O novo filme de Felipe Bragança parece ser cheio de boas intenções. Gosto de como ele divide por capítulos a sua narrativa, com letras grandes e de destaque e títulos chamativos. A trilha sonora meio anos 80, com uso de sintetizadores, também contribui para algo elegante e retrô (está na moda, não é?). Mas tudo isso parece algo que funcionaria melhor com uma melhor condução na direção. A carreira de Bragança como cineasta até agora não emplacou, pelo menos não dentro de um circuito mais amplo. Mas é compreensível que ele queira um tom diferente, e nisso está a sua principal qualidade.
Seu NÃO DEVORE MEU CORAÇÃO (2017) é uma obra irregular, que aproveita o talento e experiência de dramaturgia de Cauã Raymond, que manda muito bem nas cenas com a família (com o irmão menor e com a mãe), mas seu estilo de atuar acaba ficando um pouco contrastado com o trabalho menos naturalista de interpretação dos atores jovens e pouco experientes. O resultado é uma obra torta do ponto de vista da atuação, e que não chega a passar o sentimento que parece querer passar, seja o amor imenso do pequeno Joca (Eduardo Macedo) pela indiazinha paraguaia da fronteira (Adeli Gonzales), seja a relação de Fernando, o personagem de Cauã, com o ambiente hostil que o cerca.
Este ambiente hostil traz como cenário principal uma guerra entre gangues de motoqueiros: de um lado um grupo de brasileiros do Mato Grosso do Sul com pinta de fascistas; do outro, um grupo de paraguaios-guaranis que têm visto todos os dias corpos dos seus serem desovados no rio Apa, o rio que separa o estado brasileiro do país. Bragança parece querer dar à trama um ar de fábula, a exemplo do que havia feito com A ALEGRIA (2010), ainda mais estranho e menos palatável.
Essa história de amor e ódio tem os seus momentos. Há algo de ACOSSADO no momento em que o garotinho, inebriado pelo amor que sente pela jovem índia, conta algo sobre o irmão. Essa é uma das melhores cenas do filme. Mas é uma pena que ela pareça deslocada em uma obra que parece optar pelo distanciamento das emoções. Ou trazê-las através da estranheza, quem sabe.
segunda-feira, novembro 27, 2017
sexta-feira, novembro 24, 2017
NOSSAS NOITES (Our Souls at Night)
Hoje a notícia do casamento da mãe de uma amiga minha me fez lembrar deste filme que eu vi há algumas semanas. Também me fez lembrar de meu avô, que depois que minha avó morreu tratou de seguir em frente e não quis ficar sozinho: casou-se de novo. A solidão deve doer mais na terceira idade. Ainda não cheguei lá para saber, mas do jeito que o tempo passa rápido não deve demorar tanto assim. Pois bem. O filme em questão é NOSSAS NOITES (2017), de Ritesh Batra, lançado direto no Netflix.
O diretor indiano tem em seu currículo outra história de amor belíssima, LUNCHBOX (2013), envolvendo amor por correspondência. Em NOSSAS NOITES temos um homem e uma mulher, ambos idosos, ambos viúvos, que começam a dormir juntos. É até estranho falar a palavra "idoso" quando estamos falando de Robert Redford e Jane Fonda, mas acho que eles não se importariam. Até porque já assumiram o efeito do tempo. Redford, inclusive, parece curtir bastante suas rugas.
Na trama, Jane Fonda é Addie Moore, uma mulher que resolve ser direta. Vai até a casa de seu vizinho Louis Walters (Robert Redford) e faz a proposta: ele topa ou não topa passar a dormir na casa dela, pelo menos para efeito de experiência? A ideia nem é fazer sexo, mas apenas ter alguém junto na cama, para conversar antes de dormir, alguém que seja interessante. E ela acha Louis interessante. O sexo, o amor, e tudo o mais poderiam aparecer depois, se tudo funcionasse.
Louis fica um pouco chocado com a proposta, mas depois de muito pensar resolve entrar na casa de Addie, ainda que inicialmente pela porta dos fundos. É muito bom ver como o filme lida com a relação dos dois, esse tatear em busca de uma intimidade que nem existia antes, mas que deve passar a existir à medida que eles forem se conhecendo. Esse tipo de relação é mais comum do que se imagina e é feita por pessoas que sabem que não têm tempo a perder. Os mais jovens têm a mania de deixar escapar o tempo, gastando a energia bestamente.
NOSSAS NOITES não inventa a roda e não é uma história de amor fora do comum, do ponto de vista formal. Mas é tão bem conduzida em sua narrativa, com o cuidado já conhecido por Batra com as palavras e os silêncios, que vale ver. Além do mais, estamos falando de um filme estrelado por dois dos maiores astros da Nova Hollywood. Os dois já haviam trabalhado juntos em outros três trabalhos: CAÇADA HUMANA (1966), de Arthur Penn; DESCALÇOS NO PARQUE (1967), de Gene Saks; e O CAVALEIRO ELÉTRICO (1979), de Sydney Pollack. Não vi nenhum dos três. :/
O diretor indiano tem em seu currículo outra história de amor belíssima, LUNCHBOX (2013), envolvendo amor por correspondência. Em NOSSAS NOITES temos um homem e uma mulher, ambos idosos, ambos viúvos, que começam a dormir juntos. É até estranho falar a palavra "idoso" quando estamos falando de Robert Redford e Jane Fonda, mas acho que eles não se importariam. Até porque já assumiram o efeito do tempo. Redford, inclusive, parece curtir bastante suas rugas.
Na trama, Jane Fonda é Addie Moore, uma mulher que resolve ser direta. Vai até a casa de seu vizinho Louis Walters (Robert Redford) e faz a proposta: ele topa ou não topa passar a dormir na casa dela, pelo menos para efeito de experiência? A ideia nem é fazer sexo, mas apenas ter alguém junto na cama, para conversar antes de dormir, alguém que seja interessante. E ela acha Louis interessante. O sexo, o amor, e tudo o mais poderiam aparecer depois, se tudo funcionasse.
Louis fica um pouco chocado com a proposta, mas depois de muito pensar resolve entrar na casa de Addie, ainda que inicialmente pela porta dos fundos. É muito bom ver como o filme lida com a relação dos dois, esse tatear em busca de uma intimidade que nem existia antes, mas que deve passar a existir à medida que eles forem se conhecendo. Esse tipo de relação é mais comum do que se imagina e é feita por pessoas que sabem que não têm tempo a perder. Os mais jovens têm a mania de deixar escapar o tempo, gastando a energia bestamente.
NOSSAS NOITES não inventa a roda e não é uma história de amor fora do comum, do ponto de vista formal. Mas é tão bem conduzida em sua narrativa, com o cuidado já conhecido por Batra com as palavras e os silêncios, que vale ver. Além do mais, estamos falando de um filme estrelado por dois dos maiores astros da Nova Hollywood. Os dois já haviam trabalhado juntos em outros três trabalhos: CAÇADA HUMANA (1966), de Arthur Penn; DESCALÇOS NO PARQUE (1967), de Gene Saks; e O CAVALEIRO ELÉTRICO (1979), de Sydney Pollack. Não vi nenhum dos três. :/
quarta-feira, novembro 22, 2017
A TRAMA (L'Atelier)
Embora tenha uma filmografia relativamente curta, tem se percebido desde já o interesse de Laurent Cantet em questões sociais. Seu filme de maior fama é o que lhe deu a Palma de Ouro, ENTRE OS MUROS DA ESCOLA (2008), um retrato incômodo e barulhento da rotina de um professor de uma escola pública em uma França que convive com múltiplas etnias e que parece estar em constante atrito. O filme aconteceu antes dos vários ataques terroristas que se tornaram rotina no país.
Falar sobre etnias e ao mesmo tempo citar os ataques terroristas é por si só algo perigoso. Seria como se estivéssemos atribuindo a culpa dos vários atos criminosos aos mulçumanos em geral, ou aos árabes como um todo, e isso é discutido com certa intensidade em A TRAMA (2017), novo filme de Cantet.
Na trama, acompanhamos o trabalho de uma novelista, Olivia (Marina Foïs) em um workshop para a realização em conjunto de um possível romance com vários jovens de diferentes etnias e posicionamentos políticos e sociais. Um dos meninos, Antoine (Matthieu Lucci), se destaca nas discussões, devido principalmente à sua tendência ligada à extrema direita e que o torna um tanto agressivo com alguns colegas.
Quando ele traz uma das tarefas da professora, que é escrever algo que possa servir de base e de nova discussão para a elaboração do romance, sua escrita incomoda as pessoas mais sensíveis. Para muitos, seu pequeno trecho de ficção sobre um banho de sangue em um iate chega a ser quase criminoso. Alguém diz que é como se o rapaz tivesse prazer quase sexual ao estar escrevendo sobre algo tão violento.
Como não vemos o filme apenas pelos olhos de Olivia, mas também um pouco da rotina de Antoine, somos convidados a também relativizar a figura do rapaz, que gosta de crianças e que é um tanto enigmático em sua solidão, em sua preferência por estar só naquela cidadezinha costeira. Ou seria a sua solidão não uma opção, mas algo imposto pelo seu destino?
O filme brinca com as várias possibilidades de se contar uma história nas discussões entre professora e alunos. Aos poucos A TRAMA opta por uma virada no enredo, que o aproxima de um suspense. Uma decisão inteligente, já que a discussão que o filme estava trazendo até então não estava parecendo levar a lugar nenhum com tantos jovens de opiniões diferentes que freavam as tentativas de evoluir algum aprofundamento. O caso da casa de espetáculos Bataclan, em Paris, é citado apenas superficialmente.
Em seu filme, Cantet aproxima-se de um rapaz que, confuso e com ideias não muito saudáveis de ódio e de tentativa de resgatar a "Europa para os europeus", pareceria um psicopata ou um terrorista em potencial. Mas, ao mesmo tempo que o vemos como alguém que preferimos manter distância, as palavras finais do rapaz chamam a atenção para a necessidade de cuidar, no sentido mais afetivo do termo.
Falar sobre etnias e ao mesmo tempo citar os ataques terroristas é por si só algo perigoso. Seria como se estivéssemos atribuindo a culpa dos vários atos criminosos aos mulçumanos em geral, ou aos árabes como um todo, e isso é discutido com certa intensidade em A TRAMA (2017), novo filme de Cantet.
Na trama, acompanhamos o trabalho de uma novelista, Olivia (Marina Foïs) em um workshop para a realização em conjunto de um possível romance com vários jovens de diferentes etnias e posicionamentos políticos e sociais. Um dos meninos, Antoine (Matthieu Lucci), se destaca nas discussões, devido principalmente à sua tendência ligada à extrema direita e que o torna um tanto agressivo com alguns colegas.
Quando ele traz uma das tarefas da professora, que é escrever algo que possa servir de base e de nova discussão para a elaboração do romance, sua escrita incomoda as pessoas mais sensíveis. Para muitos, seu pequeno trecho de ficção sobre um banho de sangue em um iate chega a ser quase criminoso. Alguém diz que é como se o rapaz tivesse prazer quase sexual ao estar escrevendo sobre algo tão violento.
Como não vemos o filme apenas pelos olhos de Olivia, mas também um pouco da rotina de Antoine, somos convidados a também relativizar a figura do rapaz, que gosta de crianças e que é um tanto enigmático em sua solidão, em sua preferência por estar só naquela cidadezinha costeira. Ou seria a sua solidão não uma opção, mas algo imposto pelo seu destino?
O filme brinca com as várias possibilidades de se contar uma história nas discussões entre professora e alunos. Aos poucos A TRAMA opta por uma virada no enredo, que o aproxima de um suspense. Uma decisão inteligente, já que a discussão que o filme estava trazendo até então não estava parecendo levar a lugar nenhum com tantos jovens de opiniões diferentes que freavam as tentativas de evoluir algum aprofundamento. O caso da casa de espetáculos Bataclan, em Paris, é citado apenas superficialmente.
Em seu filme, Cantet aproxima-se de um rapaz que, confuso e com ideias não muito saudáveis de ódio e de tentativa de resgatar a "Europa para os europeus", pareceria um psicopata ou um terrorista em potencial. Mas, ao mesmo tempo que o vemos como alguém que preferimos manter distância, as palavras finais do rapaz chamam a atenção para a necessidade de cuidar, no sentido mais afetivo do termo.
segunda-feira, novembro 20, 2017
COLO
Se o cinema é visto pela maior parte dos espectadores como uma distração, algo para fugir da realidade dura da vida, o que dizer desses filmes que não se importam em não apenas mostrar mas nos colocar também dentro de realidades extremamente duras e cheias de desesperança? Mas o mais belo de tudo é perceber o quanto, mesmo assim, somos gratos à realizadora portuguesa Teresa Villaverde pela experiência sentimental e sensorial tão singular que ela nos presenteia com seu novo filme, COLO (2017), ainda inédito em circuito comercial em Portugal.
O próprio título traz uma palavra que é própria da língua portuguesa. Algo que remete a uma necessidade de conforto em momentos de carência. Quando a vida bate muito forte e estamos perto de não mais aguentar, queremos colo, queremos um pouco de alento para continuar seguindo.
A primeira cena importante do filme é um pouco a síntese ou a semente do que veríamos ao longo da narrativa: a adolescente Marta (Alice Albergaria Borges) volta desamparada para casa à noite e procura pelos pais e por jantar. Em vez disso, encontra um desesperançado pai (João Pedro Vaz) dizendo que sua esposa provavelmente não voltará mais para casa, não voltará mais para ele. A cena é carregada de um misto de tensão, angústia e um ar intrigante, acentuado pelas cores dos interiores fotografados lindamente pelo veterano Acácio de Almeida.
A mãe (Beatriz Batarda) reaparece, contando ao marido o motivo do atraso: ela havia conseguido um novo emprego, à noite, que aquilo era uma notícia boa, pois traria um pouco mais de dinheiro para aquela casa, necessitada. O pobre homem desempregado e já perdido em um mundo de desesperança volta para casa sem conseguir ainda processar muito alívio pela volta da esposa.
Embora a mãe apareça como alguém forte, esforçada e que se torna, contra a própria vontade, a única provedora da família, trabalhando três turnos, é Marta e seu pai, em seus caminhos mais à deriva, que COLO acompanhará com mais ênfase. A menina está passando por uma fase difícil, pelo abandono do namorado, mas é pelo desarranjo familiar e o esfacelamento daquela instituição que ela se tornará mais triste. Ela pergunta à mãe o que está acontecendo com aquela família.
Enquanto isso, também vemos a jornada de declínio de um homem que é despido de sua honra masculina de provedor, não conseguindo emprego algum por muito tempo, e passando por situações de humilhação, que ele parece aceitar, como forma de atenuar algum sentimento de culpa que talvez atormente o espírito, já que o papel do homem da casa lhe está sendo negado. Sem dinheiro, sem amigos, sem contatos, com a ausência da esposa, ele consegue encontrar algum alívio na figura de outra adolescente, a colega de escola da filha que aparece grávida.
Ler tudo isso faz parecer que estamos diante de um filme carregado de exageros na sentimentalidade. De certa forma, até é possível lembrar de alguns trabalhos de realizadores que trabalham ricamente com o melodrama, como Rainer Werner Fassbinder e Pedro Almodóvar, mas o que Teresa Villaverde faz é diferente. Ela prefere os silêncios aos diálogos. Os silêncios casam melhor com o sentimento que fica entalado na garganta, como se até o chorar fosse negado aos personagens e ao próprio espectador.
É admirável o modo como o filme constrói pinturas emmolduradas: as imagens dos quartos mostrados do lado de fora do apartamento; o que vemos através de janelas, como os animais vistos na casa da avó; ou a visão da paisagem vista de dentro da casinha onde vai parar a protagonista. As molduras parecem prisões, e prisões servem também para matar aos poucos. Como mata o pequeno passarinho de Marta, que fica doente na gaiola, talvez contaminado pelo clima pesado daquela casa.
O contraste entre a beleza da fotografia e da direção de arte e a dor e a desesperança dos personagens não é algo que incomode. Ao contrário: o mundo não deixa de ser belo quando as pessoas passam por situações de desencanto.O sentimento, aliás, fica ainda mais acentuado, como se alguém dissesse: o mundo é belo, mas tu não terás o direito de desfrutá-lo.
O próprio título traz uma palavra que é própria da língua portuguesa. Algo que remete a uma necessidade de conforto em momentos de carência. Quando a vida bate muito forte e estamos perto de não mais aguentar, queremos colo, queremos um pouco de alento para continuar seguindo.
A primeira cena importante do filme é um pouco a síntese ou a semente do que veríamos ao longo da narrativa: a adolescente Marta (Alice Albergaria Borges) volta desamparada para casa à noite e procura pelos pais e por jantar. Em vez disso, encontra um desesperançado pai (João Pedro Vaz) dizendo que sua esposa provavelmente não voltará mais para casa, não voltará mais para ele. A cena é carregada de um misto de tensão, angústia e um ar intrigante, acentuado pelas cores dos interiores fotografados lindamente pelo veterano Acácio de Almeida.
A mãe (Beatriz Batarda) reaparece, contando ao marido o motivo do atraso: ela havia conseguido um novo emprego, à noite, que aquilo era uma notícia boa, pois traria um pouco mais de dinheiro para aquela casa, necessitada. O pobre homem desempregado e já perdido em um mundo de desesperança volta para casa sem conseguir ainda processar muito alívio pela volta da esposa.
Embora a mãe apareça como alguém forte, esforçada e que se torna, contra a própria vontade, a única provedora da família, trabalhando três turnos, é Marta e seu pai, em seus caminhos mais à deriva, que COLO acompanhará com mais ênfase. A menina está passando por uma fase difícil, pelo abandono do namorado, mas é pelo desarranjo familiar e o esfacelamento daquela instituição que ela se tornará mais triste. Ela pergunta à mãe o que está acontecendo com aquela família.
Enquanto isso, também vemos a jornada de declínio de um homem que é despido de sua honra masculina de provedor, não conseguindo emprego algum por muito tempo, e passando por situações de humilhação, que ele parece aceitar, como forma de atenuar algum sentimento de culpa que talvez atormente o espírito, já que o papel do homem da casa lhe está sendo negado. Sem dinheiro, sem amigos, sem contatos, com a ausência da esposa, ele consegue encontrar algum alívio na figura de outra adolescente, a colega de escola da filha que aparece grávida.
Ler tudo isso faz parecer que estamos diante de um filme carregado de exageros na sentimentalidade. De certa forma, até é possível lembrar de alguns trabalhos de realizadores que trabalham ricamente com o melodrama, como Rainer Werner Fassbinder e Pedro Almodóvar, mas o que Teresa Villaverde faz é diferente. Ela prefere os silêncios aos diálogos. Os silêncios casam melhor com o sentimento que fica entalado na garganta, como se até o chorar fosse negado aos personagens e ao próprio espectador.
É admirável o modo como o filme constrói pinturas emmolduradas: as imagens dos quartos mostrados do lado de fora do apartamento; o que vemos através de janelas, como os animais vistos na casa da avó; ou a visão da paisagem vista de dentro da casinha onde vai parar a protagonista. As molduras parecem prisões, e prisões servem também para matar aos poucos. Como mata o pequeno passarinho de Marta, que fica doente na gaiola, talvez contaminado pelo clima pesado daquela casa.
O contraste entre a beleza da fotografia e da direção de arte e a dor e a desesperança dos personagens não é algo que incomode. Ao contrário: o mundo não deixa de ser belo quando as pessoas passam por situações de desencanto.O sentimento, aliás, fica ainda mais acentuado, como se alguém dissesse: o mundo é belo, mas tu não terás o direito de desfrutá-lo.
sexta-feira, novembro 17, 2017
21 CURTAS VISTOS NO 16º NOIA
Tive a honra pela segunda vez de fazer parte este ano do júri do Noia, o Festival Universitário de cinema que movimenta realizadores de universidades de vários estados do Brasil. Como demorei muito a escrever sobre os filmes, vou ter que me limitar a pequenos comentários. Peço desculpas mais uma vez, mas o tempo e a saúde não contribuíram muito com o bom andamento do blog. Mas não percamos tempo.
ADMIN/ADMIN
Um estudo interessante sobre as imagens de câmeras de segurança e como elas causam tensão dentro de um registro de cinema, ADMIN/ADMIN (2017) foi dirigido pelo coletivo composto por Augusto Daltro, Bebeto Junior, Camila Gregório, Iago Cordeiro Ribeiro, Erick Lawrence e Maria Clara Arbex. É inventivo no uso de imagens pré-existentes e no trabalho de montagem, embora não incomode tanto quanto talvez fosse a intenção.
SIMBIÓTICA
Os estudantes da UFC Gabriel Marques e Letícia Medina fizeram em SIMBIÓTICA (2017) uma espécie de ficção científica kitsch retrô muito bonita, com destaque para a direção de arte. Ainda brinca com o aspecto ridículo do mundo dos youtubers. Uma cena em particular remete a A MONTANHA SAGRADA, de Alejandro Jodorowsky. Eu entrei na viagem e curti a brincadeira.
MERCADORIA
A fotografia de MERCADORIA (2017, foto), de Carla Villa-Lobos, parece ser propositalmente suja, assim como todo o ambiente. Talvez para enfatizar o espírito um tanto incômodo de um ambiente de prostituição underground. Há uma intenção de pautar a discussão sobre a vida das profissionais do sexo. É um dos melhores curtas da seleção. Foi o escolhido pelo júri da crítica.
FERVENDO
O começo de FERVENDO (2017), de Camila Gregório, mostra imagens de celular da protagonista, uma jovem negra que passa o tempo todo dentro do banheiro tentando resolver um problema. Interessante o local escolhido e os embates com a geração do avô e as especificidades da nova geração e as tecnologias. Mesmo quando o drama é universal e quase atemporal.
POR QUE NÃO?
O curta POR QUE NÃO? (2016), de Lucas Memória, trata da dificuldade de mercado de trabalho para os travestis. O filme tem a vantagem de ter conseguido duas personagens muito boas para entrevistar. Mas é estranho focar apenas em duas. Tem cara de render um longa melhor e mais bem acabado. A personagem Aila é fascinante. Em certo momento ela diz: "Como se adequar fisicamente ao que ela quer ser ganhando um salário mínimo?"
LUIZA
Um filme que cresce à medida que vamos entendendo a situação da menina com deficiência mental (não fica claro qual é o problema dela) e que está namorando um rapaz, LUIZA (2017), de Caio Baú, nos faz perguntar: a partir de que idade o namoro dessa menina pode evoluir para algo mais íntimo e quando será o momento para os dois casarem?
SAM
Filme de olhares e gestos e que também sabe ser sintético em suas intenções, em SAM (2017), de Miguel Moura e Julia Souza, a câmera se interessa mais pela menina calada e pelo amor/desejo que ela sente pela colega de escola. Há alguns momentos bem inspirados. E a cena de sexo, discreta, das duas meninas é bonita de ver.
ALGUM ROMANCE TRANSITÓRIO
Concentrando-se basicamente no drama de um jovem que encontra um homem mais velho e mantém uma relação de sexo, ALGUM ROMANCE TRANSITÓRIO (2017), de Caio Casagrande, aos poucos vai mostrando seu protagonista procurando seu lugar, sua liberdade e enfrentando as complexidades da vida. Interessante o diálogo/monólogo com a amiga. Quando ela fala e permanece sempre calado.
VELHA CASA
Acho que VELHA CASA (2016), de Pedro Clezar, foi um dos mais prejudicados pela projeção ruim. Tem tudo para ter uma dessas fotografia bem bonitas, com destaque para as paisagens. Gosto do quadro parado da casa, mas acho um pouco problemática a narrativa. Ainda assim, é bom de ver.
ENQUANTO CALAM-ME OS AGUDOS
Interessante como exercício de falar sobre várias coisas ao mesmo tempo este ENQUANTO CALAM-ME OS AGUDOS (2017), de Laís Perini, Laysa Elias e Letícia Bina. Das estrelas no céu ao feminismo, passando por uma reflexão sobre a cidade de São Paulo. Podia ser mais focado, mas vai ver a intenção era ser assim plural mesmo. Sabe lá.
LUTO
Interessante a construção da atmosfera e o poder de síntese de LUTO (2017), de Edu Camargo, um curta bem curto dividido em três atos explicitamente intitulados. Gosto da cena da escuridão tomando de conta. Na parte técnica, porém, há problemas de som. Às vezes não dá pra entender o que as personagens estão dizendo. Umas legendas ajudariam.
PERAMBULAÇÃO
Brincadeira divertida sobre um sujeito que quer se livrar dos pesadelos recorrentes e estranhos. Pena que a gente só percebe que é uma comédia lá pelo meio. Mas tá valendo. PERAMBULAÇÃO (2017), de Samuel Peregrino, é um dos mais divertidos do festival, se a intenção for fazer rir.
HABILITADO PARA MORRER
Por falar em fazer rir, o que é este HABILITADO PARA MORRER (2017), hein? Um sarro. O filme de Rafael Stadniki Morato Pedreira começa bem estiloso e com uns efeitos especiais bem interessantes, tentando emular filmes policiais. Depois sacamos que é uma comédia bem escancarada e que rendeu uma das melhores cenas de sua noite. Podia ser menos atrapalhado na narração, tendo tantos personagens pra dar conta. Mas acho que isso não era preocupação do realizador.
DUMMIES
Apesar de um tanto incômodo, DUMMIES (2017), de Bruno Barrenha, é um filme bem divertido e engraçado. A busca por humanização dos bonecos usados para testes de acidentes de automóveis é bem inventiva. Há umas passagens geniais, eu diria. Pena que é irregular.
OS ANOS 3000 ERAM FEITOS DE LIXO (QUANDO A DIGNIDADE DA RAÇA HUMANA SE AFOGOU NO CHORUME ESTÁTICO DA ARTE DA HIPOCRISIA)
Esse tinha torcida organizada e a porralouquice toma de conta. Para o bem e para o mal. OS ANOS 3000 ERAM FEITOS DE LIXO (QUANDO A DIGNIDADE DA RAÇA HUMANA SE AFOGOU NO CHORUME ESTÁTICO DA ARTE DA HIPOCRISIA), de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Ana All, é o tipo de filme que faz com que a gente pare de fazer anotações. Entenda isso como quiser. :)
TERREIROS
Embora seja bonito em algumas falas e cantos, falta foco em TERREIROS (2017), de Felipe Lovo e Maurício Santos . Não sabemos se é sobre a mãe de santo que foi para o Paraguai, sobre o orixá Exu ou sobre a cultura do candomblé em geral.
LAMBARI
O meu favorito do festival, embora não tenha sido o escolhido pelo júri. Acho que até a fotografia meio feia (ou era a projeção ruim, não sei) de LAMBARI (2016), de Rodrigo Freitas, contribui para o efeito de horror da lama tóxica que acabou com a rotina e a alegria de um senhor de uma cidadezinha. O filme tem as suas fragilidades, mas o diretor ainda compensa com o personagem principal cantando uma música do Lupicínio Rodrigues. Emocionante.
SINTERA
É triste ver essa movimentação bonita das ocupações nas escolas do ano passado não ter surtido efeito. Pelo menos não agora, já que o governo está fazendo o que quer nessas reformas do ensino. SINTERA (2017), o filme de Fellipe Farias, em si é um pouco sem força. Mas vale para lembrar de momentos mais esperançosos de nosso país.
MUROS
Criativa a ideia de pegar imagens do Google Earth para contar essa história do muro do Campus do Pici (UFC) que serve para afastar a universidade dos habitantes das imediações. MUROS (2016), de Pedro Palácio e Sunny Maia, procura meter o dedo na ferida do abismo de classes em Fortaleza e muitas vezes consegue.
FORA DE QUADRO
Um exemplo de filme com uma ótima ideia mas que renderia muito melhor se tivesse feito mais entrevistas e selecionado melhor seus personagens, esse FORA DE QUADRO (2016), de Txai Ferraz. A ideia de buscar memórias a partir de fotos e de dar espaço para a fala dos habitantes de um determinado lugar humilde do Recife é bem bacana. Lembra os pontos de partida de alguns filmes do Eduardo Coutinho. E gosto especialmente de uma das entrevistas.
VAZIO DO LADO DE FORA
É o mais sofisticado dos filmes exibidos (tanto que foi parar em Cannes), mas VAZIO DO LADO DE FORA (2017), de Eduardo BP, não me ganhou, embora valorize sua mise-en-scene e seu trabalho de direção de arte. Foi um filme bastante prejudicado pela projeção ruim da Caixa Cultural.
ADMIN/ADMIN
Um estudo interessante sobre as imagens de câmeras de segurança e como elas causam tensão dentro de um registro de cinema, ADMIN/ADMIN (2017) foi dirigido pelo coletivo composto por Augusto Daltro, Bebeto Junior, Camila Gregório, Iago Cordeiro Ribeiro, Erick Lawrence e Maria Clara Arbex. É inventivo no uso de imagens pré-existentes e no trabalho de montagem, embora não incomode tanto quanto talvez fosse a intenção.
SIMBIÓTICA
Os estudantes da UFC Gabriel Marques e Letícia Medina fizeram em SIMBIÓTICA (2017) uma espécie de ficção científica kitsch retrô muito bonita, com destaque para a direção de arte. Ainda brinca com o aspecto ridículo do mundo dos youtubers. Uma cena em particular remete a A MONTANHA SAGRADA, de Alejandro Jodorowsky. Eu entrei na viagem e curti a brincadeira.
MERCADORIA
A fotografia de MERCADORIA (2017, foto), de Carla Villa-Lobos, parece ser propositalmente suja, assim como todo o ambiente. Talvez para enfatizar o espírito um tanto incômodo de um ambiente de prostituição underground. Há uma intenção de pautar a discussão sobre a vida das profissionais do sexo. É um dos melhores curtas da seleção. Foi o escolhido pelo júri da crítica.
FERVENDO
O começo de FERVENDO (2017), de Camila Gregório, mostra imagens de celular da protagonista, uma jovem negra que passa o tempo todo dentro do banheiro tentando resolver um problema. Interessante o local escolhido e os embates com a geração do avô e as especificidades da nova geração e as tecnologias. Mesmo quando o drama é universal e quase atemporal.
POR QUE NÃO?
O curta POR QUE NÃO? (2016), de Lucas Memória, trata da dificuldade de mercado de trabalho para os travestis. O filme tem a vantagem de ter conseguido duas personagens muito boas para entrevistar. Mas é estranho focar apenas em duas. Tem cara de render um longa melhor e mais bem acabado. A personagem Aila é fascinante. Em certo momento ela diz: "Como se adequar fisicamente ao que ela quer ser ganhando um salário mínimo?"
LUIZA
Um filme que cresce à medida que vamos entendendo a situação da menina com deficiência mental (não fica claro qual é o problema dela) e que está namorando um rapaz, LUIZA (2017), de Caio Baú, nos faz perguntar: a partir de que idade o namoro dessa menina pode evoluir para algo mais íntimo e quando será o momento para os dois casarem?
SAM
Filme de olhares e gestos e que também sabe ser sintético em suas intenções, em SAM (2017), de Miguel Moura e Julia Souza, a câmera se interessa mais pela menina calada e pelo amor/desejo que ela sente pela colega de escola. Há alguns momentos bem inspirados. E a cena de sexo, discreta, das duas meninas é bonita de ver.
ALGUM ROMANCE TRANSITÓRIO
Concentrando-se basicamente no drama de um jovem que encontra um homem mais velho e mantém uma relação de sexo, ALGUM ROMANCE TRANSITÓRIO (2017), de Caio Casagrande, aos poucos vai mostrando seu protagonista procurando seu lugar, sua liberdade e enfrentando as complexidades da vida. Interessante o diálogo/monólogo com a amiga. Quando ela fala e permanece sempre calado.
VELHA CASA
Acho que VELHA CASA (2016), de Pedro Clezar, foi um dos mais prejudicados pela projeção ruim. Tem tudo para ter uma dessas fotografia bem bonitas, com destaque para as paisagens. Gosto do quadro parado da casa, mas acho um pouco problemática a narrativa. Ainda assim, é bom de ver.
ENQUANTO CALAM-ME OS AGUDOS
Interessante como exercício de falar sobre várias coisas ao mesmo tempo este ENQUANTO CALAM-ME OS AGUDOS (2017), de Laís Perini, Laysa Elias e Letícia Bina. Das estrelas no céu ao feminismo, passando por uma reflexão sobre a cidade de São Paulo. Podia ser mais focado, mas vai ver a intenção era ser assim plural mesmo. Sabe lá.
LUTO
Interessante a construção da atmosfera e o poder de síntese de LUTO (2017), de Edu Camargo, um curta bem curto dividido em três atos explicitamente intitulados. Gosto da cena da escuridão tomando de conta. Na parte técnica, porém, há problemas de som. Às vezes não dá pra entender o que as personagens estão dizendo. Umas legendas ajudariam.
PERAMBULAÇÃO
Brincadeira divertida sobre um sujeito que quer se livrar dos pesadelos recorrentes e estranhos. Pena que a gente só percebe que é uma comédia lá pelo meio. Mas tá valendo. PERAMBULAÇÃO (2017), de Samuel Peregrino, é um dos mais divertidos do festival, se a intenção for fazer rir.
HABILITADO PARA MORRER
Por falar em fazer rir, o que é este HABILITADO PARA MORRER (2017), hein? Um sarro. O filme de Rafael Stadniki Morato Pedreira começa bem estiloso e com uns efeitos especiais bem interessantes, tentando emular filmes policiais. Depois sacamos que é uma comédia bem escancarada e que rendeu uma das melhores cenas de sua noite. Podia ser menos atrapalhado na narração, tendo tantos personagens pra dar conta. Mas acho que isso não era preocupação do realizador.
DUMMIES
Apesar de um tanto incômodo, DUMMIES (2017), de Bruno Barrenha, é um filme bem divertido e engraçado. A busca por humanização dos bonecos usados para testes de acidentes de automóveis é bem inventiva. Há umas passagens geniais, eu diria. Pena que é irregular.
OS ANOS 3000 ERAM FEITOS DE LIXO (QUANDO A DIGNIDADE DA RAÇA HUMANA SE AFOGOU NO CHORUME ESTÁTICO DA ARTE DA HIPOCRISIA)
Esse tinha torcida organizada e a porralouquice toma de conta. Para o bem e para o mal. OS ANOS 3000 ERAM FEITOS DE LIXO (QUANDO A DIGNIDADE DA RAÇA HUMANA SE AFOGOU NO CHORUME ESTÁTICO DA ARTE DA HIPOCRISIA), de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Ana All, é o tipo de filme que faz com que a gente pare de fazer anotações. Entenda isso como quiser. :)
TERREIROS
Embora seja bonito em algumas falas e cantos, falta foco em TERREIROS (2017), de Felipe Lovo e Maurício Santos . Não sabemos se é sobre a mãe de santo que foi para o Paraguai, sobre o orixá Exu ou sobre a cultura do candomblé em geral.
LAMBARI
O meu favorito do festival, embora não tenha sido o escolhido pelo júri. Acho que até a fotografia meio feia (ou era a projeção ruim, não sei) de LAMBARI (2016), de Rodrigo Freitas, contribui para o efeito de horror da lama tóxica que acabou com a rotina e a alegria de um senhor de uma cidadezinha. O filme tem as suas fragilidades, mas o diretor ainda compensa com o personagem principal cantando uma música do Lupicínio Rodrigues. Emocionante.
SINTERA
É triste ver essa movimentação bonita das ocupações nas escolas do ano passado não ter surtido efeito. Pelo menos não agora, já que o governo está fazendo o que quer nessas reformas do ensino. SINTERA (2017), o filme de Fellipe Farias, em si é um pouco sem força. Mas vale para lembrar de momentos mais esperançosos de nosso país.
MUROS
Criativa a ideia de pegar imagens do Google Earth para contar essa história do muro do Campus do Pici (UFC) que serve para afastar a universidade dos habitantes das imediações. MUROS (2016), de Pedro Palácio e Sunny Maia, procura meter o dedo na ferida do abismo de classes em Fortaleza e muitas vezes consegue.
FORA DE QUADRO
Um exemplo de filme com uma ótima ideia mas que renderia muito melhor se tivesse feito mais entrevistas e selecionado melhor seus personagens, esse FORA DE QUADRO (2016), de Txai Ferraz. A ideia de buscar memórias a partir de fotos e de dar espaço para a fala dos habitantes de um determinado lugar humilde do Recife é bem bacana. Lembra os pontos de partida de alguns filmes do Eduardo Coutinho. E gosto especialmente de uma das entrevistas.
VAZIO DO LADO DE FORA
É o mais sofisticado dos filmes exibidos (tanto que foi parar em Cannes), mas VAZIO DO LADO DE FORA (2017), de Eduardo BP, não me ganhou, embora valorize sua mise-en-scene e seu trabalho de direção de arte. Foi um filme bastante prejudicado pela projeção ruim da Caixa Cultural.
quinta-feira, novembro 16, 2017
LIGA DA JUSTIÇA (Justice League)
Não dá para disfarçar que a DC anda correndo desesperadamente em busca do tempo perdido, para tentar acompanhar o ritmo de sua arquirrival Marvel, que já está bem adiantada em seu universo compartilhado no cinema e já está podendo se dar ao luxo de produzir filmes sobre heróis pouco conhecidos do grande público, como o Doutor Estranho e o vindouro Pantera Negra, por exemplo. Enquanto isso, o máximo que a DC fez foi um filme (equivocado) do Esquadrão Suicida, meio que sem muita ligação direta com os outros três títulos do universo compartilhado, O HOMEM DE AÇO (2013), BATMAN VS SUPERMAN - A ORIGEM DA JUSTIÇA (2016) e MULHER-MARAVILHA (2017).
A primeira aparição do trio que daria a origem à Liga da Justiça não foi muito bem aceita por muitos críticos e também por vários fãs. O que não quer dizer que não exista um seleto time de admiradores do filme de Zack Snyder, o principal diretor das produções da DC para o cinema. Inclusive, o diretor quase não assinou LIGA DA JUSTIÇA (2017) devido à morte de sua filha, no começo de 2017. Mas, devido a problemas nos bastidores com o substituto Joss Whedon, que aparece como um dos roteiristas creditados, acaba voltando para tomar conta deste passo tão importante para os heróis mais icônicos dos quadrinhos.
Há, porém, algo que diferencia LIGA DA JUSTIÇA dos outros filmes do Universo Compartilhado da DC: o humor. Ele surge como uma estratégia de convidar mais espectadores para o filme, inclusive crianças. A ideia de um mundo mais sombrio, que também é uma característica do próprio estúdio, a Warner, e que foi abraçada até mesmo no filme do Superman, e que é uma das marcas de Snyder (quase um inimigo das cores vivas), essa ideia passa a entrar em atrito com a necessidade de usar a mesma arma do inimigo, a Marvel, que tem conquistado muito espectadores com filmes bem-humorados.
Logo, se por um lado, Snyder parece se vender em prol dessa busca dessa necessidade de fazer um trabalho mais popular, por outro o humor em LIGA DA JUSTIÇA até funciona mais do que em muitos filmes da Marvel, que parece quererem forçar os risos do espectador (isso é muito presente nos dois GUARDIÕES DA GALÁXIA, por exemplo). Assim, se o humor já funcionou naturalmente bem em MULHER-MARAVILHA, também funciona nesta reunião do grupo.
Sim, LIGA DA JUSTIÇA acaba funcionando melhor quando brinca com a reunião do grupo. O filme é divertido nesses momentos. Infelizmente há um desses vilões chatos, genéricos e megalomaníacos que parecem só servir para cumprir a obrigação de haver um super-vilão em um filme de super-heróis na trama. Por mais que tenham resgatado o Lobo da Estepe da grande obra de Jack Kirby para o universo da DC dos anos 1970, essa informação infelizmente não o torna mais interessante. É tão ruim ou pior do que Ares no filme da Mulher-Maravilha.
Há coisas positivas em LIGA DA JUSTIÇA, porém. A primeira delas é Gal Gadot brilhando pela terceira vez como a princesa amazona. Quanta beleza, graça e nobreza essa atriz passa para a heroína. Outra coisa positiva está também na escalação do elenco: Ezra Miller, como Barry Allen, o Flash, funciona que é uma beleza como o palhaço involuntário da equipe. E há o memorável primeiro encontro do renascido Superman com a equipe, principalmente com o Batman. A piada interna relativa ao primeiro filme é de fazer o público rir e aplaudir. Bela sacada, provavelmente pensada por Whedon.
No mais, há também coadjuvantes bem luxuosos no elenco de apoio: Amy Adams, Jeremy Irons, J.K. Simmons, Connie Nielsen, Diane Lane, Billy Crudup. São mal aproveitados, claro, em um filme de apenas duas horas de duração, mas suas participações são bem-vindas nos papéis que lhes foram incumbidos. Ben Affleck como Bruce Wayne/Batman continua mandando muito bem. Já Henry Cavill está estranho: mais magro e às vezes o CGI que fizeram para retirar digitalmente a barba de seu rosto não funciona muito bem.
Entre prós e contras, LIGA DA JUSTIÇA é aquele filme que poderia ter sido glorioso se fosse melhor pensado e desenvolvido, mas que também não faz tão feio assim se as expectativas forem baixas, coisa que o próprio trailer meio que antecipa.
A primeira aparição do trio que daria a origem à Liga da Justiça não foi muito bem aceita por muitos críticos e também por vários fãs. O que não quer dizer que não exista um seleto time de admiradores do filme de Zack Snyder, o principal diretor das produções da DC para o cinema. Inclusive, o diretor quase não assinou LIGA DA JUSTIÇA (2017) devido à morte de sua filha, no começo de 2017. Mas, devido a problemas nos bastidores com o substituto Joss Whedon, que aparece como um dos roteiristas creditados, acaba voltando para tomar conta deste passo tão importante para os heróis mais icônicos dos quadrinhos.
Há, porém, algo que diferencia LIGA DA JUSTIÇA dos outros filmes do Universo Compartilhado da DC: o humor. Ele surge como uma estratégia de convidar mais espectadores para o filme, inclusive crianças. A ideia de um mundo mais sombrio, que também é uma característica do próprio estúdio, a Warner, e que foi abraçada até mesmo no filme do Superman, e que é uma das marcas de Snyder (quase um inimigo das cores vivas), essa ideia passa a entrar em atrito com a necessidade de usar a mesma arma do inimigo, a Marvel, que tem conquistado muito espectadores com filmes bem-humorados.
Logo, se por um lado, Snyder parece se vender em prol dessa busca dessa necessidade de fazer um trabalho mais popular, por outro o humor em LIGA DA JUSTIÇA até funciona mais do que em muitos filmes da Marvel, que parece quererem forçar os risos do espectador (isso é muito presente nos dois GUARDIÕES DA GALÁXIA, por exemplo). Assim, se o humor já funcionou naturalmente bem em MULHER-MARAVILHA, também funciona nesta reunião do grupo.
Sim, LIGA DA JUSTIÇA acaba funcionando melhor quando brinca com a reunião do grupo. O filme é divertido nesses momentos. Infelizmente há um desses vilões chatos, genéricos e megalomaníacos que parecem só servir para cumprir a obrigação de haver um super-vilão em um filme de super-heróis na trama. Por mais que tenham resgatado o Lobo da Estepe da grande obra de Jack Kirby para o universo da DC dos anos 1970, essa informação infelizmente não o torna mais interessante. É tão ruim ou pior do que Ares no filme da Mulher-Maravilha.
Há coisas positivas em LIGA DA JUSTIÇA, porém. A primeira delas é Gal Gadot brilhando pela terceira vez como a princesa amazona. Quanta beleza, graça e nobreza essa atriz passa para a heroína. Outra coisa positiva está também na escalação do elenco: Ezra Miller, como Barry Allen, o Flash, funciona que é uma beleza como o palhaço involuntário da equipe. E há o memorável primeiro encontro do renascido Superman com a equipe, principalmente com o Batman. A piada interna relativa ao primeiro filme é de fazer o público rir e aplaudir. Bela sacada, provavelmente pensada por Whedon.
No mais, há também coadjuvantes bem luxuosos no elenco de apoio: Amy Adams, Jeremy Irons, J.K. Simmons, Connie Nielsen, Diane Lane, Billy Crudup. São mal aproveitados, claro, em um filme de apenas duas horas de duração, mas suas participações são bem-vindas nos papéis que lhes foram incumbidos. Ben Affleck como Bruce Wayne/Batman continua mandando muito bem. Já Henry Cavill está estranho: mais magro e às vezes o CGI que fizeram para retirar digitalmente a barba de seu rosto não funciona muito bem.
Entre prós e contras, LIGA DA JUSTIÇA é aquele filme que poderia ter sido glorioso se fosse melhor pensado e desenvolvido, mas que também não faz tão feio assim se as expectativas forem baixas, coisa que o próprio trailer meio que antecipa.
segunda-feira, novembro 13, 2017
A NOIVA (Nevesta)
Ver um filme de horror de gosto duvidoso (não necessariamente ruim) é uma arte que deve ser cultivada. O gênero é pródigo em trazer variedades de opiniões e intensas paixões. Lembro o quanto os hoje cultuados filmes de horror italianos eram tão mal recebidos: ou com pedradas ou com ignorância pela maior parte da crítica. Não era todo mundo que via um filme de Lucio Fulci, por exemplo, como uma obra-prima. Esse tipo de revisão veio acontecer com mais força na virada do milênio, principalmente, com o culto de vários especialistas do gênero e a cada vez maior aproximação da crítica.
Daí chegar em uma sala de cinema e ver um filme de terror russo dublado em inglês é algo quase inusitado. A dublagem em inglês, vale destacar, é tão vagabunda que percebemos as diferentes fontes de áudio em diálogos entre personagens pelos ruídos de fundo. Claro, queríamos que fosse diferente: por pior que possa ser A NOIVA (2017), terceiro longa-metragem de Svyatoslav Podgaevskiy, o filme poderia se beneficiar de seu áudio original em russo.
Entre seus acertos, só o ponto de partida já é carregado de uma morbidez perturbadora: o fato de certas famílias pintarem olhos nas pálpebras fechadas de seus mortos a fim de que, na fotografia, suas almas não os abandonem é de chamar a atenção. Não é o primeiro filme que fala de fotografias de mortos. Todos devem lembrar do ótimo OS OUTROS, de Alejandro Amenábar, que destacou esse costume que foi de fato celebrado no passado.
Mas A NOIVA é mais inventivo, ao colocar essa questão dos olhos pintados e da transferência dos espíritos para uma virgem. Assim, no prólogo do filme, que acontece no final do século XIX, há essa tentativa de transferência do espírito de uma noiva para uma outra jovem que é tomada à força de seu lar e enterrada viva, vestida de noiva. Essa história em si poderia ser melhor explorada e contada, como uma boa história gótica de horror. Em vez disso, o filme prefere dar um salto para o mundo contemporâneo.
Na trama principal, uma moça é convidada a finalmente conhecer a família de seu noivo, que até então evitara o contato com seus pais. O encontro com a família dele acontece em um vilarejo afastado e longe de tudo e logo percebemos que essa família guarda segredos bem peculiares, como um quarto onde mora uma pessoa que nunca sai de lá. Mas a coisa fica incômoda mesmo para a personagem quando o noivo desaparece e ela não sabe o seu paradeiro.
Um dos destaques positivos do filme é a forma como é explorada a casa, cheia de paredes falsas que supostamente seriam dutos de ventilação, mas que nos apresentam a um lugar maior e mais curioso. Outro momento que podemos listar como sendo bom é uma cena que ocorre à noite, quando a moça segue uma das familiares do noivo e acaba descobrindo o que não devia. O movimento de câmera e o sentimento de medo no ar poderiam muito bem caber em um filme de horror de melhor qualidade, até pela boa fotografia e direção de arte.
Infelizmente, o ritmo pouco animador e os sustos fáceis inspirados em clichês do horror ocidental, acabam por tornar A NOIVA em algo tão vulgar quanto algumas das piores produções recentes. O que o torna diferente é justamente esse quê exótico que faz com que seja possível, com um pouco de boa vontade, enumerar uma série de momentos em que um bom filme poderia muito bem estar ali presente, caído entre as tantas falhas.
Daí chegar em uma sala de cinema e ver um filme de terror russo dublado em inglês é algo quase inusitado. A dublagem em inglês, vale destacar, é tão vagabunda que percebemos as diferentes fontes de áudio em diálogos entre personagens pelos ruídos de fundo. Claro, queríamos que fosse diferente: por pior que possa ser A NOIVA (2017), terceiro longa-metragem de Svyatoslav Podgaevskiy, o filme poderia se beneficiar de seu áudio original em russo.
Entre seus acertos, só o ponto de partida já é carregado de uma morbidez perturbadora: o fato de certas famílias pintarem olhos nas pálpebras fechadas de seus mortos a fim de que, na fotografia, suas almas não os abandonem é de chamar a atenção. Não é o primeiro filme que fala de fotografias de mortos. Todos devem lembrar do ótimo OS OUTROS, de Alejandro Amenábar, que destacou esse costume que foi de fato celebrado no passado.
Mas A NOIVA é mais inventivo, ao colocar essa questão dos olhos pintados e da transferência dos espíritos para uma virgem. Assim, no prólogo do filme, que acontece no final do século XIX, há essa tentativa de transferência do espírito de uma noiva para uma outra jovem que é tomada à força de seu lar e enterrada viva, vestida de noiva. Essa história em si poderia ser melhor explorada e contada, como uma boa história gótica de horror. Em vez disso, o filme prefere dar um salto para o mundo contemporâneo.
Na trama principal, uma moça é convidada a finalmente conhecer a família de seu noivo, que até então evitara o contato com seus pais. O encontro com a família dele acontece em um vilarejo afastado e longe de tudo e logo percebemos que essa família guarda segredos bem peculiares, como um quarto onde mora uma pessoa que nunca sai de lá. Mas a coisa fica incômoda mesmo para a personagem quando o noivo desaparece e ela não sabe o seu paradeiro.
Um dos destaques positivos do filme é a forma como é explorada a casa, cheia de paredes falsas que supostamente seriam dutos de ventilação, mas que nos apresentam a um lugar maior e mais curioso. Outro momento que podemos listar como sendo bom é uma cena que ocorre à noite, quando a moça segue uma das familiares do noivo e acaba descobrindo o que não devia. O movimento de câmera e o sentimento de medo no ar poderiam muito bem caber em um filme de horror de melhor qualidade, até pela boa fotografia e direção de arte.
Infelizmente, o ritmo pouco animador e os sustos fáceis inspirados em clichês do horror ocidental, acabam por tornar A NOIVA em algo tão vulgar quanto algumas das piores produções recentes. O que o torna diferente é justamente esse quê exótico que faz com que seja possível, com um pouco de boa vontade, enumerar uma série de momentos em que um bom filme poderia muito bem estar ali presente, caído entre as tantas falhas.
quinta-feira, novembro 09, 2017
O ESTADO DAS COISAS (Brad's Status)
Tem sido interessante essa virada na carreira de ator de Ben Stiller da comédia para o drama (ou para a dramédia, ao menos). Ele tem feito, em geral, tipos inseguros que funcionam como uma evolução no que ele já fazia nas comédias. Pode-se dizer que esta nova fase começou em A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY, dirigido pelo próprio Stiller, passou por ENQUANTOS SOMOS JOVENS, de Noah Baumbach, e chega agora com este novo O ESTADO DAS COISAS (2017), de Mike White, realizador que tem uma carreira mais extensa como roteirista e aqui se aventura em sua segunda experiência na direção.
É mais um filme em que Stiller interpreta alguém em crise de meia-idade. Na verdade, não há nada de errado com a vida de Brad Sloan (Stiller). Ele trabalha em uma empresa sem fins lucrativos, é casado com uma mulher encantadora (Jenna Fisher) e agora está ajudando o filho inteligente e educado (Austin Abrams) a entrar em um novo e excitante momento de sua vida: entrar na universidade. O problema de Brad é que ele tem a mania de ficar comparando suas realizações com as de seus colegas de escola, que se tornaram milionários e famosos.
O ESTADO DAS COISAS é um filme que deve ser visto sem muita expectativa, até por ser mesmo uma obra pequena e sutil em suas emoções. É também um filme bem engraçado, por mais que os pensamentos do protagonista sejam tão perturbadores para ele que cheguem a ser quase doentios. No entanto, é muito fácil encontrar espectadores que se identificarão de alguma forma com Brad Sloan.
Um dos destaques do filme – e que pode incomodar a alguns – é o uso intensivo do voice-over do protagonista, em um trabalho muito bom do fluxo de consciência, apresentando monólogos ora divertidos, ora amargos, sobre a vida. Um dos méritos do filme é saber ser honesto consigo mesmo, não deixando de explicitar as falhas de seu herói. Essas falhas estão ali à sua frente, como se houvesse um véu cobrindo seu olhar. Daí ele receber uma resposta tão boa da jovem garota universitária, que o considera um egocêntrico que não sabe a sorte que tem, ao ouvir suas lamúrias.
Entre os pensamentos de destaque do personagem, estão os momentos de sonho, ao visualizar, por exemplo, o filho sendo aceito na Universidade de Harvard em um momento de celebração em família; porém, o próprio personagem começa a ter pensamentos sombrios que o põem para baixo novamente, como a possibilidade de ele ter inveja do próprio filho, que poderá ser tão melhor do que ele jamais foi capaz de ser na vida.
As cenas de Brad desejando as jovens meninas também são hilárias, bem como o modo como ele imagina o amigo de escola que hoje vive aposentado e morando com duas garotas em uma praia havaiana. Curioso, aliás, como a praia sempre aparece como um lugar de sucesso na vida. Muito bom também o encontro com o agora famoso e arrogante apresentador de televisão vivido por Michael Sheen, um ator que funciona muito bem para fazer tipos assim, vide o recente DE VOLTA PARA CASA, com Reese Witherspoon.
Se há algum problema com o filme talvez seja a timidez com que o diretor utiliza as cenas dramáticas, talvez com medo de transformar o seu filme inteligente em um dramalhão, especialmente nos momentos de emoção intensa do personagem de Stiller. Ainda assim, do jeito que ficou, é um prazer do início ao fim poder ver uma obra como O ESTADO DAS COISAS.
É mais um filme em que Stiller interpreta alguém em crise de meia-idade. Na verdade, não há nada de errado com a vida de Brad Sloan (Stiller). Ele trabalha em uma empresa sem fins lucrativos, é casado com uma mulher encantadora (Jenna Fisher) e agora está ajudando o filho inteligente e educado (Austin Abrams) a entrar em um novo e excitante momento de sua vida: entrar na universidade. O problema de Brad é que ele tem a mania de ficar comparando suas realizações com as de seus colegas de escola, que se tornaram milionários e famosos.
O ESTADO DAS COISAS é um filme que deve ser visto sem muita expectativa, até por ser mesmo uma obra pequena e sutil em suas emoções. É também um filme bem engraçado, por mais que os pensamentos do protagonista sejam tão perturbadores para ele que cheguem a ser quase doentios. No entanto, é muito fácil encontrar espectadores que se identificarão de alguma forma com Brad Sloan.
Um dos destaques do filme – e que pode incomodar a alguns – é o uso intensivo do voice-over do protagonista, em um trabalho muito bom do fluxo de consciência, apresentando monólogos ora divertidos, ora amargos, sobre a vida. Um dos méritos do filme é saber ser honesto consigo mesmo, não deixando de explicitar as falhas de seu herói. Essas falhas estão ali à sua frente, como se houvesse um véu cobrindo seu olhar. Daí ele receber uma resposta tão boa da jovem garota universitária, que o considera um egocêntrico que não sabe a sorte que tem, ao ouvir suas lamúrias.
Entre os pensamentos de destaque do personagem, estão os momentos de sonho, ao visualizar, por exemplo, o filho sendo aceito na Universidade de Harvard em um momento de celebração em família; porém, o próprio personagem começa a ter pensamentos sombrios que o põem para baixo novamente, como a possibilidade de ele ter inveja do próprio filho, que poderá ser tão melhor do que ele jamais foi capaz de ser na vida.
As cenas de Brad desejando as jovens meninas também são hilárias, bem como o modo como ele imagina o amigo de escola que hoje vive aposentado e morando com duas garotas em uma praia havaiana. Curioso, aliás, como a praia sempre aparece como um lugar de sucesso na vida. Muito bom também o encontro com o agora famoso e arrogante apresentador de televisão vivido por Michael Sheen, um ator que funciona muito bem para fazer tipos assim, vide o recente DE VOLTA PARA CASA, com Reese Witherspoon.
Se há algum problema com o filme talvez seja a timidez com que o diretor utiliza as cenas dramáticas, talvez com medo de transformar o seu filme inteligente em um dramalhão, especialmente nos momentos de emoção intensa do personagem de Stiller. Ainda assim, do jeito que ficou, é um prazer do início ao fim poder ver uma obra como O ESTADO DAS COISAS.
quarta-feira, novembro 08, 2017
SETE COMÉDIAS BRASILEIRAS
Algo que está chamando a atenção atualmente é a quantidade de filmes brasileiros sendo lançados semanalmente no circuitão, ou seja, nos cinemas de shopping. Embora a preferência pelo público ainda seja a comédia, tem sido cada vez mais comum o ingresso de filmes dos mais diferentes gêneros. Mas falemos de sete comédias que estiveram em cartaz em 2017. Infelizmente, a maioria delas é ruim ou medíocre.
MINHA MÃE É UMA PEÇA 2 - O FILME
A sequência de MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME (2013) resultou melhor do que o esperado. O diretor César Rodrigues se saiu melhor do que seu antecessor na sequência MINHA MÃE É UMA PEÇA 2 (2016), tornando a personagem de Dona Hermínia (Paulo Gustavo) não apenas mais simpática, mas muito mais divertida. Há algumas partes em que percebemos, inclusive, um cuidado bem especial com a direção de arte e um quê de Almodóvar na construção da comédia junto ao melodrama. Algumas tiradas são geniais, como a cena em que o filho diz que acredita que é heterossexual e a mãe fica logo revoltada. Embora Paulo Gustavo esteja inspirado como Dona Hermínia, Rodrigo Pandolfo e Mariana Xavier, como o casal de filhos, também brilham em diversos momentos. Por enquanto é o grande campeão de bilheteria de 2016/2017 e um dos maiores de todos os tempos no Brasil.
NINGUÉM ENTRA, NINGUÉM SAI
Há quem tenha gostado deste NINGUÉM ENTRA, NINGUÉM SAI (2017), de Hsu CHien Hsin, principalmente a crítica carioca, mas na verdade trata-se de uma grande bobagem que até surge de uma ideia simpática: um grupo de pessoas distintas estão presas em um motel, impedidas de sair. O problema do filme é o mesmo de tantas comédias que tentam fazer graça e não conseguem. Aí fica aquela sensação incômoda. Ao menos, há a participação especial de Sidney Magal, sempre muito simpático e trazendo alegria. No elenco, há dois atores do Porta dos Fundos que poderiam ter sido melhor aproveitados, Rafael Infante e Letícia Lima.
UM TIO QUASE PERFEITO
Para um filme que parece bem bobo, até que UM TIO QUASE PERFEITO (2017), de Pedro Antonio, é uma simpatia. O diretor é o mesmo de outra obra que merece a espiada, TÔ RYCA! (2016), que brinca também com a falta de dinheiro. Na trama do novo filme, Marcus Majella é o tal tio do título, um sujeito que vive a vida enganando os outros ou tentando maneiras criativas de ganhar alguns trocados, e que, para não ficar sem teto, acaba parando na casa da irmã, e começa a se relacionar (muito bem) com seus sobrinhos. As situações são divertidas e há até um bom momento mais dramático perto do final. Diria que o saldo é positivo.
MALASARTES E O DUELO COM A MORTE
Eis um dos filmes mais maçantes do ano. MALASARTES E O DUELO COM A MORTE (2017), de Paulo Morelli, ficou conhecido por ser a produção brasileira com o maior número de efeitos especiais. Mas de nada adianta se Morelli não consegue criar algo minimamente interessante. Quanto mais o filme adentra o território do fantástico, com Júlio Andrade como a morte, mais vai ficando enfadonho. Ao menos Isis Valverde combina bem com um tipo mais brejeira, mesmo não sendo a mais talentosa do elenco de estrelas. E Morelli nem tem a fama de ser um diretor ruim. Talvez não tenha é conseguido lidar com tanta produção e CGI neste projeto malfadado.
DIVÓRCIO
Um filme que agradou boa parte da crítica, DIVÓRCIO (2017, foto), de Pedro Amorim, não me convenceu, embora eu consiga ver algumas qualidades, principalmente com a presença cada vez mais à vontade de Camila Morgado em comédias. Na trama, ela e o marido vivido por Murilo Benício, enfrentam uma situação de rivalidade intensa no casamento. Pena que o melhor do filme esteja no trailer e não exista nada de realmente novo quando vamos vê-lo completo - talvez o prólogo criativo. Não deixa de ter uma boa condução narrativa, mas é muito pouco.
COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA
Quando pensamos que Danilo Gentilli, com sua crítica ao politicamente correto, vai trazer um filme que traga mais elementos das comédias clássicas de escola dos anos 1980, eis que o que vemos é algo imensamente tolo, e que ainda tem medo de mostrar nudez e coisas do tipo. Tudo bem que há uma cena perigosa envolvendo o personagem de Fábio Porchat, mas não chega a ser nada de mais, como ousadia. Engraçado é que os meninos protagonistas, até a chegada do personagem do Gentilli, estavam indo bem no filme. O personagem de Gentilli leva o filme para o precipício e a conclusão é tão besta que nem dá para acreditar. Mesmo assim, COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA (2017), de Fabrício Bittar, tem os seus momentos divertidos. É só não pedir muito.
A COMÉDIA DIVINA
Quem saiu indignado de uma sessão de COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA pode ficar impresssionado com A COMÉDIA DIVINA (2017), de Toni Venturi. Mas impressionado no pior sentido, já que o que vemos aqui chega a ser constrangedor, inclusive na forma. Uma pena, pois Monica Iozzi, com seu carisma e simpatia, merecia uma estreia nos cinemas melhor. Na trama, inspirada livremente no conto "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis, o "coisa-ruim" em pessoa resolve vir à Terra para fundar a sua própria igreja, vendo agora que ele está totalmente desacreditado pela humanidade. O que parece ser uma premissa ok se revela uma bobagem sem tamanho em questão de poucos minutos. E Murilo Rosa com o diabo é um horror. Tentando pensar em uma sequência boa do filme... não consigo destacar uma que seja. Quanto mais se pensa, pior fica.
MINHA MÃE É UMA PEÇA 2 - O FILME
A sequência de MINHA MÃE É UMA PEÇA - O FILME (2013) resultou melhor do que o esperado. O diretor César Rodrigues se saiu melhor do que seu antecessor na sequência MINHA MÃE É UMA PEÇA 2 (2016), tornando a personagem de Dona Hermínia (Paulo Gustavo) não apenas mais simpática, mas muito mais divertida. Há algumas partes em que percebemos, inclusive, um cuidado bem especial com a direção de arte e um quê de Almodóvar na construção da comédia junto ao melodrama. Algumas tiradas são geniais, como a cena em que o filho diz que acredita que é heterossexual e a mãe fica logo revoltada. Embora Paulo Gustavo esteja inspirado como Dona Hermínia, Rodrigo Pandolfo e Mariana Xavier, como o casal de filhos, também brilham em diversos momentos. Por enquanto é o grande campeão de bilheteria de 2016/2017 e um dos maiores de todos os tempos no Brasil.
NINGUÉM ENTRA, NINGUÉM SAI
Há quem tenha gostado deste NINGUÉM ENTRA, NINGUÉM SAI (2017), de Hsu CHien Hsin, principalmente a crítica carioca, mas na verdade trata-se de uma grande bobagem que até surge de uma ideia simpática: um grupo de pessoas distintas estão presas em um motel, impedidas de sair. O problema do filme é o mesmo de tantas comédias que tentam fazer graça e não conseguem. Aí fica aquela sensação incômoda. Ao menos, há a participação especial de Sidney Magal, sempre muito simpático e trazendo alegria. No elenco, há dois atores do Porta dos Fundos que poderiam ter sido melhor aproveitados, Rafael Infante e Letícia Lima.
UM TIO QUASE PERFEITO
Para um filme que parece bem bobo, até que UM TIO QUASE PERFEITO (2017), de Pedro Antonio, é uma simpatia. O diretor é o mesmo de outra obra que merece a espiada, TÔ RYCA! (2016), que brinca também com a falta de dinheiro. Na trama do novo filme, Marcus Majella é o tal tio do título, um sujeito que vive a vida enganando os outros ou tentando maneiras criativas de ganhar alguns trocados, e que, para não ficar sem teto, acaba parando na casa da irmã, e começa a se relacionar (muito bem) com seus sobrinhos. As situações são divertidas e há até um bom momento mais dramático perto do final. Diria que o saldo é positivo.
MALASARTES E O DUELO COM A MORTE
Eis um dos filmes mais maçantes do ano. MALASARTES E O DUELO COM A MORTE (2017), de Paulo Morelli, ficou conhecido por ser a produção brasileira com o maior número de efeitos especiais. Mas de nada adianta se Morelli não consegue criar algo minimamente interessante. Quanto mais o filme adentra o território do fantástico, com Júlio Andrade como a morte, mais vai ficando enfadonho. Ao menos Isis Valverde combina bem com um tipo mais brejeira, mesmo não sendo a mais talentosa do elenco de estrelas. E Morelli nem tem a fama de ser um diretor ruim. Talvez não tenha é conseguido lidar com tanta produção e CGI neste projeto malfadado.
DIVÓRCIO
Um filme que agradou boa parte da crítica, DIVÓRCIO (2017, foto), de Pedro Amorim, não me convenceu, embora eu consiga ver algumas qualidades, principalmente com a presença cada vez mais à vontade de Camila Morgado em comédias. Na trama, ela e o marido vivido por Murilo Benício, enfrentam uma situação de rivalidade intensa no casamento. Pena que o melhor do filme esteja no trailer e não exista nada de realmente novo quando vamos vê-lo completo - talvez o prólogo criativo. Não deixa de ter uma boa condução narrativa, mas é muito pouco.
COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA
Quando pensamos que Danilo Gentilli, com sua crítica ao politicamente correto, vai trazer um filme que traga mais elementos das comédias clássicas de escola dos anos 1980, eis que o que vemos é algo imensamente tolo, e que ainda tem medo de mostrar nudez e coisas do tipo. Tudo bem que há uma cena perigosa envolvendo o personagem de Fábio Porchat, mas não chega a ser nada de mais, como ousadia. Engraçado é que os meninos protagonistas, até a chegada do personagem do Gentilli, estavam indo bem no filme. O personagem de Gentilli leva o filme para o precipício e a conclusão é tão besta que nem dá para acreditar. Mesmo assim, COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA (2017), de Fabrício Bittar, tem os seus momentos divertidos. É só não pedir muito.
A COMÉDIA DIVINA
Quem saiu indignado de uma sessão de COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA pode ficar impresssionado com A COMÉDIA DIVINA (2017), de Toni Venturi. Mas impressionado no pior sentido, já que o que vemos aqui chega a ser constrangedor, inclusive na forma. Uma pena, pois Monica Iozzi, com seu carisma e simpatia, merecia uma estreia nos cinemas melhor. Na trama, inspirada livremente no conto "A Igreja do Diabo", de Machado de Assis, o "coisa-ruim" em pessoa resolve vir à Terra para fundar a sua própria igreja, vendo agora que ele está totalmente desacreditado pela humanidade. O que parece ser uma premissa ok se revela uma bobagem sem tamanho em questão de poucos minutos. E Murilo Rosa com o diabo é um horror. Tentando pensar em uma sequência boa do filme... não consigo destacar uma que seja. Quanto mais se pensa, pior fica.
segunda-feira, novembro 06, 2017
DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS
É difícil, diante desta nova adaptação do clássico romance de Jorge Amado, não se lembrar da primeira versão, a de Bruno Barreto, lançada nos cinemas em 1976. Ambos são reflexos e produtos de seu tempo. O filme de Bruno Barreto foi produzido em um momento em que o erotismo no cinema brasileiro já estava se encaminhando para o seu auge da ousadia, que ocorreria na primeira metade dos anos 1980. É também um filme que tenta ser um pouco mais livre do texto do escritor baiano e talvez por isso flua melhor. Ter Sônia Braga como Flor e José Wilker como Vadinho também ajudou bastante.
O novo DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (2017), dirigido por Pedro Vasconcelos, que tem no currículo vários trabalhos para a televisão, inclusive a última telenovela das nove da Rede Globo, é também produto de nosso tempo, por parecer um bocado mais comportado no quesito sexo e nudez, graças talvez à maior consciência da chamada objetificação do corpo da mulher. Além disso, diminuiu bastante a cultura de ir ao cinema para ver a estrela da novela nua nas telas, embora Juliana Paes apareça sim sem roupa, embora de maneira tímida.
Outra questão quente e que pode ser colocada em pauta é a violência contra a mulher, vista em uma sequência rápida mas bastante incômoda de Vadinho (Marcelo Faria) agredindo a esposa para conseguir dinheiro para o jogo. É apenas um aspecto mais sombrio da personalidade do personagem, mas que depõe muito contra a figura aparentemente simpática do malandro brasileiro. O personagem recupera sua simpatia em outras passagens posteriores, mas não deixa de parecer uma espécie de encosto depois de morto: ao mesmo tempo em que traz prazer físico e sexual para Flor, também a escraviza, de certo modo. É uma abordagem um pouco mais pesada do que a dos anos 1970, nesse aspecto.
É nos aspectos formais, porém, que o filme procura disfarçar suas deficiências e não consegue convencer: o jogo de luz e sombras que Pedro Vasconcelos e seu diretor de fotografia utilizam para compor os interiores, assim como um ou outro ângulo que distancie a obra de uma telenovela, parecem um tanto forçados, embora façam alguma diferença. Mas de que adianta se o diretor não consegue evitar a repetição de temas musicais, algo próprio desse tipo de mídia? Nem mesmo escolhem canções menos manjadas.
Curioso o quanto o filme opta por dar a Flor um protagonismo tão forte que deixa seus dois maridos bem secundários. Não que isso seja um problema em si, mas talvez o personagem do segundo marido, Teodoro (Leandro Hassum), merecesse ser mais do que um paspalhão, longe da nobreza que perpassa o personagem quando vivido por Mauro Mendonça. Leandro Hassum, com seu humor físico típico, parece ter perdido muito da graça depois da cirurgia bariátrica, mas continua apostando no que costumava fazer.
O foco do filme passa a ser, então, o esforço de Flor de se distanciar do espírito de Vadinho, ao mesmo tempo que não consegue se livrar da tentação do desejo que a consome e que não é nem de longe satisfeito com Teodoro. Porém, o modo como o filme torna tão comprido o diálogo entre os dois faz com que esta nova adaptação pareça uma peça filmada. O próprio Marcelo Faria fez o Vadinho na montagem teatral por alguns anos e está acostumado com o personagem. Isso pode ser bom, mas no filme não parece ter um resultado tão positivo, mesmo com o esforço do ator e de Juliana Paes.
O novo DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS (2017), dirigido por Pedro Vasconcelos, que tem no currículo vários trabalhos para a televisão, inclusive a última telenovela das nove da Rede Globo, é também produto de nosso tempo, por parecer um bocado mais comportado no quesito sexo e nudez, graças talvez à maior consciência da chamada objetificação do corpo da mulher. Além disso, diminuiu bastante a cultura de ir ao cinema para ver a estrela da novela nua nas telas, embora Juliana Paes apareça sim sem roupa, embora de maneira tímida.
Outra questão quente e que pode ser colocada em pauta é a violência contra a mulher, vista em uma sequência rápida mas bastante incômoda de Vadinho (Marcelo Faria) agredindo a esposa para conseguir dinheiro para o jogo. É apenas um aspecto mais sombrio da personalidade do personagem, mas que depõe muito contra a figura aparentemente simpática do malandro brasileiro. O personagem recupera sua simpatia em outras passagens posteriores, mas não deixa de parecer uma espécie de encosto depois de morto: ao mesmo tempo em que traz prazer físico e sexual para Flor, também a escraviza, de certo modo. É uma abordagem um pouco mais pesada do que a dos anos 1970, nesse aspecto.
É nos aspectos formais, porém, que o filme procura disfarçar suas deficiências e não consegue convencer: o jogo de luz e sombras que Pedro Vasconcelos e seu diretor de fotografia utilizam para compor os interiores, assim como um ou outro ângulo que distancie a obra de uma telenovela, parecem um tanto forçados, embora façam alguma diferença. Mas de que adianta se o diretor não consegue evitar a repetição de temas musicais, algo próprio desse tipo de mídia? Nem mesmo escolhem canções menos manjadas.
Curioso o quanto o filme opta por dar a Flor um protagonismo tão forte que deixa seus dois maridos bem secundários. Não que isso seja um problema em si, mas talvez o personagem do segundo marido, Teodoro (Leandro Hassum), merecesse ser mais do que um paspalhão, longe da nobreza que perpassa o personagem quando vivido por Mauro Mendonça. Leandro Hassum, com seu humor físico típico, parece ter perdido muito da graça depois da cirurgia bariátrica, mas continua apostando no que costumava fazer.
O foco do filme passa a ser, então, o esforço de Flor de se distanciar do espírito de Vadinho, ao mesmo tempo que não consegue se livrar da tentação do desejo que a consome e que não é nem de longe satisfeito com Teodoro. Porém, o modo como o filme torna tão comprido o diálogo entre os dois faz com que esta nova adaptação pareça uma peça filmada. O próprio Marcelo Faria fez o Vadinho na montagem teatral por alguns anos e está acostumado com o personagem. Isso pode ser bom, mas no filme não parece ter um resultado tão positivo, mesmo com o esforço do ator e de Juliana Paes.
sábado, novembro 04, 2017
MULHOLLAND DRIVE - CIDADE DOS SONHOS / CIDADE DOS SONHOS (Mulholland Dr.)
Como a revisão de MULHOLLAND DRIVE - CIDADE DOS SONHOS (2001) se deu depois de alguns anos, e muitos já viram o filme, eu vou tomar a liberdade de escrever um texto mais com anotações bem livres sobre o impacto desta revisão no cinema em mim, que foi um tanto diferente da primeira vez. Logo, não é um texto para ser lido por quem nunca viu o filme.
Fazendo um breve resumo da história, só para o texto não ficar tão solto, CIDADE DOS SONHOS conta a história de Betty (Naomi Watts), uma jovem que almeja se tornar uma estrela de Hollywood, e que está muito feliz de sair de sua cidadezinha do interior no Canadá para a ensolarada Los Angeles. Lá ela encontra uma mulher desmemoriada (Laura Elena Harring) no apartamento que a tia lhe reservou. Paralelamente, também conhecemos um diretor de cinema (Justin Theroux) que está sendo obrigado por um mafioso a aceitar uma atriz para o papel principal, sob pena de perder tudo o que tem na vida.
Na primeira vez que vi CIDADE DOS SONHOS, título originalmente escolhido pela distribuidora anterior e que deverá ficar como título mais aceito, creio eu, o filme foi recebido por mim como principalmente uma história de horror. Um horror que não dava muito bem para entender o porquê, algo bem parecido com o que aconteceu com ESTRADA PERDIDA (1997). Mas isso acontece principalmente porque o drama da protagonista não está claro na primeira leitura.
Desta vez, a segunda no cinema, passados 15 anos, o que fica mais forte é a questão da perda do grande amor, mais do que o medo, embora o medo seja algo também muito forte e que já comparece de maneira bem perturbadora na sequência da lanchonete, com aqueles dois homens conversando: um deles contando ao outro sobre sonhos que ele teve sobre aquele mesmo lugar, sobre algo muito aterrador e maligno que estava trazendo o mal para aquele ambiente. Revendo, podemos fazer uma ligação desta cena com a queda espiritual da personagem de Naomi Watts, com as decisões que a levaram ao inferno de sua alma.
E esse medo é também o medo de descobrir a verdade, já que há toda aquela construção de um sonho. Sonho de chegar a uma cidade em que uma pessoa pode se tornar uma estrela. Afinal, para que lugar mais representativo da fama e do sucesso do que Hollywood? No começo, a protagonista chega ao aeroporto, junto com aquele casal de velhinhos sinistros, e encontra, dentro da casa da tia, uma mulher linda, perdida, nua, desorientada, desmemoriada, e que se torna o grande amor de sua vida, naquela história que a mente ou o espírito que não está querendo aceitar a condição de fim elabora.
Por isso, uma das cenas mais bonitas é quando as duas fazem amor e Betty diz que está apaixonada por ela, e é uma sequência muito sensual também. Há dois sentimentos muito fortes naquele momento: o amor e o desejo, os dois juntos e potentes. Mais adiante, quando formos levados a um flashback da intimidade das duas na realidade, quando Diane já estava sendo rejeitada por Camilla, percebemos o quanto havia de sexualidade intensa naquela relação.
E, nesse sentido, voltando à questão do medo. Para que medo maior do que aquele medo misturado com uma tristeza muito, muito profunda, que é o que é mostrado na cena mais poderosa do filme, a do Clube Silenzio, quando Rita acorda de madruga e fala para ambas irem àquele lugar, lugar onde no hay banda. Há algo muito bonito dentro dos simbolismos de não haver uma banda tocando e no entanto há som, mas o que há de mais devastadoramente lindo é quando Rebekah Del Rio canta a versão de "Crying", de Roy Orbinson, "Llorando", que se torna ainda mais triste nesta versão em espanhol, mais carregada de sentimentalidade, mais fundo do poço da tristeza e da amargura.
E por mais que já tenhamos visto tantas vezes David Lynch nos carregar para caminhos tão sombrios e tristes da alma, nada se compara a esta sequência arrepiante, embora a primeira vez que vemos CIDADE DOS SONHOS não entendamos direito o que é aquilo ali, no momento em que está acontecendo.
Porém, uma vez que temos o filme na memória, tendo visto uma, duas ou três vezes, e vemos novamente, sabemos que aquele momento é o momento da revelação dolorosa que a protagonista tanto temia e não sabia, o momento em que caem por terra todas as ilusões. Sobra apenas o horror, o horror do que ela foi capaz de fazer. E aí passamos a entender o motivo de aquela restaurante representar algo tão maligno, já que é lá que foi feita uma transação que, segundo disse o próprio assassino contratado, uma vez feita, não haveria mais volta.
Com relação aos simbolismos, algumas coisas são um pouco difíceis de serem decifradas, mas nem tanto. Há muitas pistas fáceis. E quem já está acostumado com os trabalhos de Lynch, principalmente quem viu o novo TWIN PEAKS - O RETORNO (2017), e também TWIN PEAKS - OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER (1992), sabe que tem algo de especial com relação à cor azul. Sempre que o azul aparece, ele tem um indicativo de algo misterioso.
E em CIDADE DOS SONHOS há a antológica caixa azul, que pode representar tanto a realidade nua e crua tomando de assalto todos os sonhos e ilusões, quanto algo de maligno também. A figura daquele mendigo lembra os homens sujos de carvão de TWIN PEAKS - O RETORNO, que na série são agentes do mal ou algo do tipo.
Enfim, ainda há tanto a se falar sobre CIDADE DOS SONHOS, como a cena em que Betty desaparece, como se as duas (Betty e Rita) tivessem se fundido. Aliás, a loira e a morena, o mistério e a verdade, a vida e a morte são elementos muito próximos de UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock. Eis um filme que não se esgota, e querer dar conta de decifrar os enigmas (como eu meio que tentei fazer, quase sem querer, pensando em voz alta) é querer diminuir uma obra cuja dor é o motor de partida.
Fazendo um breve resumo da história, só para o texto não ficar tão solto, CIDADE DOS SONHOS conta a história de Betty (Naomi Watts), uma jovem que almeja se tornar uma estrela de Hollywood, e que está muito feliz de sair de sua cidadezinha do interior no Canadá para a ensolarada Los Angeles. Lá ela encontra uma mulher desmemoriada (Laura Elena Harring) no apartamento que a tia lhe reservou. Paralelamente, também conhecemos um diretor de cinema (Justin Theroux) que está sendo obrigado por um mafioso a aceitar uma atriz para o papel principal, sob pena de perder tudo o que tem na vida.
Na primeira vez que vi CIDADE DOS SONHOS, título originalmente escolhido pela distribuidora anterior e que deverá ficar como título mais aceito, creio eu, o filme foi recebido por mim como principalmente uma história de horror. Um horror que não dava muito bem para entender o porquê, algo bem parecido com o que aconteceu com ESTRADA PERDIDA (1997). Mas isso acontece principalmente porque o drama da protagonista não está claro na primeira leitura.
Desta vez, a segunda no cinema, passados 15 anos, o que fica mais forte é a questão da perda do grande amor, mais do que o medo, embora o medo seja algo também muito forte e que já comparece de maneira bem perturbadora na sequência da lanchonete, com aqueles dois homens conversando: um deles contando ao outro sobre sonhos que ele teve sobre aquele mesmo lugar, sobre algo muito aterrador e maligno que estava trazendo o mal para aquele ambiente. Revendo, podemos fazer uma ligação desta cena com a queda espiritual da personagem de Naomi Watts, com as decisões que a levaram ao inferno de sua alma.
E esse medo é também o medo de descobrir a verdade, já que há toda aquela construção de um sonho. Sonho de chegar a uma cidade em que uma pessoa pode se tornar uma estrela. Afinal, para que lugar mais representativo da fama e do sucesso do que Hollywood? No começo, a protagonista chega ao aeroporto, junto com aquele casal de velhinhos sinistros, e encontra, dentro da casa da tia, uma mulher linda, perdida, nua, desorientada, desmemoriada, e que se torna o grande amor de sua vida, naquela história que a mente ou o espírito que não está querendo aceitar a condição de fim elabora.
Por isso, uma das cenas mais bonitas é quando as duas fazem amor e Betty diz que está apaixonada por ela, e é uma sequência muito sensual também. Há dois sentimentos muito fortes naquele momento: o amor e o desejo, os dois juntos e potentes. Mais adiante, quando formos levados a um flashback da intimidade das duas na realidade, quando Diane já estava sendo rejeitada por Camilla, percebemos o quanto havia de sexualidade intensa naquela relação.
E, nesse sentido, voltando à questão do medo. Para que medo maior do que aquele medo misturado com uma tristeza muito, muito profunda, que é o que é mostrado na cena mais poderosa do filme, a do Clube Silenzio, quando Rita acorda de madruga e fala para ambas irem àquele lugar, lugar onde no hay banda. Há algo muito bonito dentro dos simbolismos de não haver uma banda tocando e no entanto há som, mas o que há de mais devastadoramente lindo é quando Rebekah Del Rio canta a versão de "Crying", de Roy Orbinson, "Llorando", que se torna ainda mais triste nesta versão em espanhol, mais carregada de sentimentalidade, mais fundo do poço da tristeza e da amargura.
E por mais que já tenhamos visto tantas vezes David Lynch nos carregar para caminhos tão sombrios e tristes da alma, nada se compara a esta sequência arrepiante, embora a primeira vez que vemos CIDADE DOS SONHOS não entendamos direito o que é aquilo ali, no momento em que está acontecendo.
Porém, uma vez que temos o filme na memória, tendo visto uma, duas ou três vezes, e vemos novamente, sabemos que aquele momento é o momento da revelação dolorosa que a protagonista tanto temia e não sabia, o momento em que caem por terra todas as ilusões. Sobra apenas o horror, o horror do que ela foi capaz de fazer. E aí passamos a entender o motivo de aquela restaurante representar algo tão maligno, já que é lá que foi feita uma transação que, segundo disse o próprio assassino contratado, uma vez feita, não haveria mais volta.
Com relação aos simbolismos, algumas coisas são um pouco difíceis de serem decifradas, mas nem tanto. Há muitas pistas fáceis. E quem já está acostumado com os trabalhos de Lynch, principalmente quem viu o novo TWIN PEAKS - O RETORNO (2017), e também TWIN PEAKS - OS ÚLTIMOS DIAS DE LAURA PALMER (1992), sabe que tem algo de especial com relação à cor azul. Sempre que o azul aparece, ele tem um indicativo de algo misterioso.
E em CIDADE DOS SONHOS há a antológica caixa azul, que pode representar tanto a realidade nua e crua tomando de assalto todos os sonhos e ilusões, quanto algo de maligno também. A figura daquele mendigo lembra os homens sujos de carvão de TWIN PEAKS - O RETORNO, que na série são agentes do mal ou algo do tipo.
Enfim, ainda há tanto a se falar sobre CIDADE DOS SONHOS, como a cena em que Betty desaparece, como se as duas (Betty e Rita) tivessem se fundido. Aliás, a loira e a morena, o mistério e a verdade, a vida e a morte são elementos muito próximos de UM CORPO QUE CAI, de Alfred Hitchcock. Eis um filme que não se esgota, e querer dar conta de decifrar os enigmas (como eu meio que tentei fazer, quase sem querer, pensando em voz alta) é querer diminuir uma obra cuja dor é o motor de partida.
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