sábado, junho 30, 2018
CANASTRA SUJA
Cinema para quem? O que leva o circuito exibidor a tratar alguns filmes com tanto desrespeito, especialmente os brasileiros? Tudo bem que é fácil entender que a fila precisa andar, levando em consideração a quantidade gigante de lançamentos. Mas a verdade é que os filmes brasileiros não estão sendo lançados; estão sendo arremessados. Muitos desses filmes só encontram um único horário e se são lançados em cinema de shopping só duram mesmo uma semana e pronto. Não há tempo para o boca a boca. Trata-se, infelizmente, do caso de CANASTRA SUJA (2016), de Caio Sóh, cineasta que até então desconhecia, justamente por não ter seus filmes exibidos em circuito local.
O caso de CANASTRA SUJA tem gerado um clamor muito especial, pois se trata de um filme que tem despertado muitas paixões. Há, claro, o caso de algumas críticas negativas, em especial uma famosa publicada no O Globo, e que alguns dizem ser responsável por um dos fracassos comerciais do lançamento, mas há, sem dúvida, uma falha no marketing, que poderia ter sido antecipado, melhor trabalhado, já que as imagens de divulgação são de arrepiar, muito atraentes para quem não viu e muito significativas e emocionantes para quem já viu o filme.
Mas falemos do filme em si, que já começa com uma câmera subjetiva de alguém adentrando uma casa humilde. Mais tarde a história retoma a este ponto. Assim, logo em seguida, somos convidados a conhecer os dramas dos habitantes daquela casa, o pai Batista (Marco Ricca), a mãe Maria (Adriana Esteves) e os filhos jovens Emília (Bianca Bin) e Pedro (Pedro Nercessian) e a adolescente especial Ritinha (Cacá Ottoni). Entre os demais personagens importantes, há que se destacar o amigo da família Tatu (David Junior), namorado de Emília.
Batista é alcoólatra e está tentando deixar o vício, e intenciona levar o filho a seguir seus passos no trabalho de manobrista, já que o rapaz não quer saber de estudar e nem tem nenhuma formação profissional. Em clima de desgraça pouca é bobagem, mas também trazendo muito humor diante dos percalços de seus personagens, o filme vai aos poucos levando-os a uma espiral de descida aos infernos, com seus dramas cada vez mais se acentuando.
O diretor e seu elenco têm a habilidade de manter a trama cada vez mais envolvente, por vezes divertida (como não se divertir com as cenas de Pedro e Tatu em um clube muito especial?), mas por vezes devastadora. Daí as várias semelhanças que alguns críticos têm feito com a obra de Nelson Rodrigues, embora do ponto de vista do cinema possamos lembrar tanto do neorrealismo italiano quanto do cinema brasileiro dos anos 70 e 80, quando os nossos filmes tinham de fato a intenção de destoar das telenovelas no que se refere à exploração e explicitação dos problemas sociais. Aliás, falando em telenovelas, que bom que é poder ver Bianca Bin, uma atriz linda e talentosa, saindo um pouco da tevê e enriquecendo o nosso cinema.
CANASTRA SUJA foi feito de forma bastante independente. Até a distribuidora é desconhecida, provavelmente própria. O elenco ajuda com a produção e o simbolismo da cena do karaokê é representativo deste espírito de união da equipe para a realização da obra. Chegar até o final da narrativa é chegar a um ponto de extravasamento das emoções, acumuladas diante de tantas situações ruins vividas por aqueles personagens de quem aprendemos a gostar em pouco tempo de metragem. Por isso é tão fácil entender a aposta que todo o elenco fez no filme, abrindo mão de seus cachês por acreditar na proposta de Sóh. Agora é torcer por um retorno do filme aos cinemas (até no Rio de Janeiro durou só uma semana em cartaz) ou ao menos uma maior visibilidade nos serviços de streaming. O importante é que este filme seja visto.
+ TRÊS FILMES
TALVEZ UMA HISTÓRIA DE AMOR
O ponto de partida é até interessante, sobre rapaz que descobre que uma mulher de quem ele não se lembra e deixou um recado na secretária eletrônica pode ser o amor de sua vida, mas infelizmente o filme não se sustenta quando parte para os finalmentes. Mas enquanto fica o mistério em torno da tal mulher da vida do protagonista (Mateus Solano) até que é divertido. Direção: Rodrigo Bernardo. Ano: 2018.
TUNGSTÊNIO
Não li a HQ e não sei o quanto de fidelidade há nesta adaptação, mas acho que há muitos acertos na narrativa e na condução dos diálogos e da trama, mesmo com alguns personagens sendo mal resolvidos, como a mulher do policial vivido pelo Fabrício Boliveira. Destaque também para a rica composição visual. Direção: Heitor Dhalia. Ano: 2018.
PARA TER ONDE IR
É um filme que tem os seus melhores momentos quando tateia o seu rumo, quando parece à deriva. Quando começa a mostrar de maneira mais clara os problemas de suas protagonistas começa a ficar mais falho. Mas gosto muito de passagens poéticas, da atmosfera, de algo que às vezes aproxima o filme de um Kiarostami, e das cenas noturnas. E não é todo dia que a gente é apresentado ao Pará. Direção: Jorane Castro. Ano: 2016.
sábado, junho 23, 2018
HEREDITÁRIO (Hereditary)
Há quem reclame do chamado pós-horror, dos filmes que tentam fugir dos clichês do gênero e apresentar novas experiências aos espectadores. Sabemos que um filme de horror tradicional, quando bem-feito, passa uma agradável sensação de familiaridade. Uma cena com chuvas, trovões, uma casa escura e algum fantasma ou monstro prestes a atacar e dar um baita susto no espectador passou a ser elemento de diversão. Mas também passou a se tornar algo batido.
Por isso, e se o cineasta não tiver a intenção de fazer algo divertido? Se ele quiser realmente tocar o terror, fazer algo que deixe o espectador incomodado, como William Friedkin fez em O EXORCISTA ou Roman Polanksi fez em O BEBÊ DE ROSEMARY? Ou ainda, trazendo para um momento recente: como Robert Eggers fez em A BRUXA? E aqui temos a mesma produtora do filme de Eggers, A24, apostando as fichas em outro cineasta estreante e talentoso.
Quando HEREDITÁRIO (2018) começa, já nas primeiras cenas, percebemos que a direção de Ari Aster é brilhante. No início, somos mostrados a uma casa de bonecas, que logo perceberemos será o cenário da casa onde se passará a maior parte da ação. A sensação de que aquela casa e aquelas pessoas são fantoches do destino ou de um deus maior já começa a cutucar a nossa imaginação.
Temos uma família se preparando para o funeral de uma matriarca. A família é formada pelos pais Annie (Toni Collette) e Steve (Gabriel Byrne) e pelos filhos adolescentes Peter (Alex Wolff) e Charlie (Millie Shapiro, que tem uma aparência acentuada por uma maquiagem, de modo a torná-la fisicamente estranha). Logo no funeral, sabemos que a falecida matriarca não era uma pessoa fácil, mas só aos poucos saberemos mais detalhes de sua relação com os demais.
Boa parte da metragem de HEREDITÁRIO tem o objetivo de construir uma dramaticidade forte o suficiente para que nos importemos ou até mesmo nos identifiquemos com os personagens. É provável que algum espectador já tenha se sentido "ok" depois da morte de um familiar. E também é provável que o mesmo espectador tenha sentido uma vontade enorme de morrer depois da morte de um ente querido. As duas situações são apresentadas.
Quando HEREDITÁRIO muda de tom e traz elementos sobrenaturais para sua trama, o drama dos personagens já está suficientemente solidificado. Ainda assim, há uma sensação de grande estranhamento com essa mudança. De repente, mudamos de um drama familiar narrado de maneira sutil para algo semelhante a um filme de horror dos anos 1970, inclusive na fotografia. Mas esse aspecto híbrido faz parte do charme do trabalho de Aster.
Vale dizer que o melhor para o espectador é ver o filme sem ter lido nada a respeito, principalmente se o texto já sugerir alguma cena chocante - como eu acabei de sugerir aqui. Há em HEREDITÁRIO um tipo de cena que fica guardada como um trauma gigante em nossa mente. É quando vemos que Ari Aster não está ali para brincadeira.
Não há como não mencionar a extraordinária interpretação de Toni Collette. A atriz é uma espécie de invólucro para a entrada de uma personagem que vai de alguém triste para alguém transtornada, totalmente desesperada e sofrida e depois para alguém possuída. E já que chegamos a este adjetivo ("possuída"), sim, o filme possui cenas de horror de arrepiar usando alguns dos clichês do gênero, mas sem nunca abusar do som para assustar. A força das imagens é suficiente, junto com a força da interpretação de Collette e dos demais atores e da direção segura e elegante de Aster.
O final pode ser um pouco confuso, mas só nos faz querer ver o filme mais uma vez. Há algo que temos que até pode ser considerado masoquismo, mas não é todo dia que vemos algo que une o sublime com o perturbador.
+ TRÊS FILMES
VERDADE OU DESAFIO (Truth or Dare)
Mais um exemplo de um filme de terror contemporâneo que quer construir seu enredo a partir de uma premissa curiosa, que poderia render algo de bom. Pena que não é o caso deste filme, que até tem os seus momentos, mas é beem fraco, principalmente quando se aproxima de sua conclusão. Acho que até daria pra ter usado mais a criatividade usando a premissa do "truth or dare". Direção: Jeff Wadlow. Ano: 2018.
A NOITE DEVOROU O MUNDO (La Nuit a Dévoré le Monde)
Um filme de zumbis "sobre nada". Legal que a subcategoria ganhou um exemplar diferente. Não amei o filme, mas ele fica com a gente após a sessão. Senti que as metáforas estão mais para a filosofia do que para a política. Participação especial de Denis Lavant. Direção: Dominique Rocher. Ano: 2018.
O NÓ DO DIABO
Bem irregular, como é natural dizer desses filmes em segmentos. Gosto muito do segundo e do terceiro segmentos. Os outros, gosto com restrições. O segundo, do Gabriel Martins, é bem poderoso. Muito bom todos serem todos relativos ao tema da escravidão e do racismo no Brasil. Direção: Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhesus Tribuzi. Ano: 2017.
Por isso, e se o cineasta não tiver a intenção de fazer algo divertido? Se ele quiser realmente tocar o terror, fazer algo que deixe o espectador incomodado, como William Friedkin fez em O EXORCISTA ou Roman Polanksi fez em O BEBÊ DE ROSEMARY? Ou ainda, trazendo para um momento recente: como Robert Eggers fez em A BRUXA? E aqui temos a mesma produtora do filme de Eggers, A24, apostando as fichas em outro cineasta estreante e talentoso.
Quando HEREDITÁRIO (2018) começa, já nas primeiras cenas, percebemos que a direção de Ari Aster é brilhante. No início, somos mostrados a uma casa de bonecas, que logo perceberemos será o cenário da casa onde se passará a maior parte da ação. A sensação de que aquela casa e aquelas pessoas são fantoches do destino ou de um deus maior já começa a cutucar a nossa imaginação.
Temos uma família se preparando para o funeral de uma matriarca. A família é formada pelos pais Annie (Toni Collette) e Steve (Gabriel Byrne) e pelos filhos adolescentes Peter (Alex Wolff) e Charlie (Millie Shapiro, que tem uma aparência acentuada por uma maquiagem, de modo a torná-la fisicamente estranha). Logo no funeral, sabemos que a falecida matriarca não era uma pessoa fácil, mas só aos poucos saberemos mais detalhes de sua relação com os demais.
Boa parte da metragem de HEREDITÁRIO tem o objetivo de construir uma dramaticidade forte o suficiente para que nos importemos ou até mesmo nos identifiquemos com os personagens. É provável que algum espectador já tenha se sentido "ok" depois da morte de um familiar. E também é provável que o mesmo espectador tenha sentido uma vontade enorme de morrer depois da morte de um ente querido. As duas situações são apresentadas.
Quando HEREDITÁRIO muda de tom e traz elementos sobrenaturais para sua trama, o drama dos personagens já está suficientemente solidificado. Ainda assim, há uma sensação de grande estranhamento com essa mudança. De repente, mudamos de um drama familiar narrado de maneira sutil para algo semelhante a um filme de horror dos anos 1970, inclusive na fotografia. Mas esse aspecto híbrido faz parte do charme do trabalho de Aster.
Vale dizer que o melhor para o espectador é ver o filme sem ter lido nada a respeito, principalmente se o texto já sugerir alguma cena chocante - como eu acabei de sugerir aqui. Há em HEREDITÁRIO um tipo de cena que fica guardada como um trauma gigante em nossa mente. É quando vemos que Ari Aster não está ali para brincadeira.
Não há como não mencionar a extraordinária interpretação de Toni Collette. A atriz é uma espécie de invólucro para a entrada de uma personagem que vai de alguém triste para alguém transtornada, totalmente desesperada e sofrida e depois para alguém possuída. E já que chegamos a este adjetivo ("possuída"), sim, o filme possui cenas de horror de arrepiar usando alguns dos clichês do gênero, mas sem nunca abusar do som para assustar. A força das imagens é suficiente, junto com a força da interpretação de Collette e dos demais atores e da direção segura e elegante de Aster.
O final pode ser um pouco confuso, mas só nos faz querer ver o filme mais uma vez. Há algo que temos que até pode ser considerado masoquismo, mas não é todo dia que vemos algo que une o sublime com o perturbador.
+ TRÊS FILMES
VERDADE OU DESAFIO (Truth or Dare)
Mais um exemplo de um filme de terror contemporâneo que quer construir seu enredo a partir de uma premissa curiosa, que poderia render algo de bom. Pena que não é o caso deste filme, que até tem os seus momentos, mas é beem fraco, principalmente quando se aproxima de sua conclusão. Acho que até daria pra ter usado mais a criatividade usando a premissa do "truth or dare". Direção: Jeff Wadlow. Ano: 2018.
A NOITE DEVOROU O MUNDO (La Nuit a Dévoré le Monde)
Um filme de zumbis "sobre nada". Legal que a subcategoria ganhou um exemplar diferente. Não amei o filme, mas ele fica com a gente após a sessão. Senti que as metáforas estão mais para a filosofia do que para a política. Participação especial de Denis Lavant. Direção: Dominique Rocher. Ano: 2018.
O NÓ DO DIABO
Bem irregular, como é natural dizer desses filmes em segmentos. Gosto muito do segundo e do terceiro segmentos. Os outros, gosto com restrições. O segundo, do Gabriel Martins, é bem poderoso. Muito bom todos serem todos relativos ao tema da escravidão e do racismo no Brasil. Direção: Ramon Porto Mota, Gabriel Martins, Ian Abé e Jhesus Tribuzi. Ano: 2017.
segunda-feira, junho 11, 2018
AS BOAS MANEIRAS
A pouca popularidade de uma literatura fantástica feita no Brasil, pelo menos dentre os grandes escritores, e em comparação com o que se fez nos Estados Unidos e na Inglaterra, acabou por ricochetear em nosso cinema, que até tem bem mais títulos de horror e afins do que muitos imaginam, mas que ainda tem um apelo mais para o realismo e para a comédia.
Talvez por isso ainda haja essa resistência ao cinema fantástico por parte do público médio, que vê com olhos ressabiados as nossas investidas no gênero. Principalmente quando elas se mostram cada vez mais explícitas. E o salto que a dupla Juliana Rojas e Marco Dutra dá do suspense psicológico de TRABALHAR CANSA (2011) para a fábula de terror AS BOAS MANEIRAS (2017) é bem grande. Se bem que pelo meio do caminho Marco Dutra nos presenteou com um belíssimo filme de possessão e casa assombrada, QUANDO EU ERA VIVO (2014).
AS BOAS MANEIRAS ainda assim é uma obra híbrida, que não se furta em colocar elementos que podem parecer corpos estranhos dentro do que se espera de uma história de lobisomem, como cenas em que alguns personagens começam a cantar, lembrando outra produção do coletivo Filmes do Caixote, o drama musical O QUE SE MOVE (2012), de Caetano Gotardo. Aliás, aqui também temos Cida Moreira cantando e atuando.
O fato de ser um filme que é visivelmente dividido em lado A e lado B até poderia passar a ideia de que poderia ser lançado em duas partes. Inclusive pela duração um tanto longa e pelo ritmo que começa a se tornar um leve problema durante o lado B.
No começo da trama, Clara (Isabél Zuaa, que conquistou muitos fãs com sua performance de mulher intensa e forte em JOAQUIM) vai pedir emprego de babá na casa de Ana (Marjorie Estiano, excelente). Ana procura uma pessoa que também cuide dela nos primeiros estágios da gravidez; que cuide da casa, inclusive. Clara, que precisa de dinheiro com urgência, aceita, e começa a haver uma relação de cada vez maior proximidade entre as duas. Uma proximidade que une tanto a carência afetiva quanto o gosto de Clara por mulheres.
Aos poucos, e de maneira deliciosa, vamos compreendendo a situação de Ana, seu misterioso gosto por carne, as dores grandes que sente na gestação e também somos apresentados à história de quando ela engravidou. A relação entre Ana e Clara é tão bela e singular que quando o filme parte para novos rumos se torna difícil não sentir falta dessa primeira parte.
Mas a segunda parte tem o grande mérito de ser ainda mais corajosa em assumir explicitamente o cinema de horror, homenageando o clássico UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, de John Landis. Antes disso, o filme faria possíveis homenagens a FILHOS DO MEDO, de David Cronenberg, e NASCE UM MONSTRO, de Larry Cohen, entre outras.
Mas o curioso de tudo isso é que, apesar dessas homenagens, AS BOAS MANEIRAS tem uma brasilidade muito própria, com cenas acontecendo nas festas juninas e em um cenário de uma São Paulo próxima do gótico, com a força da lua sempre sendo um elemento presente. A fotografia linda é de autoria do português Rui Poças, conhecido por obras tão belas e distintas quanto TABU, O ORNITÓLOGO e SEVERINA.
Do ponto de vista humano, o filme também conquista desde o começo. Tanto nas relações de afeto entre Clara e Ana, quanto nas relações de mãe e filho entre Clara e o menino Joel (Miguel Lobo). O pequeno Joel, dada sua condição de lobo, precisa se submeter a certos sacrifícios.
E é até possível que o espectador saia um pouco contrariado da sessão de AS BOAS MANEIRAS. E é possível que esse mesmo espectador não perceba que ver uma obra como esta no cinema é um privilégio e tanto. E que tal filme ficará em suas lembranças por muitos anos.
+ TRÊS FILMES
TODOS OS PAULOS DO MUNDO
Acaba seguindo meio que uma fórmula adotada recentemente no documentário brasileiro de mostrar cenas dos filmes mais representativos do homenageado. No caso de Paulo José, nada mais justo, e os filmes são bem legais. Tem Khouri, tem Joaquim, tem Domingos, e mais um bocado de coisas. Ainda achei que faltou mais do homem Paulo em Todos os Paulos. Direção: Rodrigo de Oliveira e Gustavo Ribeiro. Ano: 2017.
CONSTRUINDO PONTES
A diretora parece que se perdeu pelo caminho e se não sabia onde queria chegar. Acabou terminando o filme do jeito que o destino deu. Não deixa de ser irritante também seu debate com o pai defensor dos militares. O problema é que ela não tinha poder de argumentação e o velho saía ganhando sempre com tranquilidade. Direção: Heloísa Passos. Ano: 2017.
ROGÉRIO DUARTE, O TROPIKAOSLISTA
Um dos melhores dessa safra de filmes que tratam de resgatar figuras históricas do Tropicalismo. Achei este ROGÉRIO DUARTE ainda melhor resolvido do que o sobre Torquato Neto. Mais redondo. E o personagem do Rogério é fascinante. Tenho certeza que muita coisa boa ficou de fora do corte final. Direção: José Walter Lima. Ano: 2016.
Talvez por isso ainda haja essa resistência ao cinema fantástico por parte do público médio, que vê com olhos ressabiados as nossas investidas no gênero. Principalmente quando elas se mostram cada vez mais explícitas. E o salto que a dupla Juliana Rojas e Marco Dutra dá do suspense psicológico de TRABALHAR CANSA (2011) para a fábula de terror AS BOAS MANEIRAS (2017) é bem grande. Se bem que pelo meio do caminho Marco Dutra nos presenteou com um belíssimo filme de possessão e casa assombrada, QUANDO EU ERA VIVO (2014).
AS BOAS MANEIRAS ainda assim é uma obra híbrida, que não se furta em colocar elementos que podem parecer corpos estranhos dentro do que se espera de uma história de lobisomem, como cenas em que alguns personagens começam a cantar, lembrando outra produção do coletivo Filmes do Caixote, o drama musical O QUE SE MOVE (2012), de Caetano Gotardo. Aliás, aqui também temos Cida Moreira cantando e atuando.
O fato de ser um filme que é visivelmente dividido em lado A e lado B até poderia passar a ideia de que poderia ser lançado em duas partes. Inclusive pela duração um tanto longa e pelo ritmo que começa a se tornar um leve problema durante o lado B.
No começo da trama, Clara (Isabél Zuaa, que conquistou muitos fãs com sua performance de mulher intensa e forte em JOAQUIM) vai pedir emprego de babá na casa de Ana (Marjorie Estiano, excelente). Ana procura uma pessoa que também cuide dela nos primeiros estágios da gravidez; que cuide da casa, inclusive. Clara, que precisa de dinheiro com urgência, aceita, e começa a haver uma relação de cada vez maior proximidade entre as duas. Uma proximidade que une tanto a carência afetiva quanto o gosto de Clara por mulheres.
Aos poucos, e de maneira deliciosa, vamos compreendendo a situação de Ana, seu misterioso gosto por carne, as dores grandes que sente na gestação e também somos apresentados à história de quando ela engravidou. A relação entre Ana e Clara é tão bela e singular que quando o filme parte para novos rumos se torna difícil não sentir falta dessa primeira parte.
Mas a segunda parte tem o grande mérito de ser ainda mais corajosa em assumir explicitamente o cinema de horror, homenageando o clássico UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, de John Landis. Antes disso, o filme faria possíveis homenagens a FILHOS DO MEDO, de David Cronenberg, e NASCE UM MONSTRO, de Larry Cohen, entre outras.
Mas o curioso de tudo isso é que, apesar dessas homenagens, AS BOAS MANEIRAS tem uma brasilidade muito própria, com cenas acontecendo nas festas juninas e em um cenário de uma São Paulo próxima do gótico, com a força da lua sempre sendo um elemento presente. A fotografia linda é de autoria do português Rui Poças, conhecido por obras tão belas e distintas quanto TABU, O ORNITÓLOGO e SEVERINA.
Do ponto de vista humano, o filme também conquista desde o começo. Tanto nas relações de afeto entre Clara e Ana, quanto nas relações de mãe e filho entre Clara e o menino Joel (Miguel Lobo). O pequeno Joel, dada sua condição de lobo, precisa se submeter a certos sacrifícios.
E é até possível que o espectador saia um pouco contrariado da sessão de AS BOAS MANEIRAS. E é possível que esse mesmo espectador não perceba que ver uma obra como esta no cinema é um privilégio e tanto. E que tal filme ficará em suas lembranças por muitos anos.
+ TRÊS FILMES
TODOS OS PAULOS DO MUNDO
Acaba seguindo meio que uma fórmula adotada recentemente no documentário brasileiro de mostrar cenas dos filmes mais representativos do homenageado. No caso de Paulo José, nada mais justo, e os filmes são bem legais. Tem Khouri, tem Joaquim, tem Domingos, e mais um bocado de coisas. Ainda achei que faltou mais do homem Paulo em Todos os Paulos. Direção: Rodrigo de Oliveira e Gustavo Ribeiro. Ano: 2017.
CONSTRUINDO PONTES
A diretora parece que se perdeu pelo caminho e se não sabia onde queria chegar. Acabou terminando o filme do jeito que o destino deu. Não deixa de ser irritante também seu debate com o pai defensor dos militares. O problema é que ela não tinha poder de argumentação e o velho saía ganhando sempre com tranquilidade. Direção: Heloísa Passos. Ano: 2017.
ROGÉRIO DUARTE, O TROPIKAOSLISTA
Um dos melhores dessa safra de filmes que tratam de resgatar figuras históricas do Tropicalismo. Achei este ROGÉRIO DUARTE ainda melhor resolvido do que o sobre Torquato Neto. Mais redondo. E o personagem do Rogério é fascinante. Tenho certeza que muita coisa boa ficou de fora do corte final. Direção: José Walter Lima. Ano: 2016.
sábado, junho 02, 2018
TULLY
Há quem já tenha passado pela transição dos vinte para os trinta anos e ainda não tenha percebido nenhuma mudança. Mas a pessoa há de perceber, mais cedo ou mais tarde. E TULLY (2018), terceira parceria do cineasta Jason Reitman com a roteirista Diablo Cody, vem trazer o interessante assunto à discussão. Aliás, isso já havia sido discutido em JOVENS ADULTOS (2011), uma visão um tanto pessimista sobre a vida e suas decepções.
Porém, se Charlize Theron procura manter as aparências em JOVENS ADULTOS, em TULLY isso deixa de ser uma preocupação, até por que o nível de depressão é muito mais acentuado. Ela é Marlo, uma mulher grávida do terceiro filho, com um marido que não se esforça tanto para ajudá-la e com muito pouco ânimo para dar conta de tudo. Seu cansaço parece aumentar ainda mais depois do parto. O filme não deixa claro se a personagem está com depressão pós-parto - assim como não define a doença do filho que parece autista - mas o que vemos na tela é o suficiente para entendermos que se trata de uma mulher que precisa de ajuda.
O irmão bem-sucedido financeiramente dá a ideia de que ela pode descansar mais se aceitar a contratação de uma espécie de baby sitter noturna, uma garota que ficaria cuidando da filha, enquanto ela descansaria. E a entrada em cena de Tully (Mackenzie Davis), que dá título ao filme, já passa essa impressão de que Marlo e seu recém-nascido bebê estão em boas mãos. Tanto é que dá até um pouco de inveja da personagem: "quero uma Tully pra mim também", pensei, enquanto assistia ao filme.
E tudo vai fazendo mais sentido com as conversas que elas têm nos poucos momentos que são registrados na narrativa. A presença mágica de Tully, inclusive para arrumar a casa, faz toda a diferença no humor da protagonista, trazendo uma renovação de forças para Marlo. A diferença de idade das duas e o fato de Tully ter 26 anos e não ter casado ainda e de parecer ter respostar boas e positivas para sua vida faz com que pensemos no quanto perdemos à medida que deixamos a casa dos twenties.
Sei que isso pode ser uma visão pessimista da vida, mas a própria decadência do corpo concorda com isso e com a tese do filme, embora as coisas possam ser vistas por um prisma diferente, e é provavelmente o motivo de Tully ter surgido na vida de Marlo. Há quem vá achar que a revelação final diminua o filme, mas sou desses que acredita que quanto mais clara a obra for, principalmente neste caso, a discussão sobre os assuntos mais importantes serão muito mais enfatizadas, em vez de uma busca por entender uma obra cheia de enigmas ou coisas do tipo.
Assim, o que dói no espectador que tem mais de trinta ou quarenta ou cinquenta anos ao ver o filme é o quanto ele também quer ter de volta aquele contato com o seu eu dos vinte e tantos anos. Não apenas um contato como uma aparição, mas como uma espécie de simbiose de corpos e mentes, para que possamos seguir em frente com mais força, mais vigor e mais esperança no que há de vir. Além de repensar, com gratidão (por que não?), o nosso presente, por mais complicado que ele esteja.
+ TRÊS FILMES
ELLA E JOHN (The Leisure Seeker)
Road movie sentimental da terceira idade que traz junto o tema do Mal de Alzheimer. O casal de protagonistas (Helen Mirren e Donald Sutherland) segura o filme que é uma beleza. E há uma simpatia do filme em si que ajuda a conquistar o espectador com facilidade. Direção: Paolo Virzì. Ano: 2017.
TUDO QUE QUERO (Please Stand By)
Belo e tocante filme sobre jovem autista enfrentando um desafio e tanto pra ela. O diretor de AS SESSÕES (2012), filme que adoro, tem a sensibilidade de nos deixar próximos do sentimento de fragilidade e coragem da protagonista (Dakota Fanning). Direção: Ben Lewin. Ano: 2017.
TEU MUNDO NÃO CABE NOS MEUS OLHOS
É melhor do que eu esperava. Há um interessante apego/carinho pelo registro do melodrama. Pena que muitas escolhas da direção não funcionam e como eu vi em uma sala com problema de projeção (estava bem escura), fiquei com a impressão de ser uma produção ainda mais pobre do que é. Edson Celulari até que está bem como o cego. Direção: Paulo Nascimento. Ano: 2018.
Porém, se Charlize Theron procura manter as aparências em JOVENS ADULTOS, em TULLY isso deixa de ser uma preocupação, até por que o nível de depressão é muito mais acentuado. Ela é Marlo, uma mulher grávida do terceiro filho, com um marido que não se esforça tanto para ajudá-la e com muito pouco ânimo para dar conta de tudo. Seu cansaço parece aumentar ainda mais depois do parto. O filme não deixa claro se a personagem está com depressão pós-parto - assim como não define a doença do filho que parece autista - mas o que vemos na tela é o suficiente para entendermos que se trata de uma mulher que precisa de ajuda.
O irmão bem-sucedido financeiramente dá a ideia de que ela pode descansar mais se aceitar a contratação de uma espécie de baby sitter noturna, uma garota que ficaria cuidando da filha, enquanto ela descansaria. E a entrada em cena de Tully (Mackenzie Davis), que dá título ao filme, já passa essa impressão de que Marlo e seu recém-nascido bebê estão em boas mãos. Tanto é que dá até um pouco de inveja da personagem: "quero uma Tully pra mim também", pensei, enquanto assistia ao filme.
E tudo vai fazendo mais sentido com as conversas que elas têm nos poucos momentos que são registrados na narrativa. A presença mágica de Tully, inclusive para arrumar a casa, faz toda a diferença no humor da protagonista, trazendo uma renovação de forças para Marlo. A diferença de idade das duas e o fato de Tully ter 26 anos e não ter casado ainda e de parecer ter respostar boas e positivas para sua vida faz com que pensemos no quanto perdemos à medida que deixamos a casa dos twenties.
Sei que isso pode ser uma visão pessimista da vida, mas a própria decadência do corpo concorda com isso e com a tese do filme, embora as coisas possam ser vistas por um prisma diferente, e é provavelmente o motivo de Tully ter surgido na vida de Marlo. Há quem vá achar que a revelação final diminua o filme, mas sou desses que acredita que quanto mais clara a obra for, principalmente neste caso, a discussão sobre os assuntos mais importantes serão muito mais enfatizadas, em vez de uma busca por entender uma obra cheia de enigmas ou coisas do tipo.
Assim, o que dói no espectador que tem mais de trinta ou quarenta ou cinquenta anos ao ver o filme é o quanto ele também quer ter de volta aquele contato com o seu eu dos vinte e tantos anos. Não apenas um contato como uma aparição, mas como uma espécie de simbiose de corpos e mentes, para que possamos seguir em frente com mais força, mais vigor e mais esperança no que há de vir. Além de repensar, com gratidão (por que não?), o nosso presente, por mais complicado que ele esteja.
+ TRÊS FILMES
ELLA E JOHN (The Leisure Seeker)
Road movie sentimental da terceira idade que traz junto o tema do Mal de Alzheimer. O casal de protagonistas (Helen Mirren e Donald Sutherland) segura o filme que é uma beleza. E há uma simpatia do filme em si que ajuda a conquistar o espectador com facilidade. Direção: Paolo Virzì. Ano: 2017.
TUDO QUE QUERO (Please Stand By)
Belo e tocante filme sobre jovem autista enfrentando um desafio e tanto pra ela. O diretor de AS SESSÕES (2012), filme que adoro, tem a sensibilidade de nos deixar próximos do sentimento de fragilidade e coragem da protagonista (Dakota Fanning). Direção: Ben Lewin. Ano: 2017.
TEU MUNDO NÃO CABE NOS MEUS OLHOS
É melhor do que eu esperava. Há um interessante apego/carinho pelo registro do melodrama. Pena que muitas escolhas da direção não funcionam e como eu vi em uma sala com problema de projeção (estava bem escura), fiquei com a impressão de ser uma produção ainda mais pobre do que é. Edson Celulari até que está bem como o cego. Direção: Paulo Nascimento. Ano: 2018.
sexta-feira, junho 01, 2018
PARAÍSO PERDIDO
Os musicais começaram a bombar nos Estados Unidos durante o período da chamada Grande Depressão, na virada dos anos 1920 para 1930, aproveitando o advento do cinema sonoro. Ir ver um musical tinha, portanto, um simbolismo imenso: a necessidade de encontrar uma espécie de oásis em meio à turbulência do mundo lá fora.
É assim que José, o personagem de Erasmo Carlos, proprietário da boate Paraíso Perdido, oferece àqueles que lá estão: esqueçam todos os seus problemas, esqueçam sua vida lá fora, bem-vindos ao Paraíso Perdido. Mais ou menos isso. E, de fato, o que experimentamos ao longo da duração do novo trabalho de Monique Gardenberg é mesmo o de quase duas horas de trégua da dura vida.
Não só isso: PARAÍSO PERDIDO (2018), sendo também um musical, não tem a preocupação de ser fiel no campo do naturalismo das atuações e nem de fazer sentido em sua complicada trama familiar. As cores da fotografia, o gosto pelo brega e o respeito imenso ao amor (homo ou hetero) facilitam uma identificação com o cinema de Pedro Almodóvar, mas as canções, a maioria delas classificadas por muitos como bregas, são muito brasileiras, o que torna este trabalho muito nosso.
Como não gostar de um filme que já começa com uma bela interpretação de "Impossível acreditar que perdi você", de Márcio Greyck? E a música tem até mais espaço do que a fala ao longo da narrativa. A música, além de muito querida por todos os personagens, é parte integrante e fundamental para que a experiência de ver o filme seja arrebatadora, com vários momentos de arrepiar, em especial quem não tem preconceito com canções mais populares e mais carregadas nas emoções.
Assim, há espaço para canções de Reginaldo Rossi, Odair José, Waldick Soriano, Belchior, Zé Ramalho fazendo cover de Bob Dylan, Gilliard, Roberto e Erasmo e até o jovem Johnny Hooker. As melhores interpretações são as de Julio Andrade. Talvez o melhor ator de sua geração, Andrade dá um show também na hora de subir no palco. O que dizer quando ele sobe para tocar "Não creio em mais nada", de Paulo Sérgio? É mais para sentir, talvez chorar, e se deliciar com tudo aquilo. E o respeito com todo esse material que é explorado é lindo.
Além de Andrade, há também interpretações belas de Seu Jorge (quem diria que um cantor seria passado para trás por um ator), por Jaloo, por Marjorie Estiano e pelo próprio Erasmo Carlos. Sua presença ali é mais do que simbólica. Parceiro do Rei e influência direta na formação da maioria dos cantores românticos da década de 1970, o Tremendão não precisa se esforçar para cantar bem. Basta estar lá e cantar uma das faixas.
Ele é o patriarca de uma família um pouco problemática e que comanda aquele espaço paradisíaco noturno. À família somos apresentados através do personagem do policial Odair (Lee Taylor), que é convidado para ser o guarda-costas do neto que se apresenta travestido nos shows. Odair aceita, encantado com aquele lugar. Não demora para descobrirmos que há uma estreita ligação entre ele e aquela família.
Transbordando amor por todos os lados, PARAÍSO PERDIDO tem suas quase duas horas de música, intrigas amorosas e traumas do passado plenamente abraçados pela audiência, em uma experiência catártica poucas vezes vista no cinema brasileiro, no que se refere ao uso da música. Além de resgatar a música sentimental do passado, o trabalho mais belo de Monique Gardenberg tem uma elegância no uso dos movimentos de câmera, dos campos e contracampos tão bem usados nas cenas de apresentações na boate (destaque para a cena em que uma personagem informa estar grávida usando libras) e uma direção de arte e uma fotografia em tons quentes. Um dos melhores acontecimentos deste estranho e sombrio ano. Celebremos, portanto.
+ TRÊS FILMES
ANTES QUE EU ME ESQUEÇA
Esperava mais deste filme. Mas gosto da honestidade, do fato de não ter medo de abraçar o melodrama, mas me incomoda um pouco o humor que poucas vezes funciona. Ainda assim, para um filme sobre Alzheimer, até que é bem feel good e trabalha bem a questão da reaproximação entre pai e filho. Direção: Tiago Arakilian. Ano: 2018.
ALGUÉM COMO EU
É desses filmes que faz a gente sentir uma saudade enorme das comédias brasileiras dos anos 70/80. Até as produções para a televisão da Globo sabem explorar melhor a beleza de Paolla Oliveira. Além do mais, a própria ideia, além de parecer ruim, é pessimamente explorada. Mas gosto dos 15 minutos iniciais do filme, ao menos. Direção: Leonel Vieira. Ano: 2017.
TROPYKAOS
Acho que é um filme mais interessante do que exatamente bom. Mas não deixa de ser uma obra que fica na memória, que incomoda devido ao pesadelo do protagonista, vivendo um calor intenso. Gosto dos personagens do amigo viciado em crack e da namorada. A cena com a mãe também é muito boa. Direção: Daniel Lisboa. Ano: 2016.
É assim que José, o personagem de Erasmo Carlos, proprietário da boate Paraíso Perdido, oferece àqueles que lá estão: esqueçam todos os seus problemas, esqueçam sua vida lá fora, bem-vindos ao Paraíso Perdido. Mais ou menos isso. E, de fato, o que experimentamos ao longo da duração do novo trabalho de Monique Gardenberg é mesmo o de quase duas horas de trégua da dura vida.
Não só isso: PARAÍSO PERDIDO (2018), sendo também um musical, não tem a preocupação de ser fiel no campo do naturalismo das atuações e nem de fazer sentido em sua complicada trama familiar. As cores da fotografia, o gosto pelo brega e o respeito imenso ao amor (homo ou hetero) facilitam uma identificação com o cinema de Pedro Almodóvar, mas as canções, a maioria delas classificadas por muitos como bregas, são muito brasileiras, o que torna este trabalho muito nosso.
Como não gostar de um filme que já começa com uma bela interpretação de "Impossível acreditar que perdi você", de Márcio Greyck? E a música tem até mais espaço do que a fala ao longo da narrativa. A música, além de muito querida por todos os personagens, é parte integrante e fundamental para que a experiência de ver o filme seja arrebatadora, com vários momentos de arrepiar, em especial quem não tem preconceito com canções mais populares e mais carregadas nas emoções.
Assim, há espaço para canções de Reginaldo Rossi, Odair José, Waldick Soriano, Belchior, Zé Ramalho fazendo cover de Bob Dylan, Gilliard, Roberto e Erasmo e até o jovem Johnny Hooker. As melhores interpretações são as de Julio Andrade. Talvez o melhor ator de sua geração, Andrade dá um show também na hora de subir no palco. O que dizer quando ele sobe para tocar "Não creio em mais nada", de Paulo Sérgio? É mais para sentir, talvez chorar, e se deliciar com tudo aquilo. E o respeito com todo esse material que é explorado é lindo.
Além de Andrade, há também interpretações belas de Seu Jorge (quem diria que um cantor seria passado para trás por um ator), por Jaloo, por Marjorie Estiano e pelo próprio Erasmo Carlos. Sua presença ali é mais do que simbólica. Parceiro do Rei e influência direta na formação da maioria dos cantores românticos da década de 1970, o Tremendão não precisa se esforçar para cantar bem. Basta estar lá e cantar uma das faixas.
Ele é o patriarca de uma família um pouco problemática e que comanda aquele espaço paradisíaco noturno. À família somos apresentados através do personagem do policial Odair (Lee Taylor), que é convidado para ser o guarda-costas do neto que se apresenta travestido nos shows. Odair aceita, encantado com aquele lugar. Não demora para descobrirmos que há uma estreita ligação entre ele e aquela família.
Transbordando amor por todos os lados, PARAÍSO PERDIDO tem suas quase duas horas de música, intrigas amorosas e traumas do passado plenamente abraçados pela audiência, em uma experiência catártica poucas vezes vista no cinema brasileiro, no que se refere ao uso da música. Além de resgatar a música sentimental do passado, o trabalho mais belo de Monique Gardenberg tem uma elegância no uso dos movimentos de câmera, dos campos e contracampos tão bem usados nas cenas de apresentações na boate (destaque para a cena em que uma personagem informa estar grávida usando libras) e uma direção de arte e uma fotografia em tons quentes. Um dos melhores acontecimentos deste estranho e sombrio ano. Celebremos, portanto.
+ TRÊS FILMES
ANTES QUE EU ME ESQUEÇA
Esperava mais deste filme. Mas gosto da honestidade, do fato de não ter medo de abraçar o melodrama, mas me incomoda um pouco o humor que poucas vezes funciona. Ainda assim, para um filme sobre Alzheimer, até que é bem feel good e trabalha bem a questão da reaproximação entre pai e filho. Direção: Tiago Arakilian. Ano: 2018.
ALGUÉM COMO EU
É desses filmes que faz a gente sentir uma saudade enorme das comédias brasileiras dos anos 70/80. Até as produções para a televisão da Globo sabem explorar melhor a beleza de Paolla Oliveira. Além do mais, a própria ideia, além de parecer ruim, é pessimamente explorada. Mas gosto dos 15 minutos iniciais do filme, ao menos. Direção: Leonel Vieira. Ano: 2017.
TROPYKAOS
Acho que é um filme mais interessante do que exatamente bom. Mas não deixa de ser uma obra que fica na memória, que incomoda devido ao pesadelo do protagonista, vivendo um calor intenso. Gosto dos personagens do amigo viciado em crack e da namorada. A cena com a mãe também é muito boa. Direção: Daniel Lisboa. Ano: 2016.
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