sexta-feira, janeiro 26, 2007

O PAGADOR DE PROMESSAS



Demorei a escrever sobre O PAGADOR DE PROMESSAS (1962) pois queria finalizar logo a parte que fala sobre o filme no livro "Anselmo Duarte - O Homem da Palma de Ouro", de Luiz Carlos Merten. E foi bom eu ter lido primeiro o livro, pois acabei sabendo de várias informações curiosas que o próprio Anselmo conta, despejando o seu veneno contra todos os seus desafetos. Aliás, esse lado venenoso do Anselmo me incomodou um pouco. O tempo todo ele faz questão de contar o quanto foi injustiçado e mostrar que venceu apesar de todos aqueles que o esnobaram. Ele também faz questão de contar que comeu a Norma Bengell pra que ela não saísse do elenco do filme por crise de estrelismo - Norma não se conformava porque a Glória Meneses havia recebido o papel principal.

Muita coisa eu não sabia e realmente fiquei surpreso. Por exemplo, eu não sabia que existiu uma versão portuguesa do filme, com um ator português substituindo o Geraldo Del Rey, que interpretou o cafetão "Bonitão". Essa versão só passou em Portugal e deve ser uma coisa meio bizarra de se ver. Outra curiosidade: o produtor do filme, o Oswaldo Massaini, queria para o papel do Zé do Burro o Mazzaropi. Anselmo teve que bater o pé até que, no final, o papel ficou mesmo com o Leonardo Villar.

Entre as espinafradas de Anselmo, a mais conhecida é a rixa com o Dias Gomes, autor da peça original, que não gostou dos cortes que Anselmo fez nos diálogos para a versão cinematográfica. Anselmo diz que Dias Gomes teve que engolir sapo quando o viu chegando da França com a Palma de Ouro na mão e com toda a recepção calorosa do público. Outros desafetos do Anselmo registrados no livro: 1) Joaquim Pedro de Andrade, que não chegou a agradecer a intervenção de Anselmo quando seu curta - COURO DE GATO - quase foi excluído de Cannes; 2) Tizuka Yamazaki, que se dizia discípula de Glauber Rocha, mas que copiou tudo que Anselmo fez quando dirigiu a mini-série para a Rede Globo; 3) Rubem Biáfora, crítico do Estadão, que se declarava o anti-Anselmo; e 4) toda a turma do Cinema Novo, que passou a excluí-lo ainda mais depois do prêmio em Cannes. Sobre essa turma Anselmo tinha uma opinião radical. Dizia que eles haviam rasgado a cartilha cinematográfica, que Glauber Rocha "era um intelectual e um político, mas era analfabeto de cinema", opinião ainda mais controversa nos dias de hoje, em que Glauber é idolatrado como o maior gênio do cinema nacional por tanta gente.

Outra curiosidade que eu quero compartilhar é sobre François Truffaut. Ele foi jurado no festival em que O PAGADOR DE PROMESSAS ganhou o prêmio maior. No dia da première do filme, no meio de tantas palmas e ovações, Truffaut estava lá aplaudindo e fazendo sinal positivo com o polegar. Anselmo, claro, ficou logo muito feliz e achando que o sonho de ganhar a Palma não estava tão longe de se realizar. Antes disso, numa noite, Anselmo estava num bar com o Massaini, que lhe sugeriu que ele desse de presente um disco de música brasileira a Truffaut, que estava lá no mesmo bar. Anselmo foi, mesmo não gostando muito da idéia e meio encabulado. Mas aí Truffaut falou: "mas você não é diretor de um dos filmes em competição? Está querendo me subornar?" E jogou longe o disco, que se espatifou no chão. Um momento bem cinematográfico.

Quanto ao filme,foi a segunda vez que o assisti e a catarse não foi tão forte quanto da primeira vez, mas a impressão de que se trata de um dos grandes filmes do nosso cinema permanece. As cenas que mostram a pluralidade religiosa de Salvador se destacam. Impossível não ficar do lado do coitado do Zé do Burro - e até das generosas senhoras do candomblé - e não odiar a intolerância do padre (Dionísio Azevedo). O final é de deixar qualquer um indignado e prestes a queimar uma igreja ao som de beribaums.

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