terça-feira, fevereiro 04, 2014

QUANDO EU ERA VIVO























Já faz algum tempo que uma nova geração de cineastas vem tentando trazer de volta o cinema de gênero, mais especificamente o filme de horror, para o cinema brasileiro. E alguns têm conseguido, embora raramente esses filmes tenham conseguido chegar ao nosso circuito. Geralmente, quando se fala de cinema de horror brasileiro, costuma-se associar muito à figura do Zé do Caixão, personagem mítico de José Mojica Marins, que de fato foi uma das criações mais importantes de nossa cinematografia, tendo rendindo grandes filmes, principalmente na década de 1960.

Muita gente esquece (ou não sabe) que na década de 1970 cineastas do porte de Walter Hugo Khouri e Carlos Hugo Christensen, entre outros tantos, conseguiram fazer cinema de horror de maneira séria e sofisticada. Nos anos 1980, diretores como Antonio Carlos da Fontoura (ESPELHO DE CARNE) e a dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins (A ESTRELA NUA) uniram o erotismo com o terror com resultados brilhantes. Atualmente, temos o caso de Rodrigo Aragão, que aos poucos está conseguindo chegar ao mercado com seu terceiro longa-metragem, MAR NEGRO.

Mesmo assim, existe um pensamento errôneo de que o cineasta brasileiro não sabe fazer filme de horror. Hoje, além de ótimos diretores como o cearense Petrus Cariry e o pernambucano Kleber Mendonça Filho, que também têm infiltrado o cinema de gênero em seus dramas sociais, o coletivo paulista Filmes do Caixote vem tentando mudar esse pensamento já faz algum tempo. Dois membros da turma, Marco Dutra e Juliana Rojas, construíram uma série de curtas fantásticos que solidificaram sua estrada para os longas-metragens. O primeiro deles, TRABALHAR CANSA (2011), foi assinado por Dutra e Rojas e ainda não abraçou o horror em sua totalidade, embora possua uma atmosfera sinistra bem particular.

E finalmente chegamos em QUANDO EU ERA VIVO (2014), assinado apenas por Dutra, mas tendo Juliana Rojas como montadora. Trata-se de uma obra que já causa estranheza ao ver o elenco: Antônio Fagundes, Sandy Leah e Marat Descartes. No caso de Descartes, não há nada de estranho, já que ele foi protagonista de TRABALHAR CANSA e estreou no cinema em um curta da dupla Dutra-Rojas, UM RAMO (2007). Mas a presença de Sandy, por exemplo, é uma escolha no mínimo inusitada.

E quem pensava que a cantora com rosto de boneca (de fato, no filme, ela parece uma boneca) estragaria o trabalho de Dutra está muito enganado. Ela é a terceira personagem mais importante de QUANDO EU ERA VIVO e é fundamental para a construção da trama, e sua voz doce é essencial para uma perturbadora cena envolvendo magia negra.

O filme se inicia com Júnior, o personagem de Descartes, retornando à casa do pai (Antônio Fagundes). Ele havia se separado da esposa e estava passando por uma difícil questão envolvendo a guarda do filho. Porém, já estava conformado que a guarda seria dada para a mãe. Rejeitando as tentativas de trabalho que o pai lhe arranjava, Júnior prefere ficar na casa do pai, lugar que ainda possui reminiscências escondidas de sua falecida mãe.

Todo esse material havia sido guardado pelo pai, que diz que trazer à tona coisas do passado dá azar. Mas não se trata apenas disso. Os estranhos vídeos encontrados, além de uma partitura com uma mensagem criptografada, são elementos que deixam Júnior ainda mais intrigado, querendo saber mais detalhes do que significa tudo aquilo. Para isso, ele procura a ajuda da jovem inquilina Bruna (Sandy), estudante de música.

QUANDO EU ERA VIVO tem suas qualidades apoiadas não apenas no desempenho dos atores e na direção segura de Dutra, mas também na fotografia linda de Ivo Lopes Araújo (responsável pela direção de fotografia de O GRÃO, de Petrus Cariry, e de TATUAGEM, de Hilton Lacerda); e na trilha sonora (assinada por Dutra, Guilherme Garbato e Gustavo Garbato), que desde os créditos iniciais já dita o tom. O filme é adaptado do romance A Arte de Produzir Efeito sem Causa, de Lourenço Mutarelli.

A adaptação foi feita por outro nome de primeira grandeza entre os novos cineastas brasileiros, Gabriela Amaral Almeida, mais conhecida pelo premiado curta-metragem A MÃO QUE AFAGA (2012), possuidor de uma atmosfera quase lynchiana, em parceria com Dutra. Logo, percebe-se que há todo um cuidado para que todos os elementos contribuam para que QUANDO EU ERA VIVO represente um novo e excitante momento de nosso cinema.

Ainda que distribuído em poucas cópias no Brasil, a intenção é conquistar o público aos poucos, de modo que consigamos ganhar um pouco mais de espaço nesse território ocupado principalmente pelas comédias globais. Como diria alguns personagens de certo filme de David Cronenberg: vida longa à nova carne!

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