domingo, abril 23, 2023

BEAU TEM MEDO (Beau Is Afraid)



Na época que vi HEREDITÁRIO (2018), fiquei tão empolgado que até cheguei a revê-lo em outra sessão. E fico feliz ao ver que há um punhado de novos e talentosos diretores fazendo cinema de horror (ou algo tangenciando o gênero) na atualidade, sendo que Ari Aster é um dos que se destaca. MIDSOMMAR – O MAL NÃO ESPERA A NOITE (2019) ajudou a ressaltar a imagem de grande realizador, embora ali já se perceba algum tipo de autoindulgência, talvez pela duração do filme, que até possui uma versão “do diretor”, estendida, lançada inclusive em BluRay no Brasil. E este par de filmes foi suficiente para que a sessão de ontem no Cinema do Dragão de BEAU TEM MEDO (2023) estivesse lotada. É interessante ver quando há um público entusiasmado por um diretor em especial.

Mas BEAU TEM MEDO tem algo de muito errado, dentro de seus acertos eventuais – se bem que cada vez que tenho pensado mais no filme esses acertos não se parecem mais acertos. E há o mal estar. Não sei se o mal-estar provocado pelo filme (semelhante a uma espécie de angústia) vem do turbilhão de perturbações mentais, grandes frustrações e possíveis descobertas do protagonista, ou se a verborragia de seu terceiro ato já estava enchendo o saco, por mais que traga alguma coisa de interessante na temática, em questões clássicas de psicanálise freudiana. (Poderia culpar também o meu momento pessoal atual, com problemas familiares que têm tirado o meu sono e aumentado minha ansiedade.)

O que eu gostei no início do filme foi da apresentação desse personagem que tem um jeito de ver o mundo todo desvirtuado por uma ótica própria – embora no final toda a narrativa pregressa passe a ser questionada numa suposta reviravolta. Ao final, tive uma sensação semelhante ao que passei durante o torturante sessão de SINÉDOQUE, NOVA YORK, de Charlie Kaufman, e isso, meus amigos, não é nada bom. Na cena do julgamento, inclusive, quando o filme atinge o limite do insuportável, parece que minha vontade foi atendida, ao menos. Mas isso é terrível.

Uma das coisas que me deixou ao mesmo tempo incomodado e irritado foi o quanto Beau (Joaquin Phoenix) passa o filme inteiro sendo violentado, pisoteado, atropelado, esfaqueado, humilhado, torturado e ainda assim fica muito temeroso de perder sua vida. Sei que isso não pode ser nada legal de se pensar (desistir de tudo), pois as vidas podem mudar de rumo em algum momento, mas o filme proporciona esse tipo de pensamento (semelhante à experiência de DANÇANDO NO ESCURO, do Lars Von Trier). No meio da história, recebemos uma informação do próprio protagonista (fornecida por sua mãe num flashback) que se ele um dia transar, ele morrerá imediatamente do coração, como aconteceu com seu pai, com seu avô etc. Que isso seria algo genético. Ou seja, temos mais um filme sobre a possessividade e a perversidade de uma mãe judia, que me fez lembrar o segmento de Woody Allen em CONTOS DE NOVA YORK, mas certamente há vários outros exemplos melhores.

Algumas cenas poderão ficar na memória, como as do bairro de fim do mundo, a cena de sexo de Beau, ou as memórias de sua infância, quando conhece uma garota e se apaixona. A sequência de animação, dirigida pelos chilenos Cristobal León e Joaquín Cociña, também é muito boa e quase nos faz esquecer do que acontecia na trama em live action. Mas isso é pouco para um filme de três horas de duração e para um diretor que já faz autocitações (decapitação, queda de um homem das alturas), tendo um conjunto de obra ainda pequeno para tal. De todo modo, BEAU TEM MEDO ainda tem meu respeito. Tem a assinatura de seu realizador, que se mostrou bastante talentoso, e que imagino que deveria fazer uma obra “menor” da próxima vez – esta é a produção mais cara da A24, tendo custado 55 milhões de dólares. Ah, e por favor, que seja um filme plasticamente bem menos feio.

+ TRÊS FILMES

SUZUME (Suzume No Tojimari)

É uma oportunidade e tanto poder conferir no cinema uma animação de Makoto Shinkai. Lembro com carinho do meu primeiro  contato com seu trabalho, no início dos anos 2000, com seus curtas SHE AND HER CAT (1999) e VOICES OF A DISTANT STAR (2002). Depois só tive contato novamente com sua arte através do ótimo longa YOUR NAME. (2016), talvez o seu mais bonito trabalho. Este SUZUME (2022), por ser mais de fantasia do que de ficção científica, me pega menos, mas em diversos momentos me vi encantado com a riqueza visual do filme, com a assinatura marcante de mostrar o céu da maneira mais bonita possível, como se o mundo fosse sempre cheio de mistério e beleza. E mistério é algo que não falta em SUZUME, que conta a história de uma estudante do ensino médio que conhece um rapaz e acaba entrando em contato com um mundo de portas que se abrem para o sobrenatural, afetando o Japão através de terremotos, algo que já faz parte dos traumas que o próprio país carrega ao longo de séculos. E há também o trauma da bomba atômica, que aparece de forma simbólica inúmeras vezes no filme. Aliás, não apenas neste filme, como já sabemos, mas Shinkai ajuda a enriquecer, de forma poética, essa cicatriz. O filme é atraente para o público infantil também por trazer a cadeira de três pernas e o gato falante. Como história de amor, não vejo como sendo tão forte quanto YOUR NAME., mas como um road movie "viajante" é mais rico. Também gosto de como o filme termina, fechando questões essenciais à memória da jovem protagonista.

O URSO DO PÓ BRANCO (Cocaine Bear)

Eis um filme que tem seus momentos divertidos e que já conta com uma premissa das mais atraentes, além de ter uma vontade forte de abraçar o filme B e a comédia. Apesar das cenas de desmembramento e dos ataques sangrentos do urso às pessoas, O URSO DO PÓ BRANCO (2023) é bem leve. Até acho que se investisse mais no suspense teria resultados melhores. A cena do urso subindo as árvores, por exemplo, ganharia bastante se adicionada a um pouco de medo e apreensão. Do elenco, destaque para as crianças. Aliás, corajoso da parte de Elizabeth Banks idealizar esse tipo de filme mais absurdo incluindo crianças, mesmo lembrando que ela tem no currículo um dos filmes mais inacreditáveis do novo século, a comédia de gosto duvidoso PARA MAIORES (2013), em que dirigiu um dos segmentos.

O TRUQUE DA GALINHA (Feathers)

Numa trama surreal, numa festa de família, num truque de mágica que dá errado, homem desaparece e dá lugar a uma galinha. Depois disso, a esposa tenta resolver os inúmeros problemas tendo que se virar sem dinheiro. Aliás, é intencional o filme mostrar close-ups da mulher pagando sempre por bens e serviços que surgem como consequência do ocorrido na festa. Com um senso de humor muito particular, no esquema "rir para não chorar", o filme acompanha uma jornada de surpresas, sofrimentos e às vezes risos. Além de trazer um enredo bastante original, O TRUQUE DA GALINHA (2021), de Omar El Zohairy, ainda funciona como um meio de entendermos e nos solidarizarmos com pessoas pobres que vivem em territórios desolados do Egito. Gosto da conclusão e de inúmeras situações, embora ache que o filme poderia ser um pouco menor em sua duração.

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