ter completado 18 anos, a coisa fica mais delicada para o pai da garota, que se vê na tentativa de afastar a filha daquele velho tarado.
E o interessante é que Malkovich não faz muitos esforços. Ele apenas faz o papel habitual de personagem blasé e com uma boa dose de autoconfiança. Meio que uma variação do que ele já fez em outros filmes. Há outra subtrama que merece menção, que é a da personagem de Rose Byrne, uma atriz linda (e grávida) que ganha o coração do roteirista para ser a personagem principal de sua série. Quanto ao personagem de Malkovich, o curioso é que se a intenção de C.K. era mesmo dar uma alfinetada em Woody Allen, o tiro saiu pela culatra.
sábado, março 31, 2018
sexta-feira, março 30, 2018
DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR (Un Beau Soleil Intérieur)
Há uma cena de DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR (2017) em que uma já cansada e sofrida Isabelle (Juliette Binoche) está em um táxi e pergunta ao motorista se ele está bem, como ele está se sentindo, quer, sinceramente, também saber dele. Tanto para saber do sofrimento alheio e quem sabe entender um pouco o seu, quanto para, talvez, se sentir menos sozinha ou mesmo encontrar alguma forma de alento. Esta é uma das mais belas, tristes e poéticas cenas do filme, embora seja também uma das mais simples. Precisa ser vista dentro do contexto dos acontecimentos anteriores para que seja melhor sentida.
No começo deste novo trabalho de Claire Denis, Isabelle, a heroína da narrativa, conversa de maneira bem pouco natural sobre seu drama, a dificuldade de encontrar alguém para amar, quase como se fosse um musical sem atores cantando. Na primeira cena do filme ela está transando com o amante, um homem casado, um banqueiro um tanto cínico. Ela é uma artista plástica que vive uma vida de menos posses para esbanjar, por isso o homem em certo momento a chama de proletária.
Mas a questão do dinheiro nem é um elemento forte do filme, não. O mais importante é a busca pelo amor, uma busca que esbarra constantemente em frustrações, em sentimento de rejeição. A história certamente encontrará identificação por parte do público, especialmente de um público que vive momentos frequentes de instabilidade na vida amorosa. Daí será fácil se ver um pouco na personagem de Binoche.
Aliás, que mulher, meus amigos. Esta afirmação é muito óbvia, levando em consideração que acompanhamos a atriz desde os anos 1980 e sempre com muita admiração, seja pela beleza, seja pela sensibilidade com que ela agarra os papéis. Mas em DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR ela parece estar mais plena como mulher. É possível que pelo olhar de uma diretora como Claire Denis ela tenha alcançado outro patamar de sensibilidade. Uma mulher desta vez vista pelo olhar de outra mulher.
E justamente por ser tão bela e tão apaixonante, é tão irritante vê-la ser rejeitada como nas cenas com o personagem do ator de teatro vivido por Nicolas Duvauchelle, que apareceu em DESEJO E OBSESSÃO (2001) e MINHA TERRA, ÁFRICA (2009), ambos da diretora. As cenas com Duvauchelle talvez sejam as melhores do filme, no sentido de mostrar a tensão de um primeiro encontro, a dúvida sobre o passo seguinte a dar, as palavras como agentes de atrito etc.
Talvez o filme comece a derrapar a partir de uma cena de festa, em que aparece um sujeito um tanto exótico, que chama a atenção de Isabelle. Sua aparência e seus gestos até provocam alguns risos da plateia. O humor em DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR é bastante singular e muito bem-vindo, servindo para atenuar o tom de tristeza da personagem.
Terminar como terminou representa uma promessa de um futuro melhor, ou ao menos de uma aceitação por parte da personagem sobre sua vida e seu destino. O conselho do personagem de Gerard Depardieu, em pequeno papel, parece um pouco óbvio até, mas como esquecemos continuamente tantas lições que a vida já nos ensina, é necessário que certas coisas sejam novamente ditas e lembradas.
Há momentos que lembram David Lynch: Binoche dançando ao som de "At last", em linda interpretação de Etta James, como escolha ideal de canção sobre a definitiva (?) chegada do verdadeiro amor; ou mesmo a primeira aparição de Depardieu dentro de um carro, quebrando um pouco a linha narrativa, inserem na obra um ar surreal bem-vindo. Estar "aberta", neste caso, vale também para as escolhas de Denis.
No começo deste novo trabalho de Claire Denis, Isabelle, a heroína da narrativa, conversa de maneira bem pouco natural sobre seu drama, a dificuldade de encontrar alguém para amar, quase como se fosse um musical sem atores cantando. Na primeira cena do filme ela está transando com o amante, um homem casado, um banqueiro um tanto cínico. Ela é uma artista plástica que vive uma vida de menos posses para esbanjar, por isso o homem em certo momento a chama de proletária.
Mas a questão do dinheiro nem é um elemento forte do filme, não. O mais importante é a busca pelo amor, uma busca que esbarra constantemente em frustrações, em sentimento de rejeição. A história certamente encontrará identificação por parte do público, especialmente de um público que vive momentos frequentes de instabilidade na vida amorosa. Daí será fácil se ver um pouco na personagem de Binoche.
Aliás, que mulher, meus amigos. Esta afirmação é muito óbvia, levando em consideração que acompanhamos a atriz desde os anos 1980 e sempre com muita admiração, seja pela beleza, seja pela sensibilidade com que ela agarra os papéis. Mas em DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR ela parece estar mais plena como mulher. É possível que pelo olhar de uma diretora como Claire Denis ela tenha alcançado outro patamar de sensibilidade. Uma mulher desta vez vista pelo olhar de outra mulher.
E justamente por ser tão bela e tão apaixonante, é tão irritante vê-la ser rejeitada como nas cenas com o personagem do ator de teatro vivido por Nicolas Duvauchelle, que apareceu em DESEJO E OBSESSÃO (2001) e MINHA TERRA, ÁFRICA (2009), ambos da diretora. As cenas com Duvauchelle talvez sejam as melhores do filme, no sentido de mostrar a tensão de um primeiro encontro, a dúvida sobre o passo seguinte a dar, as palavras como agentes de atrito etc.
Talvez o filme comece a derrapar a partir de uma cena de festa, em que aparece um sujeito um tanto exótico, que chama a atenção de Isabelle. Sua aparência e seus gestos até provocam alguns risos da plateia. O humor em DEIXE A LUZ DO SOL ENTRAR é bastante singular e muito bem-vindo, servindo para atenuar o tom de tristeza da personagem.
Terminar como terminou representa uma promessa de um futuro melhor, ou ao menos de uma aceitação por parte da personagem sobre sua vida e seu destino. O conselho do personagem de Gerard Depardieu, em pequeno papel, parece um pouco óbvio até, mas como esquecemos continuamente tantas lições que a vida já nos ensina, é necessário que certas coisas sejam novamente ditas e lembradas.
Há momentos que lembram David Lynch: Binoche dançando ao som de "At last", em linda interpretação de Etta James, como escolha ideal de canção sobre a definitiva (?) chegada do verdadeiro amor; ou mesmo a primeira aparição de Depardieu dentro de um carro, quebrando um pouco a linha narrativa, inserem na obra um ar surreal bem-vindo. Estar "aberta", neste caso, vale também para as escolhas de Denis.
terça-feira, março 20, 2018
MARIA MADALENA (Mary Magdalene)
Já há tantos filmes sobre Jesus que atualmente os realizadores se sentem na obrigação de mudarem um pouco o foco, o ponto de partida, o recorte ou mesmo o ponto de vista. Temos o caso recente de ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO, de Rodrigo García, que fazia um recorte do período em que Cristo combateu as tentações durante sete dias, em jejum. MARIA MADALENA (2018), de Garth Davis, é um pouco mais ousado em sua proposta: quer contar a história pelo ponto de vista de Madalena.
É interessante como, até os dias de hoje, a imagem de Maria Madalena ainda é associada a uma prostituta. Ou, no mínimo, a uma mulher com uma sexualidade muito forte. O próprio filme de Martin Scorsese, A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO, em sua adaptação do romance homônimo de Nikos Kazantzákis, mistura a personagem de Madalena com a mulher que seria apedrejada e é salva pelo Nazareno.
Por isso causa estranheza ver uma Madalena até mais ativa em servir ao mestre do que os apóstolos Pedro (Chiwetel Ejiofor) e Judas (Tahar Rahim), para citar os dois que mais aparecem na narrativa. Rooney Mara está ótima como uma Madalena que acredita ser possuída por demônios - seus familiares acham que são os demônios que a impedem de querer se casar com um forte pretendente. Como ela não nutre amor pelo homem, quer mesmo é seguir aquele estranho e intrigante profeta que tem arrebanhado cada vez mais pessoas por onde passa.
Demora um pouco para aceitarmos Joaquin Phoenix como Jesus, mas aos poucos sua imagem como Cristo se torna até interessante. Inclusive nas escolhas do filme em mostrá-lo sorrindo, junto com Madalena, em cenas que compartilham juntos. Passa uma leveza que normalmente não se vê em obras que tratam da vida de Jesus. Embora haja cenas da crucificação, elas são rápidas, o que não quer dizer que não sejam dolorosas.
O que também impressiona é o diferencial no que se refere à ressurreição de Jesus, trazendo dúvidas sobre seu real e material ressurgimento do sepulcro. Afinal, ele aparece apenas para Madalena e é ela a portadora da boa nova, de que Jesus vive. Ao que parece, o filme não optou por ser fiel ao evangelhos canônicos, sendo mais próximo dos evangelhos apócrifos.
Algo que fica no ar é um certo clima de amor romântico não consumado que parece haver entre Madalena e Jesus. Porém, este tipo de impressão pode dizer mais do espectador do que filme em si, já que não é de maneira nenhuma explicitado. Talvez a impressão fique por causa da beleza esplendorosa de Rooney Mara, de seu olhar e de seu sorriso, ao olhar para o mestre. Longe de trazer volúpia, mas sim uma figura cheia de energia e amor, o que pode confundir. De todo modo, esse tipo de confusão está de acordo com certo diálogo entre Pedro e outro apóstolo: os dois acreditam que a entrada de Madalena no corpo de apóstolos não seria bom para o grupo.
Quanto à narrativa, é bom termos um filme narrado sem pressa, sem um particular interesse em conquistar um grande público. É um trabalho quase sensorial, no modo como brinca com a luz e com os olhares e os diálogos lentos dos personagens. MARIA MADALENA pode até não ser um grande filme, mas certamente está bem longe de ser uma obra ordinária ou esquecível, e ainda tem como vantagem o fato de dialogar com o atual momento de empoderamento feminino.
É interessante como, até os dias de hoje, a imagem de Maria Madalena ainda é associada a uma prostituta. Ou, no mínimo, a uma mulher com uma sexualidade muito forte. O próprio filme de Martin Scorsese, A ÚLTIMA TENTAÇÃO DE CRISTO, em sua adaptação do romance homônimo de Nikos Kazantzákis, mistura a personagem de Madalena com a mulher que seria apedrejada e é salva pelo Nazareno.
Por isso causa estranheza ver uma Madalena até mais ativa em servir ao mestre do que os apóstolos Pedro (Chiwetel Ejiofor) e Judas (Tahar Rahim), para citar os dois que mais aparecem na narrativa. Rooney Mara está ótima como uma Madalena que acredita ser possuída por demônios - seus familiares acham que são os demônios que a impedem de querer se casar com um forte pretendente. Como ela não nutre amor pelo homem, quer mesmo é seguir aquele estranho e intrigante profeta que tem arrebanhado cada vez mais pessoas por onde passa.
Demora um pouco para aceitarmos Joaquin Phoenix como Jesus, mas aos poucos sua imagem como Cristo se torna até interessante. Inclusive nas escolhas do filme em mostrá-lo sorrindo, junto com Madalena, em cenas que compartilham juntos. Passa uma leveza que normalmente não se vê em obras que tratam da vida de Jesus. Embora haja cenas da crucificação, elas são rápidas, o que não quer dizer que não sejam dolorosas.
O que também impressiona é o diferencial no que se refere à ressurreição de Jesus, trazendo dúvidas sobre seu real e material ressurgimento do sepulcro. Afinal, ele aparece apenas para Madalena e é ela a portadora da boa nova, de que Jesus vive. Ao que parece, o filme não optou por ser fiel ao evangelhos canônicos, sendo mais próximo dos evangelhos apócrifos.
Algo que fica no ar é um certo clima de amor romântico não consumado que parece haver entre Madalena e Jesus. Porém, este tipo de impressão pode dizer mais do espectador do que filme em si, já que não é de maneira nenhuma explicitado. Talvez a impressão fique por causa da beleza esplendorosa de Rooney Mara, de seu olhar e de seu sorriso, ao olhar para o mestre. Longe de trazer volúpia, mas sim uma figura cheia de energia e amor, o que pode confundir. De todo modo, esse tipo de confusão está de acordo com certo diálogo entre Pedro e outro apóstolo: os dois acreditam que a entrada de Madalena no corpo de apóstolos não seria bom para o grupo.
Quanto à narrativa, é bom termos um filme narrado sem pressa, sem um particular interesse em conquistar um grande público. É um trabalho quase sensorial, no modo como brinca com a luz e com os olhares e os diálogos lentos dos personagens. MARIA MADALENA pode até não ser um grande filme, mas certamente está bem longe de ser uma obra ordinária ou esquecível, e ainda tem como vantagem o fato de dialogar com o atual momento de empoderamento feminino.
quinta-feira, março 15, 2018
TORQUATO NETO – TODAS AS HORAS DO FIM
Saí da sessão de TORQUATO NETO – TODAS AS HORAS DO FIM (2017) pensando na bênção da juventude. Uma bênção que vem junto com uma pitada de maldição no pacote. Ao mesmo tempo que a juventude traz vitalidade, inquietação muitas vezes saudável e uma maior possibilidade de inspiração para as mais diversas artes, é também neste período que mais se instala no jovem sentimentos sombrios, especialmente em indivíduos com algum grau de genialidade.
A história do poeta piauiense Torquato Neto pode trazer também questionamentos sobre o grau de visibilidade e talento que certos poetas alcançam. No caso de Torquato, o rapaz teve a sorte de ter se enturmado com o pessoal da Tropicália. Caetano, Gil, Tom Zé, Os Mutantes, Rogério Duprat são alguns dos participantes do coletivo que mudou a história da música brasileira no final dos anos 1960.
O próprio Torquato acreditava que, naquele momento, a poesia dos livros estava em baixa, em termos de popularidade, mas que ela tinha muito mais chances de alcançar um público maior através da música, até pela tradição brasileira de ótimos letristas. E assim ele foi estabelecendo parcerias com cantores. Gal Costa cantou “Mamãe, coragem”, canção feita para a mãe de Torquato, que sentia a ausência do filho, que partiu para o Rio de Janeiro junto com a turma da música. Além da importante participação no disco-manifesto Tropicália, Torquato ainda fez parceria com músicos como Jards Macalé e Edu Lobo.
A Tropicália e a popularidade de Torquato Neto surgiram em um contexto bastante delicado da política brasileira, já que estávamos vivendo uma das mais violentas ditaduras. Foi nesse contexto que Torquato assinou a coluna “Geleia Geral”, para o jornal Última Hora. Nesse espaço, sua aproximação com o cinema se acentuou cada vez mais. Primeiro com o Cinema Novo, depois com o Cinema Marginal, mais adiante com um tipo de cinema ainda mais marginal, os pequenos filmes em super-8, como o cultuado NOSFERATO NO BRASIL (1970), de Ivan Cardoso, em que o próprio Torquato interpreta o personagem-título. A figura magra de Torquato caiu muito bem com a imagem de um vampiro nos trópicos, embora Cardoso insistisse para que ele não usasse as sandálias de couro.
Tudo isso é visto em TORQUATO NETO – TODAS AS HORAS DO FIM, mas de maneira que o filme não parecesse com um documentário tradicional. A opção por não mostrar as entrevistas com as pessoas que tiveram alguma relação com o poeta e que aparecem na teia narrativa foi, segundo os diretores Eduardo Ades e Marcus Fernando, uma forma de honrar mais Torquato: se o próprio poeta não tinha um vídeo, apenas áudios, todos os outros ganharam apenas comentários em áudio também, o que não chega a ser problema nenhum. Faz parte do charme do documentário.
Uma curiosidade deste longa é que, à medida que ele se aproxima do final, o sentimento de ansiedade e excitação dos primeiros anos de envolvimento com a música por parte de Torquato, vai se transformando em um desinteresse pela vida, quando o poeta passa por uma tentativa de ganhar algum sucesso profissional e artístico quando viaja para a Europa, mas que acaba tendo seus planos bem frustrados. As cartas, que ouvimos pela voz de Jesuíta Barbosa, passam uma sensação de melancolia contagiante.
Ao final do filme, já é quase possível entender o caminho do poeta pelo suicídio aos 28 anos, devido ao vazio que parece se instalar, embora em momento algum o filme explore de maneira pouco respeitosa a depressão e os detalhes envolvendo as tentativas anteriores do poeta de tirar a própria vida. Além do mais, pode não ter sido proposital da parte dos diretores, mas os filmes em super-8 acabam criando uma sensação de desinteresse estranho dentro do que até então havia sido visto. Há inúmeras maneiras de interpretar essas imagens, mas talvez seja bom deixar no ar o que elas podem significar.
Talvez tenha faltado mais ao filme um pouco mais de exploração da poesia de Torquato, de excertos de sua arte no campo das palavras. De todo modo, é possível ver o artista multifacetado e inquieto que ele foi, através das canções (as duas que Gal Costa canta e outras), incluindo uma que encerra o filme, de seu envolvimento com o artista plástico Hélio Oiticica e de seu amor e interesse pelo cinema. Uma prova de que a poesia, para Torquato, ia além das palavras.
segunda-feira, março 12, 2018
TODAS AS RAZÕES PARA ESQUECER
É raro ver um filme brasileiro contemporâneo que trate com seriedade da questão da depressão. Antes tínhamos Walter Hugo Khouri, que com frequência tratava do tema com profundidade. Por isso o filme de estreia de Pedro Coutinho, TODAS AS RAZÕES PARA ESQUECER (2017), merece a devida atenção, por mais que seja um trabalho pequeno e modesto.
Os próprios motivos de o personagem de Johnny Massaro se ver em uma teia de tarjas pretas, psicoterapias e tentativas de encontrar um outro alguém pode parecer pequena para muitos: o fim de um namoro de três anos. Quem já passou por esse tipo de situação, de sofrer muito com a ausência da pessoa amada, mesmo duvidando do quanto gostava dela, vai pelo menos se sentir, com frequência, nos sapatos do jovem rapaz.
O fim do relacionamento, que veio por parte de Sofia (Bianca Comparato), foi algo tão surpreendente para Antonio (Massaro) que ele acredita que ele fica à deriva, sem saber para onde ir e o que fazer, mas acredita que sobreviverá facilmente a isso. Tanto que evita entrar em contato com Bianca durante esse primeiro período de tentativa de ficar sozinho novamente.
Primeiro, ele experimenta morar provisoriamente na casa de um casal de amigos, mas o casal estava passando por uma crise e estava fazendo terapia de casal, justo no momento em que ele chega. E é quando ele conhece a terapeuta, que tratará do seu caso também. As cenas com a terapeuta talvez sejam as menos interessantes do filme, mas são a partir delas que algumas perguntas funcionam como gatilho para que Antonio repense os motivos da separação e suas motivações para seguir adiante. Sem falar, que há algo de patético na figura da terapeuta também, que a torna especialmente interessante e um dos alívios cômicos do filme.
Aliás, muito bom poder rir em alguns momentos também. Rir, junto com o personagem, ajuda o espectador a se aproximar mais dele, como na cena de tentativa de conversa com moças via Tinder. E, a partir dessa aproximação, somos também convidados a compartilhar com Antonio de seu momento mais fundo do poço, de muito choro e enfrentamento da dor. E ter um final tão belo e agridoce também ajuda a deixar o filme ao menos simpático em nossa memória afetiva.
Os próprios motivos de o personagem de Johnny Massaro se ver em uma teia de tarjas pretas, psicoterapias e tentativas de encontrar um outro alguém pode parecer pequena para muitos: o fim de um namoro de três anos. Quem já passou por esse tipo de situação, de sofrer muito com a ausência da pessoa amada, mesmo duvidando do quanto gostava dela, vai pelo menos se sentir, com frequência, nos sapatos do jovem rapaz.
O fim do relacionamento, que veio por parte de Sofia (Bianca Comparato), foi algo tão surpreendente para Antonio (Massaro) que ele acredita que ele fica à deriva, sem saber para onde ir e o que fazer, mas acredita que sobreviverá facilmente a isso. Tanto que evita entrar em contato com Bianca durante esse primeiro período de tentativa de ficar sozinho novamente.
Primeiro, ele experimenta morar provisoriamente na casa de um casal de amigos, mas o casal estava passando por uma crise e estava fazendo terapia de casal, justo no momento em que ele chega. E é quando ele conhece a terapeuta, que tratará do seu caso também. As cenas com a terapeuta talvez sejam as menos interessantes do filme, mas são a partir delas que algumas perguntas funcionam como gatilho para que Antonio repense os motivos da separação e suas motivações para seguir adiante. Sem falar, que há algo de patético na figura da terapeuta também, que a torna especialmente interessante e um dos alívios cômicos do filme.
Aliás, muito bom poder rir em alguns momentos também. Rir, junto com o personagem, ajuda o espectador a se aproximar mais dele, como na cena de tentativa de conversa com moças via Tinder. E, a partir dessa aproximação, somos também convidados a compartilhar com Antonio de seu momento mais fundo do poço, de muito choro e enfrentamento da dor. E ter um final tão belo e agridoce também ajuda a deixar o filme ao menos simpático em nossa memória afetiva.
quinta-feira, março 08, 2018
BIG LITTLE LIES
Em determinado momento de BIG LITTLE LIES (2017), Madeline (Reese Witherspoon) conversa com a amiga Celeste (Nicole Kidman), ao telefone, dando a entender que Celeste tem uma vida perfeita, é casada com um homem bom, rico e bonito e tem filhos gêmeos perfeitos. Celeste, que convive com a violência doméstica diariamente, diz, frustrada, que sua vida não é perfeita, que tem passado por coisas ruins também. O marido, vivido por um aterrorizante Alexander Skarsgård, está ali perto, e pergunta à esposa, em tom ameaçador, o que seriam as tais coisas ruins que ela comenta com a amiga.
A princípio, BIG LITTLE LIES pode incomodar um pouco por mostrar a rotina de dondocas ricas vivendo na bela cidade litorânea de Monterey, na Califórnia. Mas é fácil se solidarizar com seus dramas, se importar cada vez mais com ela, mesmo os de Madeline, a dondoca-mor da comunidade, que vive ainda enciumada do ex, fazendo com que o novo marido se sinta rejeitado, por mais companheiro que ele seja.
Jane, a personagem de Shailene Woodley, é nova na cidade, e logo sabemos que seu drama é o mais perturbador: ela tem um filho nascido de um estupro. E já no primeiro dia de escola seu garotinho é acusado de ter agredido uma menina, filha de uma das mulheres mais influentes da cidade, Renata Klein (Laura Dern). O menino não sabe quem é o pai e tem muita curiosidade em saber suas origens.
Deu para perceber que BIG LITTLE LIES tem como principal tema a questão da violência doméstica. Mas a abordagem que o criador e roteirista David E. Kelley usa faz toda a diferença. Os créditos de abertura são lindos, apresentando apenas as personagens femininas dirigindo seus carros com seus filhos pequenos no banco traseiro. Mulheres e crianças são os grandes protagonistas dessa história. Mesmo Laura Dern desempenhando uma espécie de megera na trama, a série trata de mostrar a sororidade entre as personagens de modo tocante.
A série começa com um crime que é deixado em aberto até o final. E talvez a questão do crime seja um pouco o calcanhar de Aquiles desta temporada de BIG LITTLE LIES (inicialmente pensada como minissérie, mas que foi renovada por mais um ano). Isso acontece porque vários personagens que não desempenham papéis importantes, moradores de Monterey e supostas testemunhas dos atos das protagonistas, falam sobre o que viram e que poderia ter sido um dos motivos de a tal morte ter acontecido. Mas até isso funciona bem no final.
BIG LITTLE LIES ganhou quatro prêmios no Globo de Ouro: melhor minissérie, melhor atriz (Nicole Kidman), melhor ator coadjuvante (Alexander Skarsgård) e melhor atriz coadjuvante (Laura Dern).
A princípio, BIG LITTLE LIES pode incomodar um pouco por mostrar a rotina de dondocas ricas vivendo na bela cidade litorânea de Monterey, na Califórnia. Mas é fácil se solidarizar com seus dramas, se importar cada vez mais com ela, mesmo os de Madeline, a dondoca-mor da comunidade, que vive ainda enciumada do ex, fazendo com que o novo marido se sinta rejeitado, por mais companheiro que ele seja.
Jane, a personagem de Shailene Woodley, é nova na cidade, e logo sabemos que seu drama é o mais perturbador: ela tem um filho nascido de um estupro. E já no primeiro dia de escola seu garotinho é acusado de ter agredido uma menina, filha de uma das mulheres mais influentes da cidade, Renata Klein (Laura Dern). O menino não sabe quem é o pai e tem muita curiosidade em saber suas origens.
Deu para perceber que BIG LITTLE LIES tem como principal tema a questão da violência doméstica. Mas a abordagem que o criador e roteirista David E. Kelley usa faz toda a diferença. Os créditos de abertura são lindos, apresentando apenas as personagens femininas dirigindo seus carros com seus filhos pequenos no banco traseiro. Mulheres e crianças são os grandes protagonistas dessa história. Mesmo Laura Dern desempenhando uma espécie de megera na trama, a série trata de mostrar a sororidade entre as personagens de modo tocante.
A série começa com um crime que é deixado em aberto até o final. E talvez a questão do crime seja um pouco o calcanhar de Aquiles desta temporada de BIG LITTLE LIES (inicialmente pensada como minissérie, mas que foi renovada por mais um ano). Isso acontece porque vários personagens que não desempenham papéis importantes, moradores de Monterey e supostas testemunhas dos atos das protagonistas, falam sobre o que viram e que poderia ter sido um dos motivos de a tal morte ter acontecido. Mas até isso funciona bem no final.
BIG LITTLE LIES ganhou quatro prêmios no Globo de Ouro: melhor minissérie, melhor atriz (Nicole Kidman), melhor ator coadjuvante (Alexander Skarsgård) e melhor atriz coadjuvante (Laura Dern).
segunda-feira, março 05, 2018
OSCAR 2018
Foi uma das premiações mais caretas em muitos anos. Não foi chata como a do ano passado, mas também não houve nenhum plot twist tão memorável. E nem poderia ter. Na verdade, o que mais se gostaria de ver era uma continuação ainda mais forte daquilo que foi bastante colocado na pauta do Globo de Ouro. Mas o tom de protesto já havia sido diminuído no tapete vermelho, com várias das estrelas vestidas de branco.
O discurso sobre as minorias não deixou de estar presente aqui e ali, porém. Desde a apresentação do host Jimmy Kimmel, que fez piada até com o fato de existir um filme chamado DO QUE AS MULHERES GOSTAM, estrelado por Mel Gibson, ou sobre o Oscar ser um sujeito de confiança por não ter um pênis. A ausência e quase apagamento de Casey Affleck por causa das acusações de assédio também deram o tom. Ele foi substituído por Jodie Foster e Jennifer Lawrence. Acabou rendendo uma das melhores piadas da noite, fazendo referência a EU, TONYA.
Quanto às premiações, houve poucas surpresas. Talvez só a de melhor documentário, que não foi para VISAGES, VILLAGES, mas para ÍCARO. Quanto ao prêmio principal, este era o mais esperado e o que mais estava rendendo várias possibilidades. O que foi algo bom. Existiu, por alguns momentos, a chance de CORRA! levar o prêmio principal, depois de ter ganhado melhor roteiro. Mas talvez isso fosse demais para Hollywood.
Ganhou Guillermo del Toro com um filme que atira para todos os lados e conseguiu agradar a muitos, inclusive trazendo em seu discurso a luta pelo fim dos muros separando as fronteiras. O fato de UMA MULHER FANTÁSTICA ter ganhado melhor filme e a atriz trans Daniela Vega ter subido ao palco para apresentar melhor a canção de ME CHAME PELO SEU NOME pareceu também muito feliz por parte dos organizadores.
Pode-se dizer que foi tudo muito bem pensado. Mas, justamente por isso, faltou tensão, faltou enfrentamento. Mas isso se deveu muito ao fato de o Oscar so white da edição de 2016 ter resultado em boa diversidade neste ano. Inclusive com a presença de Greta Gerwig concorrendo na direção e de uma primeira mulher na disputa de melhor diretora de fotografia na história da premiação. Ela perdeu para Roger Deakins, de BLADE RUNNER 2049, mas perder para um cara como esses chega a ser glorioso.
No mais, as piadas foram legais, ainda que bem tranquilas e comportadas, como a do jet ski, a da maconha e a brincadeira dos atores e o apresentador chegando de surpresa em uma sala de cinema ali pertinho. Deu vontade de estar lá.
Os Premiados
Melhor Filme – A FORMA DA ÁGUA
Direção – Guillermo del Toro (A FORMA DA ÁGUA)
Ator – Gary Oldman (O DESTINO DE UMA NAÇÃO)
Atriz – Frances McDormand (TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME)
Ator Coadjuvante – Sam Rockwell (TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME)
Atriz Coadjuvante – Allison Janney (EU, TONYA)
Roteiro Original – CORRA!
Roteiro Adaptado – ME CHAME PELO SEU NOME
Fotografia – BLADE RUNNER 2049
Montagem – DUNKIRK
Trilha Sonora Original – A FORMA DA ÁGUA
Canção Original - "Remember me", de VIVA - A VIDA É UMA FESTA
Mixagem de Som – DUNKIRK
Edição de Som – DUNKIRK
Efeitos Visuais – BLADE RUNNER 2049
Design de produção – A FORMA DA ÁGUA
Figurino – TRAMA FANTASMA
Maquiagem e cabelos – O DESTINO DE UMA NAÇÃO
Filme Estrangeiro – UMA MULHER FANTÁSTICA (Chile)
Longa de Animação – VIVA - A VIDA É UMA FESTA
Curta de Animação – DEAR BASKETBALL
Curta-metragem – THE SILENT CHILD
Documentário – ÍCARO
Curta Documentário – HEAVEN IS A TRAFFIC ON THE 405
O discurso sobre as minorias não deixou de estar presente aqui e ali, porém. Desde a apresentação do host Jimmy Kimmel, que fez piada até com o fato de existir um filme chamado DO QUE AS MULHERES GOSTAM, estrelado por Mel Gibson, ou sobre o Oscar ser um sujeito de confiança por não ter um pênis. A ausência e quase apagamento de Casey Affleck por causa das acusações de assédio também deram o tom. Ele foi substituído por Jodie Foster e Jennifer Lawrence. Acabou rendendo uma das melhores piadas da noite, fazendo referência a EU, TONYA.
Quanto às premiações, houve poucas surpresas. Talvez só a de melhor documentário, que não foi para VISAGES, VILLAGES, mas para ÍCARO. Quanto ao prêmio principal, este era o mais esperado e o que mais estava rendendo várias possibilidades. O que foi algo bom. Existiu, por alguns momentos, a chance de CORRA! levar o prêmio principal, depois de ter ganhado melhor roteiro. Mas talvez isso fosse demais para Hollywood.
Ganhou Guillermo del Toro com um filme que atira para todos os lados e conseguiu agradar a muitos, inclusive trazendo em seu discurso a luta pelo fim dos muros separando as fronteiras. O fato de UMA MULHER FANTÁSTICA ter ganhado melhor filme e a atriz trans Daniela Vega ter subido ao palco para apresentar melhor a canção de ME CHAME PELO SEU NOME pareceu também muito feliz por parte dos organizadores.
Pode-se dizer que foi tudo muito bem pensado. Mas, justamente por isso, faltou tensão, faltou enfrentamento. Mas isso se deveu muito ao fato de o Oscar so white da edição de 2016 ter resultado em boa diversidade neste ano. Inclusive com a presença de Greta Gerwig concorrendo na direção e de uma primeira mulher na disputa de melhor diretora de fotografia na história da premiação. Ela perdeu para Roger Deakins, de BLADE RUNNER 2049, mas perder para um cara como esses chega a ser glorioso.
No mais, as piadas foram legais, ainda que bem tranquilas e comportadas, como a do jet ski, a da maconha e a brincadeira dos atores e o apresentador chegando de surpresa em uma sala de cinema ali pertinho. Deu vontade de estar lá.
Os Premiados
Melhor Filme – A FORMA DA ÁGUA
Direção – Guillermo del Toro (A FORMA DA ÁGUA)
Ator – Gary Oldman (O DESTINO DE UMA NAÇÃO)
Atriz – Frances McDormand (TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME)
Ator Coadjuvante – Sam Rockwell (TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME)
Atriz Coadjuvante – Allison Janney (EU, TONYA)
Roteiro Original – CORRA!
Roteiro Adaptado – ME CHAME PELO SEU NOME
Fotografia – BLADE RUNNER 2049
Montagem – DUNKIRK
Trilha Sonora Original – A FORMA DA ÁGUA
Canção Original - "Remember me", de VIVA - A VIDA É UMA FESTA
Mixagem de Som – DUNKIRK
Edição de Som – DUNKIRK
Efeitos Visuais – BLADE RUNNER 2049
Design de produção – A FORMA DA ÁGUA
Figurino – TRAMA FANTASMA
Maquiagem e cabelos – O DESTINO DE UMA NAÇÃO
Filme Estrangeiro – UMA MULHER FANTÁSTICA (Chile)
Longa de Animação – VIVA - A VIDA É UMA FESTA
Curta de Animação – DEAR BASKETBALL
Curta-metragem – THE SILENT CHILD
Documentário – ÍCARO
Curta Documentário – HEAVEN IS A TRAFFIC ON THE 405
domingo, março 04, 2018
THE POST - A GUERRA SECRETA (The Post)
Steven Spielberg tem um especial interesse pela História dos Estados Unidos desde criança. De acordo com o que ele mesmo diz no documentário SPIELBERG, de Susan Lacy, seus primeiros curtas experimentais foram sobre a Segunda Guerra Mundial, especialmente sobre situações envolvendo os aviões. Não por acaso, sua primeira experimentação profissional com a guerra foi em uma comédia, 1941 - UMA GUERRA MUITO LOUCA (1979). Só anos depois ele se atreveu a fazer um filme "sério" sobre a guerra, O IMPÉRIO DO SOL (1987), o primeiro de vários.
THE POST - A GUERRA SECRETA (2017) não é sobre a guerra, não a guerra que ele tanto prefere citar em suas obras, talvez por ser a guerra mais honrada dos americanos, mas, como o próprio título brasileiro diz, sobre uma guerra secreta, uma guerra acontecendo nos bastidores, em um momento em que os Estados Unidos estavam sob a mão de um presidente vilão. Não à toa, este filme chega em um momento em que o país está sendo governado por Donald Trump, um motivo e tanto para que Hollywood volte a ser tão politizada quanto foi nos anos 1970.
E chegamos em 1971, ano em que se passa a história de THE POST, quando repórteres do jornal The Washington Post, em especial Ben Bradlee (Tom Hanks), tentam a todo custo conseguir um furo e acabam descobrindo algo muito podre no governo de Richard Nixon. Na verdade, o tal furo foi conseguido de mãos beijadas por uma anônima, que distribuiu documentos secretos que incriminavam o Governo, que mentiu muito sobre a Guerra do Vietnã.
A semelhança de THE POST com o oscarizado SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS, de Tom McCarthy, é talvez só o caráter investigativo e uma visão mais gloriosa do jornalismo, embora, surpreendentemente, Spielberg consiga criar uma figura cínica do personagem de Hanks, e uma posição relativamente heroica da publisher Kay Graham, vivida por Meryl Streep. Não deixa de ser um alívio, levando em consideração que ele poderia ir pelo caminho fácil do bem contra o mal, pintando seus heróis com imagens essencialmente puras.
Outra vantagem de THE POST em relação ao filme que levou o Oscar é que Spielberg é muito mais cineasta, e isso transparece lindamente nas cenas em que sua câmera passeia pelos ambientes físicos do jornal, como nas reuniões, e nos vários planos-sequência. Há muito verbalismo sim, mas a palavra aqui é importante. E é interessante perceber que o cineasta não nos introduz tão facilmente ao enredo. É preciso prestar atenção para ir se acostumando e entendendo o ambiente e a situação, para depois se ver engolfado no suspense crescente da trama.
Além de contar com Streep e Hanks, há um elenco de apoio excepcional em THE POST: Sarah Paulson, Bob Odenkirk, Tracy Letts (que, aliás, está em LADY BIRD também), Bruce Greenwood, Alison Brie, Bradley Whitford, Jesse Plemons. Um elenco grandioso que, compreensivelmente, é mal utilizado, em prol da trama. Um cineasta do porte de Spielberg pode se dar a esse luxo e aqui entrega seu melhor trabalho desde MUNIQUE (2005). Vale destacar também a 17ª parceria com o excelente diretor de fotografia Janusz Kaminski, que tem trabalhado com Spielberg desde A LISTA DE SCHINDLER (1993).
THE POST - A GUERRA SECRETA recebeu apenas duas indicações ao Oscar: filme e atriz (Meryl Streep).
THE POST - A GUERRA SECRETA (2017) não é sobre a guerra, não a guerra que ele tanto prefere citar em suas obras, talvez por ser a guerra mais honrada dos americanos, mas, como o próprio título brasileiro diz, sobre uma guerra secreta, uma guerra acontecendo nos bastidores, em um momento em que os Estados Unidos estavam sob a mão de um presidente vilão. Não à toa, este filme chega em um momento em que o país está sendo governado por Donald Trump, um motivo e tanto para que Hollywood volte a ser tão politizada quanto foi nos anos 1970.
E chegamos em 1971, ano em que se passa a história de THE POST, quando repórteres do jornal The Washington Post, em especial Ben Bradlee (Tom Hanks), tentam a todo custo conseguir um furo e acabam descobrindo algo muito podre no governo de Richard Nixon. Na verdade, o tal furo foi conseguido de mãos beijadas por uma anônima, que distribuiu documentos secretos que incriminavam o Governo, que mentiu muito sobre a Guerra do Vietnã.
A semelhança de THE POST com o oscarizado SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS, de Tom McCarthy, é talvez só o caráter investigativo e uma visão mais gloriosa do jornalismo, embora, surpreendentemente, Spielberg consiga criar uma figura cínica do personagem de Hanks, e uma posição relativamente heroica da publisher Kay Graham, vivida por Meryl Streep. Não deixa de ser um alívio, levando em consideração que ele poderia ir pelo caminho fácil do bem contra o mal, pintando seus heróis com imagens essencialmente puras.
Outra vantagem de THE POST em relação ao filme que levou o Oscar é que Spielberg é muito mais cineasta, e isso transparece lindamente nas cenas em que sua câmera passeia pelos ambientes físicos do jornal, como nas reuniões, e nos vários planos-sequência. Há muito verbalismo sim, mas a palavra aqui é importante. E é interessante perceber que o cineasta não nos introduz tão facilmente ao enredo. É preciso prestar atenção para ir se acostumando e entendendo o ambiente e a situação, para depois se ver engolfado no suspense crescente da trama.
Além de contar com Streep e Hanks, há um elenco de apoio excepcional em THE POST: Sarah Paulson, Bob Odenkirk, Tracy Letts (que, aliás, está em LADY BIRD também), Bruce Greenwood, Alison Brie, Bradley Whitford, Jesse Plemons. Um elenco grandioso que, compreensivelmente, é mal utilizado, em prol da trama. Um cineasta do porte de Spielberg pode se dar a esse luxo e aqui entrega seu melhor trabalho desde MUNIQUE (2005). Vale destacar também a 17ª parceria com o excelente diretor de fotografia Janusz Kaminski, que tem trabalhado com Spielberg desde A LISTA DE SCHINDLER (1993).
THE POST - A GUERRA SECRETA recebeu apenas duas indicações ao Oscar: filme e atriz (Meryl Streep).
quinta-feira, março 01, 2018
QUATRO TÍTULOS INDICADOS AO OSCAR DE FILME ESTRANGEIRO
É uma sorte quando o circuito exibidor dá espaço a todos os títulos indicados à categoria de filme em língua estrangeira no Oscar, como aconteceu neste ano. Mas essa sorte está associada, principalmente, ao fato de esses filmes terem sido vencedores nos principais festivais internacionais (Cannes, Berlim, Veneza). Seria este um fenômeno novo esse? Que eu me lembre, antes os indicados a esta categoria não estavam tão associados assim aos prêmios dos festivais. Pode ser positivo isso, embora os festivais não tenham acertado muito bem em suas escolhas.
THE SQUARE – A ARTE DA DISCÓRDIA (The Square)
O diretor Ruben Östlund ficou lembrado por um vídeo que ele, com muito bom humor, disponibilizou de sua revolta ao não ter sido indicado ao Oscar por FORÇA MAIOR (2014), um filme com ambições menores, mas bem melhor resolvido que este THE SQUARE – A ARTE DA DISCÓRDIA (2017), vencedor da Palma de Ouro em Cannes e representante da Suécia no Oscar. O novo trabalho de Östlund é gostoso de ver, tem uma beleza plástica agradável aos olhos, mas parece superficial por atirar para todos os lados. É ao mesmo tempo uma crítica à arte considerada nobre e também quer ser humanista, ao colocar seus personagens em posição de vergonha por seus atos. Apesar de relativamente longo em sua duração, a narrativa é bem conduzida, especialmente nas cenas envolvendo o assalto. Já a presença de Elisabeth Moss, embora sempre bem-vinda, pareceu desperdiçada em um papel pequeno. Mas gosto da cena da camisinha.
CORPO E ALMA (Teströl és lélekröl)
O filme da diretora Ildikó Enyedi conquistou o Urso de Ouro em Berlim e indicação ao Oscar pela Hungria. CORPO E ALMA (2017) chama a atenção por ser uma variação muito boa de uma história de amor entre pessoas com algum grau de deficiência. A história se passa em um matadouro, e confesso que foi um alívio ver que só há apenas uma cena de matança de animais (simulada). Não aguentaria se houvesse mais. O filme se concentra nessa relação entre um homem com um braço paralisado e uma mulher, sua chefe, autista. A relação dos dois se dá quando eles descobrem que compartilham o mesmo sonho. No sonho, eles são dois cervos que fazem sexo. Saber disso passa a ser essencial para uma aproximação mais íntima dos dois, por mais difícil que seja. Uma das cenas finais é perturbadoramente bela.
O INSULTO (L'Insulte / Qadiat Raqm 23)
Uma pena que O INSULTO comece tão bem, até lembrando um pouco o trabalho do iraniano Asghar Farhadi, mas que tenha uma conclusão pouco satisfatória, denunciando o quão quadrado é seu roteiro e suas intenções. A primeira hora é bem boa, centrando na trama da discussão boba entre dois homens de diferentes etnias no Líbano: um deles é palestino; o outro é libanês. A briga chega a situações bem pesadas e vai parar no tribunal, quando O INSULTO ganha ares de filme de tribunal tradicional. O diretor Ziad Doueiri, de LILA DIZ (2004), não tinha até então nenhum filme exibido na cidade. O INSULTO foi vencedor do Leão de Ouro em Veneza e é representante do Líbano no Oscar.
SEM AMOR (Nelyubov)
O novo filme de Andrei Zvyagintsev é uma bela surpresa. Surpreende principalmente por ser muito mais acessível do que o anterior, LEVIATÃ (2014), uma obra muito mais complexa e lenta. SEM AMOR (2017, foto) poderia muito bem passar em uma sala de circuito mais comercial sem nenhum medo de espantar um público maior. Na trama, marido e esposa vivem um divorcio litigioso e no meio do fogo cruzado o filho dos dois, um garotinho, se sente rejeitado e desaparece. A vida dos dois passa a girar em torno da busca pelo menino. Enquanto isso, o filme vai fazendo um estudo sobre os graus de frieza e egoísmo dos personagens. A fotografia é de uma lindeza impressionante. SEM AMOR ganhou o Prêmio do Júri em Cannes 2017 e é representante da Rússia no Oscar 2017. Em minha opinião, é melhor do que THE SQUARE.
THE SQUARE – A ARTE DA DISCÓRDIA (The Square)
O diretor Ruben Östlund ficou lembrado por um vídeo que ele, com muito bom humor, disponibilizou de sua revolta ao não ter sido indicado ao Oscar por FORÇA MAIOR (2014), um filme com ambições menores, mas bem melhor resolvido que este THE SQUARE – A ARTE DA DISCÓRDIA (2017), vencedor da Palma de Ouro em Cannes e representante da Suécia no Oscar. O novo trabalho de Östlund é gostoso de ver, tem uma beleza plástica agradável aos olhos, mas parece superficial por atirar para todos os lados. É ao mesmo tempo uma crítica à arte considerada nobre e também quer ser humanista, ao colocar seus personagens em posição de vergonha por seus atos. Apesar de relativamente longo em sua duração, a narrativa é bem conduzida, especialmente nas cenas envolvendo o assalto. Já a presença de Elisabeth Moss, embora sempre bem-vinda, pareceu desperdiçada em um papel pequeno. Mas gosto da cena da camisinha.
CORPO E ALMA (Teströl és lélekröl)
O filme da diretora Ildikó Enyedi conquistou o Urso de Ouro em Berlim e indicação ao Oscar pela Hungria. CORPO E ALMA (2017) chama a atenção por ser uma variação muito boa de uma história de amor entre pessoas com algum grau de deficiência. A história se passa em um matadouro, e confesso que foi um alívio ver que só há apenas uma cena de matança de animais (simulada). Não aguentaria se houvesse mais. O filme se concentra nessa relação entre um homem com um braço paralisado e uma mulher, sua chefe, autista. A relação dos dois se dá quando eles descobrem que compartilham o mesmo sonho. No sonho, eles são dois cervos que fazem sexo. Saber disso passa a ser essencial para uma aproximação mais íntima dos dois, por mais difícil que seja. Uma das cenas finais é perturbadoramente bela.
O INSULTO (L'Insulte / Qadiat Raqm 23)
Uma pena que O INSULTO comece tão bem, até lembrando um pouco o trabalho do iraniano Asghar Farhadi, mas que tenha uma conclusão pouco satisfatória, denunciando o quão quadrado é seu roteiro e suas intenções. A primeira hora é bem boa, centrando na trama da discussão boba entre dois homens de diferentes etnias no Líbano: um deles é palestino; o outro é libanês. A briga chega a situações bem pesadas e vai parar no tribunal, quando O INSULTO ganha ares de filme de tribunal tradicional. O diretor Ziad Doueiri, de LILA DIZ (2004), não tinha até então nenhum filme exibido na cidade. O INSULTO foi vencedor do Leão de Ouro em Veneza e é representante do Líbano no Oscar.
SEM AMOR (Nelyubov)
O novo filme de Andrei Zvyagintsev é uma bela surpresa. Surpreende principalmente por ser muito mais acessível do que o anterior, LEVIATÃ (2014), uma obra muito mais complexa e lenta. SEM AMOR (2017, foto) poderia muito bem passar em uma sala de circuito mais comercial sem nenhum medo de espantar um público maior. Na trama, marido e esposa vivem um divorcio litigioso e no meio do fogo cruzado o filho dos dois, um garotinho, se sente rejeitado e desaparece. A vida dos dois passa a girar em torno da busca pelo menino. Enquanto isso, o filme vai fazendo um estudo sobre os graus de frieza e egoísmo dos personagens. A fotografia é de uma lindeza impressionante. SEM AMOR ganhou o Prêmio do Júri em Cannes 2017 e é representante da Rússia no Oscar 2017. Em minha opinião, é melhor do que THE SQUARE.
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