segunda-feira, agosto 31, 2015

UM SONHO, DOIS AMORES (The Thing Called Love)



Dos cineastas oriundos da Nova Hollywood, Peter Bogdanovich talvez seja um dos mais subestimados. Responsável por filmes memoráveis no início de sua carreira e mesmo na década de 1980, e ainda sendo também um dos responsáveis por tornar o cinema americano mais próximo da Nouvelle Vague francesa, com sua vontade de estudar cinema de maneira mais aprofundada e sua paixão por filmes. E também pelas mulheres de seus filmes, o que o aproxima de François Truffaut.

Em UM SONHO, DOIS AMORES (1993), um filme quase esquecido dele, ele traz uma atriz que hoje também é pouco lembrada, mas que brilha acima de todos no filme, a adorável Samantha Mathis. E isso não é pouco, levando em consideração que se trata de um dos trabalhos de despedida do jovem astro River Phoenix e que ainda conta com a simpatia dos então novatos Sandra Bullock e Dermot Mulroney. Os quatro formam um quadrado amoroso bem interessante na meca da música country americana, Nashville.

É de lá que chega de Nova York a jovem e decidida Miranda Presley, a fim de ganhar a vida como uma estrela nesse competitivo universo. Ela chega atrasada para a primeira sessão de divulgação de seu trabalho, no mesmo dia que o jovem e um tanto abusado James Wright (Phoenix) também chega. Os dois não se bicam no primeiro dia, mas a tensão gera sentimentos positivos, por assim dizer, e eles terão a chance de se ver novamente, já que ambos estão ali para realizar os seus sonhos. No mesmo dia conhecem Kyle (Mulroney) e Linda (Bullock) e a nova vida de Miranda fica excitante aos nossos olhos.

É ela quem mais se aproxima do espectador, que também é um estranho naquele ambiente e que compartilha com ela de seus desejos e de suas frustrações. E interessante como Nashville se torna mais uma cidade interessante dentro da vasta geografia americana, com suas canções simples de amor e espírito de cidadezinha.

E o bacana é que nem é preciso ser um fã de country music para curtir o filme. Além do mais, música boa a gente reconhece fácil e vamos acompanhando aos poucos a evolução musical dos personagens. Curiosamente, a música não é exatamente o foco de atenção do filme, mas a ciranda de amores entre os personagens. A gente sente que, apesar de sofrerem, eles também estão vivendo o melhor momento de suas vidas. Bogdanovich foi muito feliz em passar esse sentimento de estar vivo na juventude, quando tudo é tão mais urgente e confuso em nossas cabeças.

quinta-feira, agosto 27, 2015

MAGNÍFICA 70 – PRIMEIRA TEMPORADA



Para curtir MAGNÍFICA 70 (2015), mais nova série brasileira do canal HBO, é preciso relevar algumas liberdades poéticas que os criadores tomam para contar sua história, como o fato de os filmes de 1973 não apresentarem tanta nudez ou mostrar Mojica filmando um dos primeiros filmes do Zé do Caixão em um cemitério, passados vários anos da introdução do personagem, ou mesmo a questão da criação de um Departamento de Censura Federal. Dizem que não era bem assim. Sem falar no modo como são pintados um velho general e a chefe do tal departamento. Mas pensar nesses detalhes é bobagem quando temos tantos outros motivos para nos divertir e nos empolgar.

A estrutura de episódios de MAGNÍFICA 70 já mereceria um bom crédito, com títulos como "O roteiro", "A produção", "O elenco", "O primeiro dia" etc. Assim vamos acompanhando as diversas etapas pelo que passa uma produção de baixo orçamento. E o fato de ter como pano de fundo o cenário de uma ditadura militar obcecada por comunistas e uma produção cinematográfica que sobrevive graças, principalmente, a mulher pelada e sexo não deixa de ser também interessante.

Se bem que depois do primeiro episódio, que é o que talvez mais mostre cenas de nudez, ficamos tão envolvidos no drama dos personagens que esses elementos que até hoje são motivo para chamar a atenção do público ficam em segundo plano. O que mais importa é a relação perigosa entre uma ladra, Dora/Vera (Simone Spoladore), que se finge de atriz iniciante para roubar a produtora, um funcionário do Departamento de Censura que se envolve com a Boca do Lixo, Vicente (Marcos Winter), e um ex-caminhoneiro que ficou sexualmente impotente por causa de uma maldição de uma bruxa e agora é produtor de cinema (Adriano Garib). A participação de Maria Luísa Mendonça como Isabel, esposa de Vicente e filha de um general vivido por Paulo César Pereio, também é destaque.

Tudo é muito bem amarrado ao longo dos 13 episódios, que são tão agradáveis de ver que até dá pena quando chega ao final, ainda que seja um final satisfatório e que fecha bem o enredo. Há uma interessante aposta no suspense, no modo como cada personagem age perigosamente dentro daquele ambiente proibido, especialmente Vicente, que tem que esconder do departamento, do general e da esposa o seu envolvimento com o cinema da Boca, ainda mais quando ele passa a escrever também um roteiro sobre sua vida e também a dirigir o filme.

Há também a questão dos relacionamentos com os personagens, como quando Vicente passa a ter um caso com Dora, enquanto sua esposa procura fugir de suas frustrações em uma espécie de retiro dedicado a liberar as energias sexuais. Isso, inclusive, tira bastante a personagem da sombra e a torna mais interessante. Sem falar que lembramos mais uma vez que Maria Luíza Mendonça é um furacão em cenas de sexo. Só basta uma para comprovar.

Um dos problemas da série é o excesso de rememorações de episódios e eventos passados, o que passa a impressão de se estar subestimando a inteligência do espectador. Talvez a intenção fosse fisgar também a audiência de eventuais espectadores de telenovelas, mais acostumados a esse tipo de coisa. Se for por isso, não deixa de ser válido. Afinal, nossa produção local de televisão paga precisa mesmo ter maior visibilidade.

Curiosamente, um dos melhores episódios é "O lançamento", que utiliza uma narrativa um pouco mais complexa, de idas e vindas no tempo. Aos poucos vamos entendendo o que aconteceu para que ocorressem determinadas mudanças no comportamento de certos personagens. Apesar de revezar o preto e branco e o colorido para facilitar o entendimento dos dois tempos narrativos e mais uma vez tornar a série um tanto didática, não deixa de ser um episódio brilhante na construção do suspense. No mais, algumas ideias absurdas, como o filme comunista, são tão interessantes que parecem saídos do cinema americano.

Todos os episódios de MAGNÍFICA 70 foram dirigidos por Carolina Jabor (BOA SORTE, 2014) e roteirizados por Cláudio Torres (O HOMEM DO FUTURO, 2011), que também é cocriador e diretor geral da série. MAGNÍFICA 70 foi renovada para uma segunda temporada, que deve começar a ir ao ar em agosto de 2016.

quarta-feira, agosto 26, 2015

HOMEM IRRACIONAL (Irrational Man)



Na minha passagem por Nova York, uma das coisas mais marcantes pra mim foi poder ver um filme de Woody Allen na terra que ele ajudou a desenhar em nosso inconsciente coletivo em vários de seus trabalhos em que a cidade é também uma personagem. E ver um filme de Allen, para quem já acompanha sua carreira e aprecia mesmo aqueles que não recebem as melhores críticas, é sempre um prazer, por acrescentar algo a mais ao seu rico conjunto da obra.

HOMEM IRRACIONAL (2015), se não é tão espiritualmente elevador quanto o irmão feliz MAGIA AO LUAR (2014), acaba encontrando companhia com outros trabalhos da linha dostoievskiana de Allen, como CRIMES E PECADOS (1989), PONTO FINAL – MATCH POINT (2005) e O SONHO DE CASSANDRA (2007), sem falar que se trata de um filme que flerta com PACTO SINISTRO, de Alfred Hitchcock, embora o registro aqui seja bem mais leve.

Na trama, Joaquin Phoenix é Abe, um professor de Filosofia que não encontra mais sentido na vida. Pessimista e amargo, ele não tem amor nem mesmo pela disciplina que leciona e vive num processo de autodestruição com o álcool. Apesar de exibir uma barriga de cerveja bem evidente, seu pessimismo e sua acidez acabam atraindo a atenção de uma aluna, Jill (Emma Stone), que se apaixona por ele. Acontece o mesmo com uma professora vivida por Parker Posey.

Apesar de duas mulheres interessantes em sua vida, o que passa a dar sentido à vida de Abe de verdade é a possibilidade de matar um homem que fez algo inaceitável a uma mulher que ele desconhece. Abe ser um estranho na vida daquele homem pode diminuir as possibilidades de culpa no caso de o assassinato de fato ocorrer.

Curiosamente, apesar de o tema ser pesado, há uma leveza que Allen parece trazer de outros filmes, especialmente de MAGIA AO LUAR. Isso pode ser visto tanto como um problema quanto como um trunfo. Um problema quando a leveza torna o suspense menos impactante; um trunfo quando gera um produto estranho, o que quase sempre é algo muito bom, passa um ar de frescor, mesmo se analisarmos o parentesco com outros trabalhos do cineasta.

Assim, ao mesmo tempo em que estamos vendo uma tragédia, estamos vendo uma comédia. HOMEM IRRACIONAL é tudo isso junto e traz também aquela impressão de que foi influenciado fortemente pelo cinema europeu, embora isso não seja nenhuma novidade para alguém que já homenageou Bergman e Fellini em trabalhos bem anteriores. Agora é a vez de Hitchcock. E Allen faz isso com brilhantismo, livrando dessa vez o seu protagonista da pecha de se parecer mais uma vez explicitamente com um alter-ego seu, graças também ao trabalho mais sutil de interpretação de Phoenix.

segunda-feira, agosto 24, 2015

TRUE DETECTIVE – A SEGUNDA TEMPORADA COMPLETA (True Detective – The Complete Second Season)



Se a primeira temporada de TRUE DETECTIVE (2014) não tivesse sido tão boa e tão marcante, muito provavelmente as pessoas teriam desistido da série/antologia por causa dos deslizes desta segunda temporada (2015), que traz o mesmo roteirista em todos os episódios, o criador Nic Pizzolatto, mas que muda de parceiro na direção – os primeiros episódios são dirigidos por Justin Lin, responsável por vários filmes da franquia VELOZES E FURIOSOS.

O que animou desde o início foi o elenco, formado por Colin Farrell, Rachel McAdams, Vince Vaughn, Taylor Kitsch e Kelly Reilly. Tanta gente boa numa série que havia se destacado por trazer uma trama cheia de mistério não podia dar errado. Acontece que deu. Pelo menos em boa parte. Ainda assim, há muitas qualidades nesta segunda temporada, que não conta mais com diálogos tão marcantes quanto os de Rust Cohle (Matthew McConaughey) nem elementos sobrenaturais, ainda que Pizzolatto tenha optado por um registro lynchiano, com espaçamento entre os diálogos para dar um ar de estranhamento.

Isso acaba deixando a série um tanto pesada e é um elemento que cansa quando vai chegando perto do final da temporada. O que mais conta mesmo é a construção dos personagens, principalmente o do Detetive Ray Velcoro (Farrell), um homem atormentado por uma tragédia do passado: sua esposa foi violentamente estuprada e agredida, ele supostamente matou o responsável e ela engravidou nove meses depois do ocorrido. Agora ele é um homem de comportamento violento e errático, capaz de dar uma surra no pai do garoto que praticou bullying em seu filho, enquanto se embebeda frequentemente.

Sua trajetória se une à de outros dois oficiais da lei, a detetive Ani Bezzerides (McAdams) e um policial rodoviário, Paul Woodrugh (Kitsch), enquanto encontra-se com frequência com um homem com ligações com a máfia, Frank Semyon (Vaughn). Isso acontece por causa da morte de um poderoso homem de negócios, Caspere, cujo corpo é encontrado com os olhos vazados por ácido. O mistério envolvendo a morte de Caspere e o número absurdo de personagens secundários que a gente acaba esquecendo quem são no meio de tanta confusão faz dessa segunda temporada de TRUE DETECTIVE um jogo tão confuso quanto À BEIRA DO ABISMO, de Howard Hawks, o que seria um elogio se não percebêssemos no final que a trama era confusa assim para esconder suas próprias fragilidades.

Ainda assim, alguns momentos são particularmente empolgantes, como a cena em que os três detetives invadem um clube de luxo em que playboys fazem a festa com jovens mulheres que se prostituem e são obrigadas a se drogarem. Ani se infiltra no grupo enquanto os outros dois abordam o local, do lado de fora da mansão. Pode-se dizer que este é o grande momento da série. O episódio é intitulado "Church in Ruins".

A história também da trata de vidas esfaceladas e nisso há uma falha na falta de aprofundamento dos personagens Ani (queria saber mais sobre o seu passado, sua relação com a família e com o pai) e Woodrugh, um rapaz que tenta esconder o seu passado, em que manteve relações homossexuais. Ele daria um interessante personagem atormentado se houvesse tempo e intenção para tal. Mas o próprio Kitsch está um pouco apagado no papel. Quanto a Semyon, é um personagem que vai crescendo ao longo da temporada. É bem chato no começo, mas vai se tornando mais interessante à medida que a trama se encaminha para o final.

Resta saber se tudo não seria melhor se Pizzolatto não tivesse brigado com o diretor da primeira temporada, Cary Joji Fukunaga, ou se os problemas são mesmo mais relativos a falhas no roteiro. De um modo ou de outro, saber que uma terceira temporada trará uma história totalmente nova faz com que ainda tenhamos esperança no futuro desta antologia.

domingo, agosto 23, 2015

VIAGEM AOS ESTADOS UNIDOS



Há tempos em que não sabemos nem mesmo o que ocorrerá nos próximos minutos, quanto mais daqui a alguns dias ou meses. Por mais que tenha sido cogitada e debatida várias vezes essa viagem para os Estados Unidos, ela estava fadada a não ocorrer devido a uma série de contratempos em nossas vidas. Quando falo nossas, me refiro à minha, à da minha irmã Adaila e a do meu cunhado Wandré. Mas eis que, depois de muito pensar e discutir, e até desistir em alguns momentos, resolvemos ir.

Como a Adaila e o Wandré já haviam ido para Nova York, eles não tinham tanta vontade assim de voltar. Já eu fazia questão de ir e não queria tanto ir para a Flórida, já que não consigo me visualizar me divertindo tanto em parques de diversão, embora provavelmente fosse me divertir. Mas apenas não era minha prioridade, levando em consideração que Nova York há muito tempo era a cidade que eu mais gostaria de conhecer no mundo. Bobeira minha ter levado tanto tempo para ir lá. Inclusive, quero um dia voltar sozinho para uma viagem dedicada apenas à cidade, quando me restabelecer financeiramente dos gastos.

San Francisco, apesar de estar localizada do outro lado do país, surgiu como uma cidade que a Adaila queria muito conhecer. Algo novo pra ela. E claro que pra mim também, que nunca tinha ido sequer ao Paraguai. E a ideia de sair de lá e também conhecer outros lugares da Califórnia num passeio de carro me deixou bastante entusiasmado, principalmente levando em consideração que teria a oportunidade de conhecer Los Angeles. Sem pretender me alongar muito, vamos, enfim, ao relato.

If I can make it there, I'll make it anywhere

Chegamos a Nova York pelo Aeroporto de Newark, que fica situado em New Jersey. Só de pensar que estava na terra de Tony Soprano, de Bruce Springsteeen e de Bon Jovi já foi interessante. Ao chegar lá, rola um pouco de tensão, mas até que foi tranquilo. O pessoal que recebe os estrangeiros que aportam nos EUA, apesar da cara fechada, não vi fazerem nenhuma restrição.

Mas pra mim a ficha só caiu mesmo quando chegamos definitivamente em Nova York, quando colocamos nossas malas no hotel e fomos às ruas. Ficamos em um hotel pertinho da Times Square, o que muito nos ajudou a nos locomover para outras partes da cidade. Qual não foi minha alegria quando, ao passar por uma das ruas, eu vejo o pequeno restaurante Soup Kitchen International, que serviu de inspiração para o antológico episódio "The Soup Nazi", de SEINFELD. Fiquei mais feliz que pinto no lixo quando vi. Tinha que comprar uma daquelas sopas que se come na rua.

O lugar é bem diferente do que é mostrado na série e eu fiquei um tempão para me decidir o que pedir sem perceber que uma longa fila estava se formando. Se não fosse a Adaila para me avisar ficaria mais tempo lá ainda, na dúvida. A sopa é boa, mas dizer que é a melhor dos EUA talvez seja um pouco de exagero. Vem com um pedaço de pão e uma banana. Essa foi uma das boas surpresas que vi por acaso lá e tenho certeza de que quem gosta da série iria ficar feliz em poder experimentar também.

Andamos um pouco pelas ruas da Broadway até chegar à entrada da parte sul do Central Park, na loja da Apple, a fim de resolver um problema do celular de minha outra irmã. Acabamos perdendo um bom tempo lá, mas era algo que precisávamos fazer – embora só tenhamos de fato resolvido na loja de San Francisco. A passagem pela Macy’s me deixou impaciente, tendo Nova York para conhecer e o tempo voando. Mas tudo bem. Havia os próximos dois dias, que foram bem mais produtivos.

No segundo dia na Big Apple, passamos na Best Buy para comprar máquinas fotográficas boas e pegamos o metrô para o Tom’s Restaurant, a minha dica pessoal de almoço que não podia faltar na minha ida à cidade. Trata-se do restaurante que é cenário de quase todo episódio de SEINFELD (olha ele aí de novo!) e, pra minha surpresa, o lugar, além de servir uma comida deliciosa, recebe a gente com muito carinho. Até tirei foto com a garçonete simpática de lá. O lugar conta com várias fotos da série e também de pessoas famosas que por lá passaram. Fiquei feliz também pois tanto a Adaila quanto o Wandré gostaram da comida e do lugar. Maravilha.

A próxima passagem seria partir para o Harlem em busca de uma igreja gospel black, dessas que aparecem nos filmes e que tanto formaram os mais diversos cantores negros americanos. Um grande amigo meu, o Michel, mesmo não tendo ligação com igrejas evangélicas, já esteve por lá duas vezes e me disse que gostou bastante. Pena que os lugares estavam todos fechados. Pelo menos deu para conhecer o bairro, muito bacana, de ruas e calçadas largas e gente atenciosa.

Próxima parada: ir ao Central Park, dessa vez para conhecer os principais pontos turísticos do lugar, e assim que lá chegamos fomos abordados por um desses caras que fazem passeios de bicicletas que carregam até três pessoas. O sujeito era uma simpatia, veio do Mali, país do norte da África, ralou bastante para se estabelecer nos EUA e brincava o tempo todo com a gente e com os colegas dele. Ele nos mostrou a casa do Woody Allen, a casa de propriedade da Madonna, lugares que serviram de locação para diversos filmes, e fez paradas em lugares importantes, como o memorial em homenagem a John Lennon, que fica próximo ao Edifício Dakota, onde ele foi assassinado, e a fonte que aparece na abertura de FRIENDS, onde tiramos fotos pulando – isso foi sugestão dele, mas foi divertido para caramba. Ao final desse delicioso passeio, ficamos um tempinho sentados na grama do Central Park, apreciando a paisagem.

Não sabíamos direito para onde ir, mas como eu tinha passado em frente a um cinema que exibia HOMEM IRRACIONAL, o novo filme do Woody Allen, achei que seria interessante dar uma passada por lá, enquanto a Adaila e o Wandré davam uma volta pelas lojas daquela área. Estava um tanto cheio de lojas e queria muito aproveitar a oportunidade mais do que simbólica de ver um filme de um dos cineastas mais representativos de Manhattan. O novo filme, se não me agradou tanto quanto o anterior, MAGIA AO LUAR, dialoga tanto com outras obras do diretor que é difícil não gostar. E fiquei feliz em poder entender mais de 95% dos diálogos. Gostei também da projeção da sala do Lincoln Plaza, lugar especializado em filmes alternativos, ou seja, estrangeiros e filmes americanos independentes. A essa altura do campeonato já tínhamos mais ou menos entendido a lógica um pouco complexa do metrô da cidade.

No terceiro dia em Nova York, a ideia era chegar pertinho da Estátua da Liberdade, através de um barco que levaria de graça pessoas que moram em Staten Island. Mas como os estrangeiros que lá moram são espertos e também simpáticos na abordagem, um deles conseguiu convencer a gente que seria muito melhor fazer um passeio de barco, por um preço até simpático, chegando bem mais perto da estátua. O passeio foi uma maravilha, apesar de o calor estar bem grande naquele momento. Deu pra ver também muita coisa bonita da geografia do sul de Manhattan, especialmente os prédios mais comerciais, como o primeiro prédio do soerguido World Trade Center.

Depois de comer na rua uma iguaria bem gostosa, fomos em direção ao Marco Zero, onde há um memorial para pessoas que foram vítimas do atentado de 11 de setembro e também o majestoso One World Trade Center, o prédio gigante da área, construído nos últimos anos. O curioso de nossa passagem por essa área foi quando um sujeito chegou na minha frente e me ameaçou com um punho, encostando-o em meu pescoço, como se eu tivesse feito algo a ele. Fiquei muito desorientado, sem saber o que tinha acontecido. Ele tinha ódio nos olhos e depois, quando viu que eu estava confuso e não ia reagir em nada, foi embora. Bizarro.

Quando vimos que lá perto havia uma loja da Century 21, acabamos sucumbindo às tentações do capitalismo e passando um tempinho lá. De fato, o lugar é a maior loja de preços baratos de roupas boas do lugar. Compramos umas peças de roupas e fomos, em seguida, em busca da igreja da Times Square, indicada pelo pastor da igreja da minha irmã, a Comunidade do Amor. Acontece que encontramos alguns obstáculos ao chegar lá. Havia duas reuniões: uma direcionada a jovens, que ficava na igreja grande, e outra dobrando a esquina. Como queria ir a Broadway ver algum espetáculo, e o culto só começaria às 7 da noite, acabei dando uma escapulida para ver sozinho Hedwig and the Angry Inch, que quis ver graças às boas recordações que tenho do filme, dirigido por John Cameron Mitchell.

Não gostei tanto assim da peça, tanto por estar me sentindo mal por ter exagerado nos cafés da Starbucks (só nesse dia, passei lá três vezes para tomar um delicioso mocca), quanto por não entender direito as piadas. Pelo menos, a banda fazia um som porrada e as canções continuam muito boas. Sentei perto de uma moça que me disse que era a terceira vez que havia assistido à peça. Valeu mais por ter experimentado um pouco da Broadway por um preço razoável em comparação com os demais, mas depois fiquei pensando se não seria bem mais interessante ver THE JERSEY BOYS, que também estava em cartaz.

If you're going to San Francisco/ Be sure to wear some flowers in your hair

O dia seguinte já era de ir a San Francisco. Fomos aos Fisherman's Wharf, um lugar muito bonito, mas que, devido ao calor infernal daquele dia, só foi ficando mais agradável mesmo quando o sol estava perto de se por, coisa de oito da noite mais ou menos. Vimos os leões marinhos, uma espécie de museu de diversões do início do século XX e tomamos um sorvete bem bom no Ben & Jerry’s. Tomei um sorvete que tinha o nome do Jimmy Fallon.

San Francisco é uma cidade bem diferente. O bairro onde a gente ficou era um tanto estranho, com vários mendigos nas ruas. Quando a gente parou para comer algo à noite num dos vários restaurantes de comida fast food, havia um homem com as roupas esfarrapadas e todo sujo, mas com óculos de grau e estudando. Parecia lutar para sair daquela situação. Provavelmente tinha muita coisa na vida e quebrou, tendo perdido tudo, até a casa.

San Francisco também me deixou feliz em pelo menos mais duas ocasiões: uma vez, quando passamos pela Union Square, um homem tocava no saxofone o tema de O PODEROSO CHEFÃO. Não tive como não ficar arrepiado ao ouvir aquele belíssimo tema de Nino Rota. Quase chorei. A noite estava gelada, ao contrário do dia. Temperatura de deserto.

No segundo dia em San Francisco comemos um delicioso almoço no John's Grill, lugar dedicado à memória de Raymond Chandler, que comia todos os dias lá e escreveu o romance O Falcão Maltês todinho no lugar. Até há, perto do restaurante, uma estátua do falcão. Não sei se é a mesma utilizada no filme de John Huston. Provável que seja. Comi um peixe delicioso, a melhor refeição que tive o prazer de comer nos Estados Unidos, inclusive. No lugar, também passei por uma excelente loja de discos, a Raspuntin, indicada pelo amigo Zezão. Saí de lá com 17 CDs! :)

Não daria para passar por San Francisco sem chegar mais perto da Golden Gate, o cartão postal da cidade. Pena que a neblina tenha atrapalhado a nitidez das fotos. Ainda assim, é uma visão e tanto. Minha irmã ficou bastante emocionada. Chegamos perto da ponte à noite e de dia também. Quanto a Alcatraz, pela pouca grana, optamos por não aderir ao passeio até o antigo presídio. Em compensação, fomos ao Crissy Field, uma área belíssima, talvez a mais bela paisagem natural de lá, dando para ver a parte de baixo da ponte e lembrando uma cena clássica de UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock.

A saída de San Francisco via carro foi um tanto longa, mas deu tempo de chegar a tempo para almoçar em Monterey e conhecer o que deve ser um dos maiores aquários do mundo. Destaque para a apresentação dos pinguins sul-africanos. O restante do dia foi também de carro, em busca de um hotel em Camarillo, próximo a um outlet, antes da chegada a Los Angeles. Ficamos hospedados em uma cidadezinha bem bonita e simpática chamada Duarte, uma das várias que fica dentro do condado de Los Angeles.

Ói nós aqui...

O curioso de Los Angeles é que é uma cidade que funciona praticamente de dia. À noite, as pessoas vão para suas casas dormir. Bem diferente da rotina louca de Nova York. Assim, tivemos que dormir cedo mesmo para aproveitar o passeio por L.A. no dia seguinte.

Começamos pela Calçada da Fama, que é menos glamorosa do que imaginávamos, mas que não deixa de ser bem interessante. Infelizmente o Chinese Theater estava fechado por causa de uma première, mas aproveitamos e fizemos um passeio de duas horas que incluiu uma passagem por Beverly Hills. O sujeito que vendeu o pacote, por cerca de 20 dólares, enganou a gente. Falou que iríamos parar no melhor spot para tirar foto com o letreiro de Hollywood. Mentiu. Tivemos que fazer o trajeto de carro e um pouco a pé. Sem falar que o tal motorista que apresenta a cidade com um microfone tinha um sotaque estrangeiro bem carregado e mal dava para entender o que ele dizia. E ainda mostrava as coisas quando elas já haviam saído de nossa visão.

Mas em compensação, a caminhada de cerca de meia hora até os letreiros de Hollywood foi um dos momentos mais emocionantes da viagem. Estava felicíssimo e cantando "Pescador de ilusões", dO Rappa, com a Adaila. Tivemos um contratempo na hora de voltar de lá, mas não foi nada de mais. Em seguida, saímos de lá para conhecer os estúdios da Universal. Acontece que o preço para conhecer o parque e o horário que chegamos não compensava gastar tanto e tive a ideia de irmos ao centro de Los Angeles, onde pude conhecer (e gastar alguns dólares) na livraria Barnes & Noble, dentro do shopping ao ar livre The Grove. Belíssimo. Queria ter tido mais tempo de conhecer o centro de Los Angeles.

O resto da viagem foi de volta para casa, com direito a passagem por Tijuana rapidinho e zarpando para o Brasil pelo aeroporto de San Diego. Enfim, uma das melhores viagens da minha vida, certamente. Além do mais, o Wandré é um cara muito divertido e ri muito de suas presepadas. Claro que havia muito para escrever a respeito, mas acho que já exagerei bastante no tamanho do relato.

sábado, agosto 08, 2015

A MISTERIOSA MORTE DE PÉROLA



O bacana da ascensão do horror no cinema brasileiro é quando ele começa a chegar também pertinho da gente. A MISTERIOSA MORTE DE PÉROLA (2014), de Guto Parente, é uma produção cearense que tem conquistado a crítica e boa parte do público por onde tem passado, com seu exercício de estilo no subgênero "casa assombrada" (embora não seja só isso). Por enquanto só tem passado em festivais e mostras especiais; portanto, não dá pra dizer se terá um bom apelo popular  quando lançado comercialmente.

Dividido em dois capítulos, o longa apresenta dois pontos de vista: o da moça do título e em seguida o de um homem. A primeira parte até lembra alguns filmes que lidam com a tensão de uma casa sendo vigiada por alguém misterioso ou algo sobrenatural, embora haja algo que diferencie bastante o estilo de Parente com o das produções estrangeiras. Principalmente o andamento lento e a estranheza e beleza que se revelam tanto nos exteriores da casa e na fotografia iluminada (nos dois sentidos da palavra) dos próprios realizadores/atores (Guto Parente e Ticiana Augusto Lima).

No filme, Ticiana é uma jovem brasileira que se muda para a França para estudar arte. No belo mas antigo e sombrio apartamento em que ela se aloja, as paredes e os quadros parecem ter olhos para lhe vigiar. E o medo e a solidão pairam no ar. Aos poucos, sua sanidade passa a ser questionada quando ela começa a confundir realidade de fantasia. Essa sensação é transferida para o espectador, embora seja possível não embarcar na viagem de Parente.

No meu caso, por algum motivo (não sei se o tamanho gigante do Cine São Luiz e o número pequeno de espectadores), mas acabei ficando disperso algumas vezes e até atribuí isso a uma possível falha da realização, que fez com que o andamento lento acabasse por permitir que minha mente divagasse para outro lugar que não o filme ou algo relacionado a ele. Até cheguei a pensar que a duração de 62 minutos foi uma maneira de forçar uma exibição comercial do trabalho, tornando o que seria um belo média-metragem em um longa esticado.

Assim, o que eu mais valorizei foi o cuidado que os realizadores tiveram com a direção de arte e a fotografia, a diversidade nos pontos de vista da câmera, o uso do som (de ruídos) para acentuar uma atmosfera de medo etc. E há também uma intenção de criar um filme de horror atípico, mais próximo de um filme de arte. Ou seja, a beleza plástica de A MISTERIOSA MORTE DE PÉROLA acaba por torná-lo um trabalho bem longe do vulgar. Sem falar que a segunda parte torna o trabalho até que bastante intrigante e as referências a OS OLHOS SEM ROSTO, de Franju, e A ESTRADA PERDIDA, de Lynch, funcionam como piscadelas de olho interessantes para os fãs do gênero.

O legal é que a grande maioria das críticas que eu tenho lido sobre o filme na internet são bem positivas, e não de jornais locais ou de críticos locais, o que poderia ser um indicativo de puxa-saquismo ou de bairrismo, mas de pessoas de outras partes do país, que se empolgaram de verdade com o trabalho do casal Ticiana e Parente.

sexta-feira, agosto 07, 2015

QUARTETO FANTÁSTICO (Fantastic Four)



É bem triste quando um filme que a gente torce muito para que dê minimamente certo frustre as expectativas mais realistas. É o caso de QUARTETO FANTÁSTICO (2015), de Josh Trank, lançado dez anos após a versão mais alegrinha dirigida por Tim Story, que fez relativo sucesso comercial e até rendeu uma continuação. Porém, a ideia de um reboot é justamente uma tentativa de deixar para trás algo que não é muito bem aceito pelos fãs dos heróis e nem é considerado um bom trabalho.

E eis que Josh Trank, um jovem diretor que tem no currículo um filme de super-poderes bem interessante, PODER SEM LIMITES (2012), entra no projeto de reformar a família mais querida da Marvel para o cinema, nesse momento de rivalidade bem feia entre os estúdios Marvel/Disney e a Fox, que não entra em acordo (como a Sony entrou), nem quer perder os direitos sobre os personagens do Quarteto (e dos X-Men).

Nesse cenário, acontece também outra briga interna que pôde ser acompanhada nas notícias sobre as filmagens de QUARTETO FANTÁSTICO. Diretor e produtores não se entenderam. Trank afirma que tinha um filme ótimo se não houvesse intervenção do estúdio, que o teria demitido no meio das filmagens para colocar cenas com mais ação e explosões – Trank, como dá para notar pelo menos na primeira metade do filme, preferia abordar mais os conflitos dos personagens de uma maneira mais sombria.

Provavelmente nunca saberemos como teria sido o resultado com o cineasta com o controle completo da situação. O resultado que chega até nós é um dos mais fracos filmes de super-heróis já feitos, embora seja possível perceber algumas qualidades, especialmente em sua primeira metade, quando vemos o relacionamento do arrogante Victor Von Doom com os Reed Richards, Susan Storm e Johnny Storm antes de ele se transformar no Dr. Destino.

Toda a parte que faz de QUARTETO FANTÁSTICO mais um filme de ficção científica com alguns toques de horror do que uma aventura de super-heróis é pelo menos interessante. Ficamos intrigados com a ida dos heróis a uma outra dimensão (aqui não são os "raios cósmicos" de uma viagem de foguete, como nos quadrinhos) e isso gera um curioso suspense, embora saibamos quais serão os resultados.

O problema é que, depois da transformação, o filme parece não saber que destino tomar. Se a interferência do estúdio foi em trazer um pouco de ação para a produção, tratou-se, então, de uma interferência bem feia – a luta final dos quatro com o Dr. Destino é rápida e muito ruim, inclusive levando em consideração os efeitos especiais, que parecem saídos de uma produtora de baixo orçamento.

Com isso, o que parecia promissor, como a abordagem mais realista e a presença de bons atores jovens nos papéis principais – destaque para Miles Teller e Kate Mara – acaba indo para o ralo quando o que sobra é uma colcha de retalhos, que até tenta incluir um pouco de humor, mas que soa bastante forçado. Com isso, é bem pouco provável que haja uma continuação. Talvez a Fox tente um novo reboot até conseguir um resultado de respeito para heróis tão queridos do Universo Marvel, e que têm sofrido injustamente até nos quadrinhos, em virtude dessa briga de estúdios.

quarta-feira, agosto 05, 2015

O EXPRESSO DE SHANGAI (Shanghai Express)



Não chega a ser dos meus favoritos dentre os filmes dirigidos por Josef von Sternberg e estrelados por sua musa Marlene Dietrich, mas O EXPRESSO DE SHANGAI (1932) não deixa de ser mais um belo exemplar do barroco do cineasta austríaco que teve o seu momento de glória na década de 1930, em Hollywood. Lá ele podia brincar com liberdade com os jogos de luz e sombras e com cenários tão suntuosos (ou sujos) que parecem reais. Pelo menos a impressão que dá é que o cineasta filmou na China ou pelo menos em qualquer lugar próximo. Mas não. Foi tudo em estúdio.

Assim como aconteceu em MARROCOS (1930) e DESONRADA (1931), filmes anteriores da dupla, há em O EXPRESSO DE SHANGAI não apenas um gosto pelo exótico e pelas paixões arrebatadoras, mas algo de fatalismo, embora nem o amor seja levado às últimas consequências como em MARROCOS, nem o fatalismo seja tão forte quanto em DESONRADA.

Nesse meio termo que traz também sequências de alívio cômico, vemos a história de um grupo de pessoas que viaja em um trem que sai de Pequim com destino a Xangai durante um período de guerra civil na China, sem que saibamos quem é o vilão e o mocinho da história: o Governo ou os revolucionários. Mas isso pouco importa, na verdade.

Marlene Dietrich faz o papel de uma prostituta famosa chamada Shanghai Lilly, cuja presença no trem mexe com a tripulação, seja um pastor protestante que acha aviltante a sua presença, seja uma senhora dona de um estabelecimento para pessoas decentes, seja, principalmente, um oficial que já esteve prestes a casar com Lilly no passado, mas algo se perdeu.

Os dois, apesar de tentarem disfarçar ou posarem de indiferentes, são ainda apaixonados um pelo outro, e o modo como eles são colocados como reféns do grupo revolucionário só faz com que o perigo aumente ou torne mais explícito esse amor. Tanto é que na cena em que Lilly está rezando pelo homem que ama, Sternberg faz questão de tornar esse momento quase sacrossanto: uma prostituta em sinal de desespero e buscando o pouco de fé que lhe resta. Em algum momento, cheguei a lembrar de Marion Cotillard chorando na igreja em ERA UMA VEZ EM NOVA YORK, de James Gray.

O gosto por personagens femininas marginais prossegue nessa parceria Sternberg-Dietrich e a construção dos personagens de apoio é interessante, assim como a fotografia de Lee Garmes, em sua última colaboração com Sternberg, linda como nunca. Porém, falta ao filme algo que torne o amor do casal suficientemente convincente ou tocante. É como se o diretor estivesse interessado demais nos aspectos plásticos de seu trabalho e tivesse perdido um pouco a mão no que se refere ao apelo dramático e romântico.

terça-feira, agosto 04, 2015

OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (Saturday Night Fever)



Visto no ano passado em uma mostra especial no Cinema do Dragão, só agora parei para escrever algumas linhas sobre OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (1977), de John Badham, o mais emblemático filme da era disco. O filme fazia parte daquela série de longas exibidos na televisão e que eu não dava tanta bola assim durante os meus anos pré-cinefilia. Mesmo posteriormente não cheguei a ficar tão interessado assim em vê-lo. A minha geração tem mais relação com a figura gorda de John Travolta, quando de seu "retorno" triunfal em PULP FICTION – TEMPO DE VIOLÊNCIA, de Quentin Tarantino.

É bom lembrar que OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE fez de Travolta um dos maiores símbolos da era disco, tendo realizado, logo em seguida, outros filmes musicais e com coreografias, como GREASE – NOS TEMPOS DA BRILHANTINA, OS EMBALOS DE SÁBADO CONTINUAM, EMBALOS A DOIS e PERFEIÇÃO.

Quanto a gostar ou não de OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE, saí do cinema sem saber ao certo. Mas não há como negar o seu caráter quase documental (Badham encorajou o improviso por parte dos atores) de um momento em que as pessoas voltaram a dançar juntas e em caráter de celebração, depois de um período em que o rock dos anos 1960 e 1970 não promovia muito essa experiência corporal, nem explorava tanto a sensualidade e a sexualidade de forma tão gráfica.

Mas é sempre bom lembrar que a disco music, embora tenha influenciado alguns artistas de rock, como os Rolling Stones, também foi alvo de artilharia dos punks, seus contemporâneos, como mostrado em filmes como O VERÃO DE SAM, de Spike Lee, e SOMOS TÃO JOVENS, de Antônio Carlos da Fontoura. Em comum, tanto a disco music quanto o punk rock mostravam-se cansados do cenário musical da década de 1970.

O filme apresenta a figura de Tony Manero (Travolta), um rapaz cujo mais importante momento da vida é quando se diverte nos clubes noturnos aos sábados, fazendo muito sucesso com suas coreografias ensaiadas e participando de competições acirradas. Mas, se por um lado, nas pistas ele é rei, em casa não é visto com bons olhos pela família. O pai admira mesmo é o seu irmão, que é padre. Assim, ao mesmo tempo em que sabe que a vida nas pistas é uma espécie de fuga da dura realidade, o sentimento de vazio também está no ar, devido à falta de perspectivas de sair da periferia (Brooklyn) e ir morar no grande centro (Manhattan).

O filme também serviu de vitrine para os Bee Gees, que já eram artistas de sucesso, embora estivessem passando por uma fase de altos e baixos. Mas com OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE, o grupo de irmãos estourou de vez, e até hoje Saturday Night Fever é a trilha sonora de um filme mais vendida de todos os tempos.

segunda-feira, agosto 03, 2015

ALIEN, O 8º PASSAGEIRO (Alien)



Se hoje, visto em casa, ALIEN, O 8º PASSAGEIRO (1979) segue sendo uma experiência horripilante e claustrofóbica, é de se imaginar como foi na época de sua estreia. No documentário que vem junto com o box com os quatro filmes da tetralogia, o último capítulo fala justamente desse efeito perante à audiência, que foi de muito medo, gente desmaiando ou vomitando e coisas do tipo, que, claro, são exageradas a fim de causar mais propaganda para o filme.

Quando ALIEN começa, já ficamos animados vendo os créditos iniciais, dada a quantidade de pessoas talentosas na equipe. No elenco, além da belíssima estreante como protagonista Sigourney Weaver, há grandes nomes como John Hurt, Harry Dean Stanton e Ian Holm, que desempenham papéis importantíssimos pelo menos dois dos momentos mais memoráveis e aterrorizantes do filme. Sem falar que a direção é do mestre Ridley Scott, o roteiro é do sensacional Dan O'Bannon e o monstro foi criado pelo genial H.R. Giger, só pra citar os nomes mais importantes.

E pensar que o filme foi pensado inicialmente por O'Bannon como uma comédia espacial que ele e o amigo Ronald Shusett queriam fazer depois de ficarem frustrados com o resultado de DARK STAR (1974), de John Carpenter. A ideia era fazer um filme B produzido por Roger Corman. Mas o roteiro foi passando de mão em mão e foi parar na mão dos executivos da 20th Century Fox, que só aceitaram priorizar as filmagens mesmo depois do estouro de GUERRA NAS ESTRELAS, de George Lucas. A partir daí, a ficção científica voltou a ser moda novamente em Hollywood.

Mas o curioso é que ninguém queria dirigir ALIEN. Alguém sugeriu o nome de um novato, Ridley Scott, que só havia dirigido OS DUELISTAS (1977), uns comerciais para a televisão e episódios de séries inglesas. Scott topou e se mostrou o homem perfeito para a realização do filme, com força, inclusive, para driblar as restrições dos produtores e para pedir mais e mais dinheiro para mais e mais sets e detalhes.

Não se tinha colocado tanto dinheiro em um filme de nave espacial desde 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick, que, aliás, é uma das principais influências na história. Há muita coisa em comum, como o sono em câmeras criogênicas e a matança de cada membro da tripulação por um inimigo. Aqui, não um cérebro eletrônico, mas uma criatura do espaço de aspecto bem assustador.

Ver o making of faz com que apreciemos ainda mais o produto já visto, não apenas pelas inúmeras dificuldades e pela longa trajetória até a estreia, mas também por cada detalhe que passa desapercebido enquanto estamos ocupados vendo o filme. Quem diria que uma pessoa aparentemente tão durona quanto Sigourney Weaver, que faz a capitã da nave no filme, tenha sofrido tanto nos bastidores, a ponto de chorar algumas vezes, inclusive por terrorismo do diretor, que tinha as suas técnicas de deixar o elenco desconfortável em prol do resultado do filme.

Falar da história de ALIEN, O 8º PASSAGEIRO, um filme tão popular e visto por tanta gente, é desnecessário. Mas podemos lembrar de certas cenas marcantes, como o monstro saindo pela barriga de John Hurt, o momento em que se descobre que um dos tripulantes é um robô e a espetacular tentativa de fuga de Ripley da nave, a fim de escapar viva do ataque da criatura, com direito a parada para pegar o gato.

Nunca se usou tanto terror e suspense numa nave espacial com tanta intensidade. Alguém poderia lembrar de O PLANETA DOS VAMPIROS, de Mario Bava, que tem uma pegada bem parecida e é dos anos 1960, mas, por mais que seja um belo trabalho, há que se dar o braço a torcer e ver o quão ALIEN é mais eficiente.

domingo, agosto 02, 2015

OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR (Les Parapluies de Cherbourg)



E foi na tarde desta quarta-feira que eu tive o prazer imenso de assistir um dos melhores filmes da minha vida. Dizer isso, passados já vários anos de meu período de formação como cinéfilo, chega a ser surpreendente até pra mim, mas sei o quanto isso é verdadeiro a cada vez que volto a pensar nesta obra-prima de Jacques Demy, OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR (1964), ganhador da Palma de Ouro em Cannes.

E pensar no quanto eu tive preconceito em pegar este filme para ver, só de saber que era inteiramente cantado. Que bobagem. Mas, por outro lado, ter adiado tanto esse meu encontro com o filme fez com que eu tivesse a oportunidade de vê-lo em uma cópia gloriosa em DCP 2K, numa versão remasterizada, com seu technicolor vivo e nítido.

Quanto ao fato de ser cantado o tempo inteiro, chega uma hora que isso se incorpora à narrativa, à história de amor entre Geneviève (Catherine Deneuve) e Guy (Nino Castelnuovo), que é como se fosse uma história falada. A música de Michel Legrand, a história envolvente e os aspectos visuais ajudam a compor, no conjunto, um amálgama de elementos que contribuem para um sentimento de arrebatamento emocional.

O romantismo de OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR, porém, possui algo de realista também, levando em consideração o seu desenvolvimento e a conclusão, e isso torna a obra máxima de Demy ainda mais admirável. Não se trata apenas de trazer desilusão para os personagens, mas de mostrar também as possibilidades de se encontrar a felicidade (ou algo próximo disso) no cotidiano pouco floreado do dia a dia.

O filme é narrado em três atos. O primeiro é dedicado ao casal perfeito incorporado por Deneuve (mais linda do que nunca em seus 21 aninhos, mas inicialmente interpretando uma moça de 16) e o italiano Castelnuovo. Eles se amam muito e planejam se casar e ter filhos e dizem juras de amor um ao outro. Ele é apenas um mecânico de automóveis, ela trabalha com a mãe numa loja de guarda-chuvas, mas isso não tem muita importância diante do amor maior. Até que um dia Guy precisa lutar na Argélia, deixar o país por uns dois anos.

O segundo ato, dedicado à ausência de Guy, faz com que nos apeguemos ainda mais à Geneviève, à sua condição, às poucas cartas recebidas do amado, à questão do novo pretendente que representa uma estabilidade financeira futura, além da forma amável com que ele a aceita. Mesmo assim, difícil não torcermos pelo reencontro do casal inicial, embora isso acontecer se torne cada vez mais difícil. O terceiro ato é dedicado a Guy e a sua frustração em voltar para casa e ver tudo mudado e o amor de sua vida inacessível.

Alguns momentos são particularmente especiais, dentro de um conjunto que por si só já é todo especial. Muito disso se deve à música de Michel Legrand, em especial o tema "Non, je ne pourrai jamais vivre sans toi", cuja instrumentação orquestrada é recorrente ao longo do filme, causando muita emoção, especialmente quando transposta para a cena da despedida na estação, com aquele detalhe arrasador do travelling para trás, indicando a separação do casal. Posteriormente, a agridoce canção-tema de Guy e Madeleine (Ellen Farner) também é destaque e de uma beleza impressionante.

E, pra completar, o filme ainda tem aquele final para nos deixar extremamente devastados, com lágrimas nos olhos. OS GUARDA-CHUVAS DO AMOR é filme para se guardar no fundo do coração, com o maior carinho do mundo.