Não é sempre que uma experiência tão densa e tão intensa quanto ver TRAMA FANTASMA (2017) no cinema é uma opção dentro do circuito de filmes. Uma sorte Paul Thomas Anderson ter conseguido um espaço considerável dentro do cinema mainstream e seus filmes poderem ser vistos até mesmo fora dos espaços dedicados apenas a cinema alternativo. Um privilégio e tanto. Até porque o filme chega também como sendo a despedida de Daniel Day-Lewis. O ator anunciou sua aposentadoria, mas se for mesmo o fim, é um fim digno de um gigante da atuação.
Além do mais, o papel de Day-Lewis aqui é bem diferente do de SANGUE NEGRO (2007), a parceria anterior do ator com PTA. Em vez de um personagem intenso, temos na figura do costureiro Reynolds Woodcock um homem muito delicado e sensível, embora bastante dominador. Temos aqui a figura de um artista meticuloso, que não pode e naturalmente não gosta de ser incomodado em seus momentos de criação, em especial pela manhã.
O interessante de TRAMA FANTASMA é que, ao terminar a sessão, ainda ficamos sem saber direito sobre o que é o filme. Pode ser tanto uma história de amor quanto uma história de horror. As duas coisas cabem muito bem e não são excludentes. Por isso dizer que é um filme romântico não seria errôneo, já que o termo "romântico" é muito mais amplo do que muitas pessoas imaginam. O romantismo pode e é associado à morbidez, ao sofrimento, à morte e a um amor que surge das maneiras mais estranhas.
Do outro lado da balança dessa história de amor temos Alma (Vicky Krieps), uma jovem mulher que trabalha como garçonete em uma cidadezinha e é cortejada e convidada a morar com o charmoso costureiro que tem idade para ser seu pai, em Londres. Simples e humilde, Alma parece que não durará muito no esquema cruel de rejeição que o costureiro está acostumado a tratar suas musas. Em geral, ele escolhe a moça e, depois de um tempo, com a ajuda da irmã Cyrill (Lesley Manville, brilhante), trata de despedi-la.
Acontece que com Alma a coisa é um pouco diferente. Principalmente quando ela começa a tomar uma atitude mais ativa para não ser deixada de lado. Ainda que a história não seja tão importante quanto a direção é, graças ao modo muito especial com que Paul Thomas Anderson pinta com tintas muito criativas e inspiradas seu conto perverso, o mais interessante é entrar na sessão sabendo o menos possível. Surpresas são bem-vindas, assim como o estranhamento que dá a TRAMA FANTASMA o seu aspecto único.
Um dos destaques do filme é a forma como o cineasta nos coloca dentro de ambientes fechados e claustrofóbicos de modo a nos deixar inquietos, mas também maravilhados. Até mesmo a posição da câmera do lado de fora de um carro dirigido por Reynolds é inusitada. Mas o que mais vemos são ações acontecendo dentro da casa, com uma escada apertada, por onde passam as várias mulheres que trabalham para o costureiro em uma espécie de ritual para a elaboração de suas obras de arte em forma de vestidos.
TRAMA FANTASMA guarda muitas semelhanças com o cinema de Douglas Sirk, e talvez também com o de algum outro cineasta da velha Hollywood adepto do melodrama, mas o que Paul Thomas Anderson retira do cinema clássico ele transforma em algo moderno e único. Ainda que possamos entender o esqueleto da trama como sendo, de certa forma, usual, isso é um dos motivos pelos quais o filme é tão envolvente e encantador, prendendo a atenção por cada detalhes do início ao fim de sua metragem. E o que é melhor: é o tipo de obra que fica com a gente por dias e dias, tornando-se objeto de afeto e admiração crescentes.
TRAMA FANTASMA recebeu seis indicações ao Oscar: filme, direção, ator (Day-Lewis), atriz coadjuvante (Leslie Manville), figurino e trilha sonora original (Jonny Greenwood).
quarta-feira, fevereiro 28, 2018
sábado, fevereiro 24, 2018
A FORMA DA ÁGUA (The Shape of Water)
Guillermo del Toro é desses cineastas do qual se pode esperar as mais diversas reações. Além de não ser uma unanimidade entre os gostos dos cinéfilos em geral, seus filmes oscilam mesmo entre aqueles que valorizam seu trabalho.
Porém, uma coisa que se percebe ao ver A FORMA DA ÁGUA (2017) é que o cineasta não tem uma sensibilidade muito apurada quando quer tratar de histórias de amor. Falta a esta história de amor entre uma zeladora muda de uma instituição militar dos anos 1960 e uma criatura capturada no Rio Amazonas uma sutileza que torne tanto o enredo quanto a caracterização dos personagens críveis e efetivamente comoventes.
Posso estar sendo um pouco cínico ao dizer isso, mas, para conquistar as mais diferentes plateias, del Toro atira para todos os lados: quer agradar as minorias (gays, mulheres negras, pessoas com deficiência), tratar de assédio sexual e mostrar uma mulher como empoderada e protagonista da ação. Além disso, quer mostrar seu amor pelo cinema com cenas que não parecem caber muito bem em seu estilo, por mais que o amor que ele sinta pela arte seja genuíno e verdadeiro. Para completar, del Toro ainda mostra que não faz concessões à indústria, trazendo cenas de nudez (frontal, inclusive) e um pouco de gore. Nada disto é pecado. De jeito nenhum. Mas a impressão que dá é que parece forçado e não espontâneo.
O filme conta a história de uma zeladora muda (Sally Hawkins) que trabalha em uma instituição secreta militar do governo americano da década de 1960. Como ela é responsável, junto com sua melhor amiga (Octavia Spencer), de limpar o local, ela descobre que uma criatura foi capturada e está presa, que essa criatura é capaz de se comunicar, e que essa mesma criatura está sofrendo violência física de um dos homens do governo, o personagem de Michael Shannon.
Aliás, por mais que o personagem de Shannon tenha as suas peculiaridades como vilão do filme, del Toro exagera um bocado na caracterização vilanesca dele, prejudicando um pouco o envolvimento do espectador na torcida pela busca da protagonista em retirar aquela criatura (por quem ela já estava apaixonada) daquele lugar. Ela lida com a missão com a ajuda do companheiro de quarto e grande amigo (Richard Jenkins).
Entre os pontos positivos do filme estão as cenas de amor entre o casal: Elisa, a mulher muda, e a criatura, vivida pelo mesmo Doug Jones que havia feito o Abe Sapien de HELLBOY (2004) e HELLBOY II - O EXÉRCITO DOURADO (2008), além de ter sido também o Fauno de O LABIRINTO DO FAUNO (2006). Podem até falar de del Toro, mas não dá para dizer que não existe uma coerência e uma marca autoral em sua obra. E não apenas por denominadores comuns e repetições como essa. Seu amor pelos monstros e pessoas marginalizadas e oprimidas já era visível. Em A FORMA DA ÁGUA isso apenas se tornou mais explícito.
Queria ter gostado mais do filme. Uma pena que não houve maior envolvimento emocional da minha parte e confesso que algumas vezes o filme me deu um pouco de sono. Em geral, as fantasias fazem isso comigo. Assim, fortalece em mim a impressão de que del Toro é um excelente diretor de arte. Isso já se notava em todos os seus trabalhos anteriores. E por causa desse aspecto um tanto mais calculista, falta maior capacidade de lidar e de passar as emoções que deseja trasmitir. Por isso prefiro seus filmes de horror sangrentos e com imagens lindas, como A COLINA ESCARLATE (2015), seu trabalho anterior.
A FORMA DA ÁGUA é o recordista de indicações ao Oscar do ano (13), concorrendo nas categorias de filme, direção, atriz (Sally Hawkins), ator coadjuvante (Richard Jenkins), atriz coadjuvante (Octavia Spencer), trilha sonora original, roteiro original, fotografia, figurino, edição de som, mixagem de som, montagem e direção de arte.
Porém, uma coisa que se percebe ao ver A FORMA DA ÁGUA (2017) é que o cineasta não tem uma sensibilidade muito apurada quando quer tratar de histórias de amor. Falta a esta história de amor entre uma zeladora muda de uma instituição militar dos anos 1960 e uma criatura capturada no Rio Amazonas uma sutileza que torne tanto o enredo quanto a caracterização dos personagens críveis e efetivamente comoventes.
Posso estar sendo um pouco cínico ao dizer isso, mas, para conquistar as mais diferentes plateias, del Toro atira para todos os lados: quer agradar as minorias (gays, mulheres negras, pessoas com deficiência), tratar de assédio sexual e mostrar uma mulher como empoderada e protagonista da ação. Além disso, quer mostrar seu amor pelo cinema com cenas que não parecem caber muito bem em seu estilo, por mais que o amor que ele sinta pela arte seja genuíno e verdadeiro. Para completar, del Toro ainda mostra que não faz concessões à indústria, trazendo cenas de nudez (frontal, inclusive) e um pouco de gore. Nada disto é pecado. De jeito nenhum. Mas a impressão que dá é que parece forçado e não espontâneo.
O filme conta a história de uma zeladora muda (Sally Hawkins) que trabalha em uma instituição secreta militar do governo americano da década de 1960. Como ela é responsável, junto com sua melhor amiga (Octavia Spencer), de limpar o local, ela descobre que uma criatura foi capturada e está presa, que essa criatura é capaz de se comunicar, e que essa mesma criatura está sofrendo violência física de um dos homens do governo, o personagem de Michael Shannon.
Aliás, por mais que o personagem de Shannon tenha as suas peculiaridades como vilão do filme, del Toro exagera um bocado na caracterização vilanesca dele, prejudicando um pouco o envolvimento do espectador na torcida pela busca da protagonista em retirar aquela criatura (por quem ela já estava apaixonada) daquele lugar. Ela lida com a missão com a ajuda do companheiro de quarto e grande amigo (Richard Jenkins).
Entre os pontos positivos do filme estão as cenas de amor entre o casal: Elisa, a mulher muda, e a criatura, vivida pelo mesmo Doug Jones que havia feito o Abe Sapien de HELLBOY (2004) e HELLBOY II - O EXÉRCITO DOURADO (2008), além de ter sido também o Fauno de O LABIRINTO DO FAUNO (2006). Podem até falar de del Toro, mas não dá para dizer que não existe uma coerência e uma marca autoral em sua obra. E não apenas por denominadores comuns e repetições como essa. Seu amor pelos monstros e pessoas marginalizadas e oprimidas já era visível. Em A FORMA DA ÁGUA isso apenas se tornou mais explícito.
Queria ter gostado mais do filme. Uma pena que não houve maior envolvimento emocional da minha parte e confesso que algumas vezes o filme me deu um pouco de sono. Em geral, as fantasias fazem isso comigo. Assim, fortalece em mim a impressão de que del Toro é um excelente diretor de arte. Isso já se notava em todos os seus trabalhos anteriores. E por causa desse aspecto um tanto mais calculista, falta maior capacidade de lidar e de passar as emoções que deseja trasmitir. Por isso prefiro seus filmes de horror sangrentos e com imagens lindas, como A COLINA ESCARLATE (2015), seu trabalho anterior.
A FORMA DA ÁGUA é o recordista de indicações ao Oscar do ano (13), concorrendo nas categorias de filme, direção, atriz (Sally Hawkins), ator coadjuvante (Richard Jenkins), atriz coadjuvante (Octavia Spencer), trilha sonora original, roteiro original, fotografia, figurino, edição de som, mixagem de som, montagem e direção de arte.
sexta-feira, fevereiro 23, 2018
MOZART IN THE JUNGLE - A QUARTA TEMPORADA COMPLETA (Mozart in the Jungle - The Complete Fourth Season)
Estava lendo o que escrevi sobre a segunda temporada de MOZART IN THE JUNGLE e notei que eu já me incomodava um pouco com o andamento às vezes apressado demais da narrativa, para o bem e para o mal. Funciona para o bem quando alguns personagens que não nos interessam muito têm sua trama passada mais rapidamente. E o que mais importa nesta quarta temporada é mesmo a relação entre Rodrigo e Hailey.
A quarta temporada (2018) é uma continuação quase direta dos episódios finais da terceira. Ou seja, vemos tanto uma maior aproximação da jovem com o maestro Rodrigo DeSousa - que passam a assumir um namoro e a morarem juntos - quanto sua busca pela difícil carreira de maestrina. Como Rodrigo e como a própria temporada em si, tudo parece estar passando por um grande sentimento de desorientação. Rodrigo se mete em vários projetos ao mesmo tempo: além de continuar na orquestra de Nova York, assume uma orquestra infantil, aceita um projeto de reger o Réquiem de Mozart no Japão e ainda é convidado para um ousado projeto de dança - o personagem do coreógrafo é interpretado pelo cineasta John Cameron Mitchell.
E se a segunda temporada teve uma viagem maravilhosa para o México e a terceira para a Itália, estava nova temporada conta com episódios lindos passados no Japão. Aliás, arriscaria dizer que o episódio 8, intitulado "Ichi Go Ichi E", em que o casal experiencia uma espécie de ritual de um chá mágico, é de uma beleza que chega a doer na alma. Fiquei pensando sobre a questão da "falta que a falta faz" - lembrei de um livro infantil que a Companhia de Letras lançou e que achei fantástico, sobre o assunto.
Quer dizer, enquanto estamos acompanhando a rotina de namorados de Rodrigo e Hailey, sentimos falta daquele muro que os separa e que torna a relação dos dois mais atraente e apaixonante. Coisas do romantismo perverso. E por isso às vezes pensar em uma separação dos dois seria saudável para o reajustamento da série. Só nunca pensei que quer isso fosse ser tão cruel para nosso espírito.
A dor que sentimos ao final do citado episódio do chá é imensa, é a dor do coração partido, que é estendida para os demais episódios finais com uma intensidade menor, mas que ainda persiste. Aumenta a cada vez que lembramos das imagens finais do tal oitavo episódio. Amar não é fácil. Mas é muito bom poder ver uma série que nos faz lembrar que as dificuldades da vida (afetiva, profissional etc.) são um assunto de todos os mortais e que a arte e o trabalho podem muito bem servir como um consolo para nossa alma.
A quarta temporada (2018) é uma continuação quase direta dos episódios finais da terceira. Ou seja, vemos tanto uma maior aproximação da jovem com o maestro Rodrigo DeSousa - que passam a assumir um namoro e a morarem juntos - quanto sua busca pela difícil carreira de maestrina. Como Rodrigo e como a própria temporada em si, tudo parece estar passando por um grande sentimento de desorientação. Rodrigo se mete em vários projetos ao mesmo tempo: além de continuar na orquestra de Nova York, assume uma orquestra infantil, aceita um projeto de reger o Réquiem de Mozart no Japão e ainda é convidado para um ousado projeto de dança - o personagem do coreógrafo é interpretado pelo cineasta John Cameron Mitchell.
E se a segunda temporada teve uma viagem maravilhosa para o México e a terceira para a Itália, estava nova temporada conta com episódios lindos passados no Japão. Aliás, arriscaria dizer que o episódio 8, intitulado "Ichi Go Ichi E", em que o casal experiencia uma espécie de ritual de um chá mágico, é de uma beleza que chega a doer na alma. Fiquei pensando sobre a questão da "falta que a falta faz" - lembrei de um livro infantil que a Companhia de Letras lançou e que achei fantástico, sobre o assunto.
Quer dizer, enquanto estamos acompanhando a rotina de namorados de Rodrigo e Hailey, sentimos falta daquele muro que os separa e que torna a relação dos dois mais atraente e apaixonante. Coisas do romantismo perverso. E por isso às vezes pensar em uma separação dos dois seria saudável para o reajustamento da série. Só nunca pensei que quer isso fosse ser tão cruel para nosso espírito.
A dor que sentimos ao final do citado episódio do chá é imensa, é a dor do coração partido, que é estendida para os demais episódios finais com uma intensidade menor, mas que ainda persiste. Aumenta a cada vez que lembramos das imagens finais do tal oitavo episódio. Amar não é fácil. Mas é muito bom poder ver uma série que nos faz lembrar que as dificuldades da vida (afetiva, profissional etc.) são um assunto de todos os mortais e que a arte e o trabalho podem muito bem servir como um consolo para nossa alma.
quinta-feira, fevereiro 22, 2018
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (Three Billboards Outside Ellbing, Missouri)
O irlandês Martin McDonagh já ganhou um Oscar de melhor filme: pelo curta-metragem SIX SHOOTER (2004), uma deliciosa comédia de humor negro, uma pequena obra-prima. TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME (2017), seu mais novo filme, é o mais próximo que ele se aproxima de repetir o feito, desta vez numa categoria bem mais visada, a de longa-metragem. O que pode prejudicar um pouco o seu intento é que se trata do filme que mais divide opiniões dentre os nove indicados.
É fácil de entender. Afinal, em tempos como o nosso, é complicado você oferecer a um policial racista uma oportunidade de se tornar um pouco simpático ou de ganhar alguma redenção. Dizer isso, aliás, é um pouco estragar o filme para quem ainda não o viu e por isso a minha recomendação é não ler nada sobre a história de TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME. Trata-se de um filme cujas surpresas na trama são várias e excitantes, justamente por fugirem do que estávamos esperando.
O que o filme vende é a história de uma mulher que alimenta um ódio terrível devido a um fato bem justificável: a morte e estupro de sua filha adolescente. Ela tem a ideia de alugar três outdoors situados em uma rota onde passam poucos carros para reclamar do xerife da cidade (Woody Harrelson) sobre a total falta de eficiência da polícia em prender ou mesmo identificar o estuprador assassino. Pelo que ela diz, a polícia arranja tempo para bater ou torturar negros, embora isso não seja exatamente mostrado no filme, mas não tem tempo de pegar o criminosos. A personificação da polícia racista aparece na figura do personagem de Sam Rockwell.
Um dos fatos curiosos de TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME é que não há personagens que nós amemos ou criemos alguma afeição. Mesmo a heroína é muito antipática, além de preconceituosa, como podemos ver nas cenas com Peter Dinklage. Mas aí acontece algo que muda tudo: a morte do xerife e as cartas que ele deixa para algumas pessoas. As cartas, mais do que os anúncios, serão as responsáveis pelas grandes viradas na história e no modo como os personagens passam a ver a própria existência. Principalmente o policial idiota racista, que, simbolicamente, precisa passar pelas chamas do inferno para tentar buscar um caminho melhor. Ajudam também as palavras do xerife, que afirmam que ele, no fundo, é um homem bom. A cena no hospital, junto com o homem que ele havia quase matado, é uma das mais poderosas do filme.
O que confunde em TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME é que McDonagh parece cínico demais para vender uma história aberta sobre redenção e perdão, próximo de um sermão cristão. Mas ao mesmo tempo parece correto de se fazer nos dias de hoje. Se fosse diferente, certamente o filme seria acusado de ser excessivamente melodramático e até anacrônico. Nos dias de hoje não temos mais um Frank Capra.
Mas temos ainda, viva e forte, a herança do cinema dos irmãos Coen, que é com quem McDonagh vem sendo comparado. A principal diferença aqui é que temos um diretor irlandês falando de algo que talvez não conheça muito, os Estados Unidos. Mas isso nunca foi exatamente um problema em Hollywood, terra de tantos estrangeiros, foi? Nem é preciso citar nomes.
Em tempos de muita raiva espalhada em todo o mundo por causa do atual cenário político e social, um filme raivoso, mas que também prega o perdão, mesmo que de uma maneira doentiamente torta e violenta, não deixa de ser bem-vindo.
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME recebeu sete indicações ao Oscar: filme, atriz (Frances McDormand), ator coadjuvante (Sam Rockwell), ator coadjuvante (Woody Harrelson), trilha sonora original, roteiro (McDonagh) e montagem.
É fácil de entender. Afinal, em tempos como o nosso, é complicado você oferecer a um policial racista uma oportunidade de se tornar um pouco simpático ou de ganhar alguma redenção. Dizer isso, aliás, é um pouco estragar o filme para quem ainda não o viu e por isso a minha recomendação é não ler nada sobre a história de TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME. Trata-se de um filme cujas surpresas na trama são várias e excitantes, justamente por fugirem do que estávamos esperando.
O que o filme vende é a história de uma mulher que alimenta um ódio terrível devido a um fato bem justificável: a morte e estupro de sua filha adolescente. Ela tem a ideia de alugar três outdoors situados em uma rota onde passam poucos carros para reclamar do xerife da cidade (Woody Harrelson) sobre a total falta de eficiência da polícia em prender ou mesmo identificar o estuprador assassino. Pelo que ela diz, a polícia arranja tempo para bater ou torturar negros, embora isso não seja exatamente mostrado no filme, mas não tem tempo de pegar o criminosos. A personificação da polícia racista aparece na figura do personagem de Sam Rockwell.
Um dos fatos curiosos de TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME é que não há personagens que nós amemos ou criemos alguma afeição. Mesmo a heroína é muito antipática, além de preconceituosa, como podemos ver nas cenas com Peter Dinklage. Mas aí acontece algo que muda tudo: a morte do xerife e as cartas que ele deixa para algumas pessoas. As cartas, mais do que os anúncios, serão as responsáveis pelas grandes viradas na história e no modo como os personagens passam a ver a própria existência. Principalmente o policial idiota racista, que, simbolicamente, precisa passar pelas chamas do inferno para tentar buscar um caminho melhor. Ajudam também as palavras do xerife, que afirmam que ele, no fundo, é um homem bom. A cena no hospital, junto com o homem que ele havia quase matado, é uma das mais poderosas do filme.
O que confunde em TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME é que McDonagh parece cínico demais para vender uma história aberta sobre redenção e perdão, próximo de um sermão cristão. Mas ao mesmo tempo parece correto de se fazer nos dias de hoje. Se fosse diferente, certamente o filme seria acusado de ser excessivamente melodramático e até anacrônico. Nos dias de hoje não temos mais um Frank Capra.
Mas temos ainda, viva e forte, a herança do cinema dos irmãos Coen, que é com quem McDonagh vem sendo comparado. A principal diferença aqui é que temos um diretor irlandês falando de algo que talvez não conheça muito, os Estados Unidos. Mas isso nunca foi exatamente um problema em Hollywood, terra de tantos estrangeiros, foi? Nem é preciso citar nomes.
Em tempos de muita raiva espalhada em todo o mundo por causa do atual cenário político e social, um filme raivoso, mas que também prega o perdão, mesmo que de uma maneira doentiamente torta e violenta, não deixa de ser bem-vindo.
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME recebeu sete indicações ao Oscar: filme, atriz (Frances McDormand), ator coadjuvante (Sam Rockwell), ator coadjuvante (Woody Harrelson), trilha sonora original, roteiro (McDonagh) e montagem.
domingo, fevereiro 18, 2018
PANTERA NEGRA (Black Panther)
Um crítico de um jornal estrangeiro disse sobre PANTERA NEGRA (2018): é um filme mais interessante para falar sobre do que para assistir. E, nesse sentido, tendo a concordar com ele. Mas não deveria ser assim. É claro que é o filme mais politizado da Marvel até então. E é talvez o mais feliz em fazer isso, ao questionar o papel de uma superpotência como Wakanda, o país (fictício) mais poderoso tecnologicamente e escondido no continente africano, que vive sob o lema: devemos ficar isolados e escondidos ou ajudar aqueles países que precisam de auxílio?
É uma cutucada e tanto nos Estados Unidos, que são um país que não ajuda: ao contrário: suga dos demais, assassina e ainda sai bem na fita, como heróis. E quem diz isso é um grupo de americanos. A ideia de Wakanda e do Pantera Negra surgiu de Stan Lee e Jack Kirby, lá nos anos 1960, quando os negros ainda eram um grupo que levava porrada da polícia a toda hora nas ruas e não podia se manifestar. Agora as coisas mudaram bastante para melhor, mas ainda há muito a melhorar, ainda há muitos casos de racismo, de neonazismo, de violência contra os negros.
Mas, por mais que filmes de super-heróis tenham adquirido um caráter político recentemente - no ano passado foi MULHER-MARAVILHA, de Patty Jenkins -, é preciso pensá-los como obras que empolguem, que nos coloquem nos sapatos de seus personagens, que façam com que nos importemos com eles, que temamos por suas vidas, com a suspensão da descrença funcionando também. É possível dizer isto de PANTERA NEGRA? Não creio. Talvez os filmes da Marvel tenham chegado em um momento em que causam muita preguiça por deixarem de ser novidade. Mas se a quantidade de espectadores estivesse diminuindo, talvez se pensasse em uma crise nesses filmes, mas isto não está acontecendo. Então, ainda veremos muitas produções de super-heróis pela frente.
Ao menos o novo filme é mais comedido, faz uma oposição a THOR - RAGNAROK, que pede risadas e gargalhadas do espectador o tempo todo. Este filme, dirigido pelo mesmo Ryan Coogler do ótimo CREED - NASCIDO PARA LUTAR (2015), entra mais em sintonia com os três filmes do Capitão América, mais sérios. Mas a impressão que fica é que há dinheiro demais envolvido. Será que dinheiro demais estraga? Afinal, foi com o orçamento milionário que conseguiram fazer de maneira tão bela Wakanda. Mas quem hoje em dia ainda se empolga com efeitos especiais? Eles apenas precisam estar lá e fazer o papel para justificar o investimento.
Comparando CREED com PANTERA NEGRA, é fácil imaginar um cineasta engessado pela estrutura e pelo estilo Marvel/Disney? Em que momento o interesse amoroso do Rei T'Challa (Chadwick Boseman) parece de fato envolvente? Em que momento ficamos de fato duvidando que o Pantera Negra voltaria para tomar o trono de volta após o confronto com o vilão Erik Killmonger (Michael B. Jordan)? Mais: as cenas de ação empolgam? Talvez as que se passam na Coreia, um pouco.
Quem pensa que filmes de super-heróis não devem se preocupar com esse tipo de coisa está errado. As melhores aventuras nos quadrinhos deixam os leitores às vezes sem fôlego. Os filmes também deveriam deixar. Nesse sentido, as produções imperfeitas da DC/Warner até tem parecido mais interessantes. Em agosto vem aí o mais ambicioso dos filmes da Marvel: VINGADORES: GUERRA INFINITA. É bom que os realizadores consigam dar conta de tantos personagens.
É uma cutucada e tanto nos Estados Unidos, que são um país que não ajuda: ao contrário: suga dos demais, assassina e ainda sai bem na fita, como heróis. E quem diz isso é um grupo de americanos. A ideia de Wakanda e do Pantera Negra surgiu de Stan Lee e Jack Kirby, lá nos anos 1960, quando os negros ainda eram um grupo que levava porrada da polícia a toda hora nas ruas e não podia se manifestar. Agora as coisas mudaram bastante para melhor, mas ainda há muito a melhorar, ainda há muitos casos de racismo, de neonazismo, de violência contra os negros.
Mas, por mais que filmes de super-heróis tenham adquirido um caráter político recentemente - no ano passado foi MULHER-MARAVILHA, de Patty Jenkins -, é preciso pensá-los como obras que empolguem, que nos coloquem nos sapatos de seus personagens, que façam com que nos importemos com eles, que temamos por suas vidas, com a suspensão da descrença funcionando também. É possível dizer isto de PANTERA NEGRA? Não creio. Talvez os filmes da Marvel tenham chegado em um momento em que causam muita preguiça por deixarem de ser novidade. Mas se a quantidade de espectadores estivesse diminuindo, talvez se pensasse em uma crise nesses filmes, mas isto não está acontecendo. Então, ainda veremos muitas produções de super-heróis pela frente.
Ao menos o novo filme é mais comedido, faz uma oposição a THOR - RAGNAROK, que pede risadas e gargalhadas do espectador o tempo todo. Este filme, dirigido pelo mesmo Ryan Coogler do ótimo CREED - NASCIDO PARA LUTAR (2015), entra mais em sintonia com os três filmes do Capitão América, mais sérios. Mas a impressão que fica é que há dinheiro demais envolvido. Será que dinheiro demais estraga? Afinal, foi com o orçamento milionário que conseguiram fazer de maneira tão bela Wakanda. Mas quem hoje em dia ainda se empolga com efeitos especiais? Eles apenas precisam estar lá e fazer o papel para justificar o investimento.
Comparando CREED com PANTERA NEGRA, é fácil imaginar um cineasta engessado pela estrutura e pelo estilo Marvel/Disney? Em que momento o interesse amoroso do Rei T'Challa (Chadwick Boseman) parece de fato envolvente? Em que momento ficamos de fato duvidando que o Pantera Negra voltaria para tomar o trono de volta após o confronto com o vilão Erik Killmonger (Michael B. Jordan)? Mais: as cenas de ação empolgam? Talvez as que se passam na Coreia, um pouco.
Quem pensa que filmes de super-heróis não devem se preocupar com esse tipo de coisa está errado. As melhores aventuras nos quadrinhos deixam os leitores às vezes sem fôlego. Os filmes também deveriam deixar. Nesse sentido, as produções imperfeitas da DC/Warner até tem parecido mais interessantes. Em agosto vem aí o mais ambicioso dos filmes da Marvel: VINGADORES: GUERRA INFINITA. É bom que os realizadores consigam dar conta de tantos personagens.
quarta-feira, fevereiro 14, 2018
TRÊS FILMES BASEADOS EM HISTÓRIAS REAIS
Recentemente vi três filmes baseados em histórias reais e acho que de certa forma eles conversam entre si. Talvez por estarem todos de alguma maneira ligados ao esporte e ao american way of life. São filmes com graus diferentes de drama e comédia como escolhas de seus realizadores.
EU, TONYA (I, Tonya)
Craig Gillespie não é exatamente um autor. Na época de A GAROTA IDEAL (2007) até chamou a atenção dentro do espaço indie, mas seus trabalhos seguintes só mostraram o quanto ele se tornou apenas um operário padrão pouco eficiente. EU, TONYA (2017) tem a vantagem de disfarçar seus problemas narrativos através do humor negro. É uma história de violência e de abusos que não leva a sério o sofrimento de suas personagens, o que pode ser encarado como algo problemático. Mas há coisas boas, como as performances de Margot Robbie e Allison Janney, filha e mãe. Um dos problemas que eu vejo é que nem sempre conseguem enfeiar Margot. Em alguns momentos, a maquiagem procura exagerar esse aspecto; em outros, parecem esquecer e lá está a atriz bela como sempre de novo. Indicado ao Oscar nas categorias de atriz, atriz coadjuvante e montagem.
GUERRA DOS SEXOS (The Battle of the Sexes)
Este filme tem um papel mais importante do que a gente imagina, até por ter uma pegada mais descontraída e uma performance mais do mesmo de Steve Carell. A direção é dos videoclipeiros Valerie Farris e Jonathan Dayton, que fizeram alguns memoráveis vídeos dos Smashing Pumpkins na década de 1990. GUERRA DOS SEXOS (2017) conta a história da primeira disputa entre tenistas de sexo diferente, graças a uma mania de apostador Bobby Riggs (Carell). Ele convida a tenista número 1 Billie Jean King (Emma Stone) para uma disputa, de modo a comprovar a superioridade dos homens. As tenistas vinham de uma situação complicada e de uma separação com a liga dos tenistas, extremamente machista. Mas o que há de melhor no filme é o relacionamento de Billie Jean com uma cabeleireira que ela conhece (Andrea Riseborough). As cenas de amor das duas são lindas e superam as batalhas nas quadras.
O QUE TE FAZ MAIS FORTE (Stronger)
Aqui não temos nenhum esportista em ação, mas um homem comum, Jeff Bauman (Jake Gyllenhaal), que teve o azar de estar na linha de chegada de uma maratona em Boston em 2013 quando houve um atentado terrorista. Tudo para receber bem sua ex-namorada, vivida por Tatiana Maslany (da série ORPHAN BLACK). Dirigido por David Gordon Green, um ex-autor, por assim dizer, O QUE TE FAZ MAIS FORTE (2017) tem seus momentos de emoções fortes e até de bom humor (caso da cena em que Jeff dirige um carro sem as pernas). Podem até achar que a obra exagera no drama, mas não vi nenhum problema em mostrar detalhes da dificuldade da transição da nova vida de Jeff, que não foi apenas perder as pernas, mas ser considerado uma espécie de herói pela sua cidade e nos Estados Unidos também. Cena mais tocante: o encontro de Jeff com o caubói Carlos, o homem que salvou sua vida.
EU, TONYA (I, Tonya)
Craig Gillespie não é exatamente um autor. Na época de A GAROTA IDEAL (2007) até chamou a atenção dentro do espaço indie, mas seus trabalhos seguintes só mostraram o quanto ele se tornou apenas um operário padrão pouco eficiente. EU, TONYA (2017) tem a vantagem de disfarçar seus problemas narrativos através do humor negro. É uma história de violência e de abusos que não leva a sério o sofrimento de suas personagens, o que pode ser encarado como algo problemático. Mas há coisas boas, como as performances de Margot Robbie e Allison Janney, filha e mãe. Um dos problemas que eu vejo é que nem sempre conseguem enfeiar Margot. Em alguns momentos, a maquiagem procura exagerar esse aspecto; em outros, parecem esquecer e lá está a atriz bela como sempre de novo. Indicado ao Oscar nas categorias de atriz, atriz coadjuvante e montagem.
GUERRA DOS SEXOS (The Battle of the Sexes)
Este filme tem um papel mais importante do que a gente imagina, até por ter uma pegada mais descontraída e uma performance mais do mesmo de Steve Carell. A direção é dos videoclipeiros Valerie Farris e Jonathan Dayton, que fizeram alguns memoráveis vídeos dos Smashing Pumpkins na década de 1990. GUERRA DOS SEXOS (2017) conta a história da primeira disputa entre tenistas de sexo diferente, graças a uma mania de apostador Bobby Riggs (Carell). Ele convida a tenista número 1 Billie Jean King (Emma Stone) para uma disputa, de modo a comprovar a superioridade dos homens. As tenistas vinham de uma situação complicada e de uma separação com a liga dos tenistas, extremamente machista. Mas o que há de melhor no filme é o relacionamento de Billie Jean com uma cabeleireira que ela conhece (Andrea Riseborough). As cenas de amor das duas são lindas e superam as batalhas nas quadras.
O QUE TE FAZ MAIS FORTE (Stronger)
Aqui não temos nenhum esportista em ação, mas um homem comum, Jeff Bauman (Jake Gyllenhaal), que teve o azar de estar na linha de chegada de uma maratona em Boston em 2013 quando houve um atentado terrorista. Tudo para receber bem sua ex-namorada, vivida por Tatiana Maslany (da série ORPHAN BLACK). Dirigido por David Gordon Green, um ex-autor, por assim dizer, O QUE TE FAZ MAIS FORTE (2017) tem seus momentos de emoções fortes e até de bom humor (caso da cena em que Jeff dirige um carro sem as pernas). Podem até achar que a obra exagera no drama, mas não vi nenhum problema em mostrar detalhes da dificuldade da transição da nova vida de Jeff, que não foi apenas perder as pernas, mas ser considerado uma espécie de herói pela sua cidade e nos Estados Unidos também. Cena mais tocante: o encontro de Jeff com o caubói Carlos, o homem que salvou sua vida.
segunda-feira, fevereiro 12, 2018
O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO (The Killing of a Sacred Deer)
O trabalho do cineasta grego Yorgos Lanthimos não é apreciado por tantos - basta ver a quantidade de pessoas indignadas no IMDB e dispostas a jogar pedra no seu mais recente filme. Embora já tenha seis longas-metragens prontos em seu currículo e um outro já pronto para ser lançado ainda este ano, foi com O LAGOSTA (2015) que o diretor grego chamou atenção mundialmente com aquela que talvez seja a comédia romântica mais estranha já feita.
Os filmes do diretor na verdade são inclassificáveis, mas se a história de um homem que vai se transformar em um animal (uma lagosta) simplesmente por não ter conseguido uma namorada ou uma esposa pode ser vista como um romance, O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO (2017), se aproxima mais do horror.
E nesse sentido, é um dos mais assustadores filmes de horror já feitos neste milênio. Pode ser uma afirmativa exagerada, mas não creio que seja. Talvez o segredo para ver o filme seja estar totalmente livre de expectativas, ver a obra sem saber nada a respeito. Claro que, por não ser exatamente um filme agradável, alguns espectadores podem, literalmente, fugir correndo da sala de cinema, como eu cheguei a presenciar na sessão em que participei.
É uma pena que seja uma obra que, ao ser lançada no meio da temporada do Oscar, acabe passando batido por muitos. E certamente não ficará muito tempo em cartaz. Ainda assim, é melhor do que não ter passado no cinema, como foi o caso de O LAGOSTA. Trata-se de um filme especial, desses que ficam com o espectador ao final da sessão e por alguns dias ainda, com suas imagens poderosas, estranhas e muitas vezes aterrorizantes.
A primeira imagem de O SACRIFÍCIO DE UM CERVO SAGRADO é a de um grande close na cirurgia de um coração. Trata-se de uma imagem real de uma cirurgia que foi aproveitada para o filme. O protagonista, Dr. Steven Murphy (Colin Farrell), é um cirurgião cardiologista. Ao término de uma cirurgia de rotina, ele anda com um colega pelos corredores do hospital e conversa sobre um relógio bonito. "Onde o comprou?", pergunta ele. Mais tarde saberemos de seus encontros estranhos com um garoto de 16 anos (Barry Keoghan, que já tem um rosto um tanto incomum e por isso se encaixa perfeitamente com o personagem).
A princípio não sabemos do que se tratam esses encontros do médico e esse rapaz. Haveria ali uma espécie de relacionamento impróprio, por assim dizer? Chama a atenção também o tipo de dramaturgia em que as falas dos personagens são despidas de emoção, algo já visto em O LAGOSTA. Trata-se de um tipo de trabalho que lembra bastante o uso de modelos no trabalho de Robert Bresson, que nas entrevistas é tido como uma das grandes influências do cineasta grego.
As estranhezas chegam também em casa, com a esposa (Nicole Kidman) alimentando uma das taras do marido: fingir que está imobilizada em anestesia geral para que ele possa desfrutar dessa fantasia aparentemente recorrente. Yorgos Lanthimos segue, assim, mantendo a atenção do espectador cada vez mais em alta. Inclusive pela utilização de uma trilha sonora que aos poucos vai se tornando perturbadora, principalmente a partir do momento em que um dos dois filhos de Steven afirma não conseguir se levantar da cama, teria perdido a mobilidade dos membros.
É quando as respostas para isso surgem em uma conversa com o incômodo Martin, o garoto de 16 anos, que àquela altura já havia visitado a família de Steven e feito o médico visitar sua mãe (Alicia Silverstone, em uma única mas marcante sequência). As respostas para esse pesadelo que se transformou a vida do cirurgião seriam dadas em poucos segundos, a ponto de o espectador ficar não apenas aterrorizado, mas também desnorteado. Mais uma vez, Lanthimos trabalha com o tema da punição, e o que acontece a seguir é impressionante.
Imagens das cenas seguintes, de tão bizarras - algumas delas chocantes - certamente ficarão presentes na memória de muitos espectadores, mesmo aqueles que sairão da sessão com um pouco de raiva do filme. O ar de tragédia, segundo consta em vários textos sobre o filme, é inspirado no mito de Ifigênia, filha de Agamemnon. Segundo o mito, Agamemnon teria que sacrificar a própria filha por ter matado um cervo em uma floresta. Tragédia grega, horror arrepiante, Bresson e o que muitos dizem ser uma imaginação saída de uma mente doentia são alguns dos ingredientes para a construção deste espetáculo singular e perturbador que é O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO.
Os filmes do diretor na verdade são inclassificáveis, mas se a história de um homem que vai se transformar em um animal (uma lagosta) simplesmente por não ter conseguido uma namorada ou uma esposa pode ser vista como um romance, O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO (2017), se aproxima mais do horror.
E nesse sentido, é um dos mais assustadores filmes de horror já feitos neste milênio. Pode ser uma afirmativa exagerada, mas não creio que seja. Talvez o segredo para ver o filme seja estar totalmente livre de expectativas, ver a obra sem saber nada a respeito. Claro que, por não ser exatamente um filme agradável, alguns espectadores podem, literalmente, fugir correndo da sala de cinema, como eu cheguei a presenciar na sessão em que participei.
É uma pena que seja uma obra que, ao ser lançada no meio da temporada do Oscar, acabe passando batido por muitos. E certamente não ficará muito tempo em cartaz. Ainda assim, é melhor do que não ter passado no cinema, como foi o caso de O LAGOSTA. Trata-se de um filme especial, desses que ficam com o espectador ao final da sessão e por alguns dias ainda, com suas imagens poderosas, estranhas e muitas vezes aterrorizantes.
A primeira imagem de O SACRIFÍCIO DE UM CERVO SAGRADO é a de um grande close na cirurgia de um coração. Trata-se de uma imagem real de uma cirurgia que foi aproveitada para o filme. O protagonista, Dr. Steven Murphy (Colin Farrell), é um cirurgião cardiologista. Ao término de uma cirurgia de rotina, ele anda com um colega pelos corredores do hospital e conversa sobre um relógio bonito. "Onde o comprou?", pergunta ele. Mais tarde saberemos de seus encontros estranhos com um garoto de 16 anos (Barry Keoghan, que já tem um rosto um tanto incomum e por isso se encaixa perfeitamente com o personagem).
A princípio não sabemos do que se tratam esses encontros do médico e esse rapaz. Haveria ali uma espécie de relacionamento impróprio, por assim dizer? Chama a atenção também o tipo de dramaturgia em que as falas dos personagens são despidas de emoção, algo já visto em O LAGOSTA. Trata-se de um tipo de trabalho que lembra bastante o uso de modelos no trabalho de Robert Bresson, que nas entrevistas é tido como uma das grandes influências do cineasta grego.
As estranhezas chegam também em casa, com a esposa (Nicole Kidman) alimentando uma das taras do marido: fingir que está imobilizada em anestesia geral para que ele possa desfrutar dessa fantasia aparentemente recorrente. Yorgos Lanthimos segue, assim, mantendo a atenção do espectador cada vez mais em alta. Inclusive pela utilização de uma trilha sonora que aos poucos vai se tornando perturbadora, principalmente a partir do momento em que um dos dois filhos de Steven afirma não conseguir se levantar da cama, teria perdido a mobilidade dos membros.
É quando as respostas para isso surgem em uma conversa com o incômodo Martin, o garoto de 16 anos, que àquela altura já havia visitado a família de Steven e feito o médico visitar sua mãe (Alicia Silverstone, em uma única mas marcante sequência). As respostas para esse pesadelo que se transformou a vida do cirurgião seriam dadas em poucos segundos, a ponto de o espectador ficar não apenas aterrorizado, mas também desnorteado. Mais uma vez, Lanthimos trabalha com o tema da punição, e o que acontece a seguir é impressionante.
Imagens das cenas seguintes, de tão bizarras - algumas delas chocantes - certamente ficarão presentes na memória de muitos espectadores, mesmo aqueles que sairão da sessão com um pouco de raiva do filme. O ar de tragédia, segundo consta em vários textos sobre o filme, é inspirado no mito de Ifigênia, filha de Agamemnon. Segundo o mito, Agamemnon teria que sacrificar a própria filha por ter matado um cervo em uma floresta. Tragédia grega, horror arrepiante, Bresson e o que muitos dizem ser uma imaginação saída de uma mente doentia são alguns dos ingredientes para a construção deste espetáculo singular e perturbador que é O SACRIFÍCIO DO CERVO SAGRADO.
domingo, fevereiro 11, 2018
A LEI DA FRONTEIRA (Frontier Marshal)
Uma das mais fascinantes entrevistas do livro Afinal, Quem Faz os Filmes, de Peter Bogdanovich, é justamente de um cineasta pouco lembrado, o pioneiro Allan Dwan. Isso se dá porque, pelo fato de ele ter participado da aurora do cinema em Hollywood, ele tinha muitas histórias incríveis para contar. E que histórias. Não vou citar exemplos aqui, pois o ideal é entrar em contato direto com essa entrevista e viajar no tempo.
Recentemente surgiu em um dos fóruns de compartilhamento que acompanho uma cópia muito boa de A LEI DA FRONTEIRA (1939), uma das primeiras histórias a tratar de duas lendas do Velho Oeste: o xerife Wyatt Earp, homem da lei respeitado e que impôs respeito, e seu amigo trágico Doc Halliday, um pistoleiro bastante temido. A amizade entre os dois é inusitada, e o filme de Dwan traz uma romantização bela à mitologia. Aliás, como é admirável o modo como os americanos foram construindo seus mitos dentro de relativamente pouco tempo de História.
Em A LEI DA FRONTEIRA, Earp é vivido por Randolph Scott, ator que construiu sua carreira como heróis de westerns. Já Doc Halliday é vivido por Cesar Romero, que ficaria famoso como o Coringa da série do Batman dos anos 1960.
Na trama, passada na mítica Tombstone, um proprietário de um bar tenta se livrar de seu concorrente contratando um pistoleiro para destruir o local. O que ninguém esperava era que um forasteiro chamado Wyatt Earp apareceria para botar ordem na casa e se tornar o xerife da cidade. A presença de Earp não é nada agradável para esses homens e logo seus inimigos tratam de se livrar dele. Em vão.
Página virada por ora, pois é o momento em que o filme salta um pouco no tempo até o retorno do famoso Doc Halliday à cidade. Alcoólatra e com tuberculose, o ex-médico recebe a visita da ex-noiva. Isso o maltrata e mostra-o frágil aos olhos de Earp, que trata de ajudá-lo. Assim o filme vai se enchendo de amor, e por isso é até mais fácil gostar da persona trágica de Halliday.
Talvez o que incomode um pouco em A LEI DA FRONTEIRA seja o modo muito rápido com que tudo acontece, inclusive mostrando a briga de Earp com os bandidos no OK Corral. Trata-se de um filme curto, dinâmico. Para o bem e para o mal. Como o espectador terá outros filmes sobre esses personagens analisando de diferentes perspectivas e poéticas, não há do que reclamar. Até porque o cinema que Dwan faz é admirável desde os primeiros fotogramas, que sintetizam os primeiros anos da construção de Tombstone com várias imagens sobrepostas. Um domínio admirável da gramática cinematográfica em um dos anos mais mágicos para o cinema americano. A vontade de ver mais filmes sobre esses personagens só aumenta.
Recentemente surgiu em um dos fóruns de compartilhamento que acompanho uma cópia muito boa de A LEI DA FRONTEIRA (1939), uma das primeiras histórias a tratar de duas lendas do Velho Oeste: o xerife Wyatt Earp, homem da lei respeitado e que impôs respeito, e seu amigo trágico Doc Halliday, um pistoleiro bastante temido. A amizade entre os dois é inusitada, e o filme de Dwan traz uma romantização bela à mitologia. Aliás, como é admirável o modo como os americanos foram construindo seus mitos dentro de relativamente pouco tempo de História.
Em A LEI DA FRONTEIRA, Earp é vivido por Randolph Scott, ator que construiu sua carreira como heróis de westerns. Já Doc Halliday é vivido por Cesar Romero, que ficaria famoso como o Coringa da série do Batman dos anos 1960.
Na trama, passada na mítica Tombstone, um proprietário de um bar tenta se livrar de seu concorrente contratando um pistoleiro para destruir o local. O que ninguém esperava era que um forasteiro chamado Wyatt Earp apareceria para botar ordem na casa e se tornar o xerife da cidade. A presença de Earp não é nada agradável para esses homens e logo seus inimigos tratam de se livrar dele. Em vão.
Página virada por ora, pois é o momento em que o filme salta um pouco no tempo até o retorno do famoso Doc Halliday à cidade. Alcoólatra e com tuberculose, o ex-médico recebe a visita da ex-noiva. Isso o maltrata e mostra-o frágil aos olhos de Earp, que trata de ajudá-lo. Assim o filme vai se enchendo de amor, e por isso é até mais fácil gostar da persona trágica de Halliday.
Talvez o que incomode um pouco em A LEI DA FRONTEIRA seja o modo muito rápido com que tudo acontece, inclusive mostrando a briga de Earp com os bandidos no OK Corral. Trata-se de um filme curto, dinâmico. Para o bem e para o mal. Como o espectador terá outros filmes sobre esses personagens analisando de diferentes perspectivas e poéticas, não há do que reclamar. Até porque o cinema que Dwan faz é admirável desde os primeiros fotogramas, que sintetizam os primeiros anos da construção de Tombstone com várias imagens sobrepostas. Um domínio admirável da gramática cinematográfica em um dos anos mais mágicos para o cinema americano. A vontade de ver mais filmes sobre esses personagens só aumenta.
sábado, fevereiro 10, 2018
LADY BIRD - A HORA DE VOAR (Lady Bird)
A personagem Christine 'Lady Bird' McPherson, vivida pela brilhante Saoirse Ronan, em LADY BIRD - A HORA DE VOAR (2017) possui algo em comum com outra jovem em um filme indie recente: Casey (Haley Lu Richardson), em COLUMBUS, de Kogonada. São como dois lados de uma mesma moeda: enquanto Lady Bird tem uma vontade imensa de sair de sua cidade natal Sacramento e fazer algum curso superior em Nova York, apesar de suas notas baixas, sua contraparte tem dificuldades de sair de sua cidade para não deixar a mãe.
Claro que as circunstâncias são totalmente distintas, mas não resisti em fazer essa comparação, até por serem personagens que dialogam com a juventude de hoje, mesmo levando em consideração que LADY BIRD, a estreia na direção de Greta Gerwig, se passa no ano de 2002, sendo, portanto, a história de alguém que está um tanto perdida naquele momento pós-11 de setembro, mas com ainda um pé na década anterior - um dos momentos mais bonitos e simples do filme é quando a protagonista está no carro com o pai ouvindo a agridoce "Hand in my pocket", de Alanis Morrissette, e fazendo a observação de que a cantora compões esta faixa em apenas 10 minutos.
Isso diz muito da personagem, de sua vontade de dar um salto, mesmo sabendo de suas dificuldades em ser tão boa quanto suas colegas de classe, que conseguem tirar notas boas em Matemática. A ida para a universidade está bem aí e ela se sente frustrada com a difícil possibilidade de ingressar em uma universidade do lado leste do país, de preferência longe de sua família, como forma de se cortar o mais rápido possível o cordão umbilical com a mãe, Marion (Laurie Metcalf), que é excessivamente preocupada com a filha única.
Lady Bird acha que a mãe, apesar de amá-la muito, não gosta dela, não a aceita como ela é, com suas imperfeições. São coisas como essas que tornam a jovem protagonista tão encantadora, tão apaixonante. E um dos grandes méritos da direção de Greta Gerwig é conseguir nos deixar com aquele friozinho na barriga em situações de novidade da protagonista: a primeira transa, a espera pela correspondência das universidades, a autoafirmação através de novas amizades na escola, a busca de namorados que façam de sua primeira transa algo especial.
E nesse sentido nem sempre ela é bem-sucedida. O que não quer dizer que não nos solidarizemos e nos alegremos com suas pequenas conquistas. Estar com o nome na lista de espera de uma universidade não deixa de ser uma vitória. Ou quase. Falando em vitória, LADY BIRD é desses filmes que também lidam com o fracasso com muita ternura: há a melhor amiga gordinha que sofre com a solidão e há o pai desempregado (Tracy Letts, sempre ótimo) que sofre com depressão. Há também um outro jovem com um problema complicado que encontrará a compreensão da jovem.
O que temos em nossa frente não é simplesmente um filme que conseguiu quase 100% de aprovação no site Rotten Tomatoes; é uma obra simples e pequena, mas com sutilezas e sensibilidades que o tornam especial para uma boa parcela da audiência. O curioso é que, assim como COLUMBUS, o filme tenta o possível para não carregar nas sentimentalidades e provocar choro fácil. O que não impede que o amor transborde e sintamos tanto a relação de amor e ódio de Lady Bird com sua cidade, quanto nos importemos com as brigas que ela tem com a mãe.
Greta Gerwig está cercada por atores ótimos, tanto os veteranos já citados, como dois jovens presentes em filmes marcantes do cinema americano contemporâneo: Lucas Hedges, que brilhou em MANCHESTER À BEIRA-MAR; e o genial Timothée Chalamet, que nem precisa provar mais nada para ninguém depois do que mostrou em ME CHAME PELO SEU NOME. Sem falar em jovens garotas que ainda podem se destacar futuramente, como Odeia Rush e Beanie Feldstein.
LADY BIRD - A HORA DE VOAR foi indicado ao Oscar em cinco categorias: melhor filme, melhor direção, melhor atriz (Saoirse Ronan), melhor atriz coadjuvante (Laurie Metcalf) e melhor roteiro original (Greta Gerwig).
Claro que as circunstâncias são totalmente distintas, mas não resisti em fazer essa comparação, até por serem personagens que dialogam com a juventude de hoje, mesmo levando em consideração que LADY BIRD, a estreia na direção de Greta Gerwig, se passa no ano de 2002, sendo, portanto, a história de alguém que está um tanto perdida naquele momento pós-11 de setembro, mas com ainda um pé na década anterior - um dos momentos mais bonitos e simples do filme é quando a protagonista está no carro com o pai ouvindo a agridoce "Hand in my pocket", de Alanis Morrissette, e fazendo a observação de que a cantora compões esta faixa em apenas 10 minutos.
Isso diz muito da personagem, de sua vontade de dar um salto, mesmo sabendo de suas dificuldades em ser tão boa quanto suas colegas de classe, que conseguem tirar notas boas em Matemática. A ida para a universidade está bem aí e ela se sente frustrada com a difícil possibilidade de ingressar em uma universidade do lado leste do país, de preferência longe de sua família, como forma de se cortar o mais rápido possível o cordão umbilical com a mãe, Marion (Laurie Metcalf), que é excessivamente preocupada com a filha única.
Lady Bird acha que a mãe, apesar de amá-la muito, não gosta dela, não a aceita como ela é, com suas imperfeições. São coisas como essas que tornam a jovem protagonista tão encantadora, tão apaixonante. E um dos grandes méritos da direção de Greta Gerwig é conseguir nos deixar com aquele friozinho na barriga em situações de novidade da protagonista: a primeira transa, a espera pela correspondência das universidades, a autoafirmação através de novas amizades na escola, a busca de namorados que façam de sua primeira transa algo especial.
E nesse sentido nem sempre ela é bem-sucedida. O que não quer dizer que não nos solidarizemos e nos alegremos com suas pequenas conquistas. Estar com o nome na lista de espera de uma universidade não deixa de ser uma vitória. Ou quase. Falando em vitória, LADY BIRD é desses filmes que também lidam com o fracasso com muita ternura: há a melhor amiga gordinha que sofre com a solidão e há o pai desempregado (Tracy Letts, sempre ótimo) que sofre com depressão. Há também um outro jovem com um problema complicado que encontrará a compreensão da jovem.
O que temos em nossa frente não é simplesmente um filme que conseguiu quase 100% de aprovação no site Rotten Tomatoes; é uma obra simples e pequena, mas com sutilezas e sensibilidades que o tornam especial para uma boa parcela da audiência. O curioso é que, assim como COLUMBUS, o filme tenta o possível para não carregar nas sentimentalidades e provocar choro fácil. O que não impede que o amor transborde e sintamos tanto a relação de amor e ódio de Lady Bird com sua cidade, quanto nos importemos com as brigas que ela tem com a mãe.
Greta Gerwig está cercada por atores ótimos, tanto os veteranos já citados, como dois jovens presentes em filmes marcantes do cinema americano contemporâneo: Lucas Hedges, que brilhou em MANCHESTER À BEIRA-MAR; e o genial Timothée Chalamet, que nem precisa provar mais nada para ninguém depois do que mostrou em ME CHAME PELO SEU NOME. Sem falar em jovens garotas que ainda podem se destacar futuramente, como Odeia Rush e Beanie Feldstein.
LADY BIRD - A HORA DE VOAR foi indicado ao Oscar em cinco categorias: melhor filme, melhor direção, melhor atriz (Saoirse Ronan), melhor atriz coadjuvante (Laurie Metcalf) e melhor roteiro original (Greta Gerwig).
quarta-feira, fevereiro 07, 2018
TODO O DINHEIRO DO MUNDO (All the Money in the World)
A carreira de Ridley Scott é uma das mais interessantes dentre os cineastas veteranos em atividade. São quase 30 filmes para cinema, equilibrando-se entre ficções científicas, dramas contemporâneos, fantasias e filmes de época. Muita coisa parece interessar a Scott, seja a lenda de Robin Hood, a história de Moisés atravessando o Mar Vermelho, Cristóvão Colombo, além de histórias de monstros espaciais. Em TODO O DINHEIRO DO MUNDO (2017), Scott olha para nosso mundo, para pessoas diferentes. Pessoas gananciosas, pessoas desesperadas, pessoas desesperançadas.
Como o cinema é uma excelente janela de aprendizagem, somos apresentados aqui ao então homem mais rico do mundo, o magnata John Paul Getty (Christopher Plummer), uma espécie de Tio Patinhas mais sombrio. Para ele, nada era mais importante do que o seu dinheiro. Tirar de seus trilhões de dólares 17 milhões para o resgate do seu neto sequestrado estava fora de cogitação, então.
E é essa basicamente a história. Enquanto a mãe do garoto, vivida por Michelle Williams, tenta desesperadamente conseguir até mesmo conversar com o velho avarento, ele chama um de seus empregados (Mark Wahlberg) para tentar descobrir o paradeiro do menino sem que, com isso, precise gastar muito dinheiro. O filme apresenta algumas situações bem absurdas sobre até que ponto vai a doença daquele velho de quase 90 anos.
Se o filme de Scott falha em não conseguir criar uma atmosfera de suspense dentro desse situação de estresse do sequestro do rapaz, do jeito que o filme se encaminha dá até impressão de que o cineasta queria aquele tom. De certa maneira, isso tem o seu lado positivo, já que não se transforma em um thriller banal sobre sequestro e busca, coisa que já se viu tantas vezes no cinema. Scott prefere enfatizar o conto moral sobre aquela situação absurda.
Por mais que possamos pensar que sua moral da história é simples até demais, não há problema nenhum em lembrar disso de vez em quando. Lembrar que não se leva dinheiro para a sepultura. O que parece incomodar um pouco na construção é sua estranheza no modo como costura sua trama sem personagens principais, e com uma Michelle Williams muito bem no papel da mãe desesperada, sem se descabelar ou transformar o filme em uma grande tragédia ou um grande melodrama. Até porque raramente Scott é apegado a sentimentalidades.
No mais, o tom da fotografia chama a atenção. Dá até dúvida se não é problema do projetor, de tão escura que é a imagem, em tom sépia, muito provavelmente para emular aquele ano, 1973. A escolha de Scott por esse tipo de imagem é bem curiosa, já que obras anteriores dele, como PERDIDO EM MARTE (2015) e ALIEN - COVENANT (2017), se destacavam por fotografias cristalinas, mesmo em cenas noturnas.
Uma pena que o filme seja mais lembrado pelo caso envolvendo o escândalo sexual de Kevin Spacey, que forçou Scott a substituí-lo por Plummer em um intervalo de tempo admiravelmente veloz. A tempo inclusive de participar da temporada de premiações. No caso do Oscar, apenas Christopher Plummer recebeu a única indicação, de ator coadjuvante. Não deixa de ser uma ironia.
Como o cinema é uma excelente janela de aprendizagem, somos apresentados aqui ao então homem mais rico do mundo, o magnata John Paul Getty (Christopher Plummer), uma espécie de Tio Patinhas mais sombrio. Para ele, nada era mais importante do que o seu dinheiro. Tirar de seus trilhões de dólares 17 milhões para o resgate do seu neto sequestrado estava fora de cogitação, então.
E é essa basicamente a história. Enquanto a mãe do garoto, vivida por Michelle Williams, tenta desesperadamente conseguir até mesmo conversar com o velho avarento, ele chama um de seus empregados (Mark Wahlberg) para tentar descobrir o paradeiro do menino sem que, com isso, precise gastar muito dinheiro. O filme apresenta algumas situações bem absurdas sobre até que ponto vai a doença daquele velho de quase 90 anos.
Se o filme de Scott falha em não conseguir criar uma atmosfera de suspense dentro desse situação de estresse do sequestro do rapaz, do jeito que o filme se encaminha dá até impressão de que o cineasta queria aquele tom. De certa maneira, isso tem o seu lado positivo, já que não se transforma em um thriller banal sobre sequestro e busca, coisa que já se viu tantas vezes no cinema. Scott prefere enfatizar o conto moral sobre aquela situação absurda.
Por mais que possamos pensar que sua moral da história é simples até demais, não há problema nenhum em lembrar disso de vez em quando. Lembrar que não se leva dinheiro para a sepultura. O que parece incomodar um pouco na construção é sua estranheza no modo como costura sua trama sem personagens principais, e com uma Michelle Williams muito bem no papel da mãe desesperada, sem se descabelar ou transformar o filme em uma grande tragédia ou um grande melodrama. Até porque raramente Scott é apegado a sentimentalidades.
No mais, o tom da fotografia chama a atenção. Dá até dúvida se não é problema do projetor, de tão escura que é a imagem, em tom sépia, muito provavelmente para emular aquele ano, 1973. A escolha de Scott por esse tipo de imagem é bem curiosa, já que obras anteriores dele, como PERDIDO EM MARTE (2015) e ALIEN - COVENANT (2017), se destacavam por fotografias cristalinas, mesmo em cenas noturnas.
Uma pena que o filme seja mais lembrado pelo caso envolvendo o escândalo sexual de Kevin Spacey, que forçou Scott a substituí-lo por Plummer em um intervalo de tempo admiravelmente veloz. A tempo inclusive de participar da temporada de premiações. No caso do Oscar, apenas Christopher Plummer recebeu a única indicação, de ator coadjuvante. Não deixa de ser uma ironia.
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