segunda-feira, novembro 03, 2025

OS MALDITOS (The Damned)



Acho que já posso fazer uma postagem só com filmes recentes a que perdi boa parte de sua metragem e da própria compreensão – e obviamente da apreciação por causa do sono que me acomete. Atualmente isso tem se tornado cada vez mais constante e talvez eu esteja forçando demais a barra, uma vez que sei o quanto meu corpo costuma ficar sonolento à medida que chega o crepúsculo. Mas não só: há algum problema que atribuo a uma espécie de alergia, mas que não parece bem com uma alergia tradicional, mas eu sei que me incomoda demais. Ir ao cinema e não conseguir ver o filme que tanto se quer ver é muito mais frustrante do que não ir ao cinema. Certa ocasião, fui ver um filme chamado DORMIR DE OLHOS ABERTOS e minha experiência com o filme que (não) vi foi tão ruim que preferi nem sequer registrar que havia visto, pois só sobraram memórias vagas desse filme.

Então, de certa forma, é até possível pensar esse tipo de experiência, por mais frustrante que seja, como uma experiência muito particular, em que o filme se torna algo ainda mais próxima do sonho, pois suas imagens se tornam ainda mais etéreas em nossa memória. Se até a minha memória de filmes que vi bem consciente não é lá essas coisas, imagina com esses.

No caso de OS MALDITOS, talvez eu estivesse esperando um filme que em determinado momento me acordaria com uma espécie de choque. Afinal, é um drama de guerra. Ao sair da sessão, algumas pessoas o compararam a ALÉM DA LINHA VERMELHA, de Terrence Malick, o que me deixou ainda mais triste, já que gosto demais desse filme de guerra bem intimista e sensível do Malick.

Roberto Minervini é um diretor que não é tão novato assim. Esse já é seu sexto longa-metragem. Mas, talvez, só por causa do prêmio de direção na Mostra Un Certain Regard ele tenha ganhado mais atenção dos distribuidores ao redor do mundo. Aqui no Brasil é lançado pela Zeta, uma distribuidora por que simpatizo bastante, pelas escolhas corajosas e inusitadas e por ter em seu currículo obras notáveis, sendo que algumas delas estiveram entre meus favoritos dos anos de seus lançamentos, como HERE, de Bas Devos; MUSIC, de Angela Schanelec; MAL VIVER, de João Canijo; IL BUCO, de Michelangelo Frammartino; e principalmente APESAR DA NOITE, de Philippe Grandrieux, e LONGA JORNADA NOITE ADENTRO, de Bi Gan, que encabeçaram meus rankings nos anos de 2017 e 2019, respectivamente. Ou seja, todos esses filmes são obras bem desafiadoras, mais dirigidas a um público disposto a novas experiências e um andamento mais lento do que o usual.

Dito isso, é possível que em breve eu pegue para rever OS MALDITOS, talvez em casa mesmo, já que o ar condicionado forte da sala de cinema é também um dos elementos que prejudicam o estar acordado, alerta nas sessões. Em determinado momento, quando o grupo de homens diminui consideravelmente na tela, fiquei achando que havia perdido alguma cena muito importante, mas, pelo que soube de meu amigo Walker, houve de fato um hiato para aquele momento.

Chama a atenção as imagens, a aridez, ainda que fria, os rostos cheios de cicatrizes e de cansaço daqueles soldados da União, com a angústia da espera pelo ataque dos inimigos. Passa-se na Guerra da Secessão, mas poderia ser em qualquer outra guerra, imagino eu, embora uma guerra civil também represente uma divisão muito maior de alguém se identifica com o seu país. E, portanto, é mais do que um nós contra eles.

Os diálogos do filme foram criados pelos próprios atores, enquanto imaginavam ser soldados naquela guerra. Será que esse tipo de improviso tenha me desprendido do filme? Não, provavelmente não foi isso, embora eu prefira, sim, textos e imagens com um maior rigor.

+ TRÊS FILMES

ENTERRE SEUS MORTOS

Marco Dutra já provou que é tão bom solo quanto em parceria com Juliana Rojas – casos de O SILÊNCIO DO CÉU (2016) e AS BOAS MANEIRAS (2017), respectivamente. No entanto, esse seu filme mais lovecraftiano é uma bola fora em sua filmografia e muito do problema está na performance sonolenta de Selton Mello, o herói da história. Tanto que, quando ENTERRE SEUS MORTOS (2024) termina com certa palavra de ordem sendo repetida, isso acaba deixando espaço para uma piada pronta. Na minha sessão, estavam apenas eu e um outro senhor, que, já próximo das duas horas de exibição, ficou impaciente e verbalizou que ia embora. O horário que vi o filme não foi dos melhores, é verdade, mas eu não ter guardado comigo nada de que tenha gostado já explícita um problema meu em relação à obra. Até achei interessante o uso de cores e imagens que denunciam finalmente a inspiração/homenagem quando o filme se aproxima do fim, mas chegar até ali e não se importar muito por quem está na tela já não é lá um bom sinal. Inclusive, diria que o outro ator/personagem (Danilo Grangheia) teria sido uma melhor escolha para protagonista/narrador da história do que o Selton. De todo o modo, sempre bom poder ver um grande diretor criando.

SEU CAVALCANTI

Dez anos depois de PERMANÊNCIA (2014), um filme com um rigor formal aparentemente mais visível, Leonardo Lacca volta à direção para homenagear o avô, o Seu Cavalcanti do título, um senhor de mais de 90 anos que não abre mão de dirigir o seu carro, ou mesmo de buscar uma mulher mais jovem para ser sua namorada, o que gera um dos momentos mais divertidos de “perseguição de carros” do filme. SEU CAVALCANTI (2024) mistura documentário com ficção de maneira muito criativa e afetuosa. Afinal, a relação do cineasta com seu avô é muito próxima da relação com um pai. É fácil se pegar rindo das interpretações do Seu Cavalcanti em determinados momentos, quando ele topa interpretar um personagem de si mesmo para o filme do neto, como quando ele festeja ao receber a notícia de que haviam encontrado seu carro ou quando ele conta para a namorada de seus planos para o dia seguinte. Acho engraçado como costumo gostar de filmes protagonizados por pessoas idosas e me aborrecer com filmes sobre crianças. Claro que cada caso é um caso, mas talvez eu seja um espírito velho mesmo.

TOQUE FAMILIAR (Familiar Touch)

Talvez TOQUE FAMILIAR (2024) seja um dos filmes mais sensíveis a tratar do Alzheimer. Lembrando de outros recentes sobre o tema, como MEU PAI, que é quase um terror psicológico, e PARA SEMPRE ALICE, que concentra-se na angústia de quem em breve perderá sua memória e sua própria identidade, a estreia na direção de longas de Sarah Friedland, a veterana atriz Kathleen Shalfant já nos apresenta a uma personagem que está desconhecendo o próprio filho, mas que deixa transparecer em gestos e atitudes sua personalidade, como cenas do passado d aquilo que lhe dava prazer (como flertar um homem), além de se mostrar dócil com os enfermeiros da casa de repouso luxuosa onde se instala. Uma das curiosidades do filme está na história se passar num spa de luxo para idosos de verdade. Senti falta de uma conexão com a personagem, principalmente quando o filme vai ganhando mais silêncio por parte da heroína desmemoriada. Mas achei o final ótimo.

domingo, novembro 02, 2025

TUBARÃO (Jaws)



Que maravilha poder ver TUBARÃO (1975) na sala IMAX nesta cópia restaurada em celebração aos 50 anos da produção. Vi o filme pela primeira vez em 2004. Tardiamente, é verdade. E ainda foi por causa de um empurrãozinho de uns amigos, que achavam um absurdo que um autoproclamado cinéfilo como eu não tivesse visto ainda um dos filmes mais importantes da história do cinema. Para o cinema americano, foi definidor do início do fim de uma fase muito rica, a tal Nova Hollywood. A tampa do caixão foi fechada definitivamente com outros dois filmes, GUERRA NAS ESTRELAS, de George Lucas, em 1977, por motivos parecidos com o filme de Steven Spielberg, e PORTAL DO PARAÍSO, de Michael Cimino, em 1980, por ser uma megaprodução que afundou feio nas bilheterias. Mas claro que essa é uma história simplista, redutora e o espírito da Nova Hollywood resistiria ainda por alguns anos nos anos 1980.

Na época que fez TUBARÃO, Steven Spielberg ainda não tinha 30 anos e já havia feito um thriller maravilhoso para a televisão, ENCURRALADO (1971), que passaria em alguns cinemas, inclusive no Brasil. Sua estreia no cinema propriamente dito, no entanto, foi com LOUCA ESCAPADA (1974), uma comédia de crime que eu lembro de não ter gostado muito. Mas o que Spielberg queria fazer mesmo era seu filme sobre discos voadores, que ele só conseguiria fazer após o sucesso de TUBARÃO, a ficção científica CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (1977).

O roteiro de TUBARÃO foi parar em sua mão, depois de ter passado por outros diretores e de os produtores cogitarem gente mais veterana, como Alfred Hitchcock, Stanley Kramer, John Sturges e um tal Dick Richards, um jovem de 30 e poucos anos, que não sabia diferenciar um tubarão de uma baleia, e por esse motivo foi logo descartado num almoço entre os executivos da Universal. O jovem Spielberg aceitou fazer, mas se viu com uma batata quente nas mãos, já que havia o principal problema: a criação do tubarão. Houve quem quisesse usar tubarão de verdade, mas esses animais não são domesticados e a solução foi fazer um tubarão mecânico, que hoje em dia é facilmente identificado como mecânico, mas há um respeito muito grande pelo resultado final, até pelo quanto o filme constrói até mostrar o tubarão mecânico integralmente, já perto do final.

Eu confesso que gosto mais da primeira parte do filme do que da segunda, quando os três homens vão ao mar caçar a fera e se transforma numa aventura, mas há um quê de Howard Hawks na relação de quase amizade que se estabelece entre aquelas pessoas tão diferentes, inclusive com uma cena deles cantando, que não tive como não simpatizar. Ainda assim, gosto bem mais do início: o prólogo, com a garota indo nadar nua à noite e é atacada pelo tubarão, é magistral. Já dá o tom, inclusive do uso magistral da trilha sonora antológica de John Williams, que se tornaria o grande parceiro de Spielberg nas décadas seguintes, especialmente quando deixou registrado para sempre em status de clássicos temas de filmes como OS CAÇADORES DA ARCA PERDIDA (1981), E.T. – O ESTRATERRESTRE (1982) e JURASSIC PARK – O PARQUE DOS DINOSSAUROS (1993).

Na primeira parte do filme, um xerife, vivido por Roy Scheider, fica sabendo da morte da garota do prólogo e logo quer fechar a praia para banho, naquela pequena cidade litorânea que sobrevive de turismo. O prefeito, claro, não tem interesse e impede essa ação. Logo em seguida, acompanhamos uma das cenas de suspense mais bem filmadas do cinema, com dezenas (ou centenas?) de pessoas na praia, incluindo crianças e idosos, e o xerife com os nervos à flor da pele, e a câmera de Spielberg, unindo movimentos nervos com montagem nervosa, impressiona, que culmina com o ataque do tubarão a uma criança, o que causa terror e revolta para todos da cidade.

Logo em seguida, no meio daquela confusão, surge a solução de convidar um oceanógrafo (Richard Dreyfuss) e acontece a oferta de um velho pescador (Robert Shaw), que diz que consegue matar o tubarão assassino por 10 mil dólares. A presença de cena de Shaw é ótima e sua personalidade, assustadora para muitos, faz a diferença, embora ele só se torne um dos protagonistas na segunda parte do filme, ou seja, no momento da ida dos três homens ao mar. Mas antes disso há outras cenas bem tensas que acontecem na praia, já que um tubarão bem menor do que o grande tubarão branco que matou a garota e a criança é capturado por pescadores, o que leva a praia a ser novamente aberta para banho.

TUBARÃO fez tanto sucesso que, além das continuações do próprio estúdio, com aquela vontade natural de ganhar dinheiro (TUBARÃO 2; TUBARÃO 3 e TUBARÃO 4: A VINGANÇA). Além disso, como não poderia deixar de ser, os italianos também capitalizaram, com filmes como O ÚLTIMO TUBARÃO, de Enzo G. Castellari, que dizem ser uma cópia descarada do filme do Spielberg; TUBARÃO VERMELHO, de Lamberto Bava; A NOITE DOS TUBARÕES, de Tonino Ricci, entre outros. Isso para citar apenas os anos 1970 e 80. Mas talvez o melhor de todos desses italianos seja o que aparece em ZOMBI - A VOLTA DOS MORTOS, do Lucio Fulci, junto com um zumbi. Depois desse período, iniciou-se uma nova leva de produções com o peixe feroz, dentre eles destaco o ótimo ÁGUAS RASAS, de Jaume Collet-Serra.

+ TRÊS FILMES

HOLLYWOOD 90028

Se os Estados Unidos da década de 1970 visto nos filmes de primeiro escalão já denunciavam um sentimento de tristeza e ressaca daquela sociedade, é de se imaginar que os filmes feitos com dinheiro escasso, pensados para drive-ins e cinemas empoeirados também fossem impregnados dessa melancolia. O protagonista de HOLLYWOOD 90028 (1978), um fotógrafo de filmes pornôs ou marginais, é um homem que carrega uma maldição consigo: sempre que se sente atraído por uma mulher, ele a mata estrangulada. E isso é visto logo no início do filme, e numa sequência até suave para os padrões do cinema de gênero da época, em especial as produções mais baratas. Mas talvez a “culpa” desse corpo estranho no cinema esteja no fato de a direção ser de uma mulher, Christina Hornisher, em seu único longa-metragem. O filme traz uma espécie de lirismo bastante inesperado, em especial quando entra em cena uma personagem feminina que passa a conviver diariamente com esse fotógrafo, e, como uma Sherazade, ela, sem querer, passa a viver um dia a mais, pois o que ela deseja do fotógrafo é conversar, passear, falar de certas inquietações que lhe incomodam. E assim as cenas com os dois parece a invasão de um filme dentro de outro, e é justamente por isso que temos algo interessante. Tanto que o final parece até forçado, como se o destino dos personagens não fosse o pensado pela diretora. Belo resgate.

ARMADILHA PARA TURISTAS (Tourist Trap)

Sempre que vejo nos boxes de slashers que há um filme da década de 1970 arrisco a acreditar que é mais intenso e mais perturbador do que os da fase áurea do subgênero, os anos 1980, que, pareciam pegar mais leve no terror, na violência e no grau de perturbação e apostavam muito mais no humor. ARMADILHA PARA TURISTAS (1979), de de David Schmoeller, funciona que é uma beleza nesse quesito (o diretor de arte é o mesmo de O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA e o visual sujo predomina), nos deixando muitas vezes com o coração na mão. O que é aquela cena do plástico no rosto da moça, meu Deus!? Acredito que muita gente que viu este filme na época deve ter tido pesadelos. Primeiro trabalho profissional do diretor e um filme de produção barata, foi um acerto e tanto. Desde a primeira cena o filme nos ganha, com uma edição acertada e o que há de mais bonito: a trilha sonora de Pino Donaggio, colaborador de Brian De Palma. Ele vinha de filmes como PIRANHA e CARRIE, A ESTRANHA para essa produção menor, e não por isso fez um trabalho menos brilhante. Na trama, grupo de jovens que passeia de carro, graças a um pneu furado vai parar nas mãos de um psicopata que tem o diferencial de usar manequins e bonecos em seu museu. E há um toque sobrenatural, por assim dizer, que faz com que este filme se diferencie dos slashers mais comuns, com um pé maior na realidade. Mas isso não interfere de forma alguma no medo: ao contrário, intensifica bastante. Uma das melhores surpresas que eu vi neste ano. Presente no box Slashers XVI.

ASSASSINATOS NA FRATERNIDADE SECRETA (The House on Sorority Row)

1982 ainda foi um ano cheio de slashers sendo lançados nos cinemas dos Estados Unidos e do mundo. O que mais me chama a atenção nesses filmes é o caráter mais artesanal: a maioria deles sai de produtoras bem independentes e de orçamentos bem modestos. Infelizmente não havia no box (Slashers, o primeiro volume) nenhum extra que comentasse o processo de criação de ASSASSINATOS NA FRATERNIDADE SECRETA (1982), de Mark Rosman, algo que muitas vezes ajuda a aumentar o valor do trabalho. Aqui temos um exemplar mais ou menos tradicional, com um assassino misterioso e pessoas sendo mortas uma a uma. Há também a figura da final girl (Kate McNel), que tem seu ar de maior pureza, em comparação com suas colegas. Na trama, com uma brincadeira para se vingar da dona da casa que hospeda a fraternidade, a velha morre e as meninas procuram esconder o corpo o mais rápido possível, pois a festa está prestes a começar. Gosto de algumas cenas internas, com o diretor mostrando elegância, em especial quando filma corredores. Quanto aos efeitos gore, são fracos, mas eficientes para uma produção barata.